sábado, 27 de julho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Programa Voa Brasil é populismo sem sentido

O Globo

Não é papel do Estado criar plataforma para vender passagens aéreas mais baratas

Em março de 2023, quando o Ministério de Portos e Aeroportos anunciou a intenção de criar um programa de passagens de avião por até R$ 200, o plano parecia sem sentido. Depois de um ano e quatro meses, o Voa Brasil foi lançado na quarta-feira e, apesar do tempo investido em estudos e negociações, não mudou em nada a primeira impressão. Não é papel do Ministério de Portos e Aeroportos intermediar a venda de passagens de companhias aéreas privadas, assim como seria inaceitável que o Ministério dos Transportes atuasse em feirões de automóveis ou o de Desenvolvimento em liquidações de refrigeradores e batedeiras. Preocupado em agradar à classe média descontente com a alta dos bilhetes de avião, mais uma vez o governo apelou ao populismo.

Marco Aurélio Nogueira - Polarizações enrijecidas

O Estado de S. Paulo

A sensação que se tem é de que não há avanços, porque a energia se desperdiça na negação que um polo faz do outro

Apolítica democrática é polarizada: nela formam-se diferentes polos, que disputam o poder e o voto dos eleitores. Quando esses polos enrijecem, cai-se em um beco aprisionado por um conflito paralisante entre dois blocos que se excluem um ao outro.

Nas sociedades atuais, as polarizações não costumam ser ideológicas: não se distinguem pela apresentação de projetos consistentes de sociedade. Movem-se por elucubrações fantasiosas, desinformação e narrativas passionais, com as quais buscam excitar e seduzir mentes e corações. A extrema direita “fascista” cresce a partir daí.

Bolívar Lamounier - Anatomia da vertigem política

O Estado de S. Paulo

Nossos episódios associativos carecem de referências à vida pública, ou àquilo que Aristóteles denominou bem comum

Em 1835, Alexis de Tocqueville, um aristocrata e grande escritor francês, teve uma ideia deveras inovadora. Tornou-se, como direi, o primeiro cientista político moderno, observando de perto os fatos que o intrigavam, colhendo informações e fazendo entrevistas, com o objetivo de responder a uma indagação que até hoje nos atormenta. Queria entender por que o sistema político dos Estados Unidos evoluía firmemente no sentido de uma democracia pacífica, progressista e competitiva, enquanto na Europa, excetuada a Inglaterra, nem os países mais importantes pareciam capazes de se livrar de suas tradições dinásticas e autoritárias. Mesmo sua França natal, que fez a maior revolução dos tempos modernos, quase sucumbiu a um regime de terror, o que só não aconteceu graças à ação militar de Napoleão Bonaparte, que preservou muitos ganhos do processo revolucionário, mas implantou um sistema de governo que só após a 2.ª Guerra Mundial se firmou como uma democracia de alto desempenho.

Carlos Andreazza - Subsídios ao otimista

O Estado de S. Paulo

Os gastos obrigatórios dispararam. As despesas estão descontroladas

Saiu o terceiro Relatório de Acompanhamento de Receitas e Despesas Primárias. Já notícia velha. Atual – permanente – será a apreensão sobre o futuro da meta fiscal para 2024. Os números dão materialidade à descrença. Há os otimistas. (Há os espertos operadores do otimismo.) Há também os dados do mundo real: a arrecadação foi revisada para baixo, reduzida em quase R$ 6,5 bilhões; e as despesas aumentaram em R$ 20,7 bilhões.

Noutras palavras: frustração de receitas e gastos crescentes. Assim jaz, natimorto e ora exposto, o corpo do arcabouço fiscal. A Fazenda arrecadadora cuja fome de leão não consegue acompanhar o ritmo dos dispêndios.

Cristovam Buarque - Mais do mesmo

Veja

A nova reforma do ensino médio deixa a desejar (de novo)

Neste mês, o Brasil lançou uma lei para a reforma do ensino médio, a segunda em apenas seis anos. Mais uma vez, vê-se uma modesta manifestação de intenção legal sem ambição para assegurar a qualidade e a equidade necessárias à educação. Tampouco há estratégia para executar o que o projeto propõe: 3400 horas de aulas, inglês obrigatório (sem metas para formar jovens bilíngues), com escolas equipadas e professores formados. A nova reforma nem ao menos muda o conceito de ensino médio, imprensado entre o fundamental e o superior. Ele poderia ser redefinido como “conclusivo”, representando a formação da base de todos os brasileiros.

Oscar Vilhena Vieira - Justiça climática

Folha de S. Paulo

Emergência impõe mudança de comportamento, tanto do poder público quanto do setor privado

Justiça Federal do Amazonas proferiu na última semana duas importantes decisões no contexto de emergência climática em que estamos vivendo. Na primeira delas, um fazendeiro foi condenado pela derrubada ilegal e queima de mais de 5.600 hectares de floresta amazônica.

No segundo caso, a Justiça Federal suspendeu liminarmente a licença prévia concedida durante o governo Jair Bolsonaro (PL) para asfaltamento da BR-319, que liga Manaus a Porto Velho, por não ter levado em consideração dados técnicos sobre o impacto ambiental da obra sobre um território amazônico da dimensão do estado de São Paulo.

Hélio Schwartsman - Um grande mal-entendido?

Folha de S. Paulo

Estudo acadêmico sugere que polarização começa com erro de avaliação sobre posições prevalentes entre os adversários

E se a polarização política tiver origem num grande mal-entendido? Essa é a hipótese de um interessante artigo de Victoria Parker e colaboradores que circula como preprint e me foi enviado por um leitor (obrigado, Alexandre!). O título é "The Ties that Blind" ("Vínculos que Cegam"). É um artigo relativamente longo que combina os resultados de cinco estudos que avaliaram posições de democratas e republicanos nos EUA.

Dora Kramer - O dia depois de amanhã

Folha de S. Paulo

Se a oposição venezuelana ganhar, toma posse? Se tomar posse, poderá governar?

Criaturas do naipe autoritário de Donald Trump e Nicolás Maduro só respeitam quem os enfrenta; tratam com desdém os que os adulam.

O americano não fazia a menor questão de dar moral a Jair Bolsonaro quando ambos eram presidentes. O venezuelano fez questão de menosprezar o apreço que Luiz Inácio da Silva sempre lhe devotou ao receitar chá de camomila a quem, como Lula, tenha se assustado com as referências a "banho de sangue" e "guerra civil" em caso de derrota neste domingo (28).

Demétrio Magnoli - O observador

Folha de S. Paulo

Enviado por Lula à Venezuela verificará se Maduro é capaz de aceitar derrota eleitoral

Maduro prometeu vencer as eleições "por bem ou por mal". A Venezuela é uma ditadura singular, descrita pelo ditador como "união cívico-militar-policial". Faltou esclarecer que a "união" é gerida por uma máfia cleptocrática apoiada na intimidação, na violência e em extensas redes de clientelismo. Celso Amorim, enviado por Lula, observará se o regime é capaz de aceitar, por bem, a derrota eleitoral avassaladora indicada pelas pesquisas.

O chavismo nasceu das urnas, numa revolução nacionalista pacífica concluída pela Constituição de 1999. Nela estavam as sementes da lenta transição da democracia representativa à democracia plebiscitária, ou seja, à tirania da maioria. Foi isso que Lula caracterizou, com uma ponta de inveja, como "democracia até demais".

Pablo Ortellado - A oportunidade democrática da Venezuela

O Globo

Oposição tem chances reais de vencer, e Maduro vem sendo pressionado a aceitar a derrota se ela acontecer

Amanhã os venezuelanos vão às urnas escolher seu presidente. A eleição representa a primeira oportunidade real em décadas para resgatar uma democracia sufocada por 25 anos de populismo autoritário e tentativas fracassadas de golpes de Estado.

Nos anos 1960 e 1970, enquanto muitos países latino-americanos amargavam ditaduras militares, a Venezuela viveu um longo período de estabilidade democrática. Em 1958, os três principais partidos do país, a Ação Democrática (social-democrata), o Copei (democrata cristão) e a União Republicana Democrática (social-liberal), firmaram um pacto de estabilidade democrática pelo qual se comprometiam a reconhecer o resultado das eleições e se alternar no poder. O acordo tentava evitar que o país retornasse à ditadura militar que o governou de 1948 a 1958. O pacto cívico e republicano, firmado na cidade de Punto Fijo, permitiu à Venezuela viver 30 anos de estabilidade, com alternância de poder entre sociais-democratas e democratas cristãos que lembrava as democracias europeias.

Eduardo Affonso - Deus e o diabo na terra do Estado laico

O Globo

Políticos sabem que, numa democracia, só o voto salva — e o caminho mais curto para a salvação passa pela oferenda

Deus pode até estar em todos os lugares, mas em nenhum é tão onipresente como na política.

Bolsonaro O tinha como cabo eleitoral, encabeçando uma versão revista e recauchutada da Santíssima Trindade: “Deus, pátria e família” — sendo a pátria a crucificada, e a família seu próprio clã. Ainda que o Brasil estivesse acima de tudo, Deus estava acima de todos. Tão acima que, apesar de onisciente, não perceberia as rachadinhas, o comportamento criminoso durante a pandemia, a devastação ambiental, a venda das joias, a incitação ao golpe e uma penca de outros pecados passíveis de penitência bem maior que dois pais-nossos e quatro ave-marias.

Como quem acende uma vela para si mesmo e outra para o diabo, Deus não tem preconceito ideológico nem desampara quem o procure. Lula garante que sua volta ao poder foi coisa d’Ele — cometendo a heresia do machismo linguístico ao chama-lO de “o homem lá de cima” (linguagem neutra, só no discurso escrito, né?).

Carlos Alberto Sardenberg - E não é para desconfiar?

O Globo

Governo entrou janeiro prevendo superávit para as contas deste ano; seis meses depois, a projeção já tinha virado para um baita déficit

E depois o ministro Haddad reclama quando o pessoal desconfia do cumprimento das metas do arcabouço fiscal. Reparem: o governo entrou janeiro prevendo superávit para as contas deste ano; seis meses depois, a projeção já tinha virado um baita déficit. E isso mesmo com o ministro cumprindo a tarefa de turbinar as receitas.

Nos meios econômicos, o pessoal acredita em contas. Com os números conhecidos nesta semana, a desconfiança torna-se dominante. No Orçamento para este ano, aprovado no Congresso, previa-se superávit de R$ 9 bilhões para o governo federal, boa folga diante do déficit zero estabelecido no arcabouço. No passar dos meses, os números ganharam tons de vermelho toda vez que se refazia a conta. Concluído o primeiro semestre, a projeção já era de um déficit de R$ 44 bilhões, arredondando.

Luiz Gonzaga Belluzzo - Tropicões de Javier Milei

CartaCapital

Contra a crise cambial, as drogas de sempre da farmácia de manipulação fiscal

Informa a edição do jornal O Globo, de 20 de julho de 2024:

“O presidente da Argentina, ­Javier Milei, denunciou tentativas de ‘corridas cambiais’ contra seu governo nesta semana e voltou a criticar o diretor do Departamento do Hemisfério Ocidental do Fundo Monetário Internacional (FMI), Rodrigo Valdés, acusando-o de beneficiar a gestão anterior e de ter ‘más intenções’ com o país.

– Ele tem más intenções em relação à Argentina. Ele não quer o bem para o ­país. Ele foi contemplativo com o governo anterior e não conosco, que somos exemplo de esforço fiscal. Ele tem outra agenda – disse Milei em conversa com um canal de streaming, referindo-se a Valdés.”

Marcus Pestana - As voltas que o mundo dá

Apesar de ser uma economia relativamente fechada, o Brasil é altamente dependente da exportação de commodities e da entrada de investimentos diretos estrangeiros para o financiamento de seu balanço de pagamentos. Portanto, as oscilações no cenário internacional impactam diretamente na dinâmica da economia brasileira e em nossos interesses nacionais.

O fato mais marcante que ainda teremos em 2024 são sem dúvida alguma as eleições americanas. As fragilidades pessoais expostas do presidente Joe Biden, após um bom governo, levaram Donald Trump, um ator político supostamente aposentado pela história, após a invasão do Capitólio e seus múltiplos processos no judiciário, a uma surpreendente posição de favoritismo nas eleições. A substituição da candidatura dos democratas por Kamala Harris zera o placar e recupera a competitividade do partido de Obama, Clinton e Biden.

Poesia | Seja forte, de Pablo Neruda

 

Música | Paulinho da Viola - Coração leviano