sexta-feira, 22 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Acordos comerciais com China são passo correto

O Globo

Ao recusar aderir à Nova Rota da Seda, Brasil mostra independência necessária para manter elo ocidental

Com a volta de Donald Trump à Casa Branca, a disputa entre Estados Unidos e China tem tudo para ficar mais acirrada. Trump deverá aumentar as barreiras comerciais a produtos chineses, reforçando o “desacoplamento” das duas maiores economias do mundo. Acabou há muito o tempo em que os dois países acreditavam num mundo de interdependência. Tanto que a política para a China implementada no primeiro mandato de Trump foi mantida sem grandes mudanças por Joe Biden. A partir de janeiro, é provável que o enfrentamento ganhe contornos inéditos. Nesse cenário, o desafio para países como o Brasil será manter o equilíbrio entre os dois polos, em busca do interesse nacional.

A assinatura de 37 acordos entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o líder chinês Xi Jinping foi um passo correto na atual conjuntura. O Brasil firmou cooperações nas áreas de satélites, tecnologia nuclear, comércio (com a abertura do mercado chinês a quatro segmentos agrícolas) e projetos de infraestrutura. Mas, contrariando o interesse de Xi, não aderiu à Nova Rota da Seda, programa de investimento para expandir a influência chinesa no exterior que já gastou US$ 1 trilhão. Pagou um preço por isso: o mercado para carnes continuará restrito. Mesmo assim, isso pode ser negociado com o tempo.

Hora de ver quem são os democratas - Vera Magalhães

O Globo

Aqueles que devem seu sucesso eleitoral ao fato de terem sido ungidos por Bolsonaro precisarão se decidir se seguem sob suas bênçãos

Não é de hoje que a direita brasileira faz vista grossa às evidências de que Jair Bolsonaro em mais de um momento agiu para não passar o poder a Luiz Inácio Lula da Silva, se necessário abolindo a democracia. Mais que isso: parcela significativa do eleitorado brasileiro segue fidelizada ao ex-presidente mesmo diante da sua condenação à inelegibilidade e de tudo que foi revelado depois disso.

Mas o indiciamento de Bolsonaro, de vários ex-ministros e de 24 militares, entre eles generais e um almirante, dá uma dimensão muito maior à natureza autoritária do governo brasileiro de 2019 a 2022.

Faltou muito pouco, e a resistência um tanto acanhada de uns poucos personagens-chaves salvou o Brasil de ver um golpe sair das pranchetas e dos grupos de mensagens e ganhar as ruas.

Diante dessa constatação, que a inteireza do relatório da Polícia Federal, quando seu sigilo for levantado, tornará irrefutável, se coloca um novo dilema diante de políticos e eleitores que, até aqui, têm minimizado tudo o que já se sabe e sempre se soube sobre seu capitão: afinal, quem são os democratas no campo da direita brasileira?

Democracia deve aos brasileiros a punição dos golpistas – Flávia Oliveira

O Globo

O arbítrio, mais uma vez, confirma que não tem freios

Coube a um par de autoridades expressar com clareza o tamanho da ameaça, ora revelada, que rondou a democracia brasileira nos meses seguintes à eleição de 2022.

— Estivemos mais próximos do que imaginávamos do inimaginável — disparou um ainda perplexo presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, horas depois da prisão de quatro militares e um policial federal por envolvimento na trama golpista.

Titular da Secretaria de Comunicação do governo, Paulo Pimenta, em outro momento, completou o diagnóstico:

— Só não tivemos uma tragédia por um detalhe.

Homens treinados com dinheiro público para zelar pela segurança nacional e respeitar a Constituição arquitetaram, despudoradamente, plano para eliminar o presidente e o vice recém-eleitos, além da principal autoridade eleitoral do país, na intenção de manter no comando da nação o candidato derrotado nas urnas, um autocrata em construção. Reuniram-se na casa de uma autoridade, imprimiram documentos no Palácio do Planalto, trocaram mensagens em aparelhos móveis, monitoraram o presidente do TSE e o tocaiaram.

Bolsonaro conspirou para trair a Constituição - Bernardo Mello Franco

O Globo

Dizendo-se patriotas, militares se apropriaram de símbolos nacionais para articular golpe

Em julho de 2022, Jair Bolsonaro convocou sua tropa para uma reunião no Planalto. Queria discutir o que fazer em caso de derrota nas urnas. “Nós vamos ter que agir. Agir contra determinadas instituições e contra determinadas pessoas”, defendeu o general Augusto Heleno.

O militar tinha papel central na engrenagem do golpe. Estava escalado para comandar um “gabinete de crise”, que teria poderes para anular a eleição e prorrogar ilegalmente o mandato do chefe.

Entre a vitória e a posse de Lula, o país esteve à beira de uma ruptura institucional. Bolsonaro conspirou contra a democracia para se manter no poder sem votos. “Estivemos próximos do inimaginável”, resumiu o presidente do Supremo, ministro Luís Roberto Barroso. Referia-se a fatos que vieram à tona nesta semana, ao fim de uma longa investigação da Polícia Federal.

A trilha de ‘sherpas’ de Lula rumo a 2026 - Andrea Jubé

Valor Econômico

Presidente fez novo aceno ao equilíbrio das contas públicas

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou ao fim de uma semana marcada pela revelação de um plano com detalhes estarrecedores para dar cabo de sua vida, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes com uma postura altiva e um discurso racional na política e na economia, em meio à expectativa pelo pacote fiscal.

No primeiro pronunciamento público após as graves revelações do relatório da Polícia Federal, ele comemorou o consenso alcançado na declaração final da cúpula do G20, presidida pelo Brasil, celebrou os 37 acordos assinados durante a visita oficial do presidente da China, Xi Jinping, renovou o apelo pela volta da normalidade democrática, e restabeleceu o compromisso com o equilíbrio fiscal, às vésperas do anúncio do pacote de cortes conduzido pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Indiciamento fecha porta para a anistia - César Felício

Valor Econômico

Desfecho jurídico está distante, mas consequências políticas são imediatas

O inquérito policial que indicia o ex-presidente Jair Bolsonaro e outras 36 pessoas na investigação sobre golpe de Estado por si só tem um significado limitado. Juridicamente, é “o começo do começo do começo do início”, conforme postou ontem em sua rede social o advogado Augusto de Arruda Botelho, ex-secretário nacional de Justiça. Afinal, ainda se requer que a denúncia seja apresentada pela Procuradoria-Geral da República e que eventuais medidas cautelares sejam decididas posteriormente pelo relator da matéria no Supremo Tribunal Federal, Alexandre Moraes, para que o caso se aproxime do momento de um desfecho. Politicamente, contudo, o simples indiciamento gera consequências imediatas.

Uma delas é que agora se tem um sinal definitivo de qual é o universo de personagens deste enredo e de que todas as frentes contra Bolsonaro devem se interligar em um movimento único, da venda de joias à contestação do resultado eleitoral, passando pela conspiração para eliminar autoridades, minutas do golpe e depredação das sedes dos três Poderes em 8 de janeiro. O circuito se fecha.

A favela em números - José de Souza Martins

Valor Econômico

Embora a favela seja um modo socialmente degradante de morar na cidade, é, também, um lugar de criatividade social

O IBGE divulgou os dados do Censo Demográfico de 2022 relativos ao que é um Censo das Favelas e Comunidades Urbanas. Como sugeriu Francisco de Lima, o Preto Zezé, presidente da Central Única das Favelas (Cufa), o censo permitirá ao Estado tratar dos problemas das favelas de maneira socialmente apropriada. Uma liderança desse porte já é um fato auspicioso, que liberta o assunto das improvisações impressionistas do senso comum.

É significativo que a conceituação desses conjuntos urbanos voltem a ser definidos como “favelas”, depois dos esforços para redefini-los como “comunidades”. Os números do Censo mostram que há poucas discrepâncias entre as favelas e o país. Também nelas repete-se a diversidade social, diferenças e diversificações que as diferenciam do que a sociologia define como “comunidade”.

A direita na porta da cadeia – Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Mais do que rever nomes, deve haver revisão de alianças e até de relação com Lula 3

Acreditar que Jair Bolsonaro pudesse ser candidato a presidente da República em 2026 era risco óbvio para quem aderisse à ideia, na prática. Mas também era ou talvez ainda seja um projeto. O plano unia a extrema direita no Congresso e nas redes a partes dos centrões e direitões na Câmara e no Senado.

A convergência de propósitos criava alguns empecilhos para outras candidaturas a presidente em 2026, a começar por limitar adesões imediatas, um início de discussão de acordos e testes mais sérios de nomes. Talvez fosse impedimento temporário, mas impedimento havia.

Bolsonaro era o chefe da trama golpista – Bruno Boghossian

Folha de S. Paulo

Ex-presidente exerceu liderança direta, tomou decisões e deu voz de comando para execução de pontos críticos da conspiração

O indiciamento de Jair Bolsonaro, ex-ministros e generais atinge em cheio o alto comando da trama golpista. As investigações reuniram provas de uma ação orquestrada, articulada dentro do Palácio da Alvorada, com a participação direta do então presidente. Mais do que isso: sobram elementos para enquadrar o capitão como chefe da conspiração.

As provas colhidas pela Polícia Federal apontam que Bolsonaro exercia o papel de líder da tentativa de golpe. Ele foi responsável por dar forma final ao decreto que deveria melar as eleições e lançar o país num estado de exceção. O então presidente convocou comandantes militares para discutir uma intervenção armada e se reuniu pessoalmente com o general que coordenava um plano terrorista.

'Kids pretos' para a história – Ruy Castro

Folha de S. Paulo

O plano pode ter sido levado a Bolsonaro para sua rubrica em cada página e assinatura na última

Alguém já perguntou certa vez: "Suponha que você dê uma revolução e ninguém apareça?". Em novembro de 1935, levantes precipitados no Nordeste fizeram Luiz Carlos Prestes, com menos de 100 seguidores, tentar um golpe armado no Rio contra o governo de Getulio Vargas. O golpe fracassou —as tropas que deveriam se insurgir nos quartéis não acharam boa ideia e as grandes massas, sem saber de nada, também não se mexeram. Getulio aproveitou para prender e torturar milhares em todo o país.

Situação de Bolsonaro é pior do que a de Trump - Igor Gielow

Folha de S. Paulo

Se apuração chegar a julgamento, futuro político do ex-presidente estará em risco

A dupla hélice que entrelaça as histórias políticas de Jair Bolsonaro e Donald Trump, os próceres do populismo de direita nas Américas, é marcada por um ritmo no qual fatos em torno do americano sempre se repetiam dois anos depois, respeitando o ciclo eleitoral de cada país.

Foi assim na ascensão e na queda de ambos, e também na explosão golpista que sucedeu suas debacles nas urnas, seja o 6 de janeiro de 2021 no Capitólio ou o 8 de janeiro de 2023, na praça dos Três Poderes.

Com isso, um bolsonarista desavisado pode dizer que o indiciamento do ex-presidente nesta quinta (21) antecede uma volta por cima, como ocorreu com o americano, que chegou a ser condenado num caso de fraude fiscal neste ano antes de ser colocado novamente na Casa Branca.

Bestializado - Simon Schwartzman

O Estado de S. Paulo

A pergunta que fica é se grandes mobilizações de pessoas e recursos como a reunião do G-20 produzem resultados que justificam o esforço, ou se são exemplo de turismo diplomático

José Murilo de Carvalho, em Os Bestializados, lembra como o povo, sem saber do que se tratava, assistiu à mobilização dos militares que implantaram a República em 1889. Foi assim que me senti ao acompanhar de perto, na zona sul do Rio de Janeiro, as grandes movimentações da reunião do G-20, só comparáveis às da Olimpíada e da Copa do Mundo em 2014 e 2016. Mais uma vez o Brasil, e especialmente o Rio de Janeiro, se colocava no centro do mundo, e eu, tão pertinho, não havia sido convidado...

Não é que o povo, desta vez, tivesse ficado totalmente de fora. A Cúpula Social do G20, alguns dias antes, contou com a presença de milhares de participantes de 271 entidades da sociedade civil, que em três dias aprovaram um documento que foi encaminhado ao presidente Lula da Silva para ser incluído na pauta da reunião. Além disso, inúmeros grupos de trabalho e de engajamento foram mobilizados, e a declaração final foi um documento com 85 recomendações e compromissos assinados pelos chefes de Estado das maiores economias do mundo, sob a coordenação do governo brasileiro. A proposta de taxação das grandes fortunas não foi aprovada, mas em compensação ficou registrada a criação da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. Fala-se em mais de US$ 40 bilhões a serem mobilizados até 2030, com recursos já existentes em agências como o Banco Interamericano de Desenvolvimento e outros a serem levantados. Para gerenciar a aliança, o Brasil desde já vai financiar a instalação de um escritório em Brasília e outro em Roma. Um grande sucesso, e mais uma vez não só a Europa, como também o mundo, se curvam diante do Brasil.

A arte de escapar dos cortes - Fernando Gabeira

O Estado de S. Paulo

O Brasil não reduz os custos da máquina porque as forças que se beneficiam dela não deixam

Neste momento, o tema corte de gastos públicos subiu na agenda tanto aqui como nos EUA. Eleito, Donald Trump designou Elon Musk para comandar o processo no qual pretende economizar US$ 2 trilhões. Será possível? A que custo, em termos políticos?

Parece que a tática de Musk é a de cortar o máximo, errar por excesso, nunca por timidez.

No caso brasileiro. O corte de gastos públicos parece um consenso, restando apenas a grande dúvida: cortar para cima ou para baixo? Supersalários, máquina dispendiosa, fantásticos subsídios às empresas. O panorama nas alturas é animador para quem maneja a tesoura.

Uma vez golpista… - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Jair Messias Bolsonaro chega ao fim de sua trajetória pública como começou, ainda como um jovem oficial do Exército: acusado de atentados. Na década de 1980, foi condenado e ficou preso 15 dias por decisão unânime de um conselho militar, sob acusação de tentativa de explodir prédios militares e públicos. Quarenta anos depois, é indiciado pela Polícia Federal por tentar explodir a democracia brasileira.

Por mais aterrorizantes que sejam o planejamento e os passos concretos para assassinar o presidente e o vice-presidente legitimamente eleitos e o presidente do TSE, ninguém diga que foi surpresa. Bolsonaro não foi apenas flagrado no início da carreira militar, até com um croqui para explodir prédios do Exército, como passou toda a sua vida política ameaçando a democracia e as autoridades e poderes constituídos.

Bolsonaro e generais encabeçam lista da PF – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Segundo a PF, estivemos muito próximos de um golpe militar. Foram dois anos de investigações, encerradas ontem, para chegar a Bolsonaro e aos militares

O ex-presidente Jair Bolsonaro; o ex-ministro da Justiça Anderson Torres; o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Augusto Heleno; o ex-ministro da Casa Civil e da Defesa Walter Souza Braga Netto; o ex-ministro da Defesa e ex-comandante do Exército Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira; o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos; o ex-diretor da Agência Brasileira de Informações (Abin) Alexandre Ramagem; o ex-chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército e general de Exército Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira, o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e tenente-coronel do Exército Mauro Cid, e o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, estão entre os 37 indiciados pela Polícia federal (PF) por tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023.

Aceitem a democracia! Como assim? - Orlando Thomé Cordeiro

Correio Braziliense

Não bastasse o plano em si, descobriu-se que reuniões para planejamento dos crimes

O mês de novembro está sendo marcado por inúmeros acontecimentos importantes, no Brasil e no mundo. Logo na primeira semana, ocorreu a esmagadora vitória de Trump nas eleições norte-americanas, fazendo maioria no voto popular, no Senado e na Câmara e provocando muita preocupação para as democracias ocidentais. 

Por aqui, foi possível ler um artigo assinado pelo ex-presidente, publicado na edição de segunda-feira, 11, da Folha de S. Paulo, com o título Aceitem a democracia. Claro que, ao nos depararmos com o título e sua conclamação à aceitação, poderíamos ter diversas reações. A minha foi querer enviar para ele uma caixa de óleo de peroba para lustrar a cara de pau daquele que se recusa, até hoje, a reconhecer o resultado eleitoral de 2022. Aliás, o subtítulo poderia ser "me engana que eu gosto".

Poesia | Traduzir-se, de Ferreira Gullar

 

Música | Marisa Monte - Feitio de Oração (Noel Rosa)