sábado, 12 de outubro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

É dever do Congresso zelar por emendas mais transparentes

O Globo

Ao manter suspensão de pagamentos, Dino lança sobre o Parlamento a responsabilidade de resolver a questão

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), manteve a suspensão do pagamento de emendas parlamentares, depois de audiência com representantes de Senado, Câmara, Advocacia-Geral da União e Procuradoria-Geral da República. Dino argumentou que Executivo e Legislativo não ofereceram resposta aos questionamentos da Corte visando a dar maior transparência às emendas. Parte das cobranças do STF, segundo representantes do Legislativo, deverá ser contemplada por Projeto de Lei Complementar em elaboração. Mas Dino manteve a suspensão por ver imprevisibilidade na apresentação, tramitação e aprovação da proposta.

Tornar as emendas parlamentares mais transparentes e rastreáveis não pode ser uma concessão do Congresso. Trata-se de obrigação, sobretudo depois que vieram à tona as distorções das emendas do relator, declaradas inconstitucionais pelo STF. Os caminhos percorridos pelos recursos públicos precisam ser conhecidos, e nos últimos anos os parlamentares têm controlado fatias orçamentárias sem paralelo no mundo. Os congressistas brasileiros destinam 20% dos recursos livres do Orçamento (nos Estados Unidos, 2,4%; na França, 0,1%). Isso mina a gestão orçamentária, tarefa do Executivo.

Carlos Alberto Sardenberg - É preciso isolar a direita radical

O Globo

Os lados se embaralham, mas continuo achando que vale a pena separar a direita de seus radicais

Antigamente era mais fácil. Na direita, estavam os liberais. Prezavam as liberdades individuais e a economia de livre mercado. Na esquerda, os socialistas (no sentido europeu). Prezavam os direitos sociais, a intervenção do Estado para distribuir renda, produzir bens e serviços e controlar o capital privado.

Daí resultavam as políticas de governo. No lado liberal, coloquemos Ronald Reagan e Margaret Thatcher. Seus slogans: reduzir impostos; tirem o Estado de nossas costas. No lado socialista, o François Mitterrand do primeiro mandato. Seu slogan: estatizar, de bancos a fábricas de carros.

No Reino Unido, sucedendo a governos trabalhistas que haviam ampliado o setor estatal, Thatcher precisou recorrer às privatizações — tema irrelevante nos Estados Unidos, sempre predominantemente liberais.

Todos os lados prezavam igualmente o Estado de Direito e a liberdade de imprensa.

Cabe ressalvar as diferenças entre Estados Unidos e Europa Ocidental. Nesta, a separação entre direita e esquerda era mais definida. Mas, mesmo nos Estados Unidos, os republicanos queriam cortar impostos e liberar a economia, incluindo sistema financeiro e monopólios, enquanto os democratas aumentavam impostos e gostavam de controlar certos setores econômicos. Nos dois casos, a política andava entre dois partidos, acentuando a clivagem direita x esquerda.

Pablo Ortellado - Ambivalência conservadora

O Globo

Em entrevista à jornalista Mônica Bergamo, o pastor Silas Malafaia fez duras críticas a Jair Bolsonaro. Chamou-o de “covarde e omisso” por não ter oferecido resistência a Pablo Marçal. Segundo Malafaia, o ex-presidente se omitiu nas eleições em São Paulo para “ficar bem com seus seguidores”.

— Que porcaria de líder é esse? — questionou o pastor. — O líder pode ouvir, mas não pode basear suas decisões na opinião da maioria em redes sociais. Ele tem que basear suas decisões em princípios!

Foi Bolsonaro, de fato, um líder omisso?

A entrada de Marçal na política foi o acontecimento mais marcante das eleições de 2024. Aproveitando a corrida para a Prefeitura de São Paulo, ele se posicionou como verdadeiro candidato antissistema, em contraste com Bolsonaro, que se comprometera a apoiar o atual prefeito, Ricardo Nunes, candidato do Centrão. Nesse cenário, Marçal se projetou como mais “bolsonarista” que o próprio Bolsonaro — um movimento delicado, mas que ele soube conduzir com habilidade.

Hélio Schwartsman - O pacote anti-STF

Folha de S. Paulo

Aprovação de PEC que permite ao Legislativo derrubar decisões do Supremo minaria princípio da separação dos Poderes

Antes de mais nada, deve-se distinguir o que é só jogo de cena daquilo que é para valer. A proposta de emenda constitucional (PEC) que permite ao Legislativo derrubar determinações do Judiciário é do primeiro tipo.

A introdução de um mecanismo com esse teor no arcabouço institucional brasileiro minaria o princípio da separação dos Poderes. A medida é tão gritantemente inconstitucional que dá para afirmar que a PEC, se aprovada, seria invalidada pelo STF, por violar cláusula pétrea.

Os parlamentares obviamente sabem disso. Insistiram no trâmite da PEC, que passou pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, para pôr pressão política sobre os integrantes do STF, que vem tomando decisões que desagradam aos deputados, notadamente as relativas a emendas.

Dora Kramer - Estribeiras perdidas

Folha de S. Paulo

Os três Poderes têm se comportado em dinâmica semelhante a uma queda de braço

A oposição ao Supremo Tribunal Federal albergada no Congresso não esperou se completarem três dias da volta do recesso eleitoral para abrir pesada artilharia sobre o Judiciário. Menos de 72 horas depois de desligadas as urnas, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou quatro propostas, a maioria despropositada, em claro tom de vingança contra o STF.

Pode parecer estranha a expressão "oposição ao Supremo", mas é do que se trata na clara deformação institucional posta na relação entre os Poderes da República e que suscita a pergunta: o que está havendo com eles para se comportarem como se numa queda de braço estivessem?

Alvaro Costa e Silva – Organismo mutante e insaciável

Folha de S. Paulo

Emendas Pix e influenciadores dominam o cenário eleitoral

As voltas que o mundo dá. Letícia Dornelles, ex-presidente da Casa de Rui Barbosa no governo Bolsonaro, conhecida pelas pautas conservadoras, por conceder honrarias a si própria e a políticos sem ligação com a cultura (o general Mourão, por exemplo) e por ter exonerado toda a equipe de pesquisadores da fundação, candidatou-se a vereadora pelo PL de Resende, reduto bolsonarista no sul fluminense. Recebeu 34 votos. Olavista obstinada e autora do livro "Como Enlouquecer em Dez Lições", ficou em 115º lugar entre 168 candidatos.

Luiz Gonzaga Belluzzo e Manfred Back - Mandrake tira da cartola…

CartaCapital

Hipnotizados pelos modelos, os economistas não entendem a natureza do dinheiro, que realiza e nega suas finalidades

Segundo a Wikipedia, Mandrake é um ilusionista que se vale de uma improvável técnica de hipnose instantânea, aplicada com os olhos e gestos das mãos, com poderes de telepatia.

Ultrapassando as proezas que nos impressionavam nos gibis da infância e adolescência, o Mandrake das Finanças tira da cartola derivativos, não coelhos, a realização máxima do capital fictício!

Os economistas, hipnotizados pelos modelos dinâmicos estocásticos de equilíbrio geral, iludem a plateia com a brincadeira de virar estátua e, como num truque de mágica, imobilizam os preços, o tempo e a moeda! Usando a matemática como hipnose coletiva, repetem todo o santo dia o cântico da eficiência dos mercados financeiros para reafirmar a crença inabalável nas forças virtuosas da economia de mercado capitalista: o Equilíbrio.

Nessa empreitada, os Mandrakes manipulam a mãe de todos os truques: a ilusão da moeda neutra, confirmada pelo show de tirar da cartola notas de verdinhas! Moeda só existe quando vejo e toco, certo? Se não existem, não são moedas!

Entrevista | Antonio Lavareda: Sete respostas para você entender melhor as eleições deste ano

Ricardo Noblat, Camila Xavier / Metrópoles / Blog do Noblat

votação no domingo passado (6/10) deixou no ar algumas perguntas. Quem as responde em entrevista exclusiva a este blog é o cientista político, e presidente do conselho científico do Ipespe, Antonio Lavareda.

1. Segundo turno é uma nova eleição?

É a oportunidade que têm os eleitores dos candidatos derrotados no primeiro de escolherem o vencedor final da eleição. O segundo turno não é uma nova eleição, é a mera continuação do primeiro.

2. Quem ganhou a eleição até aqui, a direita ou o centro?

Nos estudos acadêmicos, apenas MDB, PSDB e o Cidadania se situam no centro do espectro ideológico. A levar-se isso em conta, o centro elegeu 14% dos prefeitos do país, e nas capitais, 19%. O presidente do PSD, Gilberto Kassab, diz que seu partido é de centro, não de direita. É a opinião dele.

3. A direita saiu mais forte. Bolsonaro também ou nem tanto?

Bolsonaro teve sucesso em alguns lugares. Candidatos ligados a ele surpreenderam passando para o segundo turno, como é o caso de Curitiba, Goiânia e Fortaleza. Agora, em São Paulo, onde ele deu apoio a Ricardo Nunes – ressalte-se, um apoio importante, embora à véspera da eleição –, a demora e uma certa ambiguidade durante a campanha despertaram bastante polêmica no campo da direita. Isso afasta um pouco a leitura de grande sucesso do ex-presidente. De todo modo, o avanço do PL mostra o acerto da estratégia de Valdemar Costa Neto, seu presidente, em atrair Bolsonaro para suas fileiras. Se o PL não atingiu o número mágico de mil prefeituras – uma ambição meio desmedida de Costa Neto no início do ano –, de qualquer forma cresceu 49% e conseguiu mais de 500 prefeituras.

4. Pablo Marçal é um potencial candidato a presidente em 2026 ou está destinado a sair de cena?

O projeto de Marçal é presidencial. Imagine o que teria ocorrido caso ele não tivesse se candidatado a prefeito de São Paulo, se guardando para lançar uma candidatura à sucessão de Lula. Provavelmente, ele causaria a mesma surpresa, o mesmo tumulto e o mesmo pandemônio em torno da eleição de 2026.

5. A “marçalização” da política está em marcha como alguns acham?

A chamada “marçalização” da política ocorre e vai continuar. Não é um fenômeno apenas brasileiro. No hemisfério sul, ela representa uma manifestação do populismo da ultra direita digital, na sua face mais extremada, combinada com fortes pitadas religiosas. Marçal reflete um corte específico do movimento evangélico. Ele adiciona a tudo isso doses substanciais de histrionismo e muita violência, desconcertando os adversários. Até pelo efeito demonstração, é quase impossível que outros Marçais não surjam a curto ou a médio prazo. A candidata a prefeita de Curitiba, Cristina Graeml, é uma Marçal de saias, tirando a violência e outras coisas. Sem tempo de televisão, e com um discurso bastante à direita, ela terminou indo para o segundo turno com chances de se eleger.

6. O PT tem algo a comemorar no primeiro turno?

O que o PT tem a comemorar, e deve respirar aliviado por isso, é o fato de que a aliança com Guilherme Boulos lhe permitiu ajudar a pôr o candidato do PSOL no segundo turno da eleição para prefeito de São Paulo. Sem o PT, Boulos perderia no primeiro. Não por acaso, os 29% de intenção de votos em Boulos no último domingo correspondem rigorosamente aos 20% que ele teve para prefeito em 2020, e mais os 9% de Jilmar Tatto, à época candidato do PT.

7. Por que Lula praticamente ausentou-se da eleição de prefeitos?

Há duas leituras: a primeira é que o PT não tinha candidatos com grandes chances de ir para o segundo turno, muito menos de vencer no primeiro, como se viu nas capitais. A exposição do presidente a esse desgaste previamente sabido não seria inteligente. Por outro lado, é preciso lembrar que Lula montou um governo com representantes da esquerda (PT, PCdoB, PDT, PSB), do centro (MDB, PSD) e da direita (Progressistas, Republicanos e o União Brasil). Esses partidos tinham seus candidatos país afora e houve grande pressão para que o presidente ficasse de fora dos palanques. No segundo turno, é inevitável que Lula participe de algumas eleições mais significativas, como as de São Paulo, Fortaleza e Porto Alegre.

Leonardo Avritzer - Mapa complexo

Carta Capital

A direita cresce, mas está longe de se posicionar como a principal força política

As eleições municipais de 2024 tiveram um conjunto de características contraditórias, que não permitem fazer afirmações unidirecionais em relação aos ganhadores. De um lado, é verdade que as forças de direita ou de extrema-direita se fortaleceram, tal como é possível ver no gráfico a respeito do número de prefeituras por partido, que mostra o crescimento significativo tanto do PL, que ultrapassou a marca de 500 cidades, e do União Brasil, que chegou a 578 municípios. Ambas as siglas venceram as eleições em cidades importantes, como Palmas e Aracaju. Por outro lado, essas forças estão muito longe de se tornar hegemônicas na política brasileira, se pensarmos nos resultados tanto das forças de centro como da esquerda, tal como mostra o gráfico que classifica os resultados de acordo com a ideologia do partido e que mostra uma predominância das forças de centro no controle do maior número de cidades.

Cláudio Couto - Tentáculos extremistas

CartaCapital

O bolsonarismo e seus satélites ganham tração nos municípios

Findo o primeiro turno das eleições municipais de 2024, muito se falou sobre o crescimento da direita no Brasil, prenunciando a eleição de um Congresso ainda mais conservador em 2026, pois o melhor preditor da eleição congressual são as disputas municipais que a antecedem. Esclareçamos, porém, de qual direita se fala. Podemos falar de ao menos três no atinente ao sistema partidário.

Uma é aquela direita tradicional, formada pelos partidos que correspondem ao conjunto conhecido como “Centrão”. Trata-se de uma direita pragmática, mais do que ideológica, que historicamente hipotecou apoio aos governos em troca de dois benefícios materiais: cargos na administração pública direta ou indireta e recursos do orçamento público. Tal modus operandi de trocar apoio por cargos e verbas, conhecido como fisiologismo, é o que me faz denominar tais agremiações como partidos de adesão. Aderem a quaisquer governos, desde que recompensados.

Aldo Fornazieri - Crise de sentido

CartaCapital

O campo progressista paga nas urnas o preço do anacronismo

O Brasil que emerge das urnas do primeiro turno das eleições municipais de 2024 é um país de centro-direita. O segundo turno poderá ter um viés mais à direita ou mais à esquerda, mas não conseguirá mudar essa conclusão. Somente 53 cidades terão segundo turno, dentre as quais 15 capitais. Como referência, o PT está no segundo turno em quatro capitais e o PL, em nove.

Três partidos de centro-direita – PSD, MDB e PP – foram os grandes campões. O PSD passou de 657 prefeituras conquistadas em 2020 para 882. O MDB, de 793 para 856. O PP, de 690 para 748. O Republicanos, o União Brasil e o direitista PL também cresceram.

Marcus Pestana - As eleições e o futuro político

No domingo, tivemos o primeiro turno das eleições municipais de 2024. Feitas as contas, começaram os exercícios reproduzindo velhos vícios que se traduzem em uma pergunta: qual é o recado das urnas?

Nenhum. Há a eterna tentativa de ver as eleições locais como a antessala das eleições nacionais que ocorrem dois anos depois. Ledo engano. Primeiro, porque as eleições municipais têm baixo conteúdo ideológico. Não se discute o papel do Estado, as diretrizes econômicas ou os alinhamentos internacionais. A discussão é muito mais concreta. Ficam na mesa temas como a qualidade do ensino nas escolas de ensino fundamental, o grau de acesso aos serviços de saúde no SUS, o saneamento básico e a moradia popular, a mobilidade urbana e o transporte coletivo. E competência e capacidade de gestão não são monopólios da direita, da esquerda ou do centro.

Livro | Paulo Fábio Dantas Neto - ACM(político baiano-nacional)

Livros costumam ter história e destino próprios que fogem à intenção dos autores, e este que o leitor agora tem em mãos não escapa ao aforismo. Digamos, de cara, algo sobre sua origem. Nascido como seguimento de livro publicado em 2006, cujo marco temporal cobre basicamente o “primeiro carlismo”, estamos aqui diante de muito mais do que mera “cronologia” do largo percurso posterior de Antônio Carlos Magalhães nos momentos decisivos da história política do seu estado e do País. 

Paulo Fábio, na verdade, continua seu tour de force anterior, retratando a construção lenta e contraditória de um “idioma baiano-nacional”, a marca registrada com que ACM foi além do dialeto local – que, no entanto, permaneceria como substrato e sotaque – e alçou-se a uma condição muito mais alta do que a de mero chefe político provinciano.  

Já no primeiro livro delineava-se com nitidez um personagem que reunia em si, num mesmo nó inextricável, a tradição e o moderno, a conservação e a mudança. Agora, neste segundo, por força do período mais extenso de pesquisa, surge um homem e uma circunstância mais complexos do que nós, leigos, normalmente tendemos a considerar.  

A virtù do ator e a fortuna que lhe coube estão aqui vivamente dispostos em conjunturas como a da abertura e a do País redemocratizado, a da reforma liberal dos anos noventa e a da ascensão do petismo. O ator sofre golpes tremendos, como a morte do filho e sucessor, e a eles reage, numa sequência impressionante de recuos, refrações e revides, até a consumação do “carlismo” e, por fim, sua continuidade subterrânea na cultura política que ajudou a moldar durante décadas de domínio e direção. 

Há em Paulo Fábio empatia e espírito crítico, compreensão de motivos históricos profundos e identificação de pontos problemáticos. A Bahia una e indivisível do “grande carlismo”, a expressar-se numa só língua, terá sido uma aspiração crescentemente incompatível com os requisitos de uma sociedade civil plural e uma sociedade política moderna, agitada pela competição democrática. Nada impede, porém, que aquela aspiração, compreensível em contextos pretéritos, renasça com atores insuspeitos e enredos ainda não escritos. Este livro nos informa, ilustra e adverte contra tal possibilidade – e não se pode desejar para ele nenhum outro destino mais digno e mais fecundo. 

*Luiz Sérgio Henriques, Ensaísta, tradutor, um dos organizadores dos Cadernos do cárcere de A. Gramsci


Poesia | Soneto do amigo, de Vinicius de Moraes

 

Música | Marisa Monte - Gentileza