domingo, 14 de julho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Renegociação de dívidas estaduais exige transparência

O Globo

Projeto de Pacheco se baseia em ideia sensata, mas não pode ser usado como biombo para esconder calote

A iniciativa do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), de apresentar um Projeto de Lei Complementar com regras para a renegociação das dívidas de estados com a União tem o mérito de colocar o Congresso num debate essencial: como tornar sustentáveis as finanças dos entes federativos. Desde os anos 1990, diversos programas foram adotados para que, no longo prazo, as dívidas estaduais deixassem de ser um problema. Nenhum funcionou. Estados endividados se queixam — não sem razão — de que os critérios do Regime de Recuperação Fiscal (RRF) em vigor desde 2017 as tornaram impagáveis.

Em dezembro passado os estados deviam R$ 852 bilhões. São Paulo (R$ 304 bilhões), Rio de Janeiro (R$ 194 bilhões), Minas Gerais (R$ 157 bilhões) e Rio Grande do Sul (R$ 127 bilhões) respondiam por mais de 90% do total. Quatro estados aderiram ao RRF: Rio, Rio Grande do Sul, Goiás (dívida de R$ 22 bilhões) e Minas. Em troca de medidas para aumento de receitas e corte de despesas, eles usufruem moratórias temporárias e financiamentos com garantias da União. Nem sempre as contrapartidas têm sido honradas. O Rio, que tem a pior relação entre dívida e receita (portanto, a pior capacidade de pagamento), entrou recentemente com ação no Supremo Tribunal Federal alegando ser impossível cumpri-las. O Rio Grande do Sul passou a se beneficiar de uma moratória de três anos em razão da tragédia climática recente.

Merval Pereira - Os descaminhos de Bolsonaro

O Globo

O esquema organizado por Ramagem é tão complexo que, quase dois anos depois da eleição de Lula, investigação mostra que até hoje a Abin está infiltrada por bolsonaristas

Sempre estranhei que, mesmo passados muitos anos, a decisão de fazer busca e apreensão na casa de suspeitos de crimes dê frutos para investigações criminais. Mais uma vez aconteceu, agora no computador do atual deputado federal e pré-candidato (ainda?) à prefeitura do Rio Alexandre Ramagem, que guardava diversas gravações de conversas com o então presidente Bolsonaro, que demonstram que o governo anterior montou um esquema paralelo de investigação para fins pessoais.

Essa decisão, proposta pelo filho vereador Carlos, havia sido barrada pelo ex-ministro Gustavo Bebianno, quando ainda tinha força no Palácio do Planalto. Sua demissão do cargo, logo no início do governo, deveu-se a esse embate, quando não se tinha ainda noção exata da força que o filho 02 tinha junto ao pai.

Luiz Carlos Azedo - O “transformismo” tomou conta da política brasileira

Correio Braziliense

Tanto nas alianças eleitorais, a começar por São Paulo, quanto nas recentes votações do Congresso, verifica-se a presença ascendente das forças de direita aliadas ao bolsonarismo

Um fenômeno da política brasileira, cada vez mais evidente, haja vista as decisões recentes do Congresso, é o descolamento dos partidos da agenda democrática do país, que parecia consolidada com a Constituição de 1988, para além da agenda econômica e social, cujas prioridades se alternam na medida em que forças mais progressistas ou mais conservadoras estão no poder. Isso ocorre em função da tendência cada vez maior de restringir os direitos das minorias e impor-lhes uma “ditadura da maioria”, em questões que envolvem os costumes e os direitos sociais. A hegemonia conservadora no parlamento é resultado da presença cada vez maior de lideranças neopentecostais, agentes de corporações vinculadas à segurança pública e representantes de setores da sociedade adeptos da volta do regime militar e da justiça pelas próprias mãos, com uma agenda fortemente reacionária.

Até agora, o sistema de freios e contrapesos entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário tem funcionado no sentido de garantir a ordem democrática, mas se fragiliza quando o Executivo foge à responsabilidade fiscal ou o Judiciário extrapola seu papel contramajoritário. Não fosse a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a firme defesa da urna eletrônica e do resultado do pleito pela Justiça Eleitoral, essa afirmação sobre a eficácia do sistema seria verdadeira?

Dorrit Harazim - Dique rompido

O Globo

Mídia mal consegue disfarçar sentimento de culpa por ter convivido com presidente por três anos e meio sem apontar evidências de declínio

Impossível evitar o confronto protelado. A reunião de cúpula da Otan em Washington — que por três dias ocupou o alto escalão dos 32 países-membros — havia finalmente terminado. Com ela expirava também o prazo oficioso de que dispunha o sitiado presidente dos Estados Unidos para salvar sua candidatura à reeleição. Ou para começar a ceder o lugar a outrem. Na noite de quinta-feira, por fim, Joe Biden aceitou se submeter a uma real entrevista coletiva. Ela teve quase uma hora de duração, foi transmitida ao vivo e mostrou Biden sem direito a qualquer script ou teleprompter. Imaginava-se que serviria de prova dos noves de sua capacidade cognitiva após a debacle do debate com Donald Trump, em junho.

Bernardo Mello Franco - Mais revólver, menos guaraná

O Globo

Governo se omite, e reforma tributária cria incentivo fiscal para compra de armas de fogo

A Câmara excluiu as armas de fogo do imposto seletivo, também chamado de imposto do pecado. A sobretaxa vai encarecer refrigerantes, bebidas alcoólicas, cigarros e apostas esportivas. Mas não será cobrada de pistolas, espingardas e munições.

A proposta aprovada pelos deputados diz que o objetivo desse imposto é desestimular o consumo de bens prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Se a justificativa for verdadeira, suas excelências devem considerar um revólver menos nocivo que um guaraná.

A reforma tributária promete simplificar negócios e alavancar a economia. Ao regulamentar as mudanças, os congressistas mantiveram distorções e abriram espaço para novos privilégios.

Míriam Leitão - O maior risco da PEC da anistia

O Globo

A aliança do PT com PL no Congresso choca ainda mais diante da exposição dos detalhes dos planos do ex-presidente para se manter no poder

O que a Polícia Federal mostrou na última quinta-feira foi mais do que a profundidade do uso do órgão de inteligência. A “Abin paralela” exposta na operação “Última Milha” é o retrato da captura de um órgão de Estado para desviá-lo de suas funções, espionar supostos adversários, alguns deles autoridades dos poderes legislativo e judiciário, proteger os interesses do filho do presidente, ameaçar servidores públicos e conspirar contra a democracia. O crime maior, o guarda-chuva que abrigou todos os outros, presente em vários inquéritos, é a tentativa de Bolsonaro de permanecer no poder atropelando a Constituição.

Por isso, chocam as alianças que o PT e o PL fazem em certos pontos em que têm o mesmo interesse. Foi assim no populismo tributário que isentou todas as carnes. Mas houve uma aliança pior. A que aprovou a PEC anistiando partidos que descumpriram as cotas de gênero e de raça. Na proposta de emenda, políticos se perdoam pela ilegalidade eleitoral, eliminam as próprias dívidas e tornam os partidos entidades isentas de impostos.

Elio Gaspari - Brasília é uma usina de reciclagem de erros

O Globo

Com a reforma tributária na reta final, os carros elétricos entraram, ao lado do tabaco e das bebidas alcoólicas, na lista dos produtos que pagarão o “imposto do pecado”. Em tese, esse imposto recairá sobre mercadorias que fazem mal à saúde ou agridem o meio ambiente. Ganha um fim de semana num incêndio do Pantanal quem souber o que um carro elétrico tem a ver com isso.

As montadoras nacionais fazem o que podem contra os carros elétricos, valendo-se do trânsito de que dispõem pelo corredores de Brasília, mas desta vez exageraram.

Uma reforma tributária que pretende ser racional acabou acordando o velho monstro do atraso.

A sabedoria convencional ensina que tendo sido um dos últimos países a abolir a escravidão (em 1888), Pindorama tem um pé no atraso. A coisa é pior. Até 1850 o andar de cima nacional estava amarrado ao contrabando de africanos escravizados, uma atividade supostamente ilegal desde 1831.

Admita-se que isso é coisa de um passado remoto, mas o atraso está sempre por aí.

Rolf Kuntz - Governar é cuidar do País e do próprio governo

O Estado de S. Paulo

Se estivesse comprometido com uma ampla renovação econômica, o presidente poderia iniciar uma reforma ambiciosa do setor governamental

O emprego aumenta, os ganhos crescem, a inflação recua e o consumo avança, mas as projeções do mercado apontam crescimento medíocre, mais pressões inflacionárias e juros ainda elevados no fim deste ano e nos três seguintes. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está condenado a terminar seu mandato, em 2026, com inflação acima do centro da meta e economia emperrada, se as profecias do setor financeiro estiverem corretas. O aumento de preços continuará na faixa de 3,5% a 4%, ainda acima do centro da meta, 3%, e a expansão econômica ficará na vizinhança de 2%, confirmando a aparente maldição lançada há alguns anos sobre o País. O presidente Lula continuará praguejando contra os juros altos se o Banco Central (BC), mesmo com nova diretoria, seguir atuando, na visão lulista, a favor da especulação financeira e contra o povo.

Celso Ming - Este é o patrimonialismo no Brasil

O Estado de S. Paulo

O patrimonialismo explica por que, no Brasil, o desenvolvimento acaba emperrado e por que tantas oportunidades históricas são perdidas

O “rouba, mas faz”, “sabe com quem está falando”, as “rachadinhas”, o caso das joias, o orçamento secreto, o jeitinho brasileiro para tudo, o pistolão, a carteirada e tanta coisa mais são manifestações de uma coisa ainda mais antiga do que o Brasil: o patrimonialismo.

Trata-se mais do que um sistema de governo e de relações de poder, que resvala para uma cultura mais ampla e para uma maneira de ser. Uma de suas características é a inexistência de distinção entre público e privado. Se tenho um cargo de governo, posso meter a mão à vontade. Só tenho de evitar indiscrições, porque parte das leis e do Código Penal foi escrita sob outros princípios.

Vinicius Torres Freire - Lula tem de fazer uma limpa na Abin

Folha de S. Paulo

O que os aliados de Bolsonaro, como o prefeito de SP, têm a dizer sobre a espionagem?

Abin não deve receber informações apuradas pela Polícia Federal porque há indícios de que as "novas gestões" da instituição tiveram a "intenção de evitar a apuração aprofundada dos fatos". É a recomendação do procurador-geral da República, Paulo Gonet, em parecer enviado ao Supremo sobre pedidos da PF. Quais fatos?

"Apura-se a existência de organização criminosa responsável por ataques sistemáticos aos seus adversários, ao sistema eleitoral e às instituições públicas, por meio da obtenção clandestina de dados sensíveis e propagação de notícias falsas", explica Gonet. Em suma, trata-se da "Abin paralela". Parece grave o suficiente para que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva faça uma limpa na Abin ou dê fim a essa agência, tal como está organizada e regulamentada.

Celso Rocha de Barros - Milei no Brasil

Folha de S. Paulo

Milei declarou que socialismo é baseado em inveja e ressentimento a série de invejosos e ressentidos

No fim de semana passado, Javier Milei veio fugir do serviço em uma conferência de golpistas em Santa Catarina, a Cpac Brasil.

Em seu discurso, o presidente argentino declarou que o socialismo é uma filosofia baseada na inveja e no ressentimento. Disse isso para gente como o deputado Mário Frias, ex-ministro da Cultura de Jair, um ator fracassado que sempre invejou os talentosos; para adeptos de Olavo de Carvalho, cuja vida foi um longo episódio de choro porque os filósofos profissionais não o reconheciam como um dos seus; para discípulos de Paulo Guedes, assombrado pelo ressentimento diante dos economistas da PUC-RJ que de fato conseguiram implementar um plano econômico bem-sucedido. Nos intervalos da palestra, os bolsonaristas puxavam refrões contra o cara que lhes venceu na última eleição e contra o juiz que não lhes deixou continuar no poder depois que tiveram menos votos que o mesmo cara.

Bruno Boghossian - Lula e as mulheres

Folha de S. Paulo

Presidente perdeu bônus após disputa com Bolsonaro e busca recuperar terreno entre eleitoras

A disputa contra Bolsonaro deu a Lula um bônus entre as mulheres no início do governo. Em março de 2023, a avaliação positiva do petista entre as brasileiras era de 42%, oito pontos acima dos homens. A vantagem sumiu no segundo ano. Em junho, o presidente marcava 37% entre as mulheres e 36% entre os homens, segundo o Datafolha.

Hélio Schwartsman - Democracia viva

Folha de S. Paulo

Presidentes, para o bem e para o mal, não conseguem impor suas agendas, sendo obrigados a negociar

Por que a democracia brasileira não morreu? Essa é a pergunta que dá título à nova obra dos cientistas políticos Marcus André Melo e Carlos Pereira. E a resposta curta a ela, que avanço por minha conta, é "por causa do centrão". A ideia central do livro é que os mesmos ingredientes institucionais que geram essa coisa amorfa e fominha que é o centrão também serviram para frear os ímpetos autoritários de Bolsonaro que, se pudesse, teria desferido um golpe.

Muniz Sodré - Tempo de profecia

Folha de S. Paulo

Mudança é portal para aqueles que se alimentam da ignorância dos outros, por meio da mentira e do aceno a um passado tóxico

Nasceu um bisão branco no Parque Yellowstone, Montana, EUA. Raríssimo, o acontecimento corresponde a profecias de mudanças profundas segundo a teologia dos Sioux, Cherokee, Comanche, Dakota e Navajo. Zoólogos atêm-se, claro, a explicações científicas orientadas para fenômenos de metamorfose. Mas seria precipitado julgar que os mitos já eram: brasas do passado continuam acesas em situações não devidamente explicadas, em todo o mundo.

Uma delas é a mutação na consciência cívica e social. À primeira vista, uma saturação baixa dos discursos e valores liberais, portanto, má circulação do oxigênio democrático. Perspectiva talvez razoável para a sociologia das formas de vida, mas não explica a contaminação do fenômeno pelo espírito regressivo da ultradireita.

Ruy Castro - No que isso vai dar

Folha de S. Paulo

Muitos jovens já não conseguem ler e não se lembram do que viram no celular 15 segundos atrás

Uma velha amiga jornalista, hoje professora da graduação, estava me contando: "É uma luta para fazer com que os alunos leiam um livro inteiro. Eles vivem grudados no TikTok ou no Instagram e não têm concentração. Outro dia, ao ver que todos estavam no celular, parei a aula. Perguntei a alguns o que estavam vendo —e muitos não se lembravam. Não se lembravam do que tinham acabado de ver 15 segundos atrás! Um deles disse que estava comprando uma calça comprida. Para usar a palavra que eles mais dizem, não têm ‘foco’."

Poesia | Embriaguem-se, de Charles Baudelaire

Música | EDITH PIAF - LA MARSEILLAISE