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Recessão no radar
Folha de S. Paulo
Juro sobe pelo mundo para deter preços; no
Brasil, risco fiscal agrava o quadro
Com a inflação nas alturas em quase todo o
mundo, os juros globais sobem em velocidade não vista em pelo menos três
décadas. Em poucos dias, alguns dos principais bancos centrais elevaram
agressivamente o custo do dinheiro, num sinal de que a era de taxas perto de
zero nos países desenvolvidos pode de fato ter ficado para trás.
O americano Federal Reserve lidera o
movimento. Pressionado pela aceleração dos preços nos Estados Unidos, que
chegou a 8,6% em 12 meses, a instituição decidiu elevar a taxa básica de 1%
para 1,75% ao ano, o maior salto em apenas uma reunião desde 1994.
Não se trata de um evento único. Ao contrário, os membros do Fed indicaram que pretendem continuar a subir os juros de modo contundente, para até 4% no primeiro semestre de 2023. A pressa decorre da percepção de que o descontrole inflacionário, se persistente, acabará por contaminar expectativas de longo prazo e salários.
Nesse caso, haveria maior inércia no
processo de formação de preços, um fenômeno bastante conhecido no Brasil que
eleva o custo de trazer os índices de volta às metas oficiais. O risco de uma
recessão cresce em tal cenário.
Outras autoridades monetárias seguem o
mesmo caminho. Até mesmo nos países em que a inflação era quase uma
desconhecida, casos da Suíça e do Japão, os juros disparam no mercado.
Apesar de o Fed sugerir que ainda espera
estabilizar a moeda sem uma recessão, a crença de investidores e analistas
nessa possibilidade é cada vez menor.
A queda aguda das Bolsas de Valores e o
aumento do juro pago por famílias e empresas para se financiarem desde o início
do ano já contrata uma significativa desaceleração da economia mais à frente, e
a distância para uma contração pode não ser tão grande.
Foi nesse ambiente dramático que o Banco
Central brasileiro decidiu por elevar mais uma vez a taxa Selic, de 12,75% para
13,25% ao ano. Tal como no exterior, a inflação continua a desafiar
prognósticos de queda, mas ao menos aqui o ciclo monetário está mais adiantado
e o nível atual já é restritivo.
Apesar de surpresas positivas nos últimos
meses que indicam uma expansão do Produto Interno Bruto próxima a 2% neste ano,
o prognóstico para o segundo semestre e o ano que vem é de piora.
Daí o BC ter indicado cautela adiante, ao mencionar a continuidade do
movimento, embora em velocidade provavelmente menor.
Mesmo assim, houve menção aos riscos
locais, notadamente os relacionados às iniciativas eleitoreiras para cortar
custos de combustíveis ao custo de maior dívida pública. Diante do quadro
global, não cabe flertar mais com o perigo.
Rede companheira
Folha de S. Paulo
'Brigadas digitais' da CUT, ligada ao PT,
requerem cuidado da Justiça Eleitoral
Merece atenção das autoridades a iniciativa
da Central Única dos Trabalhadores de organizar uma rede de apoiadores para
aumentar seu alcance nas redes sociais na campanha eleitoral deste ano.
Como a entidade sindical anunciou, serão
criadas "brigadas digitais", com a missão de disseminar conteúdos
produzidos por sua área de comunicação em grupos de mensagens no WhatsApp.
Historicamente ligada ao PT, a central
afirma não ter intenção de usar a ferramenta para pedir votos ou distribuir
propaganda eleitoral, o que seria ilegal, e diz prezar sua autonomia ante os
partidos.
Mas dirigentes da CUT não fazem mistério
sobre sua motivação em eventos organizados para expor o plano, que foi
apresentado em abril ao próprio ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT),
num encontro na sede da entidade.
A central contratou agências especializadas
em comunicação digital para organizar suas brigadas e diz que nada será feito
em desacordo com a legislação eleitoral. Afirma que sua prioridade será
combater a desinformação nas redes sociais, distribuindo notícias de veracidade
comprovada para combater a propagação de falsidades.
Ainda que se aceitem os bons propósitos,
restará sempre a dúvida sobre a capacidade que os sindicalistas terão de
separar verdades e mentiras do que muitas vezes é apenas propaganda disfarçada.
A legislação brasileira proíbe empresas e
sindicatos de financiar campanhas eleitorais, numa tentativa de inibir a
influência de seu poder econômico na disputa política e assegurar que os
pleitos sejam competitivos.
Na reta final das eleições presidenciais de
2018, empresários que apoiavam Jair Bolsonaro financiaram uma operação que usou
o WhatsApp para disparar em massa mensagens contrárias a seus adversários, como
esta Folha revelou.
Em julgamento realizado no ano passado, o
Tribunal Superior Eleitoral concluiu que um esquema ilícito tinha sido
organizado para tal, mas considerou as provas reunidas insuficientes para
cassação da chapa do presidente.
Ainda assim, a corte apontou os riscos
criados por ferramentas como o WhatsApp para o processo eleitoral e definiu
critérios para avaliar a gravidade de abusos que vierem a ser praticados neste
ano.
A capacidade de conter a desinformação nas
eleições está por ser testada. Iniciativas como a da CUT indicam o tamanho do
desafio.
Na OMC, o Brasil fica do lado certo
O Estado de S. Paulo
Ao contrário de muitas potências, o País adota na OMC atitude que combina a defesa do livre-comércio global, da segurança alimentar e da sustentabilidade
O Brasil se tornou signatário das
Discussões de Comércio e Sustentabilidade Ambiental, iniciativa da Organização
Mundial do Comércio (OMC), comprometendo-se a uma série de práticas
sustentáveis no plantio. Durante a 12.ª Conferência Ministerial da OMC, o País
se uniu a outras 15 nações latino-americanas em um compromisso por reformas do
comércio agrícola contra posições protecionistas. Num momento particularmente
crítico para o livre-comércio global e a principal organização destinada a
promovê-lo, o Brasil felizmente parece ter escolhido o lado certo nesse
conflito.
Desde sua criação, em 1995, a OMC tem
derrubado barreiras e aplainado o caminho para a globalização. Os volumes do
comércio global quase dobraram e a média das tarifas globais caiu para 9%. Bilhões
de pessoas foram inseridas na economia global e, assim, alçadas da pobreza.
As dissonâncias nesta “hiperglobalização”
começaram com Donald Trump e suas guerras comerciais contra a China e disputas
tarifárias com a Europa. A pandemia precipitou uma queda aguda no comércio
global. Agora, a guerra de Vladimir Putin exacerba tendências
protecionistas.
O economista-chefe do FMI, Pierre-Olivier
Gourinchas, alertou para a fragmentação entre “distintos blocos econômicos com
diferentes ideologias, sistemas políticos, padrões de tecnologia, pagamentos e
sistemas de comércio transfronteiriços e reservas monetárias”. A diretora-geral
da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala, falou em “policrise”.
A amplitude da pauta da Conferência –
sustentabilidade agrícola, subsídios à pesca, segurança alimentar, equidade nas
vacinas, governança da OMC – refletiu o tamanho do desafio. Mas os avanços
modestos mostram quão difícil será superá-lo.
Nos EUA, o Partido Democrata, agora no
poder, mantém as tendências isolacionistas do republicano Trump, advoga mais
subsídios à indústria e sustenta a recusa a restabelecer um dos pilares da OMC:
o painel de resolução de disputas.
Os maiores entraves à globalização entre os
países em desenvolvimento vêm precisamente de alguns dos que mais enriqueceram
com ela. Sob Xi Jinping, a China distribui mais subsídios e créditos baratos às
suas empresas e a economia de serviços permanece fechada. A Índia insiste em
manter privilégios reservados a países pobres e na prerrogativa de comprar
grãos de seus fazendeiros a preços majorados, estocá-los e impor barreiras à
exportação.
Nesse contexto de fragmentação das alianças
multilaterais, políticas isolacionistas e uma eventual “desglobalização”, os
posicionamentos do Brasil são louváveis.
No setor agrícola, em especial, preços
subsidiados e restrições alfandegárias têm crescido no mundo. Ao prejudicar a
alocação eficaz de recursos domésticos, debilitar a oferta de alimentos de
regiões superavitárias para as deficitárias e contribuir para a volatilidade
dos preços, essas políticas impactam a segurança alimentar global.
No Brasil, a tendência é inversa. Os
subsídios são baixos e vêm caindo. Os que existem focam cada vez mais nos
produtores vulneráveis ou em pesquisa e desenvolvimento e estão condicionados a
indicadores ambientais e boas práticas agropecuárias. Num ambiente global de
políticas agrícolas altamente distorcidas, o agro brasileiro prova que é
possível ser, a um tempo, produtivo e sustentável sem prejuízo aos princípios
do livre mercado.
Às vésperas da Conferência da OMC, a Câmara
de Comércio dos EUA e a Confederação de Negócios Europeia emitiram um
comunicado afirmando que o seu “objetivo primário” deveria ser “reafirmar o
multilateralismo e um comércio baseado em regras como o caminho preferencial
para impulsionar o crescimento econômico global” e exortando a OMC a
“demonstrar que pode responder aos desafios mais prementes de nosso tempo,
particularmente a saúde, as mudanças climáticas e a segurança alimentar”. Por
mais debilitado que o Brasil esteja na cena internacional por causa da
indigência diplomática de seu presidente, ao menos nessa ocasião o País se
mostrou mais à altura desses desafios do que muitas potências do mundo
desenvolvido e em desenvolvimento.
Os endividados e o desarranjo econômico
O Estado de S. Paulo
Em meio a inflação e desemprego, o endividamento atingiu, em maio, 77,4% das famílias, um dos aspectos mais dramáticos de uma política econômica errática
Mais dívidas e mais pagamentos atrasados
complicam a vida já difícil das famílias brasileiras, num ambiente de alto
desemprego e perda de renda. Sem perspectiva de rápido recuo da inflação e de
atividade mais vigorosa, a inadimplência deve continuar elevada, enquanto se
espera a definição mais clara de um rumo para a economia. Essa definição deve
incluir um compromisso mais confiável de boa condução das contas oficiais e de
contenção da dívida pública. Enquanto se esperam essas mudanças, permanecem as
condições favoráveis à multiplicação do “devedor crônico”, sempre em
dificuldade, mesmo quando consegue resolver ou equacionar um problema
financeiro.
A tendência de piora é evidente, mesmo com
alguma oscilação dos indicadores. Em maio,
77,4% das famílias estavam endividadas, segundo a Confederação Nacional do
Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Houve recuo de 0,3
ponto porcentual em relação ao número de abril, com aumento de 9,4 pontos sobre
o nível de maio do ano anterior (68%). Em maio de 2019, no início do mandato do
presidente Jair Bolsonaro, as famílias endividadas eram 63,4%. Nesse intervalo
de três anos, a parcela das inadimplentes cresceu de 24,1% para 28,7%.
No mesmo período, o comprometimento médio
da renda familiar com dívidas passou de 29,3% para 30,4%. A parcela das
famílias autodeclaradas sem condição de pagar aumentou de 9,5% em maio de 2019
para 10,6% em 2020 e a partir daí pouco variou, atingindo 10,8% em maio deste
ano.
O agravamento da maior parte dos
indicadores de endividamento, nos últimos três anos, coincidiu com um período
de inflação crescente, de baixo nível médio de atividade econômica e de más
condições no mercado de emprego. Para tentar conter a alta de preços, o Banco
Central (BC) aumentou os juros a partir de 2021, tornando mais difícil a
obtenção de crédito e a redução dos problemas dos endividados. O alívio mais
notável foi proporcionado, nesse período, pelas campanhas de renegociação
promovidas por algumas entidades ligadas ao comércio.
A intensa alta de preços de bens e serviços
muito importantes, como alimentos, energia elétrica, transporte público e gás
de cozinha, ampliou a pressão sobre os orçamentos familiares, num quadro de
desemprego muito elevado. O cenário melhorou ligeiramente nos primeiros meses
deste ano, mas ainda houve 11,3 milhões de desocupados no trimestre móvel de
fevereiro a abril. Nesse período, a renda média habitual foi 7,5% menor que a
de um ano antes, descontada a inflação.
Entre janeiro e março, quando os
desempregados eram 11,9 milhões, 1,5 milhão procurava emprego há mais de um ano
e 3,5 milhões, há mais de dois. Quanto mais longa a desocupação, maior a
dificuldade para encontrar uma vaga, como têm mostrado pesquisas do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e análises de especialistas.
O quadro do endividamento e da
inadimplência contém, portanto, muito mais do que a história de indivíduos e de
famílias com dificuldades para controlar seu orçamento. Educação financeira,
frequentemente recomendada como forma de evitar ou de corrigir esses problemas,
responde apenas a uma parcela minúscula, e nem de longe a mais importante,
desse conjunto de problemas.
O quadro geral corresponde a questões
macroeconômicas só passíveis de enfrentamento por meio de ações políticas.
Essas ações devem abranger definição de rumos e medidas para o crescimento
econômico, a defesa e a promoção do emprego, a contenção da alta de preços e o
amparo aos mais necessitados. Não basta, no caso dos preços, uma ação corretiva
do Banco Central por meio da alta de juros, se faltar uma eficiente e séria
gestão das finanças públicas. Inadmissíveis em quaisquer circunstâncias, gastos
eleitoreiros e aberrações como um orçamento secreto são quase inimagináveis
quando um governo se defronta com enormes problemas de emprego e de inflação.
Em resumo, famílias com endividamento crescente e indesejado e forçadas à
prática de calotes são basicamente personagens de uma história sinistra de
macrodesajustes.
A Argentina de sempre
O Estado de S. Paulo
Inflação mais alta em 30 anos mostra um país mergulhado em velhos problemas e sem capacidade de enfrentar os novos
Com inflação de 60,7% em 12 meses até maio,
a mais alta em 30 anos, a Argentina mostra uma rara e pouco invejável
característica. Trata-se de sua capacidade de conseguir não apenas persistir
nos erros em decisões políticas e econômicas cruciais, mas de aperfeiçoá-los.
De uma das mais importantes economias do mundo até o fim da 2.ª Guerra Mundial,
tornou-se um exemplo das mazelas que políticas públicas equivocadas, mas ainda
assim com apoio popular, podem provocar. Estima-se, por exemplo, que de 2011 a
2019 a economia argentina tenha encolhido mais de 10%. Os anos da pandemia
aprofundaram a longa crise em que o país está mergulhado. Até o ano passado, a
perda pode ter chegado a 16%.
A mais recente projeção de instituições
internacionais, de que o Produto Interno Bruto (PIB) da Argentina pode crescer
3,6% neste ano, talvez consiga instilar algum ânimo. Mas os argentinos ainda
terão de esperar muito tempo para recuperar a qualidade de vida que tinham no
início da década passada. Já a vida de que desfrutava o país nas primeiras
décadas do século passado, uma das melhores do mundo, hoje é apenas um registro
histórico surpreendente para os mais jovens.
O dia a dia do país é marcado por
insegurança financeira da população, que procura no dólar um refúgio contra a
alta acelerada dos preços na moeda local (o peso), incertezas sobre o amanhã,
dúvidas sobre a capacidade do país de honrar os compromissos financeiros
externos – várias vezes renegociados e várias vezes não cumpridos – e,
sobretudo, incapacidade do governo de dar respostas adequadas aos graves
problemas que precisa enfrentar.
O governo, hoje chefiado por Alberto
Fernández – em crise com a vice-presidente Cristina Kirchner, com quem
compartilha a origem peronista –, ao contrário de articular uma solução, pode ser,
em si mesmo, um dos problemas mais imediatos que afligem os argentinos.
Sem especificar ou detalhar seus
componentes, o ministro da Economia, Martín Guzmán, atribuiu a inflação a um
fenômeno “multicasual”. Na essência dessa multiplicidade de fatores está a
política fiscal, caracterizada por forte expansão dos gastos governamentais. A
contrapartida tem sido a excessiva emissão de moeda pelo Banco Central.
A isso, reconheça-se, se juntam os
problemas internacionais, como a guerra na Ucrânia, que fez subir
exponencialmente os preços dos combustíveis e dos alimentos. Mas a inflação
decorrente dos problemas causados pela guerra – e também pela pandemia, que
provocou rupturas na cadeia mundial de suprimentos – tem sido muito menor nos
demais países.
Na tentativa de amenizar o problema da
inflação, o governo até observou que a alta mensal dos preços está se
reduzindo. É verdade. Em março, a inflação medida pelo Instituto Nacional de
Estatísticas e Censo alcançou 6,7% e, em abril, baixou para 6,0%. Em maio, caiu
mais um pouco. Mas o resultado acumulado em 12 meses está subindo. Estava em
50,5% em janeiro, subiu nos meses seguintes, até ultrapassar 60% na medição
mais recente. Há projeções de 75% para todo o ano.
Crime na Amazônia é maior risco à soberania
na região
O Globo
A morte brutal do indigenista Bruno Araújo
Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, com a crueldade mostrada pelas
investigações, revela de forma inequívoca a situação de anomia na Amazônia. Na
flagrante ausência do Estado, bandos de narcotraficantes, pescadores,
grileiros, madeireiros e garimpeiros ilegais se apossaram da região, onde, sob
a mira das armas, passaram a impor leis perversas aos povos da floresta e a
todos aqueles que, como Bruno e Dom, tentam defendê-los.
É sintomático o desembaraço da bandidagem
para dar as cartas num território que deveria estar sob controle do Estado.
Servidor licenciado da Funai, Bruno já mapeara as quadrilhas num dossiê
entregue às autoridades. Um dos presos como suspeito do assassinato da dupla
era citado. Resultou em alguma coisa? Não. Ao contrário, criminosos sempre se
sentiram livres para desafiar a lei. Não surpreende que o próprio Bruno e
líderes indígenas tenham recebido bilhetes com ameaças inaceitáveis de morte.
“Melhor se aprontarem. Tá avisado”, dizia um deles. Como se viu, não era blefe.
Se os irmãos presos como suspeitos dos
assassinatos se sentiram estimulados para barbarizar, é porque tinham a certeza
da impunidade. A gigantesca repercussão do caso dentro e fora do país pode ter
contribuído para mudar o roteiro que caminhava para um final conhecido. Em
2019, o colaborador da Funai Maxciel Pereira dos Santos, que atuava na proteção
dos indígenas do Vale do Javari (onde Bruno e Dom foram mortos), também foi
assassinado com dois tiros na cabeça depois de receber ameaças. Três anos
depois, as investigações pouco avançaram. Por enquanto Maxciel é só mais um
número no ambiente sem lei da Amazônia.
Curioso é que o presidente Jair Bolsonaro
nutre uma obsessão pelo que chama de “soberania” da Amazônia. Em discursos na
ONU, no encontro com o presidente americano, Joe Biden, na Cúpula das Américas
ou nas conversas com apoiadores nos cercadinhos do Planalto, o tema virou um
mantra. Atordoado por teorias conspiratórias que atribuem as críticas de
potências estrangeiras aos desmandos na Amazônia apenas ao desejo inconfessável
de conquistá-la, Bolsonaro vocifera contra ambientalistas, demoniza
organizações não governamentais (ONGs), tortura dados sobre desmatamento e veta
financiamentos internacionais em nome dessa pretensa “soberania”. Numa
entrevista em 2019, chegou a repreender de forma grosseira o próprio Dom
Phillips, que perguntara sobre a preservação da região: “Primeiro você tem que
entender que a Amazônia é do Brasil, não de vocês”.
Bolsonaro não enxerga é que a grande ameaça
para a soberania da Amazônia é a leniência com o crime, incentivada por ele
próprio. Evidentemente a situação não começou agora, mas o afago do atual
governo a predadores do meio ambiente, o afrouxamento da legislação e o
desmonte da fiscalização criaram um ambiente acolhedor para criminosos. Estão
tão à vontade que operam dezenas de aeroportos clandestinos, incendeiam
caminhonetes e helicópteros do Ibama para mostrar quem manda no pedaço. A
verdade inconveniente para Bolsonaro é que, como o assassinato de Bruno e Dom
lamentavelmente mostrou, o país já não tem o controle da Amazônia. Precisa
recuperá-lo com urgência.
Maior aperto monetário do Fed é necessário,
mas pode ser insuficiente
O Globo
Na esteira da pandemia e da guerra na
Ucrânia, a inflação provoca alta de juros no mundo todo para conter os preços.
Já elevaram sua taxa neste ano cerca de 45 países, entre eles Brasil e Estados
Unidos. Por ser o banco central da maior economia do mundo, o Federal Reserve
(Fed) é acompanhado com lupa. Ao elevar os juros em 0,75 ponto percentual na
quarta-feira, para a faixa entre 1,5% e 1,75%, o Fed puxou com mais força as
rédeas da economia (em maio, aumentara 0,5 ponto). Foi a maior alta desde 1994.
De acordo com o presidente do Fed, Jerome Powell, poderá haver ajuste
semelhante em julho.
O Comitê Federal do Mercado Aberto (FOMC),
o Copom americano, titubeou em maio diante dos indicadores. A economia crescia
perto do pleno emprego, e a inflação anual estava em 8%, (hoje está em 8,6%,
ante a meta de 2%). Mesmo assim, o Fed foi moderado no aperto monetário.
Segundo a ata de sua reunião, antecipou que buscaria postura “neutra” diante do
quadro. Na quarta-feira, mudou de ideia. A hesitação do Fed remonta ao ano
passado, quando acreditava que a inflação era passageira e arrefeceria assim
que se desatassem os nós na logística global. No início do ano ficou claro que
tinha errado, mas a mudança de rumo ficou aquém do desejável, e os preços
continuaram a subir além das previsões.
O Fed não foi o único banco central a
vacilar. O Banco da Inglaterra e o Banco Central Europeu também demoraram a
reagir enquanto a economia rumava para o superaquecimento. Na Zona do Euro, o
desemprego foi de 6,8% em abril, a taxa mais baixa desde julho de 1990. No
Brasil, o Copom enfrenta inflação anual perto de 12%. A incúria fiscal do
governo Bolsonaro e do Congresso não ajuda. Não demora muito para os mecanismos
de indexação alimentarem a espiral de preços e salários, tornando inatingíveis
as metas inflacionárias. Pior: ao contrário dos Estados Unidos, o Brasil tem
desemprego alto (10,5%).
Não é simples o manejo da política
monetária. Um erro no ajuste dos juros pode forçar uma recessão maior que a
necessária para que os preços percam o fôlego. Mas ser tíbio quando o momento
exige firmeza só faz aumentar a necessidade de um aperto maior no futuro.
Costuma ser lembrado nesses momentos o exemplo dos Estados Unidos no início dos
anos 1980, quando a inflação chegou a 14,7%. Assim que assumiu o Fed, o
economista Paul Volcker elevou os juros de uma tacada para 20%. Países
devedores em dólar, como o Brasil, quebraram. Os Estados Unidos enfrentaram uma
recessão brutal. Até que a inflação cedeu.
É imponderável saber se será necessária energia semelhante desta vez. De todo modo, é bem-vinda a manifestação de Powell, ao afirmar que o Fed fará “o que for necessário” para conter os preços. No mundo, os bancos centrais deixam para trás as fantasias sobre juros negativos de pouco tempo atrás. Até o Banco Nacional da Suíça aumentou seus juros pela primeira vez em 15 anos, em 0,5 ponto percentual. O tempo do dinheiro fácil e barato chegou ao fim.
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