Novo governo deve ter prudência ao reavaliar interesses do país na diplomacia e no comércio
O presidente eleito Jair Bolsonaro deveria adotar a cautela como postura nas mudanças de rumo nas relações exteriores e nas revisões que pretende realizar na política comercial.
Palavras de um presidente eleito têm peso específico, assim como a de seus principais assessores na transição de governo. É prejudicial ao país, por exemplo, o flerte com a dialética da banalização nas abordagens sobre o futuro das relações com a China e com o Mercosul, e, neste caso, especialmente com a Argentina. Elas são um legado diplomático de governos militares (de Ernesto Geisel a João Figueiredo) aos civis na redemocratização (de José Sarney a Itamar Franco).
Faz sentido, sim, o próximo governo balizar a política externa de acordo com as premissas programáticas legitimadas pela maioria de 57,7 milhões de eleitores.
É lógico, também, que altere e ajuste o foco no comércio exterior, em busca de maior liberalização da economia, com redução programada de tarifas e barreiras, e de medidas de defesa comercial —sempre de forma planejada, porque a situação é complexa: o déficit comercial de US$ 20,3 bilhões do setor industrial nos primeiros nove meses deste ano foi dez vezes maior que o do mesmo período do ano passado.
É salutar a disposição para multiplicar acordos bilaterais, construir novas parcerias com a União Europeia e o bloco da Aliança do Pacífico. E, além disso, é natural a inclinação política confessa do futuro governo ao realinhamento ideológico com os EUA. No entanto, passou da hora de Jair Bolsonaro assumir responsabilidades de futuro chefe de Estado e deixar claro aos seus ministros e colaboradores que é absurda estultícia hostilizar a China, maior parceiro comercial e principal investidor externo, ou a Argentina, sócio do Brasil na fundação do Mercosul e destino de 25% das vendas de produtos manufaturados brasileiros.
O Mercosul é obra política relevante. Levou Brasil e Argentina a liquidarem um amplo contencioso, fonte secular de tensões militares.
Manter-se no bloco e perseguir acordos bilaterais não são coisas excludentes, podem exigir alterações no caráter de união aduaneira. Mas, até para se conseguir uma flexibilização do Tratado de Assunção, deve-se atuar com prudência. Afinal, interessa ao Brasil, por exemplo, facilitar a instalação de “maquilas” americanas, chinesas e taiwanesas nas fronteiras do mercado doméstico, onde se concentram 58% do Produto Interno Bruto da América do Sul? Óbvio que não.
Correções de rumo na política externa são necessárias, mas depreciar a China e o Mercosul ultrapassa os limites da má política. É lesionar interesses estratégicos do país.
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