sábado, 16 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

PEC que impõe escala de trabalho 4x3 seria um erro

O Globo

Mudança traria mais despesas para empresas, maior informalidade e queda no rendimento do trabalhador

Não, a sexta-feira não deve ser o novo sábado, como quer a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP). O texto pretende impor uma semana de quatro dias de trabalho e três de descanso (4x3), com redução no limite de horas trabalhadas de 44 para 36, sem aumento da carga diária de oito horas nem redução de salário. Apresentada sem nenhum embasamento técnico, a PEC recolheu assinaturas suficientes para ser discutida, ganhou apoio de ministros, parlamentares e do vice Geraldo Alckmin. Quem defende a mudança parece crer que o avanço da tecnologia permitiria à força de trabalho uma rotina menos intensa, sem perda de produtividade. Imagina que, para dar conta do trabalho, as empresas contratariam mais funcionários, reduzindo o desemprego. Na teoria, parece bonito. Na prática, o resultado seria outro.

A Constituição e o milagre da democracia - Oscar Vilhena Vieira

Folha de S. Paulo

A sobrevivência do regime democrático depende do compromisso de vencedores e derrotados de se submeterem às regras do jogo

Democracia e constitucionalismo são conceitos políticos distintos. À democracia importa que o poder seja exercido pela maioria dos cidadãos. Já ao constitucionalismo, preocupa que o poder seja exercido dentro de certos limites, mesmo que esse poder decorra da vontade da maioria. Há, portanto, uma tensão permanente entre democracia e constitucionalismo.

Nos regimes democráticos os governos são escolhidos por meio do voto. Os postulantes que receberem mais votos, devem assumir o poder. Os que perderem, vão para a oposição. A sobrevivência do regime depende do compromisso de vencedores e derrotados de se submeterem às regras do jogo. O que não é tarefa fácil, dados os incentivos a abusar do poder por parte de quem está no governo e de subverter a ordem por quem está fora dele. Como pontua o cientista político Adam Przeworski, "o milagre da democracia é que forças políticas conflitantes obedeçam aos resultados das votações".

Vencer os extremos é preciso – Dora Kremer

Folha de S. Paulo

É de se desconfiar da facilidade com que defensores de anistia a Jair Bolsonaro decretaram o 'enterro' da ideia

A tentativa de atentado a bombas na praça dos Três Poderes mostrou que o espaço síntese da representação da República ainda é um lugar vulnerável a ação de extremistas, sejam dementes ou agentes conscientes de orquestração liberticida.

A radicalização está presente, ativa, ataca em qualquer lugar e em qualquer momento sem que possamos dizer que somos pegos de surpresa, embora um tanto desprevenidos. A intolerância incorporou-se ao cotidiano. Instalou-se como um tumor que se não for combatido o quanto antes ameaça o país de metástase.

Aceitem a prisão - Alvaro Costa e Silva

Folha S. Paulo

Ex-presidente quer jogar o país na fogueira, que já começou a queimar com o corpo em frente ao STF

Da frustração e ódio curtidos e expostos nas mídias ao terrorismo trapalhão (mas não menos perigoso) é um pulo. O segurança do Supremo Tribunal Federal testemunhou o momento em que, próximo à estátua da Justiça, o homem se deitou, colocou o artefato na cabeça e esperou a explosão.

A vítima foi identificada como Francisco Wanderley Luiz, dono do carro que também explodiu no estacionamento da praça dos Três Poderes. Era mais um brasileiro confuso, enganado e teleguiado, cujo corpo ficou horas no chão.

Conhecido como Tiu França, trabalhava como chaveiro em Rio do Sul, Santa Catarina. Nas eleições municipais de 2020, candidatou-se pelo PL, campeão de verbas no fundo de campanha, e não conseguiu se eleger; gastou do próprio bolso R$ 500 e teve 98 votos.

Conta que não fecha - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Reduzir jornada de trabalho faz sentido, mas texto da PEC contém erro de tabuada que explica em parte a baixa produtividade do Brasil

O que me impressionou no caso da PEC do fim da escala 6x1 é que cerca de duas centenas de parlamentares tenham chancelado uma proposta que contém um erro grotesco de tabuada.

texto da PEC fala em semana de trabalho de 36 horas, com oito horas diárias ao longo de quatro dias por semana. Non sequitur. 8x4=32. Se a ideia é perfazer 36 horas em quatro dias, é necessário que a jornada tenha 9 horas.

Errar é humano, mas instituições precisam desenvolver mecanismos de correção do erro. Surpreende-me que nenhum dos signatários tenha solicitado a retificação do texto antes de a história crescer tanto.

Um fim para a escala 6x1 – Pablo Ortellado

O Globo

É uma jornada exaustiva e desumana, em que os trabalhadores têm um único dia de descanso

Em setembro do ano passado, o balconista de farmácia Rick Azevedo publicou um vídeo no TikTok desabafando contra a opressiva escala 6 por 1, pela qual o funcionário trabalha seis dias consecutivos para poder descansar um. O vídeo teve enorme repercussão nas mídias sociais e deu origem a um abaixo-assinado, a mobilizações de rua e, mais recentemente, a uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) prestes a ser apresentada na Câmara dos Deputados. A PEC quer reduzir a jornada de trabalho no Brasil. Desde a greve dos entregadores em 2020, conhecida como “breque dos apps”, o país não assistia a uma mobilização tão genuína de trabalhadores exigindo direitos e melhorias nas condições de trabalho.

A demanda pela redução da jornada de 44 horas é antiga, e passou da hora de o Brasil adotá-la. Ela gerará algum inconveniente para as empresas e a economia, mas o benefício para a vida dos trabalhadores é maior que as dificuldades. Estas são passageiras e serão assimiladas em um ano ou dois.

Os despertos e os sonâmbulos – Eduardo Affonso

O Globo

Lavagem cerebral levou um fanático a se explodir em frente ao STF. É a sina dos militantes extremados

Foram dois golpes no período de apenas nove dias. O primeiro fez “tchan” em 27/10, com a consumação da derrota nas eleições municipais. O segundo fez “tchum” em 5/11, na recondução triunfal de Trump à Casa Branca. E... “tchan tchan tchan tchan!”. O movimento woke completou com sucesso seu projeto de harmonização facial da esquerda (a brasileira, a americana), deixando-a desfigurada e (espera-se) com vergonha de se olhar no espelho.

Para onde terá refluído a maré virtuosa que arrastou multidões na marcha pelos direitos civis, em 1963, com Martin Luther King compartilhando seu sonho de que “os filhos dos descendentes de escravos e os filhos dos descendentes de donos de escravos poderão sentar-se juntos à mesa da fraternidade”? Ou a que lotou a Praça da Sé e tantas outras do Brasil, em 1984, exigindo o voto direto para presidente e o retorno pleno à democracia?

A economia cresce; inflação e juros também – Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Trump deve mesmo impor o pesado aumento de tarifas de importação que prometeu. Isso provocará forte elevação de preços

Setembro, conhecidos agora todos os dados, foi um mês bom para a atividade econômica. Setembro foi também o mês do Rock in Rio. Não se trata de simples coincidência. Grandes espetáculos movimentam amplos setores da economia, especialmente serviços: hotéis, restaurantes e bares, viagens, para citar os mais evidentes.

Há algumas semanas, na Inglaterra, o Banco Central notou uma inesperada alta na inflação quando se esperava estabilidade. Procura daqui e dali, a única coisa de diferente que acontecia eram os shows de Taylor Swift, por diversas cidades. Era isso mesmo, inflação de serviços.

Por aqui, o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) mostrou sólida expansão de 0,84% em setembro, na comparação com agosto. O número saiu nesta semana. Na comparação com setembro do ano passado, a expansão foi de 5,1%, melhor resultado desde julho de 2022. Todos os setores cresceram: indústria, vendas no varejo, prestação de serviços. E isso combina com os dados do IBGE sobre o mercado de trabalho.

Um pacote salva-emenda - Carlos Andreazza

O Estado de S. Paulo

O Supremo tem a obrigação de derrubar a fraude em que consiste o projeto de lei por meio do qual o Congresso finge dar transparência à gestão de emendas parlamentares.

Leia o troço, ministro Dino. O bicho esculacha princípios constitucionais criando a categoria-concessão “mais transparência”, com o que pretenderá convencer trouxas (ou trouxas de ocasião) de que uma luzinha acesa no canto do breu absoluto resultaria em claridade e clareza.

Se ainda norteado pela guarda da Constituição, o STF não pode manter o controle de constitucionalidade subordinado a acordo político que só produziu “me engana que eu gosto”. Ou se terá deixado enganar. Os maledicentes lembrarão que o autor do projeto, deputado petista do Maranhão, é aliado do senador-togado Dino.

Surpresa esperançosa - Cristovam Buarque

Veja

A realização de um Enem para os professores é boa ideia

Quando a proposta de um piso nacional para o salário dos professores foi apresentada no Senado, sugeria-se também um piso nacional para o conhecimento dos professores. A ideia do piso salarial foi aprovada no Congresso e sancionada pelo presidente Lula em 2008, mas a ideia do piso do conhecimento ficou esquecida. Em um dos artigos deste espaço em VEJA, “Aos mestres, com carinho”, publicado em agosto, sugeri a ideia desse piso do conhecimento sob a forma de um Enem do professor. Seria um passo para criar um nível mínimo de qualificação docente em todo o território nacional. Ainda que décadas após a proposta inicial, foi uma surpresa esperançosa saber que alguns meses depois o governo adotaria a ideia. Seria positivo complementar a proposta do Enem de mestres com um outro projeto, aprovado pelo MEC em 2003 e suspenso a partir de 2004, de certificação federal com gratificação federal para os professores estaduais ou municipais.

Um manifesto certeiro - Luiz Gonzaga Belluzzo

CartaCapital

Sindicatos e partidos condenam a pressão do mercado para o governo cortar despesas sociais e investimentos

“Mercado financeiro e mídia não podem ditar as regras do País” proclama o Manifesto assinado por sindicatos, movimentos sociais e partidos políticos.

Já no parágrafo de abertura, o ­texto dos inconformados vai ao cerne da orquestração financeira e midiática: “­Temos acompanhado, com crescente ­preocupação, notícias e editoriais na mídia que têm o objetivo de constranger o governo federal a cortar ‘estruturalmente’ recursos orçamentários e outras fontes de financiamento de políticas públicas voltadas para a saúde, a educação, os trabalhadores, aposentados e idosos, bem como os programas de investimento na infraestrutura para o crescimento”.

Mal-estar da civilização e a democracia em xeque (II) - Marcus Pestana

Há uma agenda desafiadora a ser enfrentada nesses últimos três quartos de Século XXI, englobando crescimento econômico, combate às desigualdades, sustentabilidade ambiental, solução para conflitos regionais como os da Ucrânia e do Oriente Médio, redesenho da globalização com a geração de soluções compartilhadas envolvendo problemas complexos como as grandes correntes de imigração e a integração econômica menos excludente e concentradora.

Enquanto governos autoritários avançam em soluções, já que conseguem unilateralmente adotar medidas sem nenhum debate democrático, freios, contrapesos e controles sociais, a democracia patina em produzir resultados para a população, entre outros motivos, pela dificuldade de governabilidade, num ambiente caracterizado pela fragmentação social e a consequente pulverização partidária e parlamentar, o que impossibilita ações mais assertivas, ousadas e profundas, proporcionais à complexidade da agenda que nos desafia.

O som e a fúria de Othon Bastos - Pablo Spinelli*

No momento vivemos tempos explosivos, desafios à democracia, a elegia à ignorância, ao sectarismo. Bombas explodem na capital federal, central do Brasil, dias depois do lançamento do filme sobre a morte e a morte de Rubens Paiva. Donald Trump é eleito. Dentre outros motivos, por falta de história e por murros em pontas de facas equivocadas – a mais especial, o papel coadjuvante do tema da paz pelos democratas e pelos analistas políticos. O arauto da paz foi Trump. Uma velha pergunta ressurge: O que fazer?

Eis que surgem lições, sugestões e um sopro de esperança com a peça “Não me entrego, não!”, de autoria de Flávio Marinho, a partir da biografia de Othon Bastos, que aos 91 anos, mostra seu amor ao teatro, à profissão de ator, sem firulas quanto à dureza do ofício de interpretar tantos que pode se perder em si mesmo, uma dialética entre o ego e o outro, numa conjuntura da supremacia do primeiro sobre o segundo.

Poesia | A espantosa realidade das coisas, de Fernando Pessoa

 

Música | Claudinor Germano - Madeira que cupim não rói (Capiba)