quarta-feira, 18 de março de 2020

Luiz Carlos Azedo - Os vírus são teimosos

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

Bolsonaro não esconde seu desacordo com as medidas de “distanciamento social”, mas finalmente considerou o país em “estado de calamidade pública”

O presidente Jair Bolsonaro finalmente se deu conta de que os vírus são mais teimosos do que ele próprio. Ontem pela manhã, em entrevista à Rádio Tupi, o presidente da República criticou os governadores por adotarem medidas para evitar aglomerações, o que classificou de “histeria”. No final do dia, declarou “estado de calamidade pública” em todo o país e pediu ao Congresso a aprovação da medida. Vírus são parasitas intracelulares obrigatórios (característica que os impede de serem considerados seres vivos), dependem de células para se multiplicarem. Diferentemente dos organismos vivos, são incapazes de crescer em tamanho e de se dividir. Porém, uma vez dentro da célula, a capacidade de replicação dos vírus é surpreendente: um único exemplar é capaz de multiplicar, em poucas horas, milhares de novos vírus. Não foi à toa que apenas um dos 30 infectados na Coreia do Sul foi o responsável pela transmissão da epidemia que atingiu 196 mil pessoas.

Os vírus são capazes de infectar todos os seres vivos de todos os domínios e representam a maior diversidade biológica do planeta, sendo mais diversos que bactérias, plantas, fungos e animais juntos. Desde o século XIX, cientistas travam uma batalha silenciosa contra os vírus, iniciada por Louis Pasteur, com a teoria microbiana das doenças, que teve um grande avanço quando o microbiologista Charles Chamberland, em 1884, conseguiu filtrar as bactérias. Coube ao microbiologista Martinus Beijerinck, em 1898, identificar pela primeira vez um contagium vivum fluidum (fluido vivo contagioso).Ele introduziu o termo ‘vírus’ para indicar que o agente causal da doença do mosaico do tabaco não tinha uma natureza bacteriana, e sua descoberta é considerada como o marco inicial da virologia.

A partir daí vieram as grandes descobertas: Em 1898, o vírus da febre aftosa (Aphtovirus; em 1901, Walter Reed identificou o primeiro vírus humano, o vírus da febre amarela (Flavivirus). Em 1908, Vilhelm Ellerman e Olaf Bang demonstraram o vírus da leucose aviária. E em 1911, Peyton Rous transmitiu o vírus do sarcoma de Rous de uma galinha para outra. Em 1915, o bacteriologista Frederick William Twort observou que as colônias morriam e que o agente dessa transformação era infeccioso. Em 1937, Max Theiler cultivou o vírus da febre amarela em ovos de galinha e desenvolveu uma vacina a partir de uma estirpe do vírus atenuado.

Em 1949, John Franklin Enders, Thomas Weller e Frederick Robbins cultivaram o vírus da poliomielite em culturas de células embrionárias humanas, o primeiro vírus a ser cultivado sem a utilização de tecido animal sólido ou ovos Este método permitiu a Jonas Salk desenvolver uma vacina eficaz contra a poliomielite.Mas somente após a segunda metade do século XX. a luta contra os vírus ganhou escala: foram reconhecidas mais de 2000 novas espécies de vírus de animais, plantas e bactérias. Em 1957, descobriu-se o arterivírus equino e o vírus da diarreia bovina (um pestivírus). Em 1963, Baruch Blumberg descobriu o vírus da hepatite B, e em 1965, Howard Temin descreveu o primeiro retrovírus. A transcriptase reversa, que é a enzima fundamental dos retrovírus, foi descrita em 1970, por Howard Martin Temin e David Baltimore. Em 1983, a equipe de Luc Montagnier do Instituto Pasteur, na França, isolou pela primeira vez o retrovírus que hoje conhecemos por HIV, ou seja, o vírus da AIDS.

Bolsonaro tem de cumprir seu papel contra o coronavírus – Editorial | O Globo

Que o pedido de decretação do estado de calamidade indique nova postura do presidente

Quando ganhou a eleição, o ex-capitão e deputado do baixo clero Jair Bolsonaro começou a ser apresentado à opinião pública no exterior como um político de extrema direita e nacionalista. Em pouco tempo, foi colocado no escaninho do nacional-populista Donald Trump e similares. Mas nestes últimos dias, com o avanço do coronavírus no Brasil, já previsto pelo seu próprio governo, Jair Bolsonaro conseguiu ficar isolado no mundo de forma patética.

Até mesmo Trump, que desdenhara do “vírus estrangeiro”, decretou emergência nacional nos Estados Unidos e passou a aparecer à frente do Executivo no anúncio ao vivo de seguidas ações econômicas e de saúde pública. O francês Emmanuel Macron declarou em rede nacional “guerra” ao patógeno, o mesmo acontecendo em incontáveis países. Já o presidente brasileiro tachou toda esta mobilização de “histeria”. Criticou ontem governadores por tomarem medidas rígidas, considerando que a “histeria” prejudica a circulação das pessoas e assim derrubará a economia. Ainda arrematou comparando a pandemia a uma gravidez, porque a criança vai nascer e “vai passar”. Uma enorme demonstração de desconhecimento do que acontece. Se não houver quarentenas e isolamento, o vírus afunda o país e o mundo numa crise bem mais grave. Por isso, todos seguem este modelo.

O presidente brasileiro entrou em modo persecutório — sem surpresa — e interpretou como “golpe” a oportuna iniciativa de lideranças do Congresso — presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre — e dos ministros Dias Toffoli e Luiz Fux, presidente e vice do Supremo, de se reunirem na segunda-feira. Também participou do encontro, entre outros, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, dando uma pista do tema óbvio da reunião.

Merval Pereira - A realidade se impõe

- O Globo

Mandetta encontra obstáculos desde o primeiro momento da crise devido a questões políticas

O presidente Bolsonaro teve que abandonar a retórica irresponsável sobre a gravidade da crise do novo coronavírus, devido às evidências em escala mundial. A preocupante lentidão do governo federal nas ações de combate ao coronavirus foi quebrada ontem com a decretação do estado de calamidade pública. Só segunda-feira foi montado o gabinete de crise, que se reunirá hoje já sob o novo espírito, o que deveria ter sido feito há pelo menos 15 dias. Diversas medidas emergenciais continuam em estudo, espera-se que hoje, depois da primeira reunião do grupo, sejam anunciadas.

O ministro Paulo Guedes anunciou uma série de medidas, mas falta muita coisa, inclusive para guiar os executivos estaduais, que, na parte relativa à sociedade, estão muito mais avançados. Por isso Bolsonaro diz que as medidas tomadas pelos governadores prejudicarão a economia, como fosse possível reativar a economia sem a ação do governo federal de compensação aos pequenos e micro-empresários.

Também as grandes empresas precisarão de estímulos para enfrentar a crise, que já está fazendo com que previsões de recessão este ano no país se generalizarem entre os agentes econômicos.

Bernardo Mello Franco - O presidente isolado

- O Globo

Na cadeira destinada ao governo, sentou-se o ministro Luiz Mandetta. Bolsonaro sempre afrontou as instituições e a dignidade do cargo. Agora também se tornou uma ameaça à saúde pública, ao sabotar os esforços contra o coronavírus

Ao ignorar as normas de quarentena e sair do palácio para se juntar a uma manifestação golpista, Jair Bolsonaro tentou dar uma demonstração de força política. Na prática, mostrou-se um presidente cada vez mais débil e isolado.

O capitão sempre afrontou as instituições, a democracia e a dignidade do cargo. Agora também se tornou uma ameaça à saúde pública, ao sabotar os esforços para conter a epidemia do coronavírus. Além de deseducar a população, sua atitude expôs os próprios seguidores ao risco de contágio.

Ontem Bolsonaro mostrou duas vezes que continua alheio à gravidade da crise. De manhã, chamou as precauções com a doença de “histeria” e informou que pretende dar uma “festinha” no fim de semana. À tarde, comparou a epidemia a uma gravidez e disse que suas vítimas idosas teriam morrido se pegassem “outra gripe qualquer”.

Na segunda-feira, o ministro Paulo Guedes fez uma declaração parecida ao tratar os mortos na China como uma estatística insignificante. “Dizem que morreram só cinco mil pessoas”, afirmou.

Zuenir Ventura - No grupo de risco

- O Globo

Não consideramos ‘histeria’ as medidas contra a pandemia

Nunca pensei que um velhinho saudável e inofensivo pudesse ser considerado um risco à saúde pública só porque tem mais de 80 anos. E, pior, que devesse ser mantido afastado de todos, inclusive dos netos. Sei que vocês vão dizer que isso não é nada diante do que ocorre, por exemplo, na Itália, onde idosos estão sendo abandonados à própria sorte, isto é, à morte, pois não há como tratar de todos. A taxa de letalidade do novo coronavírus é a mais alta entre os “vulneráveis”, 14,8%, enquanto é de 8% entre os de 70/79 anos. Na China, 15% dos mais de 80 anos morreram.

Nem por isso subestimem a situação de um avô impedido de abraçar, beijar ou simplesmente de tocar seus netos, como é o meu caso. Quando a mãe e o pai tiveram a generosidade de vir morar aqui ao lado, no mesmo andar, porta com porta, era para que Alice e Eric permanecessem perto dos avós mais velhos (eles têm outros, mas novos). Além disso, sabiam que seríamos uma proteção a mais. Podiam sair à noite tranquilos para o cinema, porque as portas ficariam entreabertas, e Mary e eu estaríamos de olho.

Míriam Leitão - A comunicação de um líder à deriva

- O Globo

Há dois tipos de governantes; um deles aprende. Trump mudou em relação ao coronavírus; Bolsonaro segue perdido

A comunicação é, em qualquer crise, uma ferramenta essencial. Todo mundo já entendeu. Quem viu as últimas entrevistas de Donald Trump nem reconhece o governante que desdenhava do vírus e que estava em guerra aberta com os democratas num processo de impeachment. Trump fez questão ontem de elogiar todos os governadores. Quem vê o presidente Bolsonaro reconhece o mesmo comportamento de sempre. Ele não aprende. Voltou a dizer ontem que há “uma certa histeria” em relação ao coronavírus, e criticou os governadores que teriam tomado medidas que vão “prejudicar a economia”.

Há dois tipos de governantes. Um deles aprende. Na China, a primeira atitude de reprimir a informação custou muitas vidas. Depois o governo mudou. Nos Estados Unidos, Trump tentou criticar as notícias e a ciência.

Quis desenvolver um teste próprio americano, o que atrasou a resposta. Falou que era um “vírus estrangeiro”. Mas até Trump mudou. Quem o viu nas entrevistas coletivas desde o dia em que declarou “emergência nacional” conheceu um Trump educado. Ontem disse que os governadores têm sido “generosos” e que fez teleconferência com todos eles. No domingo o presidente americano falou o nome de inúmeros CEOs de empresas com os quais havia conversado sobre a crise econômica e o abastecimento.

Ricardo Noblat - O barulho das panelas volta a ser ouvido

- Blog do Noblat | Veja

Um contra-almirante para o lugar de Mandetta
-
Sentado no banco dos réus da opinião pública, o presidente Jair Bolsonaro, conhecido como O Mito, começou a ser julgado. No mesmo dia em que passou com boa nota no teste do coronavírus, o segundo que fez em menos de uma semana, virou alvo do seu primeiro panelaço antes de completar 14 meses de governo.

Bolsonaro parece ter vindo ao mundo para destacar-se em todos os rankings. Como soldado raso, batia os colegas em exercícios físicos – daí o apelido de Cavalão. Foi o primeiro sindicalista militar a planejar atentados terroristas contra quartéis. E, por isso, acabou afastado do Exército, acusado de conduta antiética.

Em quase três décadas na Câmara, Bolsonaro apresentou 171 projetos de lei, de lei complementar, de decreto de legislativo e propostas de emenda à Constituição. Só conseguiu aprovar dois. No Congresso, foi um dos precursores da rachadinha – a apropriação indébita de parte dos salários dos seus servidores.

Apesar de sua irrelevância, chegou onde está sem fazer escala em nenhum outro lugar para, poucos meses depois, tornar-se o presidente com o menor grau de aprovação no seu primeiro ano de mandato. Nunca antes um presidente ouviu tão precocemente o barulho das panelas e o grito de “fora”. Ele ouviu.

Há outro panelaço marcado para esta noite. Uma coisa dessas sabe-se como começa, mas nunca se sabe como termina. Da redemocratização do país para cá, só Dilma Rousseff ouviu, e deu no que deu. Fernando Collor viu multidões vestidas de preto quando ele recomendara que se vestissem de verde e amarelo.

Vera Magalhães - Com morte não se lacra

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro recua após óbito por coronavírus e reação das instituições

Domingo, 13h. Um sorridente Jair Bolsonaro, trajando camisa polo da Confederação Brasileira de Futebol, desce a rampa do Palácio do Planalto, geralmente destinada a solenidades, para cumprimentar mais de 200 pessoas, posar para selfies ao lado de cartazes pregando o fechamento do Congresso e com palavrões e subir de volta aos urros de “AI-5, AI-5”.

Naquela ocasião, o Brasil já iniciara uma quarentena ainda meio desajeitada, mas engajada nas orientações do Ministério da Saúde para tentar achatar a curva de propagação do novo coronavírus no Brasil. Bolsonaro, por sua vez, tinha um segundo teste de Covid-19 pendente, e deveria estar em isolamento.

Terça-feira, 18h. Um Bolsonaro bem menos acelerado, com cara assustada e acuada, para na grade do Palácio da Alvorada para uma conversa com a imprensa. Não xinga ninguém. Não diz que a pandemia de coronavírus é histeria – nem sua variante “histerismo” – ou fantasia. Não ofende Rodrigo Maia nem Davi Alcolumbre. Pelo contrário: os convida para uma reunião, juntamente com outros representantes de Poderes.

O que mudou nas 50 e poucas horas entre os dois atos? Pelo menos duas pessoas morreram pelo novo coronavírus, as primeiras vítimas brasileiras de uma pandemia que já vitimou mais de 7.000 pessoas pelo mundo. E as instituições traçaram uma risca no chão diante dos arreganhos autoritários do presidente da República.

Rosângela Bittar - Blefe, na melhor hipótese

- O Estado de S.Paulo

Foram Bolsonaro, filhos e amigos que transformaram a Presidência em rinha

Nunca foi tão fácil saber quem tem razão. Os presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal, na liderança de suas instituições, transmitem mais conforto e segurança à maioria da população que o presidente da República. Sem os meios, que estão serenamente bem tocados pelo Ministério da Saúde, os chefes dos poderes Legislativo e Judiciário dão sinais de equilíbrio, enquanto o presidente Jair Bolsonaro cria uma rota preocupante de insanidade suicida. Entra nela quem quer, mas caberia ao presidente dar o bom exemplo. Está nele o que acusa nos outros: só pensa na disputa do poder que, hoje, envolve o risco de morte.

Neste momento de incerteza da própria sobrevivência coletiva, quando deveria estar preocupado com a salvação pública, é incrível que o presidente protagonize não ações que gerem confiança, transparência e prudência, mas surtos incontroláveis do seu temperamento persecutório e provocativo.

Um Poder Executivo esconder suas próprias manobras chantagistas alegando ser vítima de chantagem, é blefe.

Jair Bolsonaro dizer que está apanhando há 15 meses e agora vai revidar, é também blefe. Desde que assumiu está batendo, provocando as demais instituições, jogando uns contra outros, transferindo a terceiros seus fracassos reais e imaginários. Sim, a cobrança é leve porque não houve tempo sequer para sofrer perdas significativas. Sente-se, pela desproporção dos atos, como se o próprio Bolsonaro estivesse preparando justificativas para uma ação excepcional.

Foram Bolsonaro, filhos e amigos que transformaram a Presidência em rinha.

Não é bom para a democracia que o Poder Legislativo fique omisso e engula atos de provocações a seco. Nem é razoável, também, que parta para retaliação ao Executivo, punindo toda a sociedade, como faz o presidente da República. O Legislativo está agindo de acordo com suas atribuições. E basta que mantenha a calma, bom senso, cuidados sanitários, definindo sua agenda conforme a possibilidade do momento.

PIB anêmico achata a renda do brasileiro – Editorial | Valor Econômico

Após crescer por 17 trimestres consecutivos, a desigualdade medida pelo índice de Gini se estabilizou em nível muito alto no fim do ano passado

Há muitos aspectos negativos nos resultados do Produto Interno Bruto (PIB) de 2019, mas certamente um dos piores é sua consequência sobre a renda do brasileiro. Com a expansão do PIB limitada a 1,1% no ano passado e a população crescendo 0,8%, a renda per capita do brasileiro aumentou apenas 0,3%. Foi o pior resultado dos últimos três anos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2018 e 2017, o PIB per capita teve um desempenho longe de exuberante, mas cresceu um pouco mais, 0,5% ao ano.

Os três anos anteriores, marcados pela recessão em que o país mergulhou, foram bem ruins: o PIB per capita chegou a cair 4,4% em 2015 e 4,1% em 2016. Entre as perdas registradas nesses anos e a fraca recuperação que se seguiu, o brasileiro ficou 7,4% mais pobre em termos de PIB per capita.

Mais desanimador ainda é que o brasileiro levará 23 anos para recompor suas perdas se o ritmo do ano passado se mantiver. Se acelerar um pouquinho mais, como em 2017 e 2018, ainda vai precisar de nada menos que 15 anos.

As hipóteses, estimadas pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), consideram que a população continuará crescendo 0,8% ao ano (Valor 5/3). Visto de outro modo, o PIB per capita de R$ 34,5 mil por brasileiro em 2019 é o mesmo valor registrado em 2013, informou a coordenadoria de Contas Nacionais do IBGE.

Na avaliação do Ibre/FGV, não existe recuperação tão lenta quanto a atual. Em outras recessões sofridas pelo país no passado, o PIB per capita estava recomposto em até 23 trimestres, ou seja, em quase seis anos. As consequências do quadro são severas não só sobre o bem-estar da população, mas também influenciam a reação da economia como um todo e o mercado de trabalho.

Fernando Exman - O comportamento do líder diante do caos

- Valor Econômico

Há risco de banalização do choque entre Poderes

Um país polarizado é o habitat perfeito para um governante que considera todo assunto que chega aos escaninhos do Palácio do Planalto um risco ao seu mandato ou um lance de disputa de poder.

Esse hoje é o retrato do Brasil, onde o presidente da República tem em sua base eleitoral quem ainda discute o formato da Terra, ignora o aquecimento global e, agora, faz pouco caso de uma pandemia que avança no Brasil em progressão geométrica. Um país em que os demais Poderes republicanos tentam continuar trabalhando em harmonia, enquanto se esforçam para evitar que um eventual grito de independência seja interpretado como um grito de guerra.

Consolida-se, assim, um ambiente árido para que autoridades do Executivo, do Legislativo e do Judiciário tentem construir saídas para uma crise ainda sem um ponto final perceptível no horizonte. É real o risco de banalização dos choques entre as instituições.

Ironicamente, a tíbia articulação política do governo, até recentemente sob severas críticas dos parlamentares, terá uma trégua.

Todos os sinais vindos do Congresso apontam que os deputados e os senadores não criarão obstáculos à aprovação de medidas emergenciais para o enfrentamento dos efeitos da crise. O Legislativo está decidido a mostrar para a sociedade que não deixará de trabalhar, mesmo em meio aos ataques do presidente Jair Bolsonaro e de seus aliados.

Cristiano Romero - Jamais diga “isso não vai acontecer”

- Valor Econômico

Riscos em 2008 foram negados até a chegada do Leviatã

No jornalismo, os mais experientes recomendam aos mais jovens que jamais pronunciem a frase “não vai acontecer nada”. Dita por jornalistas, essa sentença é uma espécie de maldição. Tudo acontece quando um repórter, encarregado de cobrir um determinado assunto, ousa duvidar do destino, este trapaceiro.

A crise mundial de 2008, cujo epicentro foram os Estados Unidos, vinha sendo antecipada por alguns poucos economistas havia alguns anos, mas as autoridades americanas fizeram ouvido de mouco. Não era necessário ser um especialista para desconfiar de que havia algo muito errado no mercado imobiliário da maior economia do planeta - um problema que depois contaminou o sistema financeiro europeu e provocou a crise mais severa desde a Grande Depressão, em 1929.

Desde o início dos tempos, diziam americanos orgulhosos, os preços dos imóveis nos EUA só têm uma direção: subir. Isso foi um fato até 2008, mas o que acontecia no fim do século XX e nos primeiros anos do atual não podia ser normal.

Grosso modo, dava-se o seguinte: o sujeito ia a um banco e, sem muita dificuldade, conseguia crédito para comprar um imóvel, às vezes, mais de um. Na época, os bancos não se preocuparam muito com a capacidade do devedor de honrar a hipoteca. Por quê? Porque o valor dos imóveis escalava a um ritmo extraordinário. A depender do local, o preço dobrava no espaço de apenas quatro anos.

Mario Mesquita* - De crise em crise

- Valor Econômico

Autoridades monetárias e fiscais estão tentando reagir tempestivamente à deterioração de expectativas

A economia mundial foi atingida por dois choques relevantes em pouco espaço de tempo. Primeiro, o choque de oferta e demanda ocasionado pela epidemia de coronavírus. Depois, o choque da queda dos preços do petróleo, derivado de uma disputa entre sauditas e russos - cujo impacto é mais ambíguo. Tais choques ocorrem em um momento em que a capacidade de resposta de política econômica parece limitada. Nesse texto vamos examinar a capacidade de resposta global ao choque do coronavírus. A coluna subsequente tratará do tema no caso brasileiro.

Até a eclosão da epidemia, as perspectivas para a economia mundial eram razoavelmente benignas: o FMI, por exemplo, esperava crescimento de 3,3%, ante 2,9% em 2019, na edição de janeiro das Perspectivas Econômicas Mundiais. Os economistas do Itaú tinham 3,2% antes da epidemia, e cortaram a projeção para 2,7%.

A atividade econômica na China começa a normalizar, em paralelo à redução do número de novos casos, mas mesmo assim os efeitos das restrições ao deslocamento de pessoas impostas no auge do surto (que configurou um choque de oferta), bem como da redução no crescimento da renda e queda da confiança (choque de demanda), devem implicar crescimento menor do que o anteriormente esperado, de 5,3% (ante 5,8%).

Para a economia da área do euro, onde a epidemia ainda está na fase de aceleração, o impacto econômico deverá levar o crescimento para cerca de 0,6% (anteriormente, 1%), mesmo supondo, o que é razoável, restrições menos severas ao direito de ir e vir do que as adotadas na China. A economia japonesa, por sua vez, deverá registrar estagnação, e não a expansão de 0,4% esperada antes do choque.

Evitar uma tragédia – Editorial | Folha de S. Paulo

Na crise do vírus, devem-se mirar informais e miseráveis; Bolsa Família é opção

O pacote de medidas econômicas destinadas a mitigar os efeitos do coronavírus deve ser encarado como providência inicial, bem-vinda e, tudo indica, insuficiente.

A partir do conjunto de decisões alinhavado às pressas pela pasta da Economia, calculou-se um impacto de R$ 147,3 bilhões em três meses. A cifra, aparentemente bombástica, deve ser mais bem qualificada.

A enorme maioria dos valores incluídos na conta diz respeito a antecipações de pagamentos a cargo do governo e adiamentos de cobranças tributárias —sem alterar, assim, o total de despesas e receitas do Orçamento deste ano.

Aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) receberão o 13º em abril e maio; o abono salarial será concedido em junho; o recolhimento ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) fica postergado por três meses, bem como o da parte da União no Simples Nacional.

Adicionalmente, haverá abertura para novos saques de dinheiro do FGTS, pertencente aos trabalhadores celetistas, e alívio temporário nas contribuições ao Sistema S. Em nenhum dos casos se lida com recursos do Tesouro Nacional.

O que existe de dinheiro orçamentário novo representa parcela pequena do pacote, caso de até R$ 3,1 bilhões para a inclusão de 1 milhão de beneficiários no Bolsa Famíli —ação fundamental, que já deveria estar em vigor.

Além disso, editou-se medida provisória para expandir gastos com saúde em R$ 5 bilhões, não incluídos na conta da Economia, e prevê-se eliminação de impostos sobre produtos necessários ao enfrentamento da Covid-19.

Bruno Boghossian – A histeria de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Em atitude irresponsável, presidente se preocupa com efeitos da crise sobre seu poder

Jair Bolsonaro fez um cálculo político desesperado e irresponsável ao insistir no menosprezo ao coronavírus. Enquanto líderes de outros países tomavam medidas preventivas amargas, o brasileiro se preocupava com a própria cadeira.

A ficha demorou alguns dias para cair. No início, o presidente ecoava negacionistas que diziam que a crise era uma fantasia. Depois, percebeu que a desaceleração econômica causada pela pandemia teria impacto direto sobre seu poder.

Traumatizado pelo pibinho do ano passado, Bolsonaro continuou reclamando de reações que considerava exageradas, mas também passou a dar contornos políticos às restrições impostas para conter o vírus.

"É essa a preocupação que eu tenho. Se a economia afundar, afunda o Brasil. Se afundar a economia, acaba com meu governo. É uma luta de poder", confessou, em entrevista à rádio Bandeirantes, na segunda (16).

Hélio Schwartsman - Escolhas de Sofia

- Folha de S. Paulo

É preciso definir critérios a serem utilizados se a situação ficar realmente ruim

Eu provavelmente pegarei a covid-19 em breve. É que minha mulher, que é médica intensivista e cardiologista, foi convocada para atuar numa das UTIs do SUS que receberão pacientes críticos com a nova moléstia.

Considerando que a taxa de infecção dos profissionais de saúde é relativamente alta e que boa parte das transmissões ocorre dentro de casa, a sorte da família está lançada. Espero que sejamos todos tão hígidos quanto penso que somos para passar pela doença sem problemas.

O que gostaria de discutir hoje, porém, não é o discreto aumento do risco de minha família, mas um pepino ético com o qual teremos de lidar.

Pelo menos por enquanto, não há nada que permita afirmar que nossa curva epidêmica será muito diferente da da Itália. Adoraria ser desmentido pelos fatos, mas não podemos descartar a possibilidade de vivermos uma situação semelhante à dos italianos, que, diante da falta de vagas em UTI, tiveram de definir à beira do leito quem iria para o ventilador e quem receberia cuidados paliativos —uma das piores situações por que um médico pode passar.

Ruy Castro* - Anônimos e famosos

- Folha de S. Paulo

A Gripe Espanhola não escolheu suas vítimas. O coronavírus também não escolherá

Custou, mas o coronavírus trouxe de volta a memória do flagelo que atingiu o mundo nos estertores da Primeira Guerra, em fins de 1918: a Gripe Espanhola. Não era uma gripe nem viera da Espanha, mas assim passou à história e, em menos de três meses, matou 50 milhões —quase dez vezes o número de mortos da própria guerra. Anônimos e famosos.

Na França, morreram o dramaturgo Edmond Rostand, autor de "Cyrano de Bergerac", e o poeta Guillaume Apollinaire. Na Áustria, Sophie, filha de Freud, e o pintor de vanguarda Egon Schiele. Na Alemanha, o economista Max Weber. Em Portugal, Francisco e Jacinta, as crianças do "milagre de Fátima". Nos EUA, os irmãos John e Horace Dodge, tubarões da indústria de automóveis, e Henry Ragas, pianista da primeira banda de jazz a gravar um disco. E muitos mais.

Elio Gaspari - De Rodrigues.Alves@com para Bolsonaro

- Folha de S. Paulo | O Globo

É o presidente quem desafia as autoridades sanitárias, buscando fortalecer-se politicamente pelo menoscabo de uma pandemia

Senhor presidente,
No domingo esteve aqui o Oswaldo Cruz, assombrado. Ele viu como o senhor vem se comportando diante da pandemia do coronavírus. Repito o que ouvi dele: "Coisa de pajé, de benzedeira". O Oswaldo, com sua formação alemã, é um homem de palavras duras, mas creio que ele não exagera.

Escrevo-lhe com autoridade. Vosmecê está na cadeira em que estive de 1902 a 1906. Eu deveria ter voltado à Presidência em 1918, mas peguei a gripe espanhola e morri. Durante meu governo, com a ajuda do Oswaldo, instituí a vacina obrigatória contra a varíola e livrei o Rio de Janeiro dessa moléstia.

Hoje isso pode lhe parecer coisa trivial. Havendo uma doença, vacina-se o povo e está tudo resolvido. Vosmecê não tem ideia do que enfrentamos. Misturaram-se pajés de segunda, médicos renomados, políticos oportunistas e até mesmo militares indisciplinados, formando aquilo que veio a ser chamado de a Revolta da Vacina. Atente, capitão, em 1904 nosso Brasil teve uma revolta popular contra uma vacina.

Seria razoável supor que a plebe não entendesse a importância da medida, mas lembro-lhe que jornalistas de prestígio e até mesmo Rui Barbosa combateram a iniciativa. Faziam-no porque tinham interesses políticos. Queriam enfraquecer ou até mesmo derrubar o presidente. Planejaram dinamitar meu trem e chegaram a recrutar um cadete para o atentado. Em novembro eles tentaram um golpe e duas colunas de soldados aproximaram-se do palácio. Houve quem me propusesse abandoná-lo. Dispensei meus familiares e mandei atirar. Morreram 30 pessoas e a revolta esvaiu-se.

Vinicius Torres Freire Bolsonaro faz contas de morte

- Folha de S. Paulo

Por interesse político, inépcia e frieza, governo tem plano econômico errado contra o vírus

Jair Bolsonaro diz por aí que uma economia parada vai matar muito mais pobres durante a epidemia. Comendo mal, sucumbiriam mais facilmente ao coronavírus. No universo de Bolsonaro e de seus economistas, os pobres devem ser largados à própria sorte e assim herdarão a terra. Sete palmos de terra.

Se não houver tanto limite a aglomerações e a movimento de pessoas, a economia ainda vai andar, segue o teorema Bolsonaro-Guedes. A restrição não é o número de cadáveres, mas um ritmo mínimo da economia (qual?), dado um gasto público fixo.

Em suma, por política e desumanidade costumeira, quer evitar as restrições adotadas em todos os países que conseguiram atenuar a expansão da epidemia.

É estapafúrdia a ideia de que a economia vá andar com o medo crescente com a expansão da epidemia; com o colapso mundial; com a evaporação de poupanças financeiras e empregos; com o choque de falta de suprimentos e o diabo.

É uma falácia, de mesquinharia cruel, dizer que os abatidos pela crise econômica da epidemia não devam ser compensados por renda mínima ou coisa que o valha. Na verdade, será das poucas alternativas ao afundamento ainda mais rápido da economia e da vida dos pobres em particular.

O governo não tem dinheiro? O governo terá de inventar dinheiro, de forma ordenada e competente. “Competente” é uma premissa ousada: com tantos executivos e empreendedores privados no governo, é rara a capacidade de execução. Submetidos a uma assembleia de acionistas, estariam no olho da rua.

O governo demorou para pedir ao Congresso o reconhecimento da calamidade pública, com o que pode suspender as metas de gastos das leis orçamentárias. Até agora, não tem plano de gasto extra. A dívida vai crescer? Vai. Quanto irá crescer em caso de colapso do PIB?

Um contrabando no pacote econômico – Editorial | O Estado de S. Paulo

Incorporação de mais pessoas muito necessitadas no programa Bolsa Família era um problema que o governo deveria ter enfrentado no começo do ano

Além de matar milhares de pessoas, lotar hospitais e forçar milhões ao confinamento, a nova pandemia devasta a economia global, derrubando o consumo, a produção e o emprego, com danos visíveis há semanas, mas só agora o Executivo brasileiro decidiu enfrentar seus efeitos econômicos. Segundo o ministro da Economia, Paulo Guedes, as medidas anunciadas na segunda-feira à noite injetarão nos mercados R$ 147,3 bilhões e protegerão principalmente os mais vulneráveis. As novidades são bem-vindas, apesar do atraso, e foram aprovadas no mercado. Mas o conjunto de ações é tímido e revela um governo ainda hesitante.

Chama logo a atenção o impacto fiscal do pacote: é minúsculo, quase nulo, como confirmou o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida. Pergunta inevitável: se é possível agir sem ampliar o buraco das contas públicas, por que tanta demora? A resposta parece bem clara. A equipe econômica só agiu agora porque demorou a reconhecer os efeitos da pandemia.

Falando a uma rádio na manhã de ontem, o presidente da República insistiu em chamar de histeria a preocupação com os danos econômicos do coronavírus. O ministro da Economia procedeu até o último fim de semana como se estivesse alinhado a esse ponto de vista. Só então, pressionado pelo presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, reagiu de forma diferente, prometendo medidas em 48 horas.

Bolsonaro muda o tom e agora fala em ‘união’ contra coronavírus

Após citar ‘luta de poder’ com o Congresso e criticar ações de governadores, presidente anuncia reunião com chefes dos Poderes para discutir crise

Redação | O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – O dia em que o Brasil confirmou a primeira morte por coronavírus começou com o presidente Jair Bolsonaro insistindo nas afirmações de que há uma “histeria” na forma como a pandemia está sendo tratada no País. Em entrevista a uma rádio popular, ele criticou governadores que estão determinando o fechamento de repartições públicas e tem recomendado que a população fique em casa para evitar o contágio em massa. No fim da tarde, porém, o presidente adotou outro tom. Em suas redes sociais, disse que é preciso “somar esforços” com os outros Poderes para ajudar “uns aos outros”.

Após deixar de comparecer, anteontem, a um encontro com outras lideranças da América Latina para debater ações coordenadas para tratar a crise e a assistir os chefes do Legislativo e do Judiciário se reunirem para debater o novo coronavírus, Bolsonaro afirmou que irá se reunir hoje com os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli.

A mudança de tom, segundo integrantes do Palácio do Planalto, ocorreu após Bolsonaro avaliar que sua narrativa de que estava sendo vítima de uma “luta pelo poder” com a cúpula do Congresso não emplacou. Também pesou o fato de que monitoramento de redes sociais mostram que o presidente está enfrentando uma queda de popularidade. Segundo a empresa AP Exata, a avaliação negativa do presidente, que já vinha em queda desde janeiro, se acentuou em fevereiro e prosseguiu em março, com picos de menções negativas principalmente envolvendo o comportamento do presidente em relação à crise provocada pelo coronavírus.

Governo pede aval do Congresso para decretar calamidade

Adriana Fernandes Jussara Soares / O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O governo pedirá ao Congresso aval para decretar calamidade pública. Ontem, foi ampliado o rombo da meta fiscal de 2020 dos atuais R$ 124,1 bilhões para cerca de R$ 200 bilhões. A expansão combateria os efeitos do coronavírus na economia e compensaria perdas com a queda no PIB.

Ampliação de déficit da meta fiscal daria folga de R$ 76 bilhões para expansão de gastos a fim de tentar evitar efeitos do coronavírus na economia e administrar a queda de arrecadação com freada do PIB; medidas são estudadas para dar apoio a trabalhadores informais

O Palácio do Planalto informou na noite de ontem que pedirá ao Congresso Nacional o reconhecimento do estado de calamidade pública para ampliar os gastos com o objetivo de enfrentar a pandemia do novo coronavírus. O governo Jair Bolsonaro, em nota, justificou que a medida garantirá recursos para a “proteção da saúde e empregos dos brasileiros” diante da perspectiva de queda de arrecadação. Se aprovada, a medida terá efeito até 31 de dezembro de 2020.

De acordo com um integrante da equipe econômica, o governo deve divulgar na sexta-feira que fechará as contas com rombo de R$ 155 bilhões, acima da meta atual, que permite déficit de até R$ 124 bilhões. No entanto, essa previsão toma como base crescimento da economia de 2,1% em 2020. Como a projeção está defasada, a equipe econômica vai ter liberdade para atualizar a previsão de déficit para o ano. O Estado apurou que será preciso que as contas fechem com rombo de até R$ 200 bilhões para dar conta da necessidade de ampliação de gastos para enfrentar a crise.

O artigo 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), marco legal das contas públicas para União, Estados e municípios, permite a suspensão de metas fiscais na ocorrência de calamidade pública, incluindo a necessidade de bloqueios no Orçamento. No caso da União, a calamidade precisa ser reconhecida pelo Congresso. As Assembleias Legislativas e Câmaras de vereadores devem fazer o mesmo.

Centrais sindicais pedem fundo de R$ 75 bi para trabalhadores informais

Sindicalistas apresentaram a Maia proposta de criação de uma espécie de renda mínima emergencial para trabalhadores de aplicativos, como Uber e Ifood

Ricardo Galhardo | O Estado de S.Paulo

Presidentes de centrais sindicais pediram ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a criação de um fundo emergencial de renda mínima para pessoas que terão que ficar em casa em função do coronavírus e vão perder suas fontes de renda. Pelo projeto apresentado pelas centrais, o fundo seria de R$ 75 bilhões e beneficiaria até 50 milhões de pessoas, principalmente trabalhadores que estão na informalidade.

“O desafio é manter as pessoas em casa para evitar que o vírus se espalhe. Por isso precisamos de um programa de subsídio para que essas pessoas possam se manter enquanto a situação não estiver sob controle”, disse o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Sergio Nobre, que participou da reunião

Os presidentes das centrais apresentaram a Maia a proposta de criação de uma espécie de renda mínima emergencial para pessoas que estão na informalidade e não contam com direitos trabalhistas como ambulantes e trabalhadores de aplicativos como Uber e Ifood. A ideia é que cada um deles receba no mínimo meio salário mínimo (R$522) por mês durante até três meses.

Entrevista | Rodrigo Maia: ‘Bolsonaro arruma inimigo para arranjar conflito’

Deputado afirma que presidente deveria parar com ‘besteira’ e defende aprovação de medidas contra pandemia

Adriana Fernandes e Jussara Soares | O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – Evitando reagir aos ataques do presidente Jair Bolsonaro, que acusou o Congresso de usar a crise do coronavírus para uma “luta pelo poder”, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defendeu nesta terça-feira, 17, a aprovação rápida de um programa, nos moldes do Bolsa Família, com um benefício temporário de renda mínima para atender 18 milhões de trabalhadores informais. Maia afirmou que, em vez de dar prioridade a divergências políticas, Bolsonaro deveria concentrar energia para combater o avanço da doença. “Ele fica arrumando inimigo para arranjar um conflito. É besteira. O problema agora é muito grave”, disse o presidente da Câmara ao Estado.

• O sr. tem reforçado a necessidade de diálogo entre os Poderes para enfrentar o coronavírus, mas essa crise ganhou um componente político, com o presidente Jair Bolsonaro dizendo que “seria um golpe isolar chefe do Executivo por interesses não republicanos”. Como o sr. reage?

Ele não compreendeu. O isolamento é para ele se proteger e proteger os outros da transmissão (do vírus). Não é o isolamento político.

O presidente está atrapalhando o combate da pandemia?

O meu papel é articular soluções com os deputados e com aqueles que comandam o enfrentamento à crise. Na segunda-feira, estive com o ministro Mandetta (Luiz Henrique Mandetta, da Saúde), com o presidente do Supremo, Dias Toffolli, com o presidente (do Senado) Davi Alcolumbre, discutindo a crise na área de Saúde e também tenho conversado de forma permanente com vários quadros da equipe econômica. Todas as pautas que o governo encaminhar serão atendidas.

• Mas Bolsonaro disse ter passado 15 meses levando pancada do sr. e de Alcolumbre...

Estamos vivendo talvez a maior crise dos últimos 100 anos. Eu não vou ficar discutindo divergência política. O Parlamento foi mais do que um aliado da agenda de reformas desse governo, comandou de forma efetiva as reformas.

• O próprio Bolsonaro insinuou que haveria uma articulação para o impeachment. É fato?

Isso não está na agenda da Câmara. A nossa agenda é única: enfrentamento ao coronavírus nos próximos meses no Brasil. Ele fica arrumando inimigo para arranjar um conflito. É besteira. Nós estamos com uma projeção grave no mundo real. O mundo real é o que contrata, que gera emprego, que investe. Hoje (terça-feira, 17) morreu o primeiro brasileiro. Temos de garantir sempre o diálogo permanente com a equipe econômica, com a área social do governo, para que possamos construir um cinturão de soluções.

• O presidente colocou a disputa pelo controle do Orçamento e a suposta pressão que sofre do Congresso como pano de fundo da crise. Ele não está entendendo a gravidade da situação?

Você acha que eu tenho que estar preocupado com o que o Bolsonaro está falando ou em ajudar o Brasil a conter essa crise? O que eu digo a ele é que ele pode contar com o Parlamento, como sempre contou. Pode atacar, bater, criar as narrativas que, do meu ponto de vista, não são verdadeiras, mas nos próximos três ou quatro meses, terá não um, mas 513 aliados.

Entrevista | ‘Não vale garantir a economia com perda de vidas’, diz Rodrigo Maia

Presidente da Câmara diz que a crise atual é um ‘tsunami’ e rebate crítica de Bolsonaro a medidas adotadas por governadores para conter o vírus: ‘Se olharmos exemplo dos outros países, as restrições estão até pequenas

Thais Arbex | O Globo

BRASÍLIA — A crise do coronavírus no país deixou mais explícita a turbulenta relação do Palácio do Planalto com o Congresso. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), rebateu as críticas feitas ontem pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, pelo impacto na economia de medidas duras que governadores têm adotado no combate à doença. “Precisamos priorizar as vidas”, reagiu Maia. Questionado, no final da noite de ontem, sobre a decisão do governo de pedir a decretação de calamidade pública, o presidente da Câmara disse apoiar a iniciativa e prometeu celeridade na tramitação da matéria na Casa.

Classificando a atual crise como “um tsunami”, Maia voltou a dizer que tanto ele, quanto o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), estão abertos ao diálogo, e ressalta que foram “médicos” que recomendaram isolamento a Bolsonaro. Até o momento da entrevista ao GLOBO, no fim da tarde de terça-feira, o presidente da Câmara ainda não havia recebido um convite oficial para o encontro anunciado por Bolsonaro para a noite desta quarta.

• Mesmo com o coronavírus, o senhor decidiu por não parar as atividades. Por quê?

O Congresso é parte da solução da redução de danos que essa crise trás para o Brasil. O Brasil é uma democracia. Se o Parlamento se omite da sua responsabilidade, o que a sociedade vai imaginar? Que vai estar completamente desprotegida. O Parlamento não vai fechar. Fechou, infelizmente, na ditadura e não fechará nunca mais.

• O governo resolveu pedir ao Congresso a decretação de calamidade pública para poder aumentar os gastos, o senhor concorda?

Eu sempre defendi a ampliação dos gastos públicos, que a única saída para enfrentar a crise era com recursos públicos. O governo toma a decisão correta. Deve encaminhar esse decreto para o Congresso Nacional, que de forma urgente vai tramitar e aprová-lo para que o governo tenha espaço fiscal para poder realizar os investimentos necessários para o enfrentamento dessa crise.

• O presidente Bolsonaro segue com críticas ao Congresso e chegou a acusá-lo de hipocrisia. Como fica o diálogo com ele?

Acho que a gente não deve ficar olhando os momentos onde a gente fica mais nervoso e acaba cometendo erros. O que estamos alertando, e que pode acontecer no Brasil, é porque estamos acompanhando essa crise na Itália, na China, na França, na Espanha, agora na Grã-Bretanha, que era um país que estava numa linha parecida com a do Brasil e inverteu completamente — caminhando para restringir circulação, colocando 15% do PIB na economia. O que estamos fazendo, nada mais é do que analisando a realidade, os impactos do vírus na saúde dos brasileiros e também na vida econômica e social. Nós vamos ter uma crise de emprego, certamente, e uma crise que vai atingir os brasileiros mais vulneráveis. Nós vamos às ruas nas nossas bases toda semana, mas temos a recomendação do ministro da Saúde para evitar aglomerações.

• Bolsonaro disse que vive ameaçado e que há uma tentativa de “golpe” ao se defender que ele fique isolado. Ele tem motivos para se sentir ameaçado?

Não, de jeito nenhum. Nós não falamos em isolamento. Quem falou em isolamento dele foram os médicos, inclusive o próprio Ministério da Saúde. Isolamento para a proteção da saúde dele, não isolamento dele em relação aos outros Poderes. Nós sempre estivemos prontos para dialogar, e já mostramos, tanto eu, quando o presidente Davi (Alcolumbre), a nossa responsabilidade com a pauta prioritária para o Brasil.

Especialistas defendem ampliar gasto público com mais pobres e trabalhadores sem carteira

Eles são parcela da população com peso grande na atividade econômica do país

Henrique Gomes Batista e Cássia Almeida | O Globo

SÃO PAULO E RIO - Um dia depois de o governo anunciar um pacote de socorro, que prevê a injeção de R$ 147,3 bilhões na economia em três meses, economistas de diferentes correntes ideológicas afirmam que será preciso ampliar o gasto público com foco no trabalhador informal, para minimizar o impacto da crise provocada pelo avanço do coronavírus. A ideia é contemplar esta parcela da população, que tem um peso grande na atividade econômica e não foi atendida pelas medidas do Ministério da Economia.

O cadastro único de assistência social do Ministério da Cidadania, que reúne beneficiários do Bolsa Família e de outros programas sociais como Minha Casa Minha Vida, é a maneira mais rápida de fazer o dinheiro chegar a quem mais precisa neste momento de paralisia crescente da economia, segundo especialistas.

O pesquisador do Ipea Marcelo Medeiros estabeleceu três etapas para, como ele diz, achatar a curva da recessão, num custo inicial de R$ 15 bilhões em um ano, o equivalente a aumentar em 50% os dispêndios com o Bolsa Família. Mas o pacote de ajuda poderia chegar a R$ 311 bilhões, segundo propostas de outros especialistas, que defendem incentivos múltiplos para a economia.

41% dos ocupados
O desafio posto é gigantesco. A população atendida pelo Bolsa Família soma 13,3 milhões de famílias. Mas o país conta com 42 milhões de trabalhadores na informalidade — cerca de 41% do total de ocupados —, que podem passar a ficar sem qualquer renda com o avanço de um sistema mais rígido de quarentena.

Bolsonaro é alvo de panelaço em São Paulo, Rio e Brasília

Manifestações ganharamforça durante reportagem sobre a pandemia do novo coronavírus

Guilherme Caetano | O Globo

SÃO PAULO — O presidente Jair Bolsonaro foi alvo de protestos em diversos locais da capital paulista, no Rio de Janeiro e em Brasília, na noite desta terça-feira, durante exibição do "Jornal Nacional". Nas redes sociais, pessoas compartilharam vídeos de panelaços e gritos de "Fora, Bolsonaro" em bairros como Consolação, Bela Vista, Pinheiros, Perdizes, Jardins, Vila Madalena e no Centro da cidade.

No Rio, o barulho das panelas e gritos de "fora Bolsonaro" foram ouvidos em Capacabana, Botafogo, Humaítá e Catete.

As manifestações de panelas ganharam força durante reportagem sobre a pandemia do novo coronavírus, que tem afetado a vida da população nas grandes cidades brasileiras, e continuaram após o término do programa.

A doença deixou a primeira morte no país nesta manhã, e, segundo o ministro da Saúde, Henrique Mandetta, já existem 8.919 casos suspeitos em território nacional.

A edição do JN não teve a aparição de Bolsonaro, mas as recentes declarações do presidente podem ter incitado os protestos. Mais cedo, ele comparou a Itália, onde as mortes em decorrência do Covid-19 ultrapassam as 2,5 mil, a Copacabana e o coronavírus à gravidez.

— Pelo que parece, não tenho certeza, pela última informação que eu tive, que está faltando confirmação. Agora a Itália é uma cidade... é um país parecido com o bairro de Copacabana, onde cada apartamento tem um velhinho ou um casal de velhinhos. Então, são muito mais sensíveis, morre mais gente — declarou o presidente.

Música | João Bosco - O Rancho da Goiabada

Poesia | José Saramago - Poema para Luís de Camões

Meu amigo, meu espanto, meu convívio,
Quem pudera dizer-te estas grandezas,
Que eu não falo do mar, e o céu é nada
Se nos olhos me cabe.
A terra basta onde o caminho pára,
Na figura do corpo está a escala do mundo.
Olho cansado as mãos, o meu trabalho,
E sei, se tanto um homem sabe,
As veredas mais fundas da palavra
E do espaço maior que, por trás dela,
São as terras da alma.
E também sei da luz e da memória,
Das correntes do sangue o desafio
Por cima da fronteira e da diferença.
E a ardência das pedras, a dura combustão
Dos corpos percutidos como sílex,
E as grutas do pavor, onde as sombras
De peixes irreais entram as portas
Da última razão, que se esconde
Sob a névoa confusa do discurso.
E depois o silêncio, e a gravidade
Das estátuas jazentes, repousando,
Não mortas, não geladas, devolvidas
À vida inesperada, descoberta,
E depois, verticais, as labaredas
Ateadas nas frontes como espadas,
E os corpos levantados, as mãos presas,
E o instante dos olhos que se fundem
Na lágrima comum. Assim o caos
Devagar se ordenou entre as estrelas.

Eram estas as grandezas que dizia
Ou diria o meu espanto, se dizê-las
Já não fosse este canto.