domingo, 19 de junho de 2022

Merval Pereira: Os militares na política

O Globo

A crise institucional que se prenuncia com a disputa entre as Forças Armadas e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em torno das urnas eletrônicas, e do Supremo Tribunal Federal (STF) é o tema central de artigos da edição recente da Revista Insight Inteligência. O de Christian Lynch, professor de Pensamento Político Brasileiro do IESP - UERJ analisa o espectro do poder moderador no debate político republicano, disputado hoje pelos militares e judiciário. O outro, de Wallace da Silva Mello, professor da UENF, discute as influências do intervencionismo militar em nossa história: positivismo, autoritarismo e culturalismo conservador.

Lynch investiga as origens da disputa entre magistrados e militares em torno da herança do antigo poder moderador imperial, “ora interpretada por uma perspectiva liberal, judiciarista e normativista, ora por outra, autoritária, militarista e excepcionalista”.  Baseada nessa doutrina judiciarista, se ancoraria a pretensão dos atores judiciários de tutelar a República contra sua classe política corrompida na década de 2010. E seria em nome da doutrina militarista do “poder moderador” que as Forças Armadas interviriam em nome da segurança nacional até a década de 1980, ameaçando fazê-lo novamente trinta anos depois”.

A criação de um poder moderador político, na visão de Christian Lynch, “dependeria da separação entre chefias de Estado e de governo e, portanto, do abandono do sistema presidencial de governo por outro, parlamentar ou semipresidencial”. Também a existência de um poder moderador jurídico exigiria que o “Supremo deixasse de ser um órgão de cúpula do Judiciário para se tornar formalmente um tribunal constitucional de estilo europeu, acima dos três poderes”.

O professor Wallace da Silva Mello analisa o intervencionismo militar no pensamento político e social brasileiro sob o ponto de vista das influências principais. Ele acredita que “elementos relevantes” foram pouco explorados no estudo da relação dos militares com o poder político, “sobretudo a dimensão social da leitura e interpretação conservadora” que grupos civis e militares fizeram do Brasil.

Para o autor, três matrizes do pensamento social e político brasileiro fundamentaram o intervencionismo militar no país: “o positivismo político e filosófico, o autoritarismo das décadas de 1920-40 e o pensamento conservador culturalista, cujo expoente é Gilberto Freyre”. Elas contribuíram – ainda que de diferentes formas – “para a consolidação de uma imagem ou função dos militares, em especial do Exército, como atores legítimos de intervir no jogo político no Brasil”.

Trechos de pronunciamentos, discursos ou entrevistas de militares permitem, segundo o autor, perceber a presença de ecos dessas matrizes intervencionistas nos dias atuais, sobretudo no governo Bolsonaro. Cita Christian Lynch, dizendo que as Forças Armadas se constituíram no “mais célebre grupo burocrático a reivindicar o papel de “vanguarda iluminista”. Desde o final do Império, porta-vozes deles de inspiração positivista e jacobinista, como Benjamin Constant e Lauro Sodré, passaram a veicular a tese de que os soldados seriam “cidadãos fardados”: os militares seriam os mais patrióticos de todos os cidadãos; os únicos dotados de, num ambiente de decadência cívica e da classe política civil (a “pendantocracia”) e da apatia do povo, darem a vida pela Pátria.

O pensamento autoritário, na opinião de Wallace da Silva Mello, teve em Oliveira Vianna um dos mais produtivos autores do período. A leitura que faz da história do Brasil é crítica, sobretudo acerca do processo de ocupação do solo e de expansão territorial. Segundo o autor, Oliveira Vianna denunciava as elites e seu “idealismo utópico”, que buscava adaptar ideias e modelos de outros povos no Brasil. Para Lynch, embasados na identificação da distância entre o país real (estado social) e o país legal (instituições), autores como Oliveira Vianna propõem “um pedagogismo, no sentido de educar as elites nacionais, de modo que houvesse uma renovação intelectual e política que permitisse a identificação das mazelas que o país apresentava”.

Poucos trabalhos causaram tanto impacto no pensamento político e social brasileiro quanto os de Gilberto Freyre, ressalta o professor Wallace Monteiro. Lynch, citado no trabalho de Wallace da Silva Mello, diz que “o pensamento e a obra de Gilberto Freyre podem ser entendidos com base na linhagem do conservadorismo culturalista, junto com José de Alencar e outros autores”.  O Exército é “alçado a uma posição de vanguarda nacional esclarecida, que atua a favor da nação”. A crítica e o medo do comunismo também aparecem como um elemento para valorizar e justificar a participação dos militares na política.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Os militares se acham.