domingo, 6 de outubro de 2024

Bernardo Mello Franco – Nem um nem outro

O Globo

Profecia de "terceiro turno" em 2024 não se confirmou; Centrão deve ter mais vitórias nas capitais

No fim do ano passado, Lula arriscou uma profecia para 2024: “Eu sinceramente acho que vai acontecer um fenômeno: vai ser outra vez Lula e Bolsonaro disputando essas eleições no município”.

A julgar pelas últimas pesquisas, a previsão não deve se confirmar. A disputa pelas prefeituras envolveu temas nacionais, mas passou longe de se reduzir a um terceiro turno da última corrida presidencial.

O próprio Lula preferiu manter distância dos palanques. Em todo o país, candidatos do PT tiveram que se contentar com vídeos gravados em Brasília. O presidente só apareceu ao lado de Guilherme Boulos, que concorre pelo PSOL em São Paulo.

Na reta final do primeiro turno, ele emendou viagens internacionais para Estados Unidos e México. Um bom pretexto para não dar as caras em cidades onde seus aliados vão mal nas pesquisas.

Dorrit Harazim - A tempestade

O Globo

Um ano já. E Israel ainda não permitiu a entrada em Gaza de um só jornalista ou fotógrafo profissional independente

Se o destino sussurrar no seu ouvido que você não pode deter a tempestade, sussurre de volta “eu sou a tempestade”.

Muitos tentam, porém desistem, varridos pela implacável ventania da vida. (Jean Cocteau já dizia que “viver é uma queda horizontal”.) Alguns de nós até conseguem ficar de pé. Mas só um punhado bastante especial desafia o destino com a naturalidade de Bisan Owda. Ela é irresistível, e seu documentário de oito minutos “It’s Bisan from Gaza, and I’m still alive” também. Tanto assim que seu curta noticioso conquistou um dos prêmios do 76º Emmy de duas semanas atrás, além de reconhecimento unânime na premiação dos Peabody Awards e Edward R. Murrow Awards deste ano.

A jornalista palestina de 25 anos mora em Gaza, tem três filhos e, desde o início dos bombardeios israelenses ao enclave, em outubro passado, empunhou o celular e passou a fazer postagens do que vê, sente, pensa e vive — tudo em inglês, sem saber se suas mensagens jogadas na imensidão da blogosfera aportariam em alguma praia. Todas começavam com sua imagem sorridente, dizendo:

— Sou Bisan, de Gaza, e ainda estou viva.

Elio Gaspari - O Aerolula encrencou

O Globo

Na terça-feira soube-se que ao decolar da Cidade do México, o Aerolula encrencou e teve que voar em círculos durante quase cinco horas para queimar combustível, antes de voltar ao ponto de partida. Estavam a bordo o presidente, sua mulher, dois ministros e duas senadoras. No dia seguinte, a repórter Naira Trindade revelou o que aconteceu no ar.

Na subida, o piso do avião trepidou e passageiros que estavam nos assentos dos fundos perceberam que saía fumaça de uma turbina.

Lula saiu de sua poltrona para ver o que acontecia. Mandou voltar ao aeroporto e soube que seria necessário consumir o combustível, coisa para várias horas. Ao sacar seu telefone, outra surpresa, não havia conexão. Reclamou: “Até no Sucatinha o telefone funcionava.” Diante de uma espera de horas, sem telefone, restava a possibilidade de ver um filme. A TV também não tinha conexão.

Depois de dar 50 voltas sobre a Cidade do México, o Aerolula pousou e a comitiva embarcou em um avião reserva da Presidência. Não tinha conexão com a internet. Lula aborreceu-se:

Celso Ming - As eleições e a política econômica

O Estado de S. Paulo

Seja qual for o resultado, estas eleições, embora apenas municipais, terão influência sobre a política econômica do País. Falta saber em qual direção e em que proporção.

A principal tendência firme é o fortalecimento dos partidos à direita do espectro político. A pergunta número um está em saber se, de olho nessa mudança de forças e nas eleições de 2026, o governo Lula optará por dedicar-se a maiores cuidados com as questões fiscais e com uma política mais liberal; ou se, em vez disso, reforçará a atual política populista e desenvolvimentista, a fim de atrair a boa vontade do eleitor.

Antes, uma observação. Desta vez, nenhum partido ou nenhum figurão político questionou a segurança das urnas eletrônicas contra manipulações e fraudes eleitorais, como aconteceu com tanta veemência nas eleições passadas. Como as urnas e o sistema são os mesmos, ficam mais uma vez escancarados o artificialismo e as movimentações golpistas daquele momento.

Antonio Lavareda - As pesquisas guiando a incerteza

Folha de S. Paulo

Para um contingente de eleitores estratégicos, resultados anunciados às vésperas ajudam a selecionar quem poderá barrar o 'mal maior' no 2º turno

"E os partidos, senhor Honório, onde estão os partidos?" A pergunta de Pedro 2º ao depois Marquês do Paraná, insatisfeito com a pouca penetração dos partidos às vésperas do Gabinete da Conciliação, poderia ser repetida hoje, ajudando a entender o porquê de chegarmos a São Paulo e outras cidades com mudanças decisivas no sprint final.

Partidos reais, enraizados na sociedade, servem como influenciadores políticos por excelência. Organizam, filtram as informações para os seus seguidores, dão inteligibilidade às campanhas. Resolvem as dissonâncias cognitivas e emotivas despertadas por percepções incongruentes do ambiente político. E reduzem a necessidade das pessoas comuns de avaliarem cada questão ou cada candidato. Funcionam como âncoras que conferem certa estabilidade ao comportamento eleitoral. É assim que atuam nos EUA e na Europa, mesmo nessa era de deslegitimação das instituições representativas. Se é verdade que o populismo radical tem avançado por lá, também é fato que sua contenção só ocorre por conta de partidos que gozam da preferência de largas parcelas da sociedade.

Vinicius Torres Freire - Marçal e a revolução cultural

Folha de S. Paulo

Candidato surfa mudança profunda e que deve contaminar ainda mais a política

Pablo Marçal (PRTB) teve até aqui considerável, mas relativo, sucesso de público. Tem 24% dos votos, até 38% em um segundo turno e é rejeitado por 53%. Se não vier a ser inelegível por causa de crimes, apenas começou a carreira política? De onde veio, chegarão outros?

Talvez o tipo puro de marçalismo não prevaleça, mas a mentalidade que representa pode ter um terço do eleitorado, o que tende a orientar os novos investimentos do negócio político-partidário estabelecido.

Há grande revolução social e cultural, acelerada em torno de 2010, em parte por mídias sociais, renda maior e alterações no mundo do trabalho. A mudança agora é conhecida, mas pouco compreendida a fundo. Vamos sabendo dela em episódios traumáticos ou caricatos. Marçal é a mais recente cristalização política ou social desse mundo novo.

Bruno Boghossian - Eleições vão reorganizar direita e esquerda

Folha de S. Paulo

Mais que um teste de força, líderes terão que definir novos rumos e reavaliar métodos

As eleições devem empurrar a direita e a esquerda para um ciclo de reorganização. Mais que um teste de força de líderes nacionais, a disputa marcada pela fratura do bolsonarismo e pelos resultados modestos esperados pelo PT torna inevitável uma revisão de métodos, plataformas e alianças nos dois blocos, ainda que em graus diferentes.

A esquerda entrou na campanha com uma dose razoável de realismo. Estabeleceu como meta uma recuperação pouco pretensiosa após o mau desempenho em duas eleições municipais e fez concessões importantes a partidos aliados. Isso não evitou dissabores e sinais de resistência em parte do eleitorado.

A influência duradoura do antipetismo e o distanciamento de eleitores das periferias apareceu em centros urbanos considerados estratégicos. Nenhum dos dois fatores é novidade, mas a falta de remédios foi relatada com alguma preocupação em diversas regiões ao longo da campanha.

Celso Rocha de Barros - O que aconteceu, São Paulo?

Folha de S. Paulo

Direita pós-tucanos virou uma oscilação constante entre o centrão e outsiders cada vez mais obviamente estelionatários

Como a eleição de São Paulo virou isso?

São Paulo foi o berço dos dois grandes partidos da Nova República, o PT e o PSDB. As direções dos dois partidos sempre foram pesadamente paulistas, e ambos tinham suas cotas de professores da USP e de colunistas da Folha e do Estadão. A classe média que aderiu ao PSDB e os sindicatos que aderiram ao PT nasceram no mesmo processo de modernização ocorrido ao longo do século 20. O centro desse processo foi São Paulo.

O lado bom da campanha de 2024 é que ela mostrou que as forças modernizantes em São Paulo continuam gerando bons quadros nessas duas tradições políticas.

Pela esquerda, Guilherme Boulos é o único candidato com chance de vitória nas grandes capitais que já liderou um movimento social. Em 2024, aproximou-se do centro e contou com o apoio de Lula. É interessante saber o que ele tem a dizer à cidade.

Muniz Sodré - Um sinal aberrante de decadência nacional

Folha de S. Paulo

Nação nenhuma se deduz diretamente da estrutura social, e sim da convergência de efeitos imaginários e ideológicos, como os de povo, país e língua

Mark Robinson, vice-governador e atual candidato ao governo da Carolina do Norte, EUA, proclama-se negro nazista e favorável à escravidão. Justifica: "há pessoas que merecem ser escravizadas". Não se inclui entre elas, claro. São muitas as aberrações dessa ordem na história geral da diáspora negra, salientes em contextos sociais diversos.

O personagem Prudêncio, de Machado de Assis, é um exemplo ficcional da transição de escravo oprimido a alforriado opressor. Episódios análogos registraram-se no governo do Bolsonaro. Já na relevante crônica da guerra dos escravizados na Jamaica, em meados do século 18, avultava o nome do erudito Edward Long, que descrevia a luta da população escrava nativa contra os insurretos africanos. O medo de Long era tanto que, para ele, a simples existência de africanos "deformava a beleza deste globo de tal maneira, que eles merecem ser exterminados da Terra".

Luís Roberto Barroso - Avanços civilizatórios em 36 anos de Constituição

O Globo

Há realizações importantes a celebrar. A primeira delas é o mais longo período de estabilidade institucional da fase republicana

A Constituição brasileira de 1988 chega aos 36 anos com as marcas e cicatrizes da maturidade. Tem servido bem ao país em tempos que não foram banais. Vivemos épocas de bonança econômica e de recessão. Tivemos governos mais à esquerda e mais à direita. Escândalos de corrupção se multiplicaram. Uma pandemia, gerida de maneira desastrosa, levou à morte 700 mil brasileiros. Houve dois impeachments de presidentes, bem como ameaças de golpe de Estado e os devastadores ataques do 8 de Janeiro.

Apesar de sustos, sobressaltos e vícios persistentes, há realizações importantes a celebrar. A primeira delas é o mais longo período de estabilidade institucional da fase republicana. Não custa relembrar que a História do Brasil foi marcada por sucessivas quebras da legalidade constitucional. Da Revolução de 1930 ao golpe de 1964, do Estado Novo ao AI nº 5, do impedimento à posse de Pedro Aleixo ao Pacote de Abril de 1977, foram repetidas as crises e soluções autoritárias. Apesar de alguma apreensão recente, superamos os ciclos do atraso. Aprendemos que, apesar de tudo, é bom viver numa democracia. Só quem não soube a sombra não reconhece a luz.

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Democracia é a melhor resposta para mediar conflitos

O Globo

Eleitorado que vai às urnas reúne demandas diversas, mas é possível — e necessária — convivência entre visões opostas

Neste domingo, quase 156 milhões de brasileiros estão aptos a exercer seu direito de cidadania, cumprindo o ritual democrático de comparecer às urnas para escolher os prefeitos que governarão sua cidade pelos próximos quatro anos, seguindo à risca o plano de governo apresentado durante as campanhas e chancelado pelo voto. Elegerão também os vereadores responsáveis por formular as leis que nortearão o dia a dia das cidades e de seus moradores. O voto é o momento que o cidadão tem para se fazer ouvir.

Desse eleitorado, 52% são mulheres, a maior parte está na faixa de 45 a 59 anos (25%) e quase metade (43%) vive na Região Sudeste. Trata-se de contingente diverso, que desafia o discurso polarizado, por vezes agressivo, que anima embates nas redes sociais, a propaganda eleitoral ou mesmo debates em que nem sempre prevalecem a civilidade, a sensatez e o tom propositivo.

Um retrato dessa diversidade e da convivência entre diferentes perfis e posições políticas no país está na série de reportagens da GloboNews “A cara do Brasil”, exibida também no Jornal Nacional nos dias que antecederam a eleição. Repórteres conversaram com moradores nas cinco regiões do país para conhecer suas expectativas, posições políticas e entender como convivem com quem pensa diferente. Fica claro que, longe do ambiente conflagrado das redes sociais, o entendimento é possível.

Em Manaus (AM), a família do ex-goleiro Edmilson Brabo, que se define como de direita, vive numa mesma vila. Foi a maneira encontrada para compartilhar as despesas, como explica o filho Abrahão Nicolas Brabo. “A gente precisa pagar conta de luz, conta de água, se alimentar todos os dias. O almoço às vezes é feito lá [na casa do pai], às vezes é feito aqui. A gente se une para ser família”, diz Abrahão. “A gente tem diferentes convicções políticas, mas convive de forma harmoniosa, como deveria ser a sociedade.” À pergunta sobre o que une o Brasil, Abrahão responde: “Todos nós temos um sonho de vencer, de ter um emprego, uma boa casa, um carro, poder trabalhar de forma digna”.

George Gurgel - Convite de Lançamento livro


Poesia | Amar é a eterna inocência, de Fernando Pessoa

 

Música | Teresa Cristina - Com que roupa (Noel Rosa)

 

sábado, 5 de outubro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Taxação de multinacionais inspira cuidados

O Globo

É preciso integrar Brasil a acordo global, mas evitar que novo imposto seja pretexto para mais gastos

O governo federal acaba de impor a tributação mínima de 15% sobre o lucro de multinacionais que operam no Brasil, cumprindo acordo negociado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e assinado por 140 países. Trata-se de um passo na direção de um ordenamento tributário comum para evitar distorções na taxação dessas empresas, obrigando-as a recolher impostos nos países onde geram empregos e produzem, e não apenas onde mantêm suas sedes. A medida tem o mérito de adequar o Brasil a normas internacionais, mas também embute riscos. O principal é o governo tentar aproveitar para elevar a carga tributária sobre empresas globais, com o objetivo de financiar o aumento de despesas que ameaça o equilíbrio fiscal.

Prevista para entrar em vigor no ano que vem, a taxação, instituída por Medida Provisória (MP), valerá para empresas com faturamento anual superior a € 750 milhões. O imposto para corporações no Brasil é de 34% do lucro, mas a alíquota efetiva pode ficar abaixo de 15%, a depender de incentivos fiscais e do planejamento tributário de cada contribuinte. A Receita informou que, em 2022, 957 das 8.704 empresas que estariam no escopo da MP pagaram menos de 15%. Estas teriam de pagar a diferença, de modo que a alíquota ficasse exatamente em 15%.

Cristovam Buarque - Santa raiva

Veja

A tragédia educacional precisa ser vista como a da escravidão

O movimento abolicionista só cresceu quando, em vez da simpatia à liberdade dos escravos, passou a usar a raiva contra a perversidade da escravidão e a denunciar a estupidez desse sistema para o progresso do país. Há décadas, nossos educacionistas defendem o direito de todos a uma escola com qualidade, mas a educação continua entre as piores e mais desiguais do mundo; sabe-se que a deseducação é uma barreira para nosso progresso, mas o eleitor não vota por educação, sobretudo se o candidato lembrar que essa prioridade exige relegar outros gastos.

Apenas com discurso simpático, educação não estará entre as prioridades dos políticos. Ainda mais agora, quando os resultados eleitorais são motivados mais pela raiva aos políticos do que por simpatia a uma causa.

Leonardo Avritzer - Não está tudo dominado

CartaCapital

Enquanto a extrema-direita avança pelo Brasil, o eleitorado de três grandes capitais do Sudeste move-se para o centro

As eleições municipais deste ano estão revelando três fenômenos cuja relação entre si ainda não está completamente clara. O primeiro deles, apontado por nós há algumas semanas em CartaCapital e, em seguida, por diversos outros analistas, é que tudo indica nestas eleições uma certa hegemonia das forças políticas de direita, que já tinham sido vitoriosas nas eleições de 2016 e 2020. Existe a possibilidade de que nestas eleições a direita consolide a sua força em importantes capitais do ­País. No entanto, a dimensão da vitória da direita na eleição do próximo domingo não está clara e pode ser contida em alguns espaços porque há um segundo fenômeno, que está em tensão com o primeiro e sendo menos notado por analistas. Ele está ligado ao fato de que, apesar de a extrema-direita estar fortalecida na disputa por capitais neste ano, esses partidos da extrema-direita não têm, neste momento, a confiança do eleitorado das três grandes capitais brasileiras: São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

Luiz Gonzaga Belluzzo - Bets e mercados financeiros

CartaCapital

Os homens de negócio jogam um jogo que é um misto de habilidade e de sorte, e cujos resultados médios são desconhecidos pelos jogadores

As bets, casas de apostas online, assumiram a liderança nos debates travados na Terra Brasilis. Antes de se entregarem ao vício das bets, os brasileiros experimentaram as incertezas do jogo do bicho, as angústias do jogo de cartas ou das roletas. Diga-se, os chamados “jogos de azar” sempre frequentaram os espaços da ambição que incomoda o espírito de homens e mulheres. Restringir aos brasileiros o hábito vicioso das apostas é uma impropriedade. Assim como é impróprio inquinar de viciosas apenas as apostas dos jogos de azar. Essa crítica moralizante esconde os impulsos que comandam as decisões nas economias monetário-financeiras capitalistas.

Hélio Schwartsman - Paradoxos eleitorais

Folha de S. Paulo

Nenhum sistema de votação é perfeito, mas alguns são melhores do que outros

Uma das coisas mais difíceis na democracia é contar os votos. Não me refiro obviamente ao delírio bolsonarista segundo o qual as urnas eletrônicas seriam manipuladas. O sistema eleitoral brasileiro só melhorou depois que elas foram adotadas. Tenho em mente aqui um problema que é a um só tempo mais sutil e mais profundo.

Ao menos desde de Condorcet, no século 18, e de Arrow, no 20, sabemos das dificuldades para transformar somas de preferências individuais em decisão coletiva sem gerar paradoxos.

Dora Kramer - O inesperado faz surpresas

Folha de S. Paulo

Eleição não se ganha de véspera, e por isso mesmo as urnas revelam tantas surpresas

Eleição não se ganha nem se perde de véspera, embora seja esta a ocasião em que mais se especula sobre quem vai comemorar vitórias ou amargar derrotas. Isso ficou mais forte desde que o advento das pesquisas de intenção de votos tomou conta da cena.

Antigamente, na pré-história dos anos 1980, quando o Brasil começou a retomar eleições diretas nos estados (1982), nas capitais (1985) e à Presidência da República (1989), a medição da vontade do eleitor era fruto do trabalho da imprensa, com repórteres à caça do "clima" país afora.

Alvaro Costa e Silva – Na reta final, Eduardo Paes pula do muro

Folha de S. Paulo

Com crescimento de Ramagem, eleição no Rio se 'nacionaliza' e esquenta na reta final

Cláudio Castro protagonizou um episódio de comédia ao fazer o papel do espião trapalhão em mais uma tentativa de ajudar Alexandre Ramagem —cuja campanha a prefeito baseia-se na segurança pública— e livrar a própria cara das críticas sobre a dificuldade do governo estadual em conter a violência.

Castro publicou um vídeo mostrando, em detalhes, as novas viaturas descaracterizadas que sua gestão vai entregar à PM, especificamente ao setor de inteligência. As imagens revelaram como são os carros que deveriam ser usados de maneira "disfarçada". Só faltou exibir os números das placas: "Nem parece viatura, né? A ideia é exatamente essa. São 38 carros sem caracterização alguma", disse o governador com pinta de Peter Sellers interpretando o inspetor Clouseau na série "A Pantera Cor-de-Rosa".

Bolívar Lamounier - Ousar ou perecer

O Estado de S. Paulo

Se as instituições e os eleitores acordarem para os riscos que inexoravelmente teremos de enfrentar no médio prazo, já será alguma coisa

Meus caros amigos e amigas leitores por certo se lembram do Brasil, um país que em certa época chegou a ter bons governos e progredir.

Pois é, aquele país parece estar desaparecendo. A continuar como está, o que se pode entrever é que cedo ou tarde ele se renderá à jogatina, à ferocidade de certas indústrias e ao banditismo propriamente dito.

Mesmo no nível municipal, guardamos na memória algumas boas campanhas e autoridades dignas dos cargos que vieram a ocupar. Neste ano da graça de 2024, se o voto não fosse obrigatório, com certeza teríamos uma baixa recorde no comparecimento.

A parte pensante de nossas elites, notadamente os economistas, tem feito incontáveis alertas sobre a gravidade da crise que se delineia no horizonte. Se tal tendência não for contida por líderes de maior calibre e de forma ousada, a situação de médio prazo não será para almas frágeis. Num rápido apanhado, creio ser necessário destacar dois pontos: a eleição presidencial de 2026 e a Constituição de 1988.

Miguel Reale Júnior - Revisão das leis dos crimes ambientais

O Estado de S. Paulo

Cumpre alterar a Lei 9.605/98, discernindo entre o que cria perigo à incolumidade humana, animal ou vegetal e o que é mera desobediência a ditames regulamentares

A crise climática, a irromper no futuro, já chegou. Para enfrentá-la, proclamam que se deve aumentar a pena dos crimes ambientais. A questão é mais complexa, pois cumpre alterar grande parte da Lei n.º 9.605/1998, discernindo entre o que cria perigo à incolumidade humana, animal ou vegetal e o que se resume a ser mera desobediência a ditames regulamentares.

Sem dúvida, cabe a intervenção do legislador, sancionando, como medida preventiva, situação propícia a aflorar perigo ao meio ambiente. Muitas dessas ações constituem infrações obstáculo, de cunho administrativo e não penal, precauções para impedir atividade prévia à ofensa ao meio ambiente.

Carlos Andreazza - Moody’s e o voo de galinha

O Estado de S. Paulo

A Moody’s que dá é a mesma que tirará. Já vimos essa fita. Serve-nos aqui o clichê da comparação entre fotografia e filme. A agência aumentou o grau de confiança no Brasil observando o impulso da galinha ao disparar seu voo. Boa foto.

A galinha alçou-se tirando mais as patas do chão do que se projetava. Salto que surpreende; surpresa cujo encanto faz negligenciar o fato de ser uma galinha quem se lança. Galinha manjada. Que já deu seus pulos no passado.

A Moody’s deu pouca importância ao fato de ser uma galinha quem se alavanca, donde talvez a pouca relevância ao exercício de memória sobre como fora a aterrissagem do bicho quando da armação artificial de voo anterior. Não foi bem uma aterrissagem. Pagamos por ela até hoje. Catamos as penas até hoje.

Eduardo Affonso - Que voto útil é esse?

O Globo

Integrantes da elite pensante, outrora conhecida como ‘intelligentsia’, supõem deter a reserva de mercado da democracia

Os 13 anos de bipartidarismo forçado, durante a ditadura militar, parecem ter deitado raízes mais profundas em nosso sistema político (ou na nossa psique) que os 45 de pluralidade partidária que vieram depois. Tomamos gosto pelo clima de “cara ou coroa”, “par ou ímpar”, “ou isso ou aquilo”, como se cada eleição majoritária fosse um plebiscito.

Nem a introdução dos dois turnos arrefeceu esse ânimo. A ideia de ter de dialogar com potenciais aliados, repactuar propostas, negociar (no melhor sentido!) e buscar convergências para alcançar maioria numa segunda rodada soa perda de tempo. Por que não resolver a parada logo de cara, deixando aos (muitos) perdedores as batatas? É tentador ganhar no arrastão, sem ter de aprofundar o debate e acolher maior diversidade de ideias.

Pablo Ortellado - Mão pesada contra as crianças

O Globo

Precisamos fazer o balanço crítico de excessos na resposta do Estado brasileiro a ataques a escolas

Uma reportagem publicada na semana passada pelo jornal The New York Times mostrou que, depois de um atentado numa escola no estado americano da Georgia, mais de 700 crianças foram presas por fazer ameaças —inclusive ameaças não críveis, como trotes.

No dia 4 de setembro, um adolescente de 14 anos invadiu uma escola na área metropolitana de Atlanta e atirou em mais de 11 pessoas . Dois estudantes e dois professores foram mortos. O crime chocou os Estados Unidos. Como costuma acontecer nesses casos, o atentado foi seguido de uma explosão de novas ameaças. Devido ao “efeito contágio” — o estímulo a novos ataques gerado por um atentado bem-sucedido —, as autoridades foram obrigadas a levar cada ameaça a sério e a investigá-las.

A reportagem do New York Times mostrou que, nesse esforço investigativo e repressivo, muitos excessos foram cometidos contra crianças que aparentemente apenas passavam trotes. Um menino no estado de Ohio, de apenas 10 anos, enviou uma mensagem pelo Snapchat dizendo que haveria tiroteios em escolas próximas. Foi preso enquanto estava na escola por provocar pânico e ficou num centro de detenção juvenil por dez dias, sem entender o que estava acontecendo. Não foi a única criança presa por passar um trote. As operações policiais nos Estados Unidos levaram à prisão de 700 — 10% delas com menos de 12 anos.

Carlos Alberto Sardenberg - Questão de confiança. Ou de desconfiança

O Globo

A despesa obrigatória consumirá cada vez mais o Orçamento, sobrando menos para investimentos e custeio

Não é propriamente uma questão de fé. Há muitos números envolvidos neste caso. Mas é, certamente, uma questão de confiança. A seguinte: você acha que o governo executará as regras do arcabouço fiscal e alcançará as metas de equilíbrio das contas públicas? Para complicar, não é um caso de sim ou não. Qualquer resposta vem com uma adversativa, para o sim, e um complemento, para o não.

O debate esquentou nesta semana quando a agência de classificação de risco Moody’s, uma das três mais importantes, elevou a nota de crédito do Brasil. E surpreendeu a maioria dos economistas brasileiros.

Nota de crédito mede a capacidade de um país pagar sua dívida pública. Não zerar, é claro, pois nenhum governo consegue fazer isso. Mas é preciso ter capacidade de honrar a dívida regularmente, o que significa pagar em dia as prestações e os juros.

Poesia A que está sempre alegre, de Charles Baudelaire

 

Música | Samba de utopia (Jonathan Silva)

 

sexta-feira, 4 de outubro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Governo faz bem em bloquear bets irregulares

O Globo

Antecipar suspensão das empresas de apostas que não solicitaram registro ajuda a inibir efeitos nocivos

Foi acertada a decisão do governo de antecipar para este mês o bloqueio de empresas de apostas, ou bets, que não se regularizaram junto à União ou aos estados no prazo estipulado — a suspensão estava prevista apenas para janeiro de 2025. Na quarta-feira, o Ministério da Fazenda divulgou uma lista com 93 empresas legalizadas, responsáveis por 205 bets, além de 18 autorizadas a atuar nos estados. Agora só falta a Anatel tomar as providências técnicas para impedir as irregulares de atuar.

O governo demorou a agir, embora fosse evidente a confusão que reinava no setor. Prova disso é haver bets patrocinadoras de alguns dos maiores clubes de futebol do país e ostentando suas marcas nos uniformes dos times que nem aparecem na lista de empresas legalizadas divulgada pelo governo.

Fernando Abrucio - Debate é a antessala do novo governo

Valor Econômico

Falta de um processo mais amplo de educação política na sociedade, que deve ser prévia aos processos eleitorais

Quem acompanha a eleição na cidade de São Paulo geralmente não tem dúvida de que os debates atuais têm sido os piores de todos os tempos. O nível de violência física e verbal foi inédito. Um dos candidatos, Pablo Marçal, veio para confundir, não para explicar, buscando desmoralizar a democracia. O descrédito da discussão foi ampliado pelo uso recorrente de pegadinhas sobre a trajetória dos candidatos, tentando colocar todos na mesma vala, o que é uma mentira. No fim, faltou responder o principal: como seria o governo de cada um deles? Esta é a pergunta que deveria estar no centro dos debates.

Se a utilidade dos debates pudesse ser definida em poucas palavras, a melhor definição é a produção de informação para definição do voto de acordo com o que se espera do exercício do cargo público em questão. Numa eleição municipal, o debate tem de servir para que os eleitores saibam como deverá ser o governo de cada um dos concorrentes a prefeito. Há outros elementos que podem ser julgados, porém, eles serão secundários frente ao conhecimento da agenda prioritária, das soluções para as políticas públicas e do modo de governar que será adotado.

José de Souza Martins - O que está em jogo nas eleições municipais

Valor Econômico

Em São Paulo, estará em jogo se o Brasil será por longo tempo um país autoritário ou um país democrático

Dentro de dois dias realizam-se as eleições municipais no Brasil inteiro. Em 5.569 municípios serão eleitos prefeitos e vereadores. Embora essas eleições pareçam de importância menor em relação às forças políticas nelas envolvidas, na verdade estará em jogo, no dia 6, o destino político da República, não só o das comunas locais. Em São Paulo, estará em jogo se o Brasil será por longo tempo um país autoritário ou um país democrático.

A esdrúxula propaganda eleitoral de um candidato alude à importância de uma vitória bolsonarista para que Bolsonaro volte ao poder. Uma pessoa envolvida tão claramente nas sucessivas tentativas de golpe de Estado é estandarte da continuidade do golpe violador da Constituição e das leis da ordem política.

Até um bispo e um padre católicos apelaram pelo voto contra o PT para barrar o avanço político do “materialismo histórico e ateu”. Sob o abrigo da liberdade de opinião suspeitam da suposta, descabida e inverídica ameaça de Lula e do PT à religião.

Luiz Carlos Azedo - O Rio não é para principiantes; São Paulo, pode ser

Correio Braziliense

Paes (PSD) disputa a reeleição no Rio com possibilidades de vencer no primeiro turno; Nunes (MDB) corre o risco de ficar fora do segundo turno em São Paulo

Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, mais conhecido pelo nome artístico Tom Jobim, como todos sabem, foi compositor, pianista, violonista, arranjador, flautista e cantor brasileiro, entre os melhores e mais influentes da história de nossa música popular. É o autor de uma das frases mais antológicas sobre as peculiaridades nacionais: “David, o Brasil não é para principiantes”, disse, em meados 1960, ao fotógrafo norte-americano David Zingg, que decidira morar no Brasil. Pura antropologia.

A frase foi adotada como um mantra por todos que procuram explicar alguma coisa que não tem um sentido lógico na vida brasileira, devidamente adaptada para elevar o status profissional de quem a profere: “O Brasil não é para amadores”. Jobim, carioca da Tijuca, e o baiano João Gilberto faziam parte do grupo de músicos, compositores e cantores que criaram a bossa-nova, no apartamento de Nara Leão, então com 15 anos, na Avenida Atlântica, em Copacabana: Sylvia Teles, Roberto Menescal, Carlos Lyra e Ronaldo Bôscoli.

Vera Magalhães - Eleição de SP e o futuro da política

O Globo

Uma vitória sobre dois bolsonaristas na cidade mais importante do país equivaleria a uma chancela ao governo Lula

Muito já se escreveu de prognóstico furado tentando projetar a política nacional a partir de pleitos municipais, que acontecem dois anos antes das disputas presidenciais. Nem é totalmente verdade que as campanhas nas cidades funcionem como plebiscito a respeito da avaliação do governo federal de turno nem o cômputo de prefeituras e assentos em câmaras municipais projetam maiores ou menores chances de partidos e campos político-ideológicos.

Mas se tem uma eleição que agrega esses componentes nacionais mais que as outras, e em 2024 mais que em qualquer ano, é a que acontece na capital paulista.

A centralidade que a disputa paulistana adquiriu se deve, em grande parte, aos eventos bizarros e à figura exótica de Pablo Marçal. Por isso mesmo, a depender da configuração do segundo turno e, depois, do resultado final das urnas, esse fenômeno tem maiores ou menores chances de se expandir para o resto do Brasil, com consequências variáveis para as lideranças políticas até aqui estabelecidas ou que estavam em construção.

Bernardo Mello Franco - Saturnino e a honradez

O Globo

“A política é fascinante, mas a literatura é mais saudável”, disse gestor que dirigia o próprio Fusca e decretou a falência do município em 1988

A três dias da eleição municipal, o Rio perdeu seu primeiro prefeito escolhido nas urnas. Roberto Saturnino Braga morreu ontem aos 93 anos. Era um político à moda antiga, que acreditava no debate de ideias e na convivência civilizada com os adversários.

Saturnino se elegeu deputado em 1962, pelo velho PSB. Depois do golpe militar, entrou na mira da ditadura e foi impedido de concorrer à reeleição. Em 1974, candidatou-se ao Senado pelo MDB. Contrariando as próprias expectativas, venceu com folga e se juntou à linha de frente da oposição ao regime.

Com a redemocratização, filiou-se ao PDT de Leonel Brizola e se elegeu prefeito do Rio em 1985. O mandato foi breve e tumultuado. Ele rompeu com o governador, enfrentou uma crise financeira e teve que decretar a falência da cidade. Conhecido como um gestor honesto, que dirigia o próprio Fusca, deixou o cargo com os servidores em greve, sem receber salários. No Jornal do Brasil, Millôr Fernandes cunhou uma frase que o perseguiria até o fim da vida: “O homem que desmoralizou a honradez”.

Flávia Oliveira - Um canto carioca

O Globo

É lição de solidariedade, política de saúde bem planejada, empenho de servidores públicos

O Rio de Janeiro inteiro, dor e delícia, tragédia e compaixão, coube na saga de dona Maria Elena Gouveia por um fígado. Moradora de Belford Roxo, 69 anos, ela foi diagnosticada com câncer e doença hepática grave. Recebeu indicação para transplante e aguardava, havia três meses, como primeira da fila. A ligação redentora veio na noite de segunda-feira, 30 de setembro. O protocolo exige deslocamento imediato para o hospital.

No caso de dona Maria Elena, a cirurgia seria realizada no Hospital Adventista Silvestre, em Santa Teresa, área central da capital, distante 40 quilômetros do município onde mora, na Baixada Fluminense. A paciente deveria chegar no início da madrugada na unidade de saúde, mas só conseguiu se apresentar depois do amanhecer de terça-feira, 1º de outubro. Uma troca de tiros na região a impediu de sair de casa. Belford Roxo registrou, de janeiro a agosto deste ano, 120 mortes violentas, segundo dados oficiais do Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ). No primeiro semestre, o Instituto Fogo Cruzado contou 269 tiroteios na Baixada.

Vinicius Torres Freire – O que querem os homens de Marçal?

Folha de S. Paulo

Candidato faz mais sucesso entre homens, mais jovens e eleitores de renda mais alta

Em uma eleição com diferenças de votos tão pequenas como na disputa pela Prefeitura de São Paulo, é uma temeridade avançar hipóteses sobre o perfil do eleitor dos candidatos. No entanto, há alguns traços notáveis no eleitorado, em particular no de Pablo Marçal (PRTB).

Cerca de 60% de seus eleitores são homens. No caso de Guilherme Boulos (PSOL) e de Ricardo Nunes (MDB), as diferenças de voto entre gêneros é tão pequena e engolida pela margem de erro que não vale a pena fazer a distinção.

Marçal lidera com 31% entre os eleitores de 16 a 24 anos, embora no caso das categorias de idade as margens de erro sejam grandes (Boulos tem 21%, Nunes, 18%). Entre os eleitores de 25 a 59 anos, as diferenças são mínimas. Entre os maiores de 60, idosos, Boulos fica com 34% (Nunes tem 31%, Marçal, 18%). É um sinal destes tempos que um esquerdista tenha mais a preferência de idosos; que uma espécie de liberalismo messiânico agrade a mais jovens.

Bruno Boghossian - Bolsonarismo empurra Marçal contra Nunes

Folha de S. Paulo

Gangorra na direita deixa aberta disputa pelo 2º turno, e nem Boulos pode ficar aliviado

Uma migração de eleitores bolsonaristas deu impulso final à candidatura de Pablo Marçal (PRTB) e se tornou uma ameaça séria para Ricardo Nunes (MDB). A capacidade do influenciador de renovar os apelos aos simpatizantes do ex-presidente será decisiva na disputa por uma vaga no segundo turno.

A batalha por esses votos teve uma mudança significativa, segundo a nova pesquisa do Datafolha. Há uma semana, Marçal e Nunes dividiam praticamente ao meio o eleitorado de Jair Bolsonaro: 43% declaravam voto no influenciador, e 39% no prefeito. Agora, Marçal abriu vantagem, com o apoio de 51%, contra 32% de Nunes.