Solto desde junho, ex-ministro dá conselhos ao plano B do partido ao Planalto
Marina Dias | Folha de S. Paulo
BRASÍLIA - Um dia antes de Fernando Haddad embarcar para seu primeiro périplo pelo Nordeste, o ex-ministro José Dirceu telefonou para Emídio de Souza, hoje um dos mais próximos assessores do ex-prefeito de São Paulo.
Conversaram longamente e Dirceu foi assertivo no conselho para a iminente inserção de Haddad entre o mais fiel eleitorado de Lula: a carta enviada pelo ex-presidente em 15 de agosto, no ato do registro de sua candidatura, deveria ser seguida como roteiro da campanha.
A linguagem, a simbologia, os temas, avalia Dirceu, estava ali tudo o que o povo fala e quer ouvir, como uma espécie de testamento de Lula.
Na mensagem, lida pelo próprio Haddad aos militantes que marcharam até Brasília para ver o registro no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o ex-presidente afirma que seus apoiadores “terão que ser Lula” pelo país.
“Lembrando ao povo brasileiro que nos governos do PT o trabalhador teve mais empregos, maiores salários e melhores condições de vida”, dizia o texto interpretado pelo vice na chapa petista.
Solto desde junho pelo STF (Supremo Tribunal Federal), Dirceu voltou a operar no PT. Desta vez, como ele mesmo define a aliados, apenas como consultor e não mais como dirigente que disputa para formar maioria em favor de suas opiniões.
Mas o ex-ministro da Casa Civil e todo-poderoso do primeiro governo Lula ainda é procurado por integrantes de seu partido para dirimir problemas internos e ajudar a acelerar a distribuição do fundo partidário, por exemplo.
Sabe de cabeça os números nos estados e avalia os cenários do PT em cada região do país, reflexo da vida partidária na qual mergulhou por mais de três décadas.
No dia 15 de agosto, já no fim da marcha em apoio a Lula, Dirceu funcionou como contato direto entre o PT e o gabinete de crise montado pelo governo do Distrito Federal para monitorar a manifestação.
Quando o subsecretário de Movimentos Sociais e Participação Popular do DF, Acilino de Almeida, presente na sala de crise, não conseguiu falar com petistas que estavam perto do TSE, telefonou a José Dirceu.
Queria garantir que eram só boatos as informações que chegavam a ele sobre militantes que não obedeceriam o acordo de voltar às bases de ônibus, e não a pé.
Dirceu contatou lideranças do PT que cuidavam da organização do ato e repassou a Almeida a mensagem de que o trato seria sim cumprido.
O ex-ministro foi condenado em segunda instância a mais de 30 anos por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa na Lava Jato, mas foi solto por ordem do STF após cumprir parte da pena em Curitiba.
Desde então, tem conversado com integrantes do comando do PT e da equipe de campanha de Haddad —o coordenador-geral, Sérgio Gabrielli, incluído—, para fazer avaliações sobre como o ex-prefeito pode herdar o espólio eleitoral de Lula, hoje principal desafio petista.
Assim como diversos caciques do PT, Dirceu preferia que o ex-governador da Bahia Jaques Wagner fosse ungido plano B caso Lula seja impedido de disputar a eleição. Mas aos amigos mais próximos, o ex-ministro diz que logo percebeu os sinais de que Jaques não queria abraçar a missão.
Certa vez, no início do ano —Dirceu ainda não havia voltado para a cadeia—, o ex-governador marcou com ele uma conversa em Brasília. Na hora agendada, porém, enviou um emissário e não apareceu. Ali, Dirceu soube, Jaques Wagner não aceitaria substituir Lula como candidato.
A receita seguida por petistas que ainda resistiam ao estilo intelectual e pouco político de Haddad é a mesma: o candidato será ele e é preciso apoiá-lo e ajudá-lo a chegar no segundo turno.
Para isso, defendem os signatários da tese, assim como Dirceu, não se pode subestimar Jair Bolsonaro (PSL), nome da extrema direita que lidera as pesquisas com 22% das intenções de voto no cenário sem Lula.
Parte do PT acredita que, quanto mais esticar a corda e insistir no discurso de que o candidato é Lula, mais forte será a transferência de seus votos para Haddad quando houver a substituição na chapa.
A pesquisa Datafolha divulgada na última quarta-feira (22) mostrou que 31% dos eleitores votariam com certeza em um nome indicado pelo ex-presidente e 18% talvez o fariam.
Nela, Lula tem 39% das intenções de voto. A pesquisa foi encomendada pela Folha e pela TV Globo.
Entre os aliados do ex-prefeito há ainda quem duvide da real eficácia da estratégia, mas a carta de Lula de 15 de agosto é clara.
“Não pretendo morrer, não cogito renunciar e vou brigar pelo meu registro até o final”, disse o ex-presidente.
E esse é o roteiro a ser seguido.
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