Folha de S. Paulo
Fim trágico de Bruno Pereira e Dom Phillips
é um êxito para Bolsonaro
O fim
trágico de Bruno Araujo Pereira e Dom Phillips é
um êxito para Jair
Bolsonaro. Com a morte de dois inimigos, um êxito a mais no colar dos
êxitos de destruição, peça a peça, da pequena estrutura de proteção humana e
segurança territorial havida na Amazônia.
O êxito não é só de Bolsonaro. A pressa com
que a Polícia
Federal comunicou não haver mandante nem organização criminosa nos dois
assassinatos —menos de 48 horas depois de levada aos restos mortais—
sinaliza necessidade de fazê-lo.
E faz parte, com pretensões a ponto final,
da conjugação de anormalidades que começa na demora e segue na busca
tergiversante. Condutas próprias, no entanto, da nova realidade.
A Amazônia está
sob uma construção extensa e minuciosa. É uma teia de criminalidades
diferentes que tomou o domínio de grandes áreas e é subsidiária de
outra teia. Esta penetra nas instituições do Estado e de governo, em especial
no sistema de segurança.
O acintoso assassinato de Chico Mendes já denunciava perda de controle sobre a criminalidade contra a preservação natural. Era o 1988 da Constituinte democratizante, quando o general Leônidas Pires Gonçalves levou aos constituintes a exigência dos militares —de fato, exigência do Exército— de que fosse acrescentada, na "segurança externa" atribuída às Forças Armadas, a expressão "e interna".
O adendo era político, mas aumentou a
responsabilidade da parte militar na proteção legal ao controle territorial. Em
vão, mostram os fatos crescentes na Amazônia e alhures.
Sucederam-se denúncias de crimes
patrimoniais, de apropriação de áreas imensas para gado, de roubo e
contrabando. E mortes de oponentes, muitos deles indígenas, a esse ataque à
vida humana, à natureza e ao patrimônio nacional. Nas fronteiras a oeste nada
mudou. Na Amazônia, a presença militar limitou-se ao simbólico, orientada pela
concepção de más intenções na vizinhança.
A Polícia
Federal fez presenças rápidas em estouros de violência, jamais com
planos extensivos de contenção e prevenção do assalto à floresta e às terras
indígenas. As polícias estaduais e o Judiciário preferiram servir à impunidade,
em incentivo ao crime ou à aliança com criminosos.
Essa omissão encontrou em Bolsonaro a
oportunidade e sobretudo os motivos para ser como um plano oficial, comum a
várias instâncias do poder político e da administração pública.
Nada é ocasional nessa meta. É uma
conjugação de condutas e fatores que os assassinatos de Dom e Bruno vieram
desnudar como nunca.
Dois meses antes do desaparecimento dos
dois, no domingo 5 de junho, a emergência da situação conflituosa no Vale
do Javari foi
informada, por relatórios de procedências sérias, ao Ministério da
Justiça/Polícia Federal, ao Ministério Público federal e estadual, às polícias
estaduais, ao Ibama e à Funai.
Daí, não cabe dúvida, de que as informações
logo chegaram às secretarias da Presidência da República com atribuições de
segurança. Também não é admissível que o Exército, se não as três forças, tenha
recebido as informações. Em vão, ainda.
Nem um só desses setores da
responsabilidade nacional e estadual moveu-se para sustar os desdobramentos
previstos da situação e tratar de solucioná-la em tempo. A omissão não foi por
coincidência recordista. Foi por utilidade.
Foi e é uma prova de que essa enorme parte
de governo e representações do Estado segue, por suas direções, uma orientação
que as conjuga no mesmo objetivo e na mesma conduta.
É a teia superior. Resultado da infiltração
de dirigentes e influentes selecionados e nomeados por Bolsonaro, em
substituição aos alheios às diretrizes desligadas do interesse público. Bruno
foi um dos milhares de afastados, ele por destruir balsas do garimpo ilegal.
Vive-se uma alucinação coletiva. Quem
comunicou a "localização
de remanescentes humanos", de Dom e Bruno, foi o ministro
da Justiça, delegado Anderson Torres. E o fez por uma rede social na quarta
(15), não por meios oficiais.
Além disso, o aviso lúgubre veio por um dos
que precisam responder por sua conduta de policial e de ministro que não
providenciou, ou reteve, ações para a situação informada sobre o Javari.
O presidente
da Funai, Marcelo Xavier da Silva, delegado da PF depois de nela reprovado
em exame psicotécnico, sujeito de boletim de ocorrência por um soco no rosto do
pai de 71 anos, foi o segundo a mentir sobre o ocorrido com Bruno e Dom:
acusou-os, seguindo o chefe Bolsonaro, do crime de estarem em reserva indígena
em autorização, portanto, invasores.
Não estavam nem estiveram na reserva. Mas a
mentira, além de ser a própria Funai culpando seu indigenista, foi
significativa insinuação do desaparecimento como reação indígena a invasores.
Superintendente Regional da PF, o delegado
Alexandre Fontes é o segundo sucessor do delegado Alexandre
Saraiva, destituído por acusar Ricardo
Salles, então ministro do Meio Ambiente, de favorecer a retirada ilegal e o
contrabando de madeira da Amazônia.
Fontes deveria ser o primeiro a agir quando
relatada a urgência no Vale
do Javari.
Ficou nos últimos. Sua explicação dos fatos foi um rol fraudulento de louvações
aos infiéis às próprias funções. Fontes tem muito a explicar, de antes, durante
e depois do crime recente.
A dívida de explicações ao país, e em
particular à Justiça, abrange toda a teia dos gabinetes e dos comandos, a
serviço —com ou sem proveito direto— do tráfico de drogas e de armas, garimpo
de ouro e vários minerais preciosos, da fauna, da extração de madeira e do
contrabando de tudo isso. Por isso a PF não nega mandante ou organização
criminosa na tragédia.
Dom e Bruno foram
localizados em seu fim. Não pela busca oficial. Por
indígenas, em busca voluntária. Mas não convinha localizá-los.
Desaparecidos, permitiriam acusar os indígenas pelo desaparecimento vingativo.
As primeiras
palavras de Bolsonaro pareceram abrir a versão, definindo as duas
presenças no Vale do Javari como "aventura perigosa" de
"detestados pelos indígenas", ambos "sem autorização para entrar
na reserva". As teias agiram seguindo Bolsonaro.
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