sábado, 30 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Galípolo precisará resistir a pressão política sobre BC

O Globo

Depois de implodir programa de cortes, ala política do governo quer intervir na autoridade monetária

Dado o desdém recorrente que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem demonstrado pela questão, talvez fosse otimismo exagerado achar que aprovaria um ajuste nas contas públicas suficiente para, em uma tacada, estabilizar a dívida crescente. Mas se esperava ao menos um sinal de compromisso. Em vez disso, o pacote desta semana, de tão tímido e confuso, surtiu o efeito oposto. Fez aumentar a incerteza. Em vez de acatar as sugestões sensatas — ainda que modestas — da equipe econômica, Lula cedeu a seu vezo populista e ficou ao lado da ala política, preocupada com a próxima eleição, não com o crescimento sustentável e o futuro do país.

Tendo ajudado a implodir o pacote de controle de gastos, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, voltou as baterias contra a autoridade monetária: “Estamos em contagem regressiva para ter um Banco Central (BC) que tenha um olhar para o Brasil”. A declaração tem alvos claros: é um ataque ao presidente do BC, Roberto Campos Neto, crítico da política fiscal, e uma tentativa de influenciar as decisões de Gabriel Galípolo, que assume o cargo em janeiro.

Encadeamentos desastrosos - Marco Aurélio Nogueira

O Estado de S. Paulo

Uma sociedade fragmentada, com uma cultura política rarefeita, com muitos desníveis sociais, é propensa a complôs, ações terroristas, lideranças autoritárias

O golpe de Estado aconteceria em dezembro, após as eleições presidenciais de 2022, para impedir a posse dos eleitos e sequestrar Alexandre de Moraes. Os três seriam então simplesmente assassinados. Agora, a Polícia Federal revelou tudo, reunindo as apurações em um calhamaço de quase 900 páginas.

O planejamento golpista teve uma história. Começou em 2019, com as mentiras sobre fraude eleitoral, forjadas para instigar a população e mexer com os militares. Nos quatro anos seguintes, o gabinete de Jair Bolsonaro foi um larvário de articuladores e “tropas de combate”, que infestou a opinião pública com mensagens salvacionistas causadoras de caos e temor.

Tudo o que houve de estranho e esquisito naqueles quatro anos esteve encadeado: ministros desqualificados, ataques ao sistema eleitoral, desinformação, militares boquirrotos e indisciplinados, discursos virulentos, acampamentos “populares” às portas de quartéis, kids pretos empoderados, milícias digitais, toda uma mixórdia de fatos, personagens, palavras e atitudes, difundidas sibilina ou ostensivamente.

Uma luz no fim do túnel - Bolívar Lamounier

O Estado de S. Paulo

Por mais generalizadas e cruéis que sejam nossas desigualdades, é possível enfrentá-las com a oferta de verdades relevantes

A desordem política em que o Brasil vive há mais de duas décadas decorre de três fatores: o pequeno número de pessoas genuinamente vocacionadas para a vida pública, deformações grotescas em nosso sistema institucional e, mais importante, a obscena desigualdade de nossa sociedade.

Aos fatores acima haveria que acrescentar o quadro mundial, no qual despontam ditadores como Nicolás Maduro, um presidente condenado eleito para a presidência dos Estados Unidos e ditaduras totalitárias como as da Rússia, China e Coreia do Norte. Vladimir Putin chega a ameaçar o mundo abertamente com o recurso a seu gigantesco arsenal nuclear.

Quanto ao Brasil, a escassez de vocações políticas a que me refiro diz respeito ao excesso de indivíduos ávidos por viver “da política” e não “para a política”. O quase total desaparecimento da geração de líderes do Congresso constituinte (1987-1988) deixou aberto o espaço para o discurso ideológico vazio do PT, o populismo de Lula da Silva e um Congresso no qual, com as exceções de praxe, pululam larápios e trapaceiros. Essa “oferta” molda a “demanda”, ou seja, aprofunda o descrédito da instituição legislativa, que afugenta possíveis bons candidatos e assim por diante, num círculo vicioso cujo fim não está à vista.

Autoproteção - Oscar Vilhena Vieira

Folha de S. Paulo

STF deve requalificar seus processos para julgar trama golpista

Supremo Tribunal Federal terá o enorme desafio de decidir sobre o destino dos envolvidos na bizarra trama golpista, descortinada pela Polícia Federal. Os prováveis réus são militares radicalizados de alta patente, além do ex-capitão Jair Bolsonaro que, ao longo de todo o seu mandato como presidente, nunca perdeu uma oportunidade para atacar o Supremo e os seus ministros, assim como incitar os militares e os seus apoiadores contra o tribunal.

Embora um tribunal jamais deva temer ou se curvar à opinião pública ou a dos poderosos, o exercício da pesada tarefa de aplicar a lei depende do reconhecimento de sua autoridade por parcela significativa da sociedade, especialmente por parte daqueles atores políticos e institucionais que interagem com os tribunais. A autoridade judicial está diretamente associada à sua capacidade de demonstrar imparcialidade, honestidade, objetividade, eficiência, coerência e consistência na aplicação da lei. Mas, também, à sua disposição de não se curvar aos poderosos.

Nesse contexto, penso que a melhor maneira do Supremo enfrentar esse novo desafio que lhe está sendo apresentado, seja requalificar seu processo decisório. Aliás, isso seria fundamental não apenas para o julgamento de eventuais golpistas, mas também para o exercício ordinário de sua jurisdição, num ambiente em que parece não haver questão relevante da vida nacional que não passe pelos gabinetes do Supremo.

O que andam ensinando nas escolas militares? - José Eduardo Faria

Folha de S. Paulo

Pelo nível da turma do 'Punhal Verde e Amarelo', é de se perguntar como diplomaram-se e, pior, se representam o alunado médio dessas instituições

Pelo português típico dos bordéis de zona portuária, pela visão de mundo da altura de uma sarjeta e pelo apego à violência com base na premissa de que atentados à vida são meios que justificam quaisquer fins, os militares presos pela Polícia Federal por terem elaborado um plano para matar o presidente da República, o vice-presidente e um ministro do Supremo Tribunal Federal, na passagem de 2022 para 2023, entreabrem três perguntas.

São elas: 1 - Qual a formação que esse pessoal obteve nas escolas militares?; 2 - Em que medida eles representam o alunado médio dessas escolas?; 3 - Em caso negativo, de que modo esses militares conseguiram diplomar-se e fazer uma carreira nas Forças Armadas, ascendendo a posições de destaque e chegando à irresponsável iniciativa de afrontar o Alto Comando do Exército ao planejar um golpe de Estado?

Haddad: Vazamento de isenção do IR causou ‘ruído’ com o mercado financeiro

CartaCapital

O ministro ainda admitiu que o governo pode rever as medidas fiscais caso necessário

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), disse considerar que o vazamento sobre a isenção do Imposto de Renda para quem recebe até 5 mil reais, medida prevista no pacote fiscal anunciado pelo governo nesta semana, foi a causa do ruído com o chamado mercado financeiro. As declarações foram dadas nesta sexta-feira 29.

“Quando você vaza uma informação de governo sem que a divulgação seja feita com a pompa e circunstância devidas, em respeito ao cidadão, você vai ter problema de leitura”, pontuou o ministro em entrevista à Record. Depois que a informação sobre a isenção foi revelada, o dólar registrou uma alta histórica e atingiu a casa dos 6 reais.

Haddad ainda cobrou mais responsabilidade das autoridades em relação a temas sensíveis. “Não adianta se queixar do mercado. Cuida da comunicação, não deixa a informação vazar. E quando vazar tem uma autoridade constituída para explicar, aí você não vai ter problema”, acrescentou.

A educação da educação - Cristovam Buarque

Veja

O olhar exclusivo para os testes de avaliação é ruim 

Um dos passos positivos da educação a partir do final do século XX foi a adoção de práticas de avaliação como o Ideb e o Enem, no Brasil, e os testes de avaliação internacional do Pisa. Passamos a avaliar as escolas em função do número de alunos aprovados para ingresso na universidade. Os governos comemoram o aumento total do número de matriculados no ensino superior e as escolas exibem cartazes com fotos dos ex-­alunos aprovados. Não se avalia, contudo, o impacto da educação de base sobre os que não chegam ao ensino superior. É como se o propósito da avaliação de todo o sistema educacional fosse saber o sucesso de um vestibular, sem importar como ficaram os que não ingressaram, nem para que serviu entrar. Como se só importasse quantos chegam a uma ponte, sem considerar quantos não chegaram a ela e quantos alcançam o outro lado, nem qual o destino seguido depois pelos que conseguiram atravessá-la.

Um quebra-galho fiscal – Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

O programa de ajuste é insuficiente porque não se trata de redução efetiva de gastos

O comentário mais benevolente sobre o pacote de corte de gastos diz o seguinte: está na direção correta, mas é insuficiente. O programa de ajuste é insuficiente porque não se trata de redução efetiva de gastos. Explicando: não é que o governo vá gastar no ano que vem menos do que gasta agora. Gastará mais. Onde o ajuste, então? No seguinte: o governo gastará menos do que gastaria se não tomasse as medidas de contenção.

Considerem a regra proposta para o reajuste do salário mínimo: mantém o ganho real, acima da inflação, porém menor que a regra atual (correção pela inflação, mais a expansão do PIB). Aliás, há aqui uma maldade: o salário mínimo do ano que vem, aprovado o pacote, será menor que o previsto atualmente.

Populismo requer humildade – Pablo Ortellado

O Globo

O caminho atual de ridicularizar falhou em recuperar a confiança pública nas instituições

Em 2018, o Porta dos Fundos lançou a série “Polêmica da semana”, satirizando a prática jornalística de dar voz aos “dois lados”, mesmo quando uma das posições é desqualificada. No primeiro vídeo da série, um mediador tenta permanecer equidistante num debate entre a defesa científica das vacinas por uma professora da UFRJ e a defesa da eficácia do “óleo de coco e da bala de gengibre” por um gamer. A série segue satirizando outras falsas polêmicas, como o aquecimento global e o racismo. Como quase tudo do Porta dos Fundos, os vídeos são muito engraçados. O problema que apresenta, porém, é mais complicado do que parece: qual a responsabilidade dos especialistas na era do populismo?

Movimentos populistas, como bolsonarismo ou trumpismo, caracterizam-se pela profunda desconfiança das elites intelectuais e das instituições liberais. Populistas não confiam nos cientistas, nos jornalistas, nos artistas e em suas respectivas instituições. Acreditam que esses “sabidos” são movidos por interesses escusos ocultos — pela agenda woke ou por privilégios econômicos, como as “boquinhas” da Lei Rouanet. O populismo foi capaz de organizar um ressentimento social contra os especialistas e transformá-lo em plataforma política poderosa. Diante do desafio populista, as instituições têm agido da maneira recomendada pela sátira do Porta dos Fundos, negando acesso a vozes desqualificadas. Será que essa estratégia tem funcionado?

Golpe é o c*, p*! – Eduardo Affonso

O Globo

Seis p* e dois f* numa fala de poucos segundos são algo que não se ouvia nem nas piadas do Costinha ou em declarações da Dercy

Se estiver correto um estudo — publicado na revista Language Sciences — que se propõe a desconstruir o mito da pobreza vocabular de quem usa muito palavrão, o Brasil perdeu a chance de ter, com o fracasso do golpe de 2023, um governo de deixar no chinelo as mesóclises de Michel Temer, o rebuscamento de Jânio Quadros e o pernosticismo de José Sarney.

Com base nos arquivos divulgados pela Polícia Federal, o coronel Reginaldo Vieira de Abreu poderia se tornar o cânone para os que cultuam a fartura lexical. Em áudio para o general Mário Fernandes, ele pontifica:

— O senhor me desculpe a expressão, mas quatro linhas é o c*. Quatro linhas da Constituição é o c**.

A genitália masculina é evocada de duas formas — o que é até relativamente pouco, se considerarmos que há cerca de 352 variações sobre esse tema, mas um número bem significativo para apenas duas linhas de texto.

Alckmin: ‘Está faltando acupuntura aí para baixar o estresse’, sobre alta do dólar

Catia Seabra / Folha de S. Paulo

Vice-presidente defende justiça tributária e afirma que reação do mercado é transitória

Adepto da medicina chinesa a ponto de ter dado dicas na TV, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) recomendou, na noite de quinta-feira (28), acupuntura para baixar o estresse do mercado em reação ao pacote de medidas anunciado pelo governo Lula.

Alckmin, que é médico e formou-se em acupuntura pelo IOT-USP (Instituto de Ortopedia e Traumatologia da Universidade de São Paulo), afirma que a alta do dólar é transitória e a tensão será abrandada quando ficar claro que o pacote traz medidas de longo e médio prazo, além de cumprir o arcabouço fiscal.

O vice-presidente define como justiça tributária a possibilidade de altos salários contribuírem mais para financiar a isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000 mensais. Ele aposta no diálogo para aprovação no Congresso Nacional da taxação de renda superior a R$ 50 mil por mês.

O vice-presidente falou à Folha ao ser abordado no lançamento do livro Análise Social do Direito: Por uma Hermenêutica de Inclusão, em um restaurante em Brasília. A publicação é organizada pelos ministros Jorge Messias (AGU) e Edilene Lôbo (TSE) e pela juíza federal Clara Mota (TRF-1).

Instabilidade e equilíbrio fiscal - Marcus Pestana

O dólar bateu nos 6 reais. A inflação de 2024 esperada é de 4,63%. Foi registrado o maior resgate do Tesouro Direto de toda a série histórica. A saída de dólares, pela via financeira, bateu o recorde até outubro desde 1982. Os juros de longo prazo exigido como prêmio de risco pelos investidores em relação aos títulos públicos brasileiros chegaram aos 7%, acima da inflação. Isso traduz a deterioração veloz, nas últimas semanas, das expectativas dos agentes econômicos, que são os que tomam as decisões de investimento.

Como diria o maestro soberano Tom Jobim: “o Brasil não é para principiantes”. Aqui não há monotonia. Não temos horizontes previsíveis como vivêssemos na Suíça, Dinamarca ou Noruega. Aqui, o copo está sempre meio cheio e meio vazio. O otimismo ou o pessimismo depende do ponto de observação. A economia vem crescendo acima das previsões, o mercado de trabalho está aquecido como níveis baixos de desemprego e a renda média avançou. Está havendo uma pequena recuperação dos investimentos.  Mas qual é o fôlego? As curvas da inflação, dos juros e déficits fiscais e da dívida pública apontam para o alto. O desenvolvimento precisa ser sustentado e não se dar em soluços no famoso “voo de galinha”.

Um ditador que não fez o dever de casa – Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

Ex-presidente apelou à 'rataria' e esqueceu lições de Maduro e Ortega

Daniel Ortega é um ex-guerrilheiro que se tornou ditador, um Fidel Castro de segunda divisão. Líder da revolução sandinista que derrubou a dinastia Somoza, governou a Nicarágua na década de 1980 e voltou ao poder em 2007. Desde então, em sucessivas eleições mandrake, não largou mais o osso. Em novembro, o Congresso de lá aprovou por unanimidade uma reforma constitucional dando poder sem limites a Ortega e à sua mulher, Rosario Murillo, que assumiu a função de "copresidente".

Ortega não precisou voltar aos tempos de guerrilha e emboscadas nem dar um golpe de Estado clássico para alcançar seu objetivo. Mais ou menos como Nicolás Maduro na Venezuela, produziu uma autocracia populista por meio de um processo aparentemente legítimo —a eleição. Passo a passo, foi capturando as instituições, sobretudo o Judiciário. Quando necessário, usou as Forças Armadas e grupos de milicianos para eliminar adversários. Para pôr em prática essa equação antidemocrática não faz a menor diferença ter uma ideologia de esquerda ou de direita.

Cúmplices passivos do golpe – Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Muita gente importante viu, e fez que não viu, o que se passava no governo Bolsonaro

Jair Bolsonaro não fez o que fez exatamente às escondidas. Todo mundo viu as contínuas investidas à ordem constituída, mas só o Judiciário em sua expertise institucional e, reconheça-se, o ministro Alexandre de Moraes com sua experiência de polícia —foi secretário da Segurança Pública em São Paulo—, tiveram a visão de conjunto desde o início.

Agora a Polícia Federal vem de ligar os pontos em detalhado relato sobre a elaboração, no coração do governo anterior, de um plano para anular o resultado das eleições, impedir a posse de Lula, dominar os três Poderes e seguir no comando do país contra a vontade da maioria, expressa nas urnas.

A COP 30, a Paz e a (in)sustentabilidade do Planeta - George Gurgel de Oliveira*

O Brasil, há um ano da COP30 que se realizará em Belém do Pará, de 10 a 21 de novembro de 2025, prepara-se para receber mais de 60 mil pessoas, incluindo chefes de Estado, diplomatas, organizações empresariais e da sociedade civil de 193 países do mundo.

A COP30 coloca o Brasil na centralidade das discussões ambientais globais e regionais: advogando a consequente redução dos gases de efeito estufa, a preservação dos nossos ecossistemas, particularmente amazônico, da biodiversidade, dos oceanos, da água, ampliação do uso de energias renováveis, assim como a mitigação dos impactos econômicos e sociais causados pelas mudanças climáticas, ora em curso, atingindo toda a humanidade.

A Paz como fundamento da sustentabilidade humana no planeta

A Paz, nunca foi devidamente considerada nos Fóruns Ambientais Globais como fundamento da sustentabilidade humana no Planeta. Portanto, propomos considerar a Paz como princípio nas relações dos seres humanos entre sí e com a própria natureza.

Os horrores das guerras, acompanhadas em tempo real e espetacularizadas nos meios de comunicação, evidenciam a barbárie do mundo em que vivemos, que nada aprendeu diante das tragédias desencadeadas durante as guerras mundiais do século xx, provocadas pelo nazi-fascismo e o holocausto nuclear liderado pelos EUA contra o Japão.

A Revolução Industrial deles – Demétrio Magnoli

Folha de S. Paulo

'Reparação histórica' como meio para financiamento climático é receita de fracasso na COP30

À undécima hora, a COP29 fechou o acordo sobre o financiamento climático. Os países desenvolvidos comprometeram-se com US$ 300 bilhões anuais, três vezes mais que o compromisso anterior. Não obtiveram aplausos: os países em desenvolvimento e os mais vulneráveis qualificaram o valor como "pífio" e os ativistas ambientais declararam o fracasso da COP. De fato, porém, o resultado iluminou a falência do conceito que preside as negociações financeiras desde o Acordo de Paris (2015).

As COPs converteram-se em teatros farsescos. A penúltima ocorreu nos Emirados Árabes e esta última, no Azerbaijão, países cujas economias assentam-se sobre o petróleo e o gás. Os tais US$ 300 bilhões, além de insuficientes para amenizar o aquecimento global e promover adaptação às mudanças climáticas, são uma miragem no deserto, pois a maior parte dos recursos emanaria de fontes incertas. Mas o núcleo do impasse é outro: a regra que só impõe pagamentos às nações desenvolvidas.

Poesia | Almas perfumadas, de Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Moacyr Luz & Samba do Trabalhador - Verde - Leila Pinheiro

 

sexta-feira, 29 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Plano de controle de gastos é tímido e insuficiente

O Globo

Governo demorou para apresentar proposta com medidas requentadas, sem nenhuma mudança estrutural

Apresentado em detalhe nesta quinta-feira, o plano de controle de gastos do governo é paradoxal. Num destaque intitulado “Cuidar da nossa casa”, afirma que o ritmo de crescimento das despesas gera incerteza sobre a regra fiscal. Cita o cenário externo desafiador e reconhece que o real desvalorizado, a pressão inflacionária e os juros altos “impactam a renda, o emprego, o investimento e desaquecem a economia”. Diante de diagnóstico tão realista de conjuntura tão delicada, esperavam-se medidas de impacto. Mas a proposta é tímida demais, insuficiente para deter o crescimento da dívida pública. Contrariando a lógica exposta pelo próprio Ministério da Fazenda, não conterá significativamente as despesas, apenas mudará sua composição. Depois de tanto mistério e expectativa, foi uma decepção.

Como reduzir os riscos à democracia - Fernando Abrucio

Valor Econômico

Ficamos por um fio de um novo autoritarismo porque a democracia ainda é fraca, ou o golpismo foi evitado porque o atual regime democrático é forte?

A imensa investigação feita pela Polícia Federal revelou que um projeto de golpe de Estado e de ditadura foi gestado pelo presidente Bolsonaro e por diversos membros do seu governo. Este fato tem evidências demais para ser considerado inverídico. A dúvida que tem gerado muito debate é outra: ficamos por um fio de um novo autoritarismo porque a democracia ainda é fraca, ou, contrariamente, o golpismo foi evitado porque o atual regime democrático é forte?

Esse raciocínio dicotômico não capta a complexidade da política brasileira contemporânea. O Brasil avançou no plano institucional e na presença de organizações sociais democráticas, de modo que é bem mais difícil ser golpista bem-sucedido hoje. Mas, ao mesmo tempo, ainda há riscos democráticos porque um golpe de Estado não aconteceu por milímetros. Bastava que os comandantes do Exército, Freire Gomes, e da Aeronáutica, Baptista Junior, tivessem aceitado o plano maluco e autoritário de Bolsonaro que a anarquia e a instabilidade poderiam ter quebrado o processo democrático. Se isso seria feito com assassinatos, junta provisória de governo ou prisão de ministros do STF e de políticos, qual seria a intensidade da reação ao golpe e por quanto tempo duraria essa situação antidemocrática, nunca saberemos por completo.

Há aqui um aparente paradoxo, pois parecem ser inconciliáveis os dois argumentos. No entanto, é possível formular o problema de uma forma mais sofisticada e menos maniqueísta. É inegável que 2022 tinha elementos bem diferentes de 1964. As instituições políticas atuais são mais vinculadas à democracia, do mesmo modo que há setores sociais e apoios internacionais que dificultaram o golpismo bolsonarista.

A multidão na política - José de Souza Martins

Valor Econômico

Há indicativos de que o golpe de Estado é continuo, de autoria disfarçada. Nesse sentido, as descobertas recentes da Polícia Federal representam um fato histórico inovador que pode tornar real a democracia no Brasil

A notícia da prisão de oficiais do Exército e de um policial federal mudou as referências de compreensão do atentado terrorista em Brasília, no dia 13 de novembro. A descoberta de indícios de um plano para matar o presidente e o vice-presidente da República, eleitos em 2022, Lula e Alckmin, e, também, o ministro Alexandre de Moraes pôs o homem-bomba num cenário sociologicamente mais abrangente. A divulgação da lista dos 37 indiciados no processo de apuração da tentativa de golpe de Estado livrou o terrorista da solidão que lhe imputavam.

Jornalisticamente, a diversificação de indícios de uma situação política crítica obscureceu a relevância noticiosa da ação do homem-bomba. Mas revelou o sentido sociológico e explicativo da rede de ações e relações ocultos no processo do que se tornou o de nossa decadência política.

Cessaram, na mídia, as cogitações que explicam a suposta solidão do autor do atentado contra o STF. Muito depressa bolsonaristas defenderam-se ao estranhar o correligionário extremista. Negaram a eventual responsabilidade coletiva na instigação difusa a que agisse como agiu, nos lugares em que o fez. Cuspiram-no.

O STF e o golpe: não vale a pena ver de novo - Andrea Jubé

Valor Econômico

A história se repete, como tragédia ou farsa, e os fatos do passado influenciam as ações humanas no presente

“Hegel observa em alguma obra que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes”, escreveu Karl Marx, na introdução de “O Dezoito de Brumário de Luís Bonaparte”. E completou: “A primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”.

Na obra de 1852, o pensador alemão analisa o “autogolpe” de Napoleão III, sobrinho de Napoleão Bonaparte. Luís Bonaparte havia sido eleito presidente da França pelo voto popular em 1848, derrubando a monarquia, e instaurando a segunda República naquele país.

Diante da proibição da lei eleitoral para concorrer a um novo mandato, deu um golpe em 1851 para continuar no poder e se autoproclamou imperador, como o tio. Segundo Marx, Luís Bonaparte inspirou-se na biografia do tio célebre, que liderou tropas militares para derrubar a primeira República francesa, inaugurada com a Revolução de 1789, sob as palavras de ordem “liberdade, igualdade e fraternidade”.

Isenção de Imposto de Renda corre o risco de errar o alvo - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

O câmbio, beirando os R$ 6, empurra a inflação e o juro. E assim, o impacto fiscal ameaça transformar todo o esforço em enxugamento de gelo

Já ficou claro que vai sair cara a pressão do presidente da República pela inclusão no pacote fiscal da isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil. O câmbio, beirando os R$ 6, empurra a inflação e o juro. E assim, o impacto fiscal ameaça transformar todo o esforço em enxugamento de gelo.

Sim, era uma promessa de campanha, mas também poderia sido deixado para 2025, com a mesma incidência a partir de 2026 como agora foi proposto. Permitiria uma melhor gestão de expectativas, por um lado, e ofereceria um bônus para seu eleitorado no ano da sucessão presidencial.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva parece ter sido movido não apenas pela necessidade de compensar a alteração na regra de reajuste do salário mínimo mas também pela ânsia de encontrar uma ponte para o universo dos pequenos empreendedores que tem desafiado e, em muitos casos, derrotado o governo, vide a proposta para os motoristas de aplicativos.

Pacote fiscal de Lula chega com atraso – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

O mercado faz o teste de São Tomé: pretende ver para acreditar na promessa de economias de R$ 70 bilhões, em 2025 e 2026

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou um mês mais ou menos debatendo o pacto fiscal anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na quarta-feira. Durante esse período, as propostas da equipe econômica foram "espancadas" pelos demais ministros, para usar uma velha expressão da ex-presidente Dilma Rousseff em relação ao seu processo de decisão sobre medidas desta natureza. Foi o que já havia ocorrido com a proposta de "déficit zero" apresentada pela equipe econômica no ano passado.

Entretanto, quem achar que o governo perdeu um mês na queda de braços da Esplanada dos Ministérios, estimulada por Lula, diga-se de passagem, estará enganado. A perda de tempo é muito maior. Pacotes dessa natureza, segundo uma velha raposa política muito experiente em assuntos administrativos, devem ser apresentados no primeiro ano de governo. Por uma razão simples: o arrocho fiscal provoca desgastes na opinião pública, que somente são revertidos quando seus efeitos positivos chegam ao dia a dia da população. Quanto mais tempo o governante tiver para que isso ocorra, melhor. Lula não terá três anos para que isso ocorra; terá apenas um ano e meio, talvez nem isso, se quiser se reeleger.

60 anos depois - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Por que o golpe de Estado não vingou? A reação contrária dos comandos do Exército e da Aeronáutica foi decisiva, mas não foi o único fator a salvar o Brasil de mais um golpe militar. À não adesão das Forças Armadas, somaram-se a falta de “povo” e o firme recado internacional pró-democracia, particularmente do governo Joe Biden.

Sem os comandos militares, o “povo” e os Estados Unidos, como o capitão Jair Bolsonaro e um bando de valentões poderiam repetir o golpe de 1964, que nos roubou 20 anos de democracia? O de 2022 não teve força para ser concluído – o que não minimiza o crime nem deve minimizar as penas.

Dúvidas e contrabando no pacote fiscal - Celso Ming

O Estado de S. Paulo

Agente ainda não sabe qual será a cara definitiva desse pacote fiscal. As primeiras avaliações mostraram que tem mais a ver com uma careta.

Não há analista que não tenha observado que é, de longe, insuficiente para garantir a sustentabilidade da dívida pública. Pode, em princípio, ajudar a conter as despesas em 2025 e em 2026, embora não garanta a meta do arcabouço fiscal. Mas ninguém menos que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, admitiu que será preciso alguma complementação, ainda a ser negociada com o presidente Lula.

O que foi apresentado deve cortar despesas entre R$ 40 bilhões e R$ 50 bilhões em dois anos. Haddad fala em economia de R$ 71 bilhões, mas há muito ceticismo nesses números. Mesmo depois de esmerilhada pelas pressões dos políticos e dos interesses imediatos, a ideia era, pelo menos, criar condições para que as despesas não crescessem mais do que a inflação futura. Mas nem isso ficou claro.

Objetivos - Laura Karpuska

O Estado de S. Paulo

Como bem dizia um colega, reformas econômicas no País acabam virando ‘balaios de gato’

A economia normativa prevê que um país se endivide em tempos de vacas magras e pague sua dívida em tempos de vacas gordas. Na prática, essa lógica raramente se aplica. Para os políticos, quase nunca é tempo de economizar, apenas de gastar.

A carga tributária brasileira está em torno de 33% do PIB, próxima do patamar médio de países da OCDE. Contudo, a qualidade dos serviços públicos oferecidos é inferior. Existe, portanto, uma preocupação legítima com a eficiência dos gastos públicos brasileiros. Ainda assim, grande parte do debate sobre gastos se concentra no “quanto gastar”, ou seja, no tamanho do Estado que se deseja, deixando de lado a reflexão sobre o papel que queremos que o Estado exerça.

Bernardo Mello Franco – O mercado, o pacote e a urna

O Globo

Ninguém discute a necessidade de equilibrar contas, a questão é definir quem vai perder

O mercado não gostou do pacote de corte de gastos do governo. Assim que o ministro Fernando Haddad terminou o anúncio na TV, as queixas começaram a pipocar no noticiário online.

“Foi mais do mesmo”, esbravejou um analista de investimentos. “Muito inadequado”, reprovou o chefe de uma consultoria. “Gerou frustração”, sentenciou o porta-voz de uma corretora.

O azedume se refletiu ontem nos indicadores econômicos. A Bolsa caiu 1,73%. O dólar chegou a ultrapassar os R$ 6. Questionado sobre as reações negativas, o ministro Fernando Haddad disse que o mercado tem errado nas previsões. “É preciso colocar em xeque as profecias não realizadas”, ironizou.

Os desvalidos que lutem – Flávia Oliveira

O Globo

Ricos não dão um quinhão por mais justiça social e tributária. É assim desde que o Brasil é Brasil

No pronunciamento aos queridos brasileiros e às queridas brasileiras, o ministro da Fazenda usou postura e palavreado presidenciais em busca de algum apoio popular para medidas que, embora desidratem direitos sociais, não satisfazem os bambambãs das finanças. Os R$ 70 bilhões que o governo promete economizar num par de anos, à custa de mudanças no abono salarial, no reajuste do salário mínimo, na limitação de despesas e até na previdência dos militares, vão para o mercado na forma de juros num piscar de olhos. Ainda assim, o dólar avança impávido ladeira acima. Segue o baile.

As contas públicas brasileiras são disfuncionais porque o país tem muita gente pobre demandando política pública e grupos privilegiados que, numericamente em desvantagem, não dão um quinhão por mais justiça social e tributária. É assim desde que o Brasil é Brasil. Abusam da capacidade de organização e pressão política para manter benesses. Farinha muita, meu pirão primeiro; farinha pouca, também. E tome desoneração.

A montanha pariu dois ratos - Vera Magalhães

O Globo

É difícil prever o que Lula e Haddad podem fazer nos próximos dias para estancar a alta do dólar e a queda da Bolsa e engajar o Congresso em torno dos dois pacotes

Se o objetivo do governo era produzir um frisson com o anúncio da ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, capaz de neutralizar a reação ao ajuste de despesas ao arcabouço fiscal, a montanha e a demora pariram não um, mas dois ratos.

Os destinatários da medida ficaram sem entender direito a partir de quando ela valerá e como incidirá. A explicação ficou truncada, confusa, perdida diante da necessidade de detalhar também o pacote de contenção dos gastos públicos.

O Congresso, cabreiro com a inclusão do aumento da alíquota para quem “mora na cobertura”, na metáfora usada pelo ministro Rui Costa, tratou de deixar claro que a análise da reforma sobre a renda é para o ano que vem, sem pressa.

Não houve ganho, mas sim grande prejuízo na decisão, fruto do aconselhamento dos responsáveis pelo marketing e pela comunicação do governo, de misturar alhos com bugalhos.

Nuances do ajuste fiscal - Benito Salomão*

Correio Braziliense

O pacote anunciado indica que há esforço para construir no país um ambiente de racionalidade fiscal

A temática fiscal predomina no debate econômico do país há mais de uma década. O pacote anunciado no último dia 28 prevê uma economia de R$ 70 bilhões entre os exercícios de 2024 e 25. Se esse impacto for de fato realista, há a possibilidade de se zerar o déficit primário no próximo exercício fiscal, preservando os parâmetros do Arcabouço (NAF).

É importante salientar que o pacote anunciado, caso efetivo, não estabiliza a relação dívida/PIB, de forma que novos pacotes deverão estar no radar da política econômica nos próximos anos. Entretanto, é igualmente importante ressaltar que o seu objetivo não é estabilizar o endividamento público, mas, sim, preservar os parâmetros do NAF. Desde a sua concepção, já se sabia que o NAF não seria capaz, na ausência de reformas adicionais, de estabilizar a relação dívida/PIB.

'Direita civilizada' é moda nos salões - Marcos Augusto Gonçalves

Folha de S. Paulo

Direitismo democrático é conversa para 2026 da elite liberal econômica que embarcou no Mito

O que a farta comprovação da trama golpista de Jair Bolsonaro e seus asseclas representará, enfim, para a direita? Afora os fanáticos que continuarão a idolatrar o Mito caído, o transatlântico do conservadorismo e do liberalismo econômico já vem manobrando em busca de nova rota. A adesão de figurões da centro-direita à candidatura Lula no segundo turno foi um sinal de que a carona no cavalo das trevas se revelava equivocada.

Lula carrega em sua posição de centro-esquerda o pacote petista, com suas visões estatistas em economia, avessas ao mercado e à livre iniciativa. Não é, obviamente, o candidato ideal da centro-direita, embora palatável dentro de certas circunstâncias.

Governo usou trampolim como amortecedor - Bruno Boghossian

Folha de S. Paulo

Rebaixado a ferramenta de contenção de danos, reforma do IR vem ao mundo num contexto amargo

pacote de contenção de gastos do governo tomou um banho de política antes de ver a luz do dia. A decisão de anunciar em conjunto o ajuste fiscal e o aumento da isenção do Imposto de Renda mostrou que Lula não estava disposto a absorver o desgaste que o plano provocaria em sua base social sem, ao menos, preparar terreno para tentar amenizar esse impacto antes da próxima eleição.

O formato do anúncio começou a ser discutido há duas semanas, numa reunião entre Lula e seu marqueteiro. O presidente convocou o publicitário Sidônio Palmeira para avaliar os efeitos políticos das medidas que formariam a espinha dorsal do ajuste fiscal, como a limitação ao aumento do salário mínimo e o aperto de certos benefícios sociais.

A avaliação de que o plano poderia ter efeitos desastrosos sobre a avaliação do governo fez com que Lula determinasse que o anúncio fosse compensado com a antecipação da reforma do Imposto de Renda. Quando o presidente consultou ministros que integram o núcleo de seu governo, Fernando Haddad foi o único a votar contra a proposta.

Pacote é remendo improvável - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Vai ser difícil conseguir mesmo o remendo para manter as contas até 2026

Está difícil de acreditar que o governo vai conseguir conter despesas no tanto que está previsto na tabelinha do pacote fiscal. Se vai conseguir cumprir suas metas em 2025 e 2026. O plano fiscal vai até 2030. Mas sabe-se lá qual será o próximo governo e qual será o tamanho do conserto fiscal necessário em 2027 —será grande. Ainda que o pacote funcionasse no próximo biênio, seria apenas um remendo.

O tamanho do resultado de algumas providências é incerto, como no caso dos pentes-finos, recadastramentos e mudanças de regras de acesso do Bolsa Família e do Benefício de Prestação Continuada. Para o ano que vem, o governo estima conter gastos de cerca de R$ 6,5 bilhões (da contenção total de R$ 30,6 bilhões prevista no pacote).

O governo pretende conter gastos com aquele mecanismo chamado pelo palavrão "DRU", desvinculação de receitas da União. Em resumo, a DRU permite ao governo não fazer certos gastos obrigatórios. Está em vigor. Vence no final deste ano. Se o governo vai apenas renovar o instrumento, de onde vem o dinheiro extra (R$ 3,6 bilhões em 2025)? Se vai mudar a DRU, como vai ser?

O governo prevê diminuir subsídios e subvenções em 10% (crédito barateados para empresas, muitas do agro, etc.). O governo diz que o arrocho será de R$ 1,8 bilhão. Vai conseguir? O governo quer também conter o aumento do dinheiro que é legalmente obrigado a passar para o Distrito Federal. Hum.

Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos e ex-secretário da Fazenda paulista, estima que, com subsídios, o governo arruma R$ 700 milhões. Com DRU, nada. Com as medidas para melhorar BPC e Bolsa Família, R$ 2,6 bilhões. No total, prevê frustração de R$ 11 bilhões.

Há contas mais precisas por fazer, pois faltam os textos legais. A coisa toda vai passar pelo Congresso. Há medidas que devem funcionar, como colocar a despesa com escola integral no cesto da despesa obrigatória e crescente do Fundeb. Vai haver algum controle sobre o crescimento do valor das emendas parlamentares —bom. Mas vai se cortar apenas parte da gordura de um bicho que cresceu muito, de modo indevido, quando não picareta.

Como observa o economista Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper e colunista desta Folha, o governo ainda vai precisar de muito aumento de receita. Mais aumento de receita implica mais gasto obrigatório com saúde e educação.

O resumo da ópera é desconfiança.

O anúncio do dito pacote fiscal foi dominado pela história do Imposto de Renda, entende-se. É vida real, mais ou menos dinheiro a cair na conta. É incerteza econômica, pois não se sabe se o governo vai conseguir criar o imposto extra sobre ricos, que pagam escandalosamente pouco. Quando este governo tentou cobrar mais sobre os fundos exclusivos, de famílias ricas, o Congresso cortou a alíquota quase pela metade.

O IR não apenas dominou a conversa como fez o pacote sair pela culatra, até agora: dólar a quase R$ 6, taxa de juros de um ano quase a 14% anuais, mais aperto financeiro, aumento do custo de financiamento da dívida pública, mais pressão sobre a inflação.

Esperava-se que, mesmo com um pacote mediano, o dólar poderia voltar ao preço salgado e inflacionário de R$ 5,5. Agora, sabe-se lá. Há incerteza nova, as metas do pacote parecem otimistas demais.

Vamos ter mais problemas, também a curto prazo.