Valor Econômico
A maioria do que se propôs até agora vai no
sentido de reduzir o crescimento e aumentar a inflação
A forte polarização nas últimas eleições
ajudou a dar ainda menos espaço que o normal para que os candidatos
apresentassem e discutissem suas propostas de política econômica. Passados dois
meses desde a vitória do já agora presidente Lula, porém, ainda pouco se sabe
sobre que rumo o novo governo pretende dar à política econômica. Diria que, das
declarações e discursos feitos nesse período, se depreendem dois possíveis
determinantes desse rumo.
Primeiro, o novo governo pretende que o setor público venha a gastar muito mais. Isso explica a prioridade dada à emenda constitucional 32/2022, a PEC da Transição ou da Gastança, como uns e outros a batizaram, que aumenta significativamente o espaço orçamentário para acomodar despesas do governo federal. Aparentemente também se pretende gastar mais por meio das empresas estatais, que passariam a investir mais e a financiar diferentes planos de governo. E fazer com que os bancos públicos expandam e barateiem seus créditos, alavancando mais gastos.
Até aí nada de muito novo: durante os
governos anteriores do presidente Lula, de 2003 a 2010, a despesa primária do
Governo Central aumentou 7,8% ao ano, acima da inflação, pulando de 15,9% do
PIB em 2002 para 18,2% do PIB em 2010. As consequências agora também serão parecidas
com as de então, em especial a necessidade de manter os juros muito altos, para
segurar a demanda do setor privado e, assim, conter a inflação: em 2003-10, o
governo Lula praticou uma Selic de 8,5% em termos reais, isto é, acima da
inflação. De fato, a postura de aumentar significativamente o gasto público já
elevou os juros futuros e agora não se espera mais fortes cortes da Selic, como
se previa antes, no segundo semestre deste ano.
Por sorte, o governo Lula herdou da
administração anterior uma situação fiscal relativamente boa, especialmente
quando se leva em conta os fortes gastos exigidos pela pandemia da covid. A
expectativa do analista mediano consultado pelo boletim Focus do Banco Central
(BC) é que, em 2022, o setor público tenha fechado com um superávit primário de
1,2% do PIB, que virará um déficit primário de igual magnitude em 2023. É a
maior deterioração fiscal interanual da série oficial, iniciada em 2002, exceto
pela de 2020, com a pandemia.
Da mesma forma, se espera que a dívida
pública bruta feche 2022 em 75,4% do PIB, mas suba para 80,1% do PIB em 2023. A
forte queda da razão dívida/PIB em 2021-22 vai permitir acomodar altas dessa
magnitude no próximo par de anos, mas é um quadro explosivo.
A segunda indicação dada até aqui é que se
terá uma política econômica do “nós contra eles”. Assim, pelo que foi dito, o
foco é desfazer as reformas dos últimos anos. Em diferentes ocasiões,
representantes do novo governo revelaram ser esse contra o teto de gastos (“uma
estupidez”), a privatização, a lei (da governança) das estatais, a reforma
trabalhista, a reforma da previdência, a política de preços da Petrobras etc. Há pelo
menos três problemas com essa postura.
Um deles é a subordinação da política
econômica a objetivos político-partidários. Parece haver um desejo de manter
viva a forte polarização que se viu na eleição e a postura de uma política
econômica calcada no “nós contra eles” contribui para tal. Isso, porém, reduz o
protagonismo e a credibilidade do Ministério da Fazenda e sua eficiência no
manejo dos instrumentos de política econômica, prejudicando o desempenho da
economia.
Outro problema é que essa estratégia
implica reverter reformas que foram benéficas para a economia: por exemplo,
ajudando o desenvolvimento do mercado de capitais doméstico e promovendo o
emprego, a eficiência e o investimento privado. A reversão das reformas vai
reduzir o potencial de crescimento do país.
Por fim, essa política econômica dos “nós
contra eles” gera incerteza e instabilidade das regras. Claro, o novo governo
tem todo direito de propor, e o Congresso eventualmente aprovar, medidas para
desfazer as reformas. Mas fazer isso sem uma lógica econômica clara, mais por
populismo, reduz a confiança dos agentes econômicos e a eficiência econômica.
Assim, tanto do ponto de vista macro como
microeconômico, a maioria do que se propôs até agora para o rumo da política
econômica vai no sentido de reduzir o crescimento e aumentar a inflação. É isso
que a desvalorização dos ativos brasileiros parece estar refletindo, com quedas
da bolsa, enfraquecimento do real e forte alta dos juros de mercado.
Felizmente, também em relação à atividade e
à inflação o novo governo herda uma situação favorável, em vários aspectos, com
a economia tendo crescido bem em 2022, o mercado de trabalho com salários em
alta e desocupação em queda, as contas externas confortáveis e a inflação,
acima da meta, mas abaixo do que se observa nos EUA e na Europa.
Isso dá algum tempo para a nova equipe
econômica propor um rumo que impeça a deterioração da economia que, de outra
forma, virá com o que tem sido aprovado e proposto. Isso deve envolver medidas
que potencializem os avanços dos últimos anos, conciliando-os com outros
objetivos trazidos pela atual administração. Há tempo, mas não muito.
*Armando Castelar Pinheiro é
professor da FGV Direito Rio, do Instituto de Economia da UFRJ e
pesquisador-associado do FGV Ibre
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