• Carta de 88 definiu duas competências para o impeachment
- Valor Econômico
Na volta do recesso de fim de ano, a palavra estará com o Judiciário. O Supremo Tribunal Federal terá de passar a limpo o rito que estabeleceu para o Congresso processar e julgar a presidente Dilma Rousseff, a pedido da Câmara dos Deputados, pois não são poucas as situações de impasse previstas, se as recomendações do tribunal forem levadas ao pé da letra. O próprio ministro Luís Roberto Barroso, autor do voto condutor no STF, achou por bem explicar que nada mais fez que repetir os procedimentos adotados no julgamento do ex-presidente Fernando Collor de Mello, afastado do cargo em 1992.
A decisão do Supremo causou dúvidas não apenas aos leigos. Na coluna semanal que mantém no jornal "Zero Hora", o ex-presidente do STF Nelson Jobim tem feito questionamentos e críticas às regras estabelecidas. Em conversa com a coluna, o jurista foi direto ao ponto: "O Supremo terá que enfrentar essas contradições", disse. Jobim não precisa de mais que uma sentada só para apontá-las.
Entre as questões políticas relevantes, aponta a atribuição dada ao Senado de repetir o procedimento preliminar feito na Câmara dos Deputados, o que na linguagem dos congressistas e juízes é chamado de admissibilidade. Se fosse essa a intenção do constituinte, o pedido de impeachment não precisaria ser submetido à apreciação das duas Casas do Congresso. Iria direto para o Senado. "Por que o procedimento qualificado da Câmara dos Deputados, instituído pela Carta de 1988"?
Didático, o advogado explica: de acordo com a Constituição, é atribuição da Câmara o recebimento da denúncia, nos termos do artigo 86: "Admitida a acusação contra o presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade". No pedido de impeachment, Dilma é acusada de crime de responsabilidade. Ou seja, "ao Senado compete, além do processamento (defesa no mérito, provas etc.), o julgamento", diz Jobim.
Resumindo, o constituinte teve o cuidado de distribuir as competências entre as duas Casas do Congresso. No momento em que o rito estabelecido pelo STF atribuiu ao Senado o poder de revisão da decisão de admissibilidade da Câmara, o tribunal concentrou em uma só Casa as "competências que a Constituição distribuiu entre a Câmara dos Deputados (admissibilidade) e o Senado Federal (processamento e julgamento)", diz Jobim. A questão que se coloca é se o Senado pode rejeitar por maioria simples o que a Constituição afirma ser uma decisão da Câmara tomada por dois terços dos votos. Se essa fosse a intenção do legislador, por que estabelecer duas instâncias de competência, cada uma com sua atribuição claramente delineada?
Para Jobim há um "problema político sério" nessa equação. A votação para a autorização da Câmara para abertura do processo de impeachment é aberta, mas pela decisão do Supremo ela não é definitiva, dependerá ainda da análise de admissibilidade pelo Senado Federal. Quais então seriam as alternativas dos deputados: "votar sim e ficarem expostos à retaliação do governo ou votar não ou em branco para se proteger"? Ou se omitir e não comparecer à votação?
Jobim fala com a autoridade de quem já passou pelos três Poderes da República - deputado constituinte, relator da revisão constitucional de 1993, ministro de Estado nos governos Fernando Henrique Cardoso (Justiça), Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff (Defesa) e ministro do STF, órgão que presidiu entre 2004 e 2006. Aliás, na atual composição do STF não há nenhum ministro com origem no Congresso, que conheça efetivamente o processo legislativo, o que talvez explique dificuldades de entendimento e aceitação do STF, como demonstraram manifestações de desapreço à Câmara feitas na sessão dos ritos, notadamente da parte do ministro Luiz Fux.
A confusão sobre os papéis da Câmara e do Senado não é propriamente nova. Ela também surgiu no impeachment do presidente Collor e foi tratada pelo Supremo. Da época, o único remanescente é o ministro Celso de Mello, que já então defendia (como defendeu na recente sessão do Supremo) a triagem do Senado, numa aparente confusão entre os ritos que devem ser obedecidos nos processos contra o presidente da República, por crime de responsabilidade, e os processos contra ministros do STF, membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o procurador-geral e o advogado-geral da União - estes sim, casos em que o processo começa e termina no Senado.
As críticas ao rito imposto pelo Supremo envolvem também a interpretação que o tribunal fez do regimento interno da Câmara. Para os congressistas, o Supremo é uma corte constitucional e não deveria perder tempo com problemas da economia interna de outro poder. O STF, por exemplo, decidiu que não cabem candidaturas avulsas à comissão que analisará o pedido de impeachment, pois seus integrantes deveriam ser apenas aqueles indicados pelos líderes partidários, obedecido o critério de proporcionalidade das bancadas partidárias. Segundo a interpretação do ministro Luiz Barroso, autor do voto vitorioso, a expressão "eleita" na realidade significaria "escolhida" pelos líderes.
Voltando-se a Jobim, a pergunta que o ex-ministro faz é se não pode haver outra nominata, respeitado critério da proporcionalidade, que é a única exigência feita pela Constituição Federal? Se a indicação do líder é irrecorrível, definitiva, qual seria "a finalidade de uma votação [feita pelo plenário da Câmara] sem alternativas de escolha?".Jobim também faz a pergunta que deve constar do recurso da Câmara dos Deputados ao Supremo: E se o plenário não aprovar os nomes indicados pelos líderes, "como será solucionado o impasse"?
No impeachment de Collor, Jobim estava na Câmara. Havia muita conversa, artigo hoje em falta num ambiente político que o ex-presidente do Supremo julga contaminado pelo "ódio".
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