terça-feira, 6 de agosto de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

STF acerta ao condenar PEC Kamikaze

O Globo

Apesar do atraso, Corte decide que uso da máquina pública por Bolsonaro em ano eleitoral foi ilegal

Por 8 votos a 2, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que a Emenda Constitucional 123/2022 violou o princípio da igualdade de oportunidades entre os candidatos. Com a intenção de melhorar suas chances de reeleição, Jair Bolsonaro usou o aumento do barril de petróleo causado pela guerra entre a Rússia e a Ucrânia como subterfúgio para declarar estado de emergência. Dessa forma, ampliou a abrangência e os valores de programas sociais e interveio nos preços de combustíveis. Tudo isso às vésperas das eleições presidenciais. Logo que a ideia veio à tona, a proposta foi apelidada de Kamikaze, por ser um ataque suicida contra as contas públicas. A decisão do STF pela inconstitucionalidade de partes da emenda comprova que a democracia também foi alvo. Embora com atraso, a Corte reafirmou a ilegalidade do uso da máquina pública para a obtenção de vantagens nas urnas. O ponto negativo foi a não responsabilização dos culpados.

Antonio Lavareda* - É preciso mudar a política. Mas como?

O Globo

Confiança supõe conhecimento, mínimo que seja. Inexiste, se eu não me lembro sequer do representante que escolhi

Se um orador em qualquer auditório perguntar à plateia se acha necessário mudar a política, quase todos os braços se levantarão. De esquerda, centro e direita. Os dois ou três reticentes serão certamente de cientistas políticos “nefelibatas”, como diria Fernando Henrique Cardoso, que, de pronto, arguirão o óbvio — essa insatisfação é generalizada no mundo. O que não deveria, contudo, fazê-los desconhecer o diferencial de intensidade dos problemas daqui e ignorar os sinais do abismo à frente.

As disfunções do nosso sistema político são variadas. Por ora, foquemos de um lado no “presidencialismo esgotado”; de outro, na “representação sem fidúcia”, para os quais há diversos indicadores, mas por economia de espaço abordo apenas dois.

Maria Cristina Fernandes - A eleição que desafia a medicina da ideologia

Valor Econômico

Eleição no CFM põe em xeque a ideologização da entidade que fixa os princípios do exercício da medicina no país

Vinte e cinco anos no poder e contando. É este recorde de fazer inveja ao chavismo que o atual comando do Conselho Federal de Medicina pode ampliar na eleição que acontece nestas terça e quarta feiras. Não se trata de uma disputa classista. É uma autarquia federal, sustentada por contribuição obrigatória para o registro profissional de cerca de 600 mil médicos no Brasil. Sua atuação normatiza os princípios que regem a atividade e tem o poder de cassar o registro de médicos que os atropelem. O que está em jogo é a credibilidade da medicina no país e a vulnerabilidade da população a uma atividade essencial que costeia o alambrado da ciência para abraçar a ideologia.

Míriam Leitão - Os sinais do dia do pânico

O Globo

A tensão global veio da hipótese de os EUA entrarem em recessão. No Brasil, o temor é de que as turbulências deixem os juros no patamar atual por mais tempo

O mercado ontem entrou em pânico diante da hipótese de a maior economia do mundo estar entrando em recessão e começou com a queda de 12,4% da bolsa de Tóquio. Há dados que sustentam esse temor, ainda que, em alguns momentos, as quedas tenham parecido desproporcionais. Se for confirmado o encolhimento do PIB dos Estados Unidos, é uma complicação grande para a campanha do Partido Democrata porque os piores dados viriam exatamente no mês da eleição. Donald Trump já aproveitou o dia tenso para atacar seus adversários. No Brasil, o que todos esses tremores fortalecem é a hipótese de não haver queda de juros tão cedo.

Merval Pereira - Impasse no corte de gastos

O Globo

O debate sobre o equilíbrio das contas públicas terá hoje um desdobramento que deve levar o Senado a entrar em conflito com o governo no que concerne às prioridades dos cortes de gastos

O debate sobre o equilíbrio das contas públicas terá hoje um desdobramento que deve levar o Senado a entrar em conflito com o governo no que concerne às prioridades dos cortes de gastos. A Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado Federal, anuncia hoje uma nota técnica, produzida pelo economista Alessandro Casalecchi, com projeção sobre a estimativa de arrecadação de cada medida compensatória à renúncia fiscal com a renovação da desoneração da folha de pagamento das empresas, tema que tem gerado tensão entre Executivo e Senado e será votado amanhã no Senado.

Luiz Gonzaga Belluzzo - Trombadas cambiais

Valor Econômico

A reiteração de argumentos que apontam o risco fiscal como determinante das agruras cambiais teima em desconsiderar o caráter dominante dos fluxos de capitais em um ambiente global de liberalização financeira

Nas últimas semanas, as preocupações dos brasileiros se concentraram nas oscilações da taxa de câmbio. Nos píncaros da escalada para cima do Rei Dólar, o súdito Real ajoelhou mais uma vez e reconheceu que aceitaria outras reverências diante do Senhor da Moeda.

Os movimentos de capitais dos países credores para os devedores são e sempre foram procíclicos, para desgosto dos que acreditam em Papai Noel ou em modelos mais tolos do que inúteis. Nas economias emergentes, de moeda não conversível - isto é, com demanda nula por parte de agentes de terceiros países - a liquidez se expande na fase de ingresso de capitais e sofre violentas contrações quando o movimento se inverte, não raro subitamente.

Luiz Carlos Azedo - Lula se aproxima de Boric e se afasta de Maduro

Correio Braziliense

Há que se considerar o peso do Brasil, da Colômbia e do México nas articulações diplomáticas sobre a Venezuela, comparado ao do Chile, que é bem menor

A visita oficial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Chile, onde se encontrou com o presidente Gabriel Boric, sinaliza uma mudança de companhia importante para a política latino-americana e a imagem internacional do petista, desgastada pelo apoio do PT à reeleição fraudulenta do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro. Quanto mais longe do venezuelano e mais próximo do chileno, melhor para a democracia e para o próprio governo Lula.

Gabriel Boric, de 38 anos, é uma nova liderança de esquerda no continente, num país com vasta experiência política. A mais traumática foi o golpe de Estado do general Augusto Pinochet, que destituiu o governo de Salvador Allende e pôs fim à chamada “via chilena” ao socialismo, implantando a mais sanguinária ditadura do continente. O episódio viria a inspirar a proposta de “compromisso histórico” entre os comunistas italianos e a democracia cristã, liderados, respectivamente, por Enrico Belinguer, seu autor, convencido de que a democracia era um valor universal, e Aldo Moro, que viria a ser sequestrado e assassinado pelas Brigadas Vermelhas, em 9 de maio de 1978, o que implodiu o acordo.

Joel Pinheiro da Fonseca – Lula e Maduro

Folha de S. Paulo

A postura do governo brasileiro para com a Venezuela está correta

Maduro roubou e levou. É uma triste constatação, mas a esta altura já é praticamente certa. A oposição teve mais votos, conforme pode ser comprovado nos mais de 80% das atas eleitorais a que ela teve acesso e que disponibilizou online, com as devidas assinaturas e QR Codes. Já o regime segue se recusando a apresentar quaisquer atas e, dado que é tecnicamente difícil falsificá-las, deve seguir assim, inventando alguma desculpa que não convencerá ninguém.

Hélio Schwartsman - Lula deveria segurar a língua

Folha de S. Paulo

Por falar demais, presidente atropela estratégia da diplomacia profissional e cria dificuldades para seu próprio governo

Relações internacionais são um terreno difícil. Elas são o que de mais perto existe do estado de natureza hobbesiano. Sem um poder central que a todos submeta, cada Estado é mais ou menos livre para agir como quiser com seus homólogos. As principais limitações são a força militar de outros países; acordos internacionais, cuja imposição, porém, é fraca; e, no caso de democracias, a repercussão política que as ações do dirigente possam ter para o público interno.

Alvaro Costa e Silva - Maior obra de Cláudio Castro é fugir da Justiça

Folha de S. Paulo

Governador usa conversa mole contra tradição da prisão

Praticamente toda custeada pelo usuário, na contramão do que se faz em outras capitais do país e nas principais cidades do mundo, a passagem de metrô no Rio é a mais cara do Brasil –R$ 7,50. Em comparação ao de São Paulo, que tem 104,4 km de extensão, o sistema está estagnado. Tão cedo não passará dos 54,4 km.

Obra que deveria ter sido entregue como legado das Olimpíadas de 2016, a estação da Gávea é uma lenda urbana. Sua construção está paralisada há dez anos. Virou um buraco entupido com 36 milhões de litros d’água. O possível afundamento do terreno embaixo do estacionamento da PUC poderá causar uma tragédia.

Eliane Cantanhêde - Rebecas, Joões e Marias

O Estado de S. Paulo

Mais do que sorte ou acaso, os talentos brasileiros precisam de estímulo e boas escolas e professores

Rebeca Andrade é uma síntese, pobre, negra, de periferia e de uma família em que uma mãe solo, empregada doméstica, cuidou obstinadamente dos sete filhos. Enquanto ela fazia um solo incrível, vencia e recebia a medalha de ouro em Paris, sob o Hino Nacional e a reverência emocionante das americanas Simone Biles, prata, e Jordan Chiles, bronze, me vinha uma pergunta: há pouquíssimas Rebecas por aí, mas quantos talentos no Brasil, nas mais diferentes áreas, não só nos esportes, têm o estímulo e a “sorte” da nossa maior campeã olímpica da história?

Carlos Andreazza - O Supremo de volta para o futuro

O Estado de S. Paulo

Decisão sobre PEC Kamikaze é correta e inócua. Justiça que falhou. Não existe ‘apesar do atraso’

O Supremo declarou, na última quinta, a inconstitucionalidade da PEC Kamikaze, de 2022 – aprovada três meses antes das eleições daquele ano. Para ter efeito nas eleições daquele ano. Efeito desestabilizador.

Declarada, só em agosto de 2024, a sua inconstitucionalidade. Dois anos depois. Não é piada. Quase dois anos depois de a medida atentar, concentradamente, contra a paridade de armas na disputa eleitoral. (Atentado também em prol das forças do Lirão.)

Não é piada. Inconstitucional, declaração de 24, a emenda à Constituição por meio da qual os brasileiros financiaram a tentativa de reeleição de Bolsonaro em 22 – derrama de mais de R$ 40 bilhões em benefícios e auxílios sociais. (Dinheiros a privilegiar também os escolhidos dos donos do Congresso.) Agora, finalmente: inconstitucional!

Tiago Medeiros* - O Avesso de Marx: Conversas filosóficas para uma filosofia com futuro

A editora do Ateliê de Humanidades faz chegar ao público brasileiro um livro escrito por um incansável e arguto leitor de Karl Marx, o filósofo José Crisóstomo de Souza. O título é fiel à empreitada: O Avesso De Marx. Envolve as reflexões do autor de O Capital nas já conhecidas áreas em que produziu, mas vai além, ao tocar nos obscuros campos da teologia e do misticismo.

Praticado por uma metodologia inusual, o livro é uma sequência de conversas. Método e estilo são cuidadosamente entretecidos como para convidar o leitor a um bate-papo, e para refazer o convite à proporção que a narrativa avança e se adensa. Tendo se cercado de um imenso volume de referências, em seis idiomas, e as apresentado e articulado por toda a redação, especialmente em notas de rodapé, o autor não poupa o leitor da responsabilidade acadêmica com a qual está acostumado a tratar em seus escritos, sem com isso abrir mão da clareza, da didática e da coloquialidade espontâneas, próprias de quem quer se fazer entendido. As “conversas filosóficas para uma filosofia com futuro” – eis o subtítulo do trabalho – são antecedidas por dois textos introdutórios em que são anunciados o diagnóstico sobre a obra marxiana e uma agenda de tratamento da filosofia que a suporta. O diagnóstico é quanto ao caráter metafísico do pensamento de Marx, a agenda é a da orientação para destranscendentalizá-lo.

Poesia | Ariano Suassuna declama Garcia Lorca

 

Música | Teresa Cristina & Grupo Semente -Tristeza Pé no Chão