segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Opinião do dia - Tancredo, A Travessia (2011) - Silvio Tendler

A trajetória de Tancredo Neves (1910-1985) é esmiuçada neste documentário que revisita diversas páginas cruciais da história do Brasil que contaram com a decisiva intervenção do hábil político mineiro. Examina-se suas ligações com Getúlio Vargas, a quem apoiou até o fim; suas gestões para permitir a posse de João Goulart no clima instável após a renúncia de Jânio Quadros; e também seu trânsito junto ao marechal Humberto de Alencar Castello Branco, o primeiro presidente militar. Da mesma forma, traça-se sua importância na tarefa de organizar a oposição ao regime militar, como um dos fundadores do MDB, e, anos depois, como um dos participantes da Campanha das Diretas, ao lado de Ulysses Guimarães. Amigos e colaboradores relembram sua figura e o trágico episódio da doença que o impediu de tomar posse na Presidência, em 1985.

FONTE: OBSERVATÓRIO POLÍTICO

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
Câmaras aumentam vereadores e custos
Greve nos bancos deve acabar hoje e agências reabrem amanhã

FOLHA DE S. PAULO
Dilma cobra explicação de ministro do Esporte
Comissão de Ética escondeu decisão de investigar Palocci

O ESTADO DE S. PAULO
MP da desoneração vai aumentar imposto
Denúncias colocam em risco cargo do ministro do Esporte
Fifa define hoje São Paulo como abertura da Copa
Relatório critica abusos contra a imprensa no Brasil

VALOR ECONÔMICO
Renda sobe e 2,2 milhões de lares saem do Bolsa Família
Investimento perde força no bimestre
Governo vai mal na relação com sindicatos
Cidades 'mudas' esperam celular
Lideranças paralelas no Congresso mudam relação de forças
Sindicato quer mudança na Embrapa

CORREIO BRAZILIENSE
Por que a alta do dólar afeta tanto a sua vida
Copa 2014: Fifa quer plenos poderes
Protestos, prejuízos e prisões em 87 países

ESTADO DE MINAS
Morte volta a assombrar nossas estradas

ZERO HORA (RS)
Dilma exige explicações públicas de Orlando Silva

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Importação de "tecido com defeito" é usual
Na corda bamba

O que pensa a mídia - editoriais dos principais jornais do Brasil

http://www.politicademocratica.com.br/editoriais.html

Comissão de Ética escondeu decisão de investigar Palocci

Comissão omitiu investigação sobre Palocci

Contrariando tradição do grupo que apura desvio ético de ministros, abertura de apuração não foi divulgada à imprensa

"Expressão é liberdade fundamental, não uma obrigação", alegou o presidente em exercício à época, Roberto Caldas

Márcio Falcão e Andreza Matais

BRASÍLIA - A Comissão de Ética Pública da Presidência da República escondeu decisão de abrir investigação contra o ex-ministro Antonio Palocci. Dois procedimentos foram instaurados na véspera da queda do petista, em junho, e propositadamente não houve qualquer divulgação à imprensa, o que contrariou tradição do colegiado e decisão da maioria. É o que revelam duas atas da comissão nos dias 6 de junho e 1° de julho.

Palocci chefiou a Casa Civil e era o ministro mais influente do governo. Deixou o cargo após a Folha revelar que seu patrimônio aumentou 20 vezes em quatro anos e sua empresa de consultoria faturou R$ 20 milhões no ano eleitoral de 2010, fatos que não conseguiu justificar publicamente.

O presidente em exercício do colegiado à época, Roberto Caldas, foi quem decidiu que não comunicaria à imprensa a respeito da abertura do procedimento preliminar contra Palocci.

Cobrado em reunião seguinte sobre por que não comunicou o fato aos jornalistas, apesar de, numa votação informal, a maioria dos conselheiros ter se posicionado a favor da divulgação, Caldas alegou que considerava "ilícito fazê-lo" porque na sua avaliação as investigações têm caráter "reservado".

Na reunião, em 1° de julho, ele reconheceu ser "uma tradição" da comissão divulgar a instauração dos casos envolvendo ministros, mas justificou sua decisão alegando que "a expressão é uma liberdade fundamental, não uma obrigação". Em pelo menos cinco casos anteriores, desde o governo Lula, a comissão divulgou previamente a abertura ou não de investigação de denúncias contra ministros.

Caldas disse ainda aos colegas da comissão, conforme as atas da reunião, que, se algum outro conselheiro quisesse falar sobre o caso aos jornalistas, que o fizesse -o que não ocorreu. Até hoje a comissão não informou oficialmente que o ex-ministro é investigado. Os processos têm como base a suspeita de que os donos do imóvel alugado por Palocci em São Paulo teriam participado de operações financeiras na condição de laranjas e com base na entrevista que o então ministro deu à TV Globo para falar sobre seu crescimento patrimonial.

A ex-ministra Erenice Guerra, acusada de envolvimento em esquema de lobby na Casa Civil no governo Lula, foi punida na comissão com censura ética seis meses após sua demissão.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Denúncias colocam em risco cargo do ministro do Esporte

A denúncia de que teria recebido dinheiro de propina na garagem do Ministério do Esporte, num suposto esquema de irregularidades, já ameaça o cargo do titular da pasta, Orlando Silva (PC do B).

Envolvido em acusações anteriores de desvios no Programa Segundo Tempo, a permanência de Orlando no Ministério vai depender da repercussão do caso ou do surgimento de novos problemas envolvendo o ministério

Denúncia de propina põe em risco a permanência de ministro do Esporte

Karla Mendes, Eduardo Bresciani

BRASÍLIA - A denúncia de que teria recebido dinheiro de propina na garagem do Ministério do Esporte aumentou a situação de fragilidade do titular da pasta, Orlando Silva (PC do B). Já envolvido em denúncias anteriores de desvios no Programa Segundo Tempo, carro-chefe da pasta, Orlando era visto como alvo da reforma ministerial que a presidente Dilma Rousseff pretende fazer em janeiro de 2012. Agora, poderá deixar a função antes deste prazo caso venham à tona novas acusações ou não consiga demonstrar inocência nos esclarecimento que prestará ao Congresso nesta semana.

O policial militar João Dias Ferreira, ex-militante do PC do B, reiterou ontem a denúncia feita à revista Veja e proferiu novos ataques ao ministro. Em seu blog pessoal, Ferreira chamou o ministro de "bandido" e disse que apresentará às autoridades provas do esquema de corrupção no programa Segundo Tempo. "Bandido é você e sua quadrilha que faz e refaz qualquer processo do ministério de acordo com sua conveniência", disse, retrucando Orlando Silva, que usou o mesmo termo contra ele para desqualificar a denúncia.

O militar comanda a Associação João Dias de Kung Fu e é presidente da Federação Brasiliense da modalidade. As duas entidades firmaram convênios com o Ministério do Esporte. Segundo Dias, o esquema existe desde a gestão de Agnelo Queiroz, atual governador do Distrito Federal, quando Orlando respondia pela secretária executiva do ministério.

Em entrevista ao Estado ontem, o ministro rebateu novamente as acusações e desafiou João Dias a apresentar documentos que o incriminem. "Este farsante não tem e não terá nenhuma prova porque está mentindo". Orlando não quis comentar os ataques publicados na internet pelo policial. "Não vou me rebaixar a uma pessoa deste nível. O diálogo com este marginal só pode ser feito no Judiciário."

Dilma. O Planalto evita fazer julgamentos antecipados sobre a situação de Orlando Silva, mas acompanha os desdobramentos da denúncia. O Estado apurou que causou profundo incômodo à presidente Dilma Rousseff o fato de a denúncia ter sido feita por um ex-correligionário do ministro e beneficiário direto de convênios com o governo.

O ministro afirmou estar confortável para permanecer no cargo, mas ressaltou que a decisão cabe à presidente. Destacou que, devido à realização de grandes eventos como a Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016, a pasta que ocupa passou a ter mais importância, tornando-se, assim, alvo de disputas na Esplanada. "Sei que tem um jogo político e que o ministério onde atuo aumentou a cobiça."

Ele reiterou sua disposição de ir ao Congresso prestar esclarecimentos. O líder do PC do B na Câmara, Osmar Júnior (PI), vai apresentar hoje um requerimento. A audiência, que deve ser conjunta nas comissões de Fiscalização Financeira e Controle e Turismo e Desporto deve acontecer ainda nesta semana.

Mira. Outro integrante da cúpula do ministério foi envolvido no caso por João Dias ontem. Em seu blog, o policial afirmou que, por ordem de Orlando Silva, o secretário nacional de Esporte de Alto Rendimento do ministério, Ricardo Leyser, teria tentado localizá-lo na sexta-feira. "O que ele queria comigo? Fazer mais um daqueles acordos não cumpridos?", provocou Dias.

Leyser negou qualquer tentativa de contato, pessoal ou por telefone.

"Como, se estou em Guadalajara desde quarta-feira? Estou acompanhando os jogos Pan- Americanos. Pode verificar se tem alguma ligação dos nossos celulares aqui, não vai ter, se tem ligação no hotel, não vai ter", afirmou o secretário ao Estado. "Como eu o procurei? Por teletransporte?", ironizou.

O secretário questionou ainda a acusação feita pelo policial de que o ministro teria recebido propina na garagem do ministério. "Não parece uma coisa razoavelmente plausível de acontecer, nem no Ministério do Esporte, nem outro ministério. A garagem tem gente, tem movimento, tem segurança, tem câmera. Se um ministro ou secretário executivo desce, todo mundo conhece, não tem a menor possibilidade de acontecer isso", disse.

Desempenho. Na visão de aliados, a situação do ministro depende muito do seu desempenho perante os parlamentares. "Temos que aguardar a audiência, mas ele fez bem em se oferecer para ir à Câmara, mostra que ele está disposto a esclarecer", disse o líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN). "Ele tomou uma posição firme, deu uma resposta positiva, pediu à Polícia Federal para investigar e vai ao Congresso nesta semana. Acho que é uma postura positiva porque ele não se escondeu."

O presidente do PC do B, Renato Rabelo, atribui os ataques de João Dias a uma "tentativa intimidatória contra o partido". Afirmou que o partido não interfere na rotina da pasta, mas ressaltou a confiança em Orlando Silva. O presidente do diretório do partido no DF, Augusto Madeira, disse que João Dias não é militante, apesar de ter se candidato a deputado distrital em 2006.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Protestos, prejuízos e prisões em 87 países

Protestos levam 269 à prisão

Fim de semana foi marcado pelas manifestações contra a crise global, que tumultuaram as ruas de 1.039 cidades em 87 países.

A onda de protestos contra a crise global no fim de semana, que atingiu 1.039 cidades em 87 países, levou à prisão pelo menos 269 pessoas nos Estados Unidos e na Europa. Ontem, a polícia de Chicago (EUA) prendeu 175 ativistas que se recusaram a deixar o Grant Park. O argumento foi de que os manifestantes violaram a ordem pública ao permanecer no local após o seu fechamento, na noite de sábado. Participantes do movimento Ocupe Wall Street, em referência à rua mais importante do mercado financeiro internacional, em Nova York, acamparam na praça central da cidade. Em todo o globo, os protestos miram no desemprego, nos bancos e nos cortes orçamentários feitos por governos como o grego e o espanhol para minimizar a crise fiscal.

Em Lisboa, mais de 100 pessoas continuaram concentradas na tarde de ontem em frente ao Parlamento, após passar a noite no local. Dois jovens que não quiseram abandonar as escadas do prédio público foram detidos pela polícia portuguesa. No sábado, as forças de segurança de Nova York haviam prendido 92 manifestantes. Em Londres, onde quase 5 mil pessoas empunharam bandeiras e faixas anteontem, os revoltosos prometeram manter o acampamento em frente à catedral de Saint Paul.

A prefeitura de Roma terá de arcar com os prejuízos causados por mascarados que quebraram vitrines e calçadas e atearam foto em três carros e em um anexo do Ministério da Defesa, no sábado, quando a capital italiana explodiu em surtos de violência. O prefeito Gianni Alemanno calculou que o custo dos reparos será de pelo menos 1 milhão de euros. Aliados do primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, culparam a oposição pelos distúrbios.

As manifestações ocorreram no segundo dia do encontro do G-20 (grupo das 19 maiores economias do mundo mais a União Europeia) em Paris. Ao avaliar, ontem, o comunicado final, o presidente do Banco Central Europeu (BCE), Jean-Claude Trichet, defendeu a mudança do tratado que criou o bloco. O objetivo é permitir um controle maior sobre os governos da Zona do Euro. A alteração impediria que um membro enfrentasse problemas graves por desobedecer as regras fiscais impostas a todos, contagiando os outros integrantes.

"Para isso, é importante que decisões possam ser impostas", disse. Assim, a Europa daria mais um passo a caminho da construção de uma verdadeira federação, que retiraria grande parte da soberania dos países. O G-20 espera que a Zona do Euro apresente, na cúpula de líderes do próximo fim de semana, um plano consistente para resolver a crise de dívida, que se arrasta por dois anos.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

Fim da greve dos bancários deve ser aprovado hoje, com reajuste de 9%

Categoria fará assembleias à tarde e agências devem reabrir amanhã

Wagner Gomes

SÃO PAULO. Os bancários devem aprovar o fim da greve hoje em assembleias que acontecerão no fim da tarde em todo o país. A reabertura das agências é esperada para amanhã. Na última sexta-feira, após dois dias de negociação com representantes dos trabalhadores, a Federação Nacional dos Bancos (Fenaban) propôs reajuste salarial de 9% - a reivindicação inicial era de 12,8% -, que inclui a reposição da inflação dos últimos 12 meses (até setembro) mais 1,5% de aumento real, além de outras melhorias. O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf), Carlos Cordeiro, confirmou ontem que a proposta atende as principais demandas dos bancários.

- Teremos aumento real pelo oitavo ano consecutivo, valorização do piso, distribuição de um valor maior de PLR e avanços nas cláusulas de segurança e saúde do trabalhador. Vamos recomendar a aprovação nas assembleias - disse Cordeiro.

Pela proposta, o piso da categoria sairá de R$1.250 para R$1.400 (reajuste de 12%), e o teto da Participação nos Lucros e Resultados (PLR) subirá a R$2.800, mais 2,2 salários. Há ainda cláusula proibindo divulgar rankings individuais de funcionários e compromisso de contratar.

O presidente do Sindicato dos Bancários do Rio, Almir Aguiar, disse que a conquista de aumento real foi um grande avanço, pois o governo pressionou muito os trabalhadores a não pedirem reajuste que gerasse inflação.

A paralisação, que completa hoje 21 dias, é a mais longa desde 2004. Considerado o número de agências fechadas, a greve é a maior em 20 anos, diz a Contraf. Na última sexta-feira, 9.152 agências ficaram fechadas no país.

FONTE: O GLOBO

ONG apoiada pelo Esporte é suspeita de desvio

Entidade recebeu R$28 milhões do programa Segundo Tempo, acusado de ser fonte de propinas no ministério

Marcelle Ribeiro

SÃO PAULO. O Ministério Público de São Paulo suspeita que uma organização não-governamental que recebeu R$28 milhões do Ministério do Esporte para o programa Segundo Tempo esteja envolvida em desvio de dinheiro público e beneficiando políticos do PCdoB. Segundo denúncia do programa "Fantástico", da TV Globo, há indícios de que a ONG Pra Frente Brasil, gerenciada pela ex-jogadora de basquete Karina Valéria Rodrigues, tenha contratado empresas de fachada para fornecer lanches e material esportivo, com participação de "laranjas". A reportagem do "Fantástico" levantou suspeitas de que os programas da ONG podem estar envolvendo menos alunos do que o devido.

Karina é vereadora da cidade paulista de Jaguariúna pelo PCdoB, mesmo partido do ministro do Esporte. A ONG dela, segundo o "Fantástico", recebeu cerca de R$28 milhões do ministério nos últimos seis anos e parte desta verba seria usada na compra de lanches. A ONG, que atua em 17 cidades de São Paulo, foi a que mais ganhou verbas do ministério.

O MP acredita que há indícios de que a empresa RNC, contratada pela Pra Frente Brasil para fornecer lanches em contratos que somaram mais de R$10 milhões, seja uma empresa de fachada. Um dos sócios da empresa disse ao "Fantástico" ser assessor da vereadora, o que configuraria irregularidade, segundo o MP. Há suspeitas de que outra empresa, a Esporte e Ação, que recebeu cerca de R$1,3 milhões da ONG para fornecer material esportivo, também seja de fachada. A vereadora do PCdoB diz que sua ONG segue a lei e nega irregularidades com as contratadas.

O convênio entre o Ministério do Esporte e a Pra Frente Brasil estabelece que o atendimento seja de 18 mil crianças e adolescentes. Mas na cidade paulista de Iracemápolis, o "Fantástico" constatou que menos da metade dos alunos que deviam estar nas atividades estava participando e não havia chamada.

Em agosto, o ministro Orlando SIlva esteve na inauguração do programa mantido pela Pra Frente Brasil, no Guarujá. Ontem, disse que pode ter havido falhas na fiscalização da ONG.

- Nós vamos investigar, apurar todos os dados e os responsáveis identificados seguramente serão punidos - disse Orlando Silva.

FONTE: O GLOBO

Assalariados pagam mais IR que os bancos

Trabalhadores garantem 9,9% da arrecadação federal, mais que o dobro dos 4,1% pagos pelas instituições financeiras, aponta estudo

Iuri Dantas

BRASÍLIA - As distorções tributárias do País prejudicam a classe média, que contribui com mais impostos do que os bancos. Análise feita pelo Sindicato Nacional de Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco), e confirmada por especialistas, indica que os trabalhadores pagaram o equivalente a 9,9% da arrecadação federal somente com o recolhimento de Imposto de Renda ao longo de um ano. As entidades financeiras arcaram com menos da metade disso (4,1%), com o pagamento de quatro tributos.

"Os dados mostram a opção equivocada do governo brasileiro de tributar a renda em vez da riqueza e do patrimônio", avalia João Eloi Olenike, presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). A face mais nítida desta escolha, segundo o especialista, é a retenção de imposto de renda na fonte, ou seja, no salário do trabalhador.

"São poucos os países que, como o Brasil, não deixam as empresas e as pessoas formarem riqueza," afirmou. "Todos os tributaristas entendem que não está correto, era preciso tributar quem tem mais."

O Sindifisco analisou a arrecadação de impostos federais no período de setembro de 2010 a agosto deste ano. Neste período, as pessoas físicas pagaram um total de R$ 87,6 bilhões em Imposto de Renda, incluídos os valores retidos na fonte como rendimentos do trabalho.

No mesmo período, o sistema financeiro gastou apenas R$ 36,3 bilhões com o pagamento de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), contribuição para o PIS/Pasep, Cofins e Imposto de Renda.

Procuradas, a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) e a Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF) não se pronunciaram.

Motivo. Especialistas se dividem sobre as razões para a manutenção do que chamam de distorção tributária. Segundo o advogado tributarista Robson Maia, doutor pela PUC de São Paulo e professor do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, o Brasil precisa cobrar tributos equivalentes aos de outros países, para não perder investimentos.

Na avaliação de Olenike, do IBPT, a estrutura tributária tem relação com o poder de influência de bancos e instituições financeiras. "Se fosse em qualquer outro país, o governo já tinha caído, mas nós não temos essa vocação no Brasil, o povo é muito dócil e permite que o governo faça o que quer."

No seu estudo sobre benefícios fiscais ao capital, o Sindifisco defende mudanças na legislação para reduzir as distorções e permitir menor pagamento de imposto por trabalhadores e maior cobrança de grandes empresas e entidades financeiras. "Não basta o Estado bater recordes de arrecadação de Imposto sobre a Renda, pois quem sustenta essa estatística é a fatigada classe média."

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Relação entre Planalto e centrais sindicais é a pior da era petista

Raymundo Costa

Brasília - A relação entre o Palácio do Planalto e o movimento sindical nunca esteve tão mal, desde que o PT assumiu o governo federal, em janeiro de 2003. Diante da necessidade de cortar gastos e minimizar os efeitos da crise externa no país, a presidente Dilma Rousseff determinou rigor nas negociações salariais, o que deixou contrariados setores importantes da base política de apoio governamental. O PT, estuário dos interesses dos dois lados, fez apenas um pedido à presidente da República - não derrotar o movimento sindical.

Criado no solo do sindicalismo do ABC, o PT vê-se na contingência de defender o governo e tentar impedir que os sindicalistas sejam atropelados nas negociações, como aponta a decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que determinou o fim da greve nos Correios e o desconto dos dias parados.

Na sexta-feira, os servidores do Banco do Brasil (BB) e da Caixa, bancos oficiais que participam da greve da categoria, já se sentaram à mesa de negociação com a Federação Nacional dos Bancos (Fenaban) sabendo o preço a pagar caso decidissem fazer braço de ferro com o governo.

"A gente defende sempre que o governo tenha uma política econômica rigorosa, como está tendo, no combate à inflação, mas que não derrote o movimento sindical", disse ao Valor o presidente do PT, Rui Falcão. "A nossa orientação é receber sempre e dialogar, o que não te obriga necessariamente a aceitar".

A preocupação do governo com as negociações em curso é com janeiro de 2012, quando terá de aplicar ao salário mínimo um aumento igual ou superior a 14%, se a inflação fechar o ano no atual patamar.

Para o governo e o PT trata-se de um percentual "inegociável" politicamente. Na realidade, trata-se apenas de cumprir a lei do salário mínimo, cujas bases foram lançadas no governo Lula, mas somente transformadas em texto legal agora, com Dilma presidente.

De acordo com as regras estabelecidas na lei, o reajuste de janeiro de 2012 será o equivalente ao IPCA de 2011 mais a variação do PIB de 2010, que foi de 7,5%. Hoje isso dá um reajuste de 14,38% - pode ser mais ou menos, dependendo do comportamento da inflação.

Quando a lei foi aprovada, previa-se algo em torno de 12%, o que já causava calafrios nos mais ortodoxos. O que importa, agora, é que não há como escapar ao aumento, e o temor do governo é que ele se espalhe pela economia numa reação em cadeia capaz de provocar ainda mais inflação.

Isso explica em parte o jogo duro do governo com as greves no serviço público e as reclamações dos sindicalistas. Há quem registre também uma certa "nostalgia" no movimento sindical em relação ao governo Luiz Inácio Lula da Silva, quando não foram raras as vezes em que o presidente em pessoa se envolveu em negociações.

Lula tinha - e ainda tem - relação direta com os sindicalistas, cultivada ao longo de uma vida. Dilma "terceirizou" as negociações para os ministérios e estatais responsáveis por cada categoria.

Foi assim nos Correios, era assim no fim de semana passado em relação ao Banco do Brasil e à Caixa, em greve desde o dia 27 (os trabalhadores nos bancos privados também cruzaram os braços). Desde então bancários e banqueiros somente voltaram a se sentar em torno da mesa de negociação na quinta-feira, depois de uma tensa rodada de conversas do presidente da CUT, Artur Henrique, com ministros e assessores diretos da presidente.

Artur Henrique conversou, entre outros, com o ministro Guido Mantega, da Fazenda, e com Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência da República. Ele ainda trocou ideias com o chefe de gabinete da presidente, Gilles Azevedo. Aborrecido com a falta de iniciativa dos banqueiros em relação à proposta dos grevistas, Artur queria que o governo ajudasse a romper o impasse por meio dos bancos estatais, pois se BB e Caixa voltassem à mesa de negociação, pelo peso de ambos na Fenaban, influenciariam também os bancos privados a negociar.

Por mais de uma vez, nessa rodada de conversas, Artur Henrique repetiu que ministros e dirigentes de estatais chegaram aos cargos que hoje ocupam graças às greves que fizeram no passado. Citou um exemplo, especificamente: Paulo Bernardo, ex-ministro do Planejamento atualmente nas Comunicações, que é funcionário de carreira do BB.

Segundo o presidente da CUT, a central também fez greves no governo Lula. E no governo passado também foram descontados dias parados, como ocorreu em 2009 e 2010 com servidores do Ministério do Trabalho, do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama).

A diferença, segundo o sindicalista, é que à época a CUT decidiu negociar e conseguiu reverter a medida, trocando o desconto dos dias parados pela reposição de serviço - assim como os Correios, agora, já começaram a fazer desde que o TST determinou a volta ao serviço.

Para Artur Henrique, o mal-estar na relação entre governo e sindicalistas não passaria de uma tentativa - da imprensa e das oposições - de "descolar" o governo Dilma do de Lula e com isso passar a impressão de que o movimento sindical é tratado diferentemente.

Nem todo o PT concorda com a visão do presidente da CUT. Setores influentes do partido avaliam que a central teve "sorte" com o fato de a primeira greve a ser arbitrada pelo TST ser a dos Correios, uma categoria dividida em mais de 30 sindicatos, nos quais o consórcio PT-CUT não é hegemônico - o controle do movimento sindical é disputado também, entre outros, por PSTU, PSOL, PCO e PCdoB.

A greve dos Correios teve efeito pedagógico para os bancários e para outras categorias que ameaçam fazer greve como a dos aeroviários, já marcada para o dia 20, e a dos petroleiros, que, por enquanto, preferiram a mesa de negociação.

A paralisação dos carteiros também livrou a presidente Dilma do desgaste de medir forças com uma central aliada: se o dissídio do Banco do Brasil tivesse entrado antes no TST, certamente a postura do governo teria sido a mesma que a adotada em relação aos servidores dos Correios, apesar de a Confederação Nacional dos Bancários ser vinculada à CUT e, consequentemente, ao PT.

Na prática, os temores de Artur Henrique são infundados: não há como dizer que Dilma trata pior os trabalhadores que o ex-presidente Lula. Em oito meses de governo, Dilma Rousseff fez pelos trabalhadores talvez até mais que o antecessor. Foi em seu governo que o acordo para o aumento do salário mínimo se transformou efetivamente em lei. O mesmo ocorreu em relação à correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), nos mesmos parâmetros do salário mínimo.

A presidente que endureceu o jogo é a mesma que sancionou recentemente duas leis de grande alcance sindical: uma exige certidão negativa de débito trabalhista de toda empresa que prestar serviços ao governo; a outra amplia o aviso prévio do trabalhador demitido, que pode chegar a até 90 dias, dependendo dos anos trabalhados.

Lula sem dúvida tinha uma relação mais paternalista com os trabalhadores e até costumava hospedar sindicalistas na Granja do Torto. A relação de Dilma é mais distante, mas nem por isso menos efetiva em termos trabalhistas, até agora.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Cúpula do PSDB prestigia livro da Força

João Villaverde

Brasília - A recente aproximação da Força Sindical, a segunda maior central sindical do país, com líderes do PSDB, ganha hoje um novo capítulo. A Força lança um livro comemorativo aos 20 anos da central, em São Paulo, esperando a presença do governador do Estado, Geraldo Alckmin (PSDB), e do senador Aécio Neves (PSDB-MG), além do prefeito Gilberto Kassab (PSD). Mas está no livro o passo mais direto rumo a uma ligação entre Força e PSDB - o prefácio assinado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Recheado de críticas indiretas à Central Única dos Trabalhadores (CUT) e ao PT, o texto do ex-presidente tenta mostrar que a fundação da Força, em março de 1991, teve participação direta do PSDB. "Como senador da República", escreve FHC, "eu não somente testemunhava, naquele momento, o ato político de fundação, como também deixava clara minha participação ativa nas articulações". À época, o movimento sindical contava com apenas duas centrais: a CUT, ligada ao PT e das greves dos metalúrgicos no ABC paulista, e a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), que apoiava o então presidente Fernando Collor.

"O Brasil carecia de um movimento sindical moderno, interessado não apenas na gritaria e no discurso radical - para não dizer histérico -, mas também preocupado com conquistas reais na melhoria de vida dos trabalhadores", escreve FHC, numa clara crítica à CUT.

O líder tucano também dá uma estocada no rival, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que surgiu no cenário nacional como presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, entre 1978 e 1982, auge das greves nas montadoras da cidade. O "sindicalismo ideológico" que existia antes da Força, escreve FHC, adotava "posições políticas extremistas, provocando impasses grevistas que promoviam seus líderes, mas não ofereciam resultados concretos para a massa de assalariados".

Lula, que também assina um prefácio no livro, defende a estratégia adotada ao longo de seu segundo mandato, que resultou no apoio de cinco das seis centrais a Dilma - apenas a UGT ficou neutra. "A unidade das centrais foi fundamental para que o país avançasse tanto em tão pouco tempo (...) elas foram parceiras na implementação do novo modelo de desenvolvimento que levou o Brasil", escreve Lula. "De tudo isso a Força Sindical participou com entusiasmo e criatividade", afirma o ex-presidente.

"De início, tentou-se construir uma central sindical unificada", escreve Lula, em referência à CUT, fundada em 1983 por sindicalistas filiados ao PT. "Posteriormente, foram sendo plasmadas as seis centrais sindicais hoje existentes", escreve o líder petista.

A Força foi fundada por dirigentes ligados predominantemente ao PDT, que era presidido pelo então governador do Rio, Leonel Brizola. O primeiro presidente da central, Luiz Antônio de Medeiros (1991-1999), era aliado político de Fernando Collor de Mello, e apoiou os dois mandatos de FHC (1995-2002). No segundo mandato de FHC, Medeiros apoiou o governo no Congresso, como deputado federal pelo PFL (atual DEM). De 1999 para cá, a Força é presidida por Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, também deputado federal, mas pelo PDT de São Paulo.

Criticada até hoje como "central neoliberal" por líderes da CUT, a Força passou a defender desde 2007, de forma explícita, o governo do PT. Lula convidou Medeiros para ser secretário na Pasta do Trabalho, que também trocou de mãos - passou de Luiz Marinho, ex-dirigente da CUT, para Carlos Lupi, presidente nacional do PDT. Em 2008, Lula autorizou o repasse de 10% arrecadado com o imposto sindical às centrais. No passado, o apoio de Paulo Pereira à candidatura de Dilma Rousseff foi mais explícito que o da própria CUT.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Mônica Salmaso - Samba erudito

A centralização do escândalo:: José Serra

Novo escândalo envolvendo verbas federais, agora para o esporte. Quero chamar a atenção para um aspecto menos visível nesses reiterados casos de corrupção que diz respeito mesmo à organização do estado brasileiro – ou à sua desorganização. Reparem que o imbróglio envolve recursos federais alocados pelo próprio ministério para pequenos projetos locais, municipais ou inframunicipais.

Um programa como esse “Segundo Tempo” deveria, obviamente, ser de caráter municipal ou, no máximo, estadual. Bastaria o governo federal entregar os recursos para as outras esferas de governo e, naturalmente, estabelecer algum tipo de controle sobre sua aplicação. Poderia até fixar uma certa contrapartida dos estados e municípios – governadores e prefeitos aceitariam fazê-lo, com grande facilidade.

Isso não evitaria, por si, desvios e propinas, mas os dificultaria, sem dúvida, em razão de um cruzamento de controles feitos por esferas distintas. Haveria, ao menos, mais fiscalização e, estou certo, mais eficiência.

A descentralização saiu de moda no Brasil. Historicamente, a ela sempre tenderam a resistir os parlamentares federais, pois a centralização lhes permite atuar como facilitadores da liberação de recursos para programas que são do interesse da população. Mesmo os parlamentares sérios, que não estão em busca de propinas, acabam condescendendo com esse modelo.

Nos anos oitenta, surgiram forças políticas que fizeram da descentralização uma bandeira e uma prática, a exemplo de Franco Montoro e José Richa, quando governaram, respectivamente, São Paulo e Paraná e, depois, na Constituinte. Foi essa tradição que Fernando Henrique seguiu na Presidência da República. Nos bons tempos, essa chegou a ser uma bandeira do PSDB.

Mas a gestão federal petista fez tudo ao contrário: recentralizou ao máximo as ações apoiadas pelo governo federal, na ânsia de manipular e obter faturamento político-eleitoral. Mais ainda: a centralização facilita o loteamento da administração federal, pois fortalece, abre ou cria novas áreas de domínio para oferecer aos parceiros nas lambanças.

Ou por outra: o governo acaba se tornando uma central de corrupção.

José Serra, ex-prefeito, ex-governador de S.Paulo

FONTE: BLOG DO JOSÉ SERRA

Escolhas :: Aécio Neves

Há alguns dias, Marina Silva nos ofereceu texto que estimula a reflexão sobre a dinâmica imprevisível da política do nosso tempo, cheia de transformações e novas escolhas por parte dos cidadãos.

Está clara a busca coletiva por uma nova ordem que permita a superação de modelos que sobreviveram até aqui, entre eles os de políticos que se moldam, por conveniência, ao gosto do eleitorado, ou, mais pretensiosos, que tentam moldar o eleitorado à sua feição.

Para além da seara dos oportunistas e dos autocratas, há os que, como a ex-senadora acreana, enxergam pessoas onde outros só veem eleitores e buscam manter com elas relação leal, sem perder de vista seus próprios princípios.

O grande desafio da vida pública é este: não se deixar transformar num personagem condenado a seduzir a plateia. Não se deixar transformar numa caricatura de si mesmo.

Quando insisto em não me tornar prisioneiro das expectativas alheias, o faço por convicção. Acredito que não há nada mais valioso que um homem público possa oferecer que a transparente lealdade aos seus próprios princípios.

Às vezes, leio: "O Aécio devia fazer isso ou aquilo...". Ouço, reflito. Respeito toda opinião e aceito muitas das sugestões que recebo. Mas é com as minhas convicções que sigo em frente.

A representação política é uma vitrine. É compreensível que cada um transfira sua esperança para a figura de seu representante, assim como acabe se frustrando quando a mesma não se concretiza.

O desencanto tem semeado, aqui e ali, manifestações espontâneas, que vão das passeatas contra a corrupção até os levantes da Primavera Árabe, passando pelos "indignados" na Espanha e por eventos como o "Ocupe Wall Street" em Nova York.

Dizem que são manifestações sem bandeira. Penso diferente. As bandeiras são muitas e revelam as múltiplas faces do inconformismo. Como se uma bandeira tocasse a outra, uma inesperada energia começa a pulsar. Novos aprendizados nos esperam. Antigas lições de tolerância talvez possam ser melhor repartidas.

Sempre vi com reservas os que, na política, temem o diálogo, confundindo firmeza com agressividade. E os que se acreditam donos do tempo e das circunstâncias, quando sabemos que somos todos reféns deles. Marina terminou o seu artigo citando Fernando Pessoa. Revisito o mesmo autor, em dois trechos de um poema que fala de escolhas e princípios.

"Claro no pensar, e claro no sentir/ É claro no querer/ Indiferente ao que há em conseguir/ que seja só obter/ Dúplice dono, sem me dividir/ De dever e de ser ... Assim vivi, assim morri a vida/ Calmo sob mudos céus/ Fiel à palavra dada e à ideia tida. / Tudo mais é com Deus".

Aécio Neves, senador (PSDB-MG)

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

A terceirização do governo:: José Roberto de Toledo

Não é estranho que cada vez mais denúncias sobre desvios de recursos que têm derrubado - ou pelo menos desequilibrado - ministros digam respeito a convênios com entidades sem fins lucrativos. Esse tipo de transferência de dinheiro público para entidades privadas tem crescido mais do que os gastos públicos diretos. Supera até o ritmo de aumento das transferências para prefeituras e governos estaduais. É uma espécie de terceirização do governo.

Entre 2004 e 2010, as transferências federais para Organizações Não Governamentais (ONGs) cresceram 51% a mais do que as transferências para contas administradas por prefeitos e governadores. Foram R$ 1,9 bilhão para ONGs, em 2004, contra R$ 5,4 bilhões, em 2010, um crescimento de 180%. Também nos gastos diretos do governo federal o dinheiro repassado a ONGs cresceu mais do que para outros tipos de beneficiados.

E não é dinheiro de pinga. Nos últimos oito anos, entre transferências e gastos diretos, o poder federal colocou pouco mais de R$ 56 bilhões nas contas de ONGs. Isso daria para pagar tudo o que dezenas de milhões de beneficiários do programa Bolsa Família receberam nos últimos cinco anos, e ainda teria troco.

Apenas em 2010 - ano de eleição para o Congresso Nacional, para presidente e governadores -, as transferências federais para entidades sem fins lucrativos cresceram 40%, uma velocidade quase quatro vezes maior do que os repasses que Brasília fez para Estados e municípios.

Esse tipo de terceirização disfarçada do exercício das funções de governo tem sido uma saída encontrada por administradores públicos para dar mais agilidade à execução de projetos. Com menos amarras e sem a mesma sujeição às leis e decretos que regulam os gastos públicos diretos, as ONGs gastam mais rápido. Mas isso tem consequências.

Depois de transferido o recurso, o governo não tem controle direto sobre como ele será gasto, porque abre mão de fazer os ordenamentos de despesa. Os fornecedores são contratados pelas ONGs não por uma licitação oficial. Quem recebe o dinheiro tem a obrigação de prestar contas e apresentar notas fiscais. Porém os mecanismos de subcontratação - e fiscalização - são muito mais frouxos do que os dos gastos diretos.

Balaio. No balaio das ONGs que recebem dinheiro público tem de tudo. Há institutos de pesquisa conhecidos, como a Fundação Butantã - a campeã em transferências em 2010 -, com R$ 879 milhões (principalmente por causa da produção de vacinas contra a gripe). Estão ali também todos os partidos políticos beneficiados pelo fundo partidário: o PT recebeu R$ 28,3 milhões em 2010; o PMDB, R$ 27,5 milhões; e o PSDB, R$ 26,1 milhões.

Mas à medida que os valores vão diminuindo, os nomes das entidades sem fins lucrativos que recebem o dinheiro vão se tornando menos conhecidos. Multiplicam-se organizações beneficentes com nomes que evocam causas religiosas. Desde 2004, uma delas, chamada Fundação Bênçãos do Senhor, recebeu mais de R$ 300 milhões do governo federal para prestar todo tipo de serviços, de terceirização de mão de obra até atender população que recebe medicamento para tratamento de Aids.

Isso não quer dizer que o dinheiro público esteja sendo empregado de maneira mais ou menos eficiente ou honesta. Mas a maior distância dos órgãos de fiscalização e as facilidades de subcontratação favorecem o surgimento de intermediários. Eles podem não ganhar diretamente com isso, mas se forem políticos, por exemplo, podem ter ganhos indiretos pela aplicação de recursos originados da cobrança de impostos. É algo que não contraria necessariamente a lei, mas cria condições desiguais de concorrência entre candidatos a cargos eletivos. Quem "tem" uma ONG leva vantagem.

Só em 2010, cerca de 100 mil ONGs receberam dinheiro transferido pelo governo federal. No mínimo, é uma contradição em termos de que tantas entidades ditas não governamentais vivam de recursos públicos.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

O tempora o mores:: Ricardo Noblat

- Trata-se de uma homenagem à democracia - José Sarney - sobre o uso de um helicóptero oficial para visitar sua ilha

Acendeu o sinal amarelo para Orlando Silva, ministro dos Esportes, acusado por um militante do seu partido, o PC do B, de ter recebido dinheiro desviado de organizações não governamentais (ONGs). No último sábado, reunida com assessores, Dilma considerou "inconsistente" a denúncia contra Orlando e fez questão de se solidarizar com ele.

Dilma procedeu da mesma forma com os ex-ministros Antonio Palocci, da Casa Civil, Alfredo Nascimento, dos Transportes, Wagner Rossi, da Agricultura e Pedro Novais, do Turismo. Uma vez afagados, eles acabaram compelidos a pedir demissão sob a suspeita de enriquecimento ilícito e outros tipos de malfeitos.

Atenção, Orlando! De amarela, a cor da luz passará a vermelha se nos próximos dias José Sarney (PMDB-AP), presidente do Senado, sair em seu socorro - como saiu no caso dos outros. Ou se o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), uma das almas mais imaculadas da Câmara, ensaiar algum ato de desagravo a seu favor.

Alfredo Nascimento começou a cair quando a VEJA publicou reportagem sobre irregularidades detectadas no ministério dos Transportes. Anonimamente, empresários disseram à revista que pagavam comissões sobre contratos assinados com o ministério. E que o dinheiro engordava o Caixa 2 do PR, partido de Nascimento.

No dia em que VEJA circulou com a reportagem, Dilma ordenou o afastamento da cúpula do ministério. Só poupou Nascimento e o secretário-executivo, que o sucederia mais tarde. Nascimento pediu as contas quando o jornal O Globo descobriu que um dos seus filhos ficara rico em pouco tempo. Pouquíssimo tempo. Assim como Palocci.

No caso de Orlando, as fontes de informação da VEJA tem nome, CPF e endereço residencial conhecido. O policial militar João Dias Ferreira é uma delas. Fez parte do grupo de cinco pessoas presas no ano passado pela polícia de Brasília, acusadas de embolsar dinheiro do programa Segundo Tempo, do Ministério dos Esportes.

Militante do PC do B, Dias Ferreira revelou que ONGs pagavam ao partido até 20% do valor de convênios firmados com o ministério. Em oito anos, o partido pode ter lucrado algo como R$ 40 milhões. Uma vez, refugiado em seu carro dentro da garagem do ministério, Orlando chegou a receber em mãos dinheiro vivo. Que cena!

O portador da encomenda foi Célio Soares Pereira, 30 anos, funcionário de uma academia de ginástica de Dias Ferreira. "Recolhi o dinheiro com representantes de entidades aqui do Distrito Federal que recebiam verba do Segundo Tempo e entreguei ao ministro numa caixa de papelão. Eram maços de notas de 50 e 100 reais", confessou.

Se Nascimento saiu do governo sem que nenhuma pessoa se apresentasse para acusá-lo de nada, como Orlando Silva ficará depois de acusado por duas pessoas de roubar dinheiro público? Se elas não recuarem, Orlando será processado - ou no Supremo Tribunal Federal, caso permaneça como ministro, ou na Justiça comum.

E ai, Dilma? Boa parte de sua popularidade decorre da ideia de que você não tolera malfeitos. Não importa se isso é verdade ou não - importa que pegou. Funciona assim: Lula foi leniente com a corrupção. Você não é. Muita gente que não votou em você, agora seria capaz de fazê-lo. Em resumo: engana-me que eu gosto.

Aprendi a gostar com Lula, que, do mensalão, disse: "Isso me cheira a folclore", Disse sobre os que montaram um dossiê contra o PSDB: "Se um bando de aloprados resolve comprar um dossiê, é porque alguém vendeu," E debochou da quebra de sigilo fiscal da filha de José Serra: "Cadê esse tal de sigilo que não apareceu até agora?" Grande Lula!

Não vale, Dilma, perder seu sono por causa de Orlando. Nem dar pretexto para que as pessoas comecem a pensar: ora, por muito menos ela passou a vassoura em quatro ministros. O que detém seu braço? Tratou-se apenas de um lance marqueteiro? Em que estrela se escondeu a faxina ética? "O tempora o mores" (Oh tempos, oh costumes!)

FONTE: O GLOBO

Um ministro incrível:: Juca Kfouri

Como acreditar em Orlando Silva Jr. por mais inverossímil que pareça a nova denúncia?

Sim, é inacreditável que um ministro de Estado receba propinas na garagem do prédio de seu escritório oficial.

Mas também não era inverossímil que um ministro de Estado pagasse com cartão corporativo do governo federal uma singela compra de tapioca? Ou levasse às custas do Estado a mulher, o filho e a babá para um hotel no Rio?

É, o ministro com o nome do cantor das multidões é mesmo inimaginável, a ponto de, mesmo se dizendo comunista, pedir ajuda a Deus em seu apuro pois, segundo apelou em Guadalajara, "um bandido fala e eu que tenho que provar que não fiz, meu Deus?". Qual será o Deus de um ministro do PC do B? Enver Hoxha, o obscurantista que mandou na Albânia do fim da 2ª Guerra Mundial até morrer, em 1985? E quem poderia contar as sujeiras promovidas pelo Ministério do Esporte se não um ex-militante do PC do B, dono de ONG parceira? O Cardeal de Brasília? O presidente da OAB?

Não é de hoje que a imprensa e o TCU denunciam as falcatruas do programa Segundo Tempo, um dos principais instrumentos do aparelhamento do esporte nacional feito pelo partido do ministro.

A presunção de inocência é obrigatória. Mas para tudo há limites e o honorável Orlando Silva Jr., a exemplo de seu antecessor Agnelo Queiroz, parece ser do tipo que quer provar não haver limites para a insânia.

Nunca foi segredo que Dilma Rousseff preferia a ex-prefeita de Olinda, Luciana Santos, eleita deputada federal também do PC do B, para o cargo de Silva Jr., mas teve de ceder aos caprichos do partido que vê sua história de resistência à ditadura mais uma vez desonrada num momento em que, é verdade, não são poucos os apetites para abocanhar o ministério da Copa do Mundo e da Olimpíada no Brasil.

Mas eis aí uma chance de ouro para se livrar de um fardo que, além de pesar, mancha qualquer governo sério.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Política sem pressa:: Renato Janine Ribeiro

Um amigo foi a Manaus, este ano, para a temporada operística. No intervalo de "Tristão e Isolda", magnífica mas, como tudo em Wagner, longuíssima, comentou aos vizinhos de plateia, já cansados: "Wagner era um homem sem pressa..." Creio que o comentário se aplica muito bem ao nosso sistema eleitoral e parte do sistema político.

Um traço essencial do regime parlamentarista é que o Parlamento pode ser dissolvido. Como ele mesmo pode destituir o governo, a forma de garantir que aja responsavelmente é fazendo pairar, sobre sua cabeça, a possibilidade de ser dissolvido - pelo presidente da República ou, às vezes, pelo primeiro-ministro. Muito bem. Isso significa que, entre o dia em que sai o decreto de dissolução e as eleições, não transcorrem mais que 30 ou 60 dias.

Aqui no Brasil, talvez o único país do mundo que conta com um ramo inteiro do Judiciário especializado em eleições, dotado por sua vez de cartórios e funcionários que trabalham o tempo todo para promover pleitos que somente se realizam a cada dois anos, cada vez que se fala em promover uma consulta - como certos plebiscitos - responde-se que a Justiça Eleitoral demorará um ano ou dois para organizá-la. É incrível o abismo entre a rapidez dos países parlamentaristas e a lentidão do nosso órgão incumbido de reger as eleições. Nada justifica essa demora.

Eleição e posse são rápidas nos países avançados

Neles, as eleições se realizam sem maiores transtornos urbanos. Nos Estados Unidos, dão-se na "primeira terça-feira após a primeira quarta-feira de novembro" - num dia útil, em que todos trabalham. Mesmo assim, votam. Não há congestionamentos de trânsito perto das seções eleitorais. Não há carros parados em lugar proibido, ante a indiferença dos guardas de trânsito, que sabem que se multarem - como deveriam - farão o motorista irritado votar na oposição ao prefeito. Tudo é normal.

Há mais. Realiza-se a eleição parlamentar, e o partido no governo perde a maioria. O líder da oposição assumirá o governo. Na manhã da segunda-feira (eleições europeias são com frequência no domingo), um caminhão de mudança estaciona diante da residência oficial do agora ex-premier, e antes do meio-dia ele desocupa a casa. Isso, aliás, sempre me espantou - como consegue isso? Em segredo a mulher e os empregados já tinham encaixotado tudo? Ou, como é provável, depois voltam para retirar o principal?

Mas estas minhas dúvidas são detalhes. O fato é que, menos de 24 horas depois da eleição, já há um novo governante em função. E também um novo governo: 20 ou 30 ministérios (ou secretarias de Estado) mudam de mãos em questão de horas. No Brasil, é normal o governante eleito começar, só aí, a fechar a sua equipe. Demora meses negociando e escolhendo, ou escolhendo e negociando. Na França, Alemanha, Reino Unido, Espanha, tudo isso se faz em menos de um dia.

Estaremos acostumados a desperdiçar o tempo da política? É essa a questão. Verdade que também isso acontece nos Estados Unidos. Da eleição à posse, lá se passam dois meses e meio, em que também há um governo desautorizado e outro, aguardando para ligar as turbinas. Os norte-americanos até dispõem de uma expressão para designar o presidente e o Congresso em fim de mandato, depois de eleitos seus sucessores: "lame duck", literalmente, pato machucado, cujas asas estão feridas e já não lhe permitem voar. Eles aceitam 75 dias de inatividade. Nós toleramos 60, em caso de segundo turno, e 90, se a eleição for definida no primeiro.

Sempre foi assim, aqui. Antes de serem informatizadas as eleições, a apuração tardava dias. Na França dos anos 1970, acompanhei alguns pleitos. Fechavam-se as urnas ao escurecer, e os mesários apuravam os votos. Pelas 22 horas, já havia os resultados de cada seção eleitoral e, o mais tardar à meia-noite, sabia-se quem ganhara e quem perdera as eleições. Por isso, de manhã o primeiro-ministro deixava a casa que ocupara durante alguns anos. No Brasil, uma rapidez comparável somente se tornou possível com a informatização. Não precisávamos ter esperado tanto.

Porque, repito: será que acreditamos que o tempo da política não vale? Que pode ser jogado fora? Que não há urgências? Que podemos demorar à vontade para ter o resultado proclamado, o ministério constituído, o governo funcionando? Nada disso faz o menor sentido. Até porque, quando o governo toma posse, esperamos ainda que no seu primeiro ano de mandato esteja acertando os ponteiros. Isso vale inclusive quando a sucessão se dá no mesmo partido - veja-se como tratamos Dilma Rousseff: não faz nem um ano que assumiu, ainda tem de trocar ministros, fazer tudo andar direito... Esta condescendência com a lentidão na coisa pública não é, seguramente, um bom sinal.

Sei das dificuldades que há na política. Nos Estados Unidos e nas democracias com voto distrital, são poucos os partidos. No Brasil, o presidente eleito tem de negociar à exaustão com os vários partidos representados no Congresso. Mas, nos Estados e municípios, é bem mais fácil. E isso não explica a lentidão dos governadores e prefeitos, ou da Justiça Eleitoral - que, por exemplo, no quadriênio passado tardou dois anos para julgar as eleições do Maranhão e da Paraíba, ainda por cima, dando seus governos aos candidatos derrotados, em vez de convocar novo pleito. Acredito que, lá onde isso é viável, e em quase todas as esferas da política o é, faria bem nossa política ter um pouco mais de pressa.

Em tempo, até porque de tempo falamos: recomendo a temporada de óperas em Manaus. Wagner é ótimo, e há também os compositores mais velozes - Mozart, os italianos...

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

A maldição de Guadalajara:: Vinicius Mota

Foi-se o tempo em que Guadalajara, a cidade mexicana que abriga os Jogos Pan-Americanos, era sinônimo de sorte para os brasileiros. A sede da campanha vitoriosa da seleção tricampeã do mundo de futebol, em 1970, já mostrava sua face agourenta 16 anos depois.

Quartas de final contra a França, Copa de 1986, estádio Jalisco, pênalti para o Brasil no segundo tempo.

Zico desperdiça, e a partida fica no 1 a 1. Na disputa de penalidades, Sócrates fracassa, o zagueiro Julio Cesar bombardeia a trave, e o goleiro Carlos põe para dentro uma cobrança errada dos franceses.

Vinte e cinco anos adiante, a maldição não dá trégua. Nas primeiras horas do Pan, o nadador Cesar Cielo foi para o hospital.

Contundidas, Jaqueline (vôlei) e Jade Barbosa (ginástica) acabaram cortadas.

Outra baixa foi o ministro do Esporte, Orlando Silva (PC do B). Acusado de integrar um esquema de corrupção no Distrito Federal, Silva negou tudo, declarou-se prestigiado por Dilma Rousseff, mas bateu em retirada do México para dar explicações ao Planalto.

A legenda de Orlando Silva é uma curiosidade histórica. Na origem, renegou as críticas de Kruschev às atrocidades praticadas por Stalin na União Soviética. Folclorizou-se pela defesa do socialismo na Albânia, enquanto se organizava para viver do restolho deixado pelo PT.

Foi cuidar dos esportes, fez aliança com a velha cartolagem, patrocinou uma rede de ONGs que recebem dinheiro público em nome de algum objetivo nobre como a "inclusão social pelas atividades esportivas".

Com a realização da Copa e da Olimpíada no Brasil, o que era um setor de segundo plano tornou-se mina de ouro. Para a sorte ou para o azar de Orlando Silva e sua sigla?

A tarefa é grande demais para ser tocada no velho estilo sem produzir escândalos engolfando a gestão Rousseff. Haverá sempre um Ministério da Pesca para oferecer ao PC do B.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Aposta perigosa do governo Dilma:: Luiz Carlos Mendonça de Barros

A política econômica de um país não pode ser construída sobre cenários especulativos, principalmente em períodos de grandes incertezas como vivemos hoje. Essa é uma limitação conhecida por quem acompanha com algum método a gestão pública em uma democracia. No caso de países que têm uma economia aberta, esse risco fica ainda mais relevante. Nas economias fechadas, principalmente em um ambiente de governos pouco democráticos, os riscos associados a uma gestão baseada em cenários construídos sem o devido cuidado são, no curto e médio prazo, menores. Mas as consequências em prazos mais longos podem ser terríveis, como nos mostra o colapso da União Soviética no final do século passado. O caso do Brasil no período Geisel é outro bom exemplo das consequências de uma avaliação errada sobre o futuro.

Corremos agora o risco de ver repetido no Brasil de hoje algo parecido. Em um momento de grandes incertezas sobre a economia no mundo desenvolvido, o governo brasileiro assumiu que o pânico que tomou conta dos mercados nas últimas semanas é a prova de que estamos entrando em um período de depressão econômica. Em resposta a essa avaliação o governo mudou o rumo da política econômica e preparou-se para uma verdadeira guerra econômica entre nações. Centralizou o comando da economia no ministério da Fazenda, fazendo do ministro Mantega seu comandante supremo. A partir dessa decisão, medidas extraordinárias passaram a ser tomadas com a justificativa de que estamos sofrendo um ataque maciço sobre nosso mercado interno.

O governo criou um IOF nas operações de venda de dólares no mercado futuro, dando ao ministro da Fazenda, que comanda o Conselho Monetário Nacional (CMN), carta branca para aumentá-lo se achar necessário. Ao Banco Central foi dada a obrigação de zelar pela manutenção de um mínimo de crescimento econômico fixado pelo Palácio do Planalto, mesmo que isso custe a obrigação - que prevalece a mais de 15 anos - de sempre buscar o centro do sistema de metas no mais curto espaço de tempo. Além disso, decretou um aumento de 30% do IPI sobre os veículos automotores importados, cruzando de forma clara a fronteira do protecionismo e abrindo um flanco perigoso na Organização Mundial do Comércio (OMC)

São medidas muito fortes, que representam uma mudança radical do soft econômico construído nos anos FHC, e que o presidente Lula manteve praticamente inalterado em seus oito anos de governo. Mas, segundo o discurso oficial, elas eram necessárias em função da gravidade do momento e dos riscos que corremos por sermos uma das poucas ilhas de demanda em um mundo em recessão.

Quero explorar com o leitor do Valor a possibilidade de não termos a crise tão terrível como a que muitos esperam. Nesse caso, como fica nossa economia amarrada por medidas tão limitadoras das forças naturais de mercado? Para onde vai a inflação, se o vento gelado da deflação mundial não chegar até nós? De acordo com algumas manifestações de membros importantes do governo o Banco Central deveria agir muito rápido para chegar logo a 9% ao ano de juros, cortando 100 pontos em cada uma das próximas três reuniões do Copom.

Explico ao leitor porque não compro esse cenário oficial. Depois da decepção que os mercados tiveram na última reunião do FMI e que causou uma queda impressionante nos preços de todos os ativos com exceção do dólar e títulos do Tesouro americano - os governos europeus sinalizaram com ênfase que vão enfrentar os desafios na Europa. A acreditar no comportamento dos mercados nos últimos dias - vejam o quadro com a comparação de alguns preços mais recentes - desta vez as medidas anunciadas e as promessas juradas foram levadas a sério. Se nas próximas semanas as decisões prometidas forem efetivadas o cenário de ruptura financeira na Europa - condição central nas previsões do governo Dilma - não vai se realizar ou, pelo menos ficará adiado. Em outras palavras, a economia europeia pode vir a sofrer do fenômeno que se chama hoje de "japoneização", mas sem uma ruptura financeira.

Nesse cenário de baixíssimo crescimento e juros próximos de zero nos países do G-7, o mundo emergente pode se transformar no único espaço econômico com crescimento. Se isso ocorrer, os investimentos estrangeiros vão representar, a partir do ano de 2012, um estímulo adicional para essas economias.

E aí, como ficaremos aqui no Brasil? Com o juro real próximo a 3% ao ano e as pressões de demanda ainda muito fortes a inflação vai continuar pressionada. Os sindicatos vão continuar a demandar salários reais mais elevados, usando a escassez de mão de obra especializada em vários setores chaves da economia como sua principal arma de luta. Nesse ambiente, a âncora da política monetária estará amarrada e enfraquecida pelo compromisso com os juros baixos. E, sem ela, os custos crescentes na economia vão continuar a afetar os preços dos bens e serviços. Nesse caso, apenas a valorização do câmbio pode moderar a inflação média, como ocorreu até recentemente. Mas a desvalorização do real para ajudar a indústria é outro compromisso com o governo e que precisaria ser alterado para ter alguma influência na inflação.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Reforma política :: Paulo Brossard

De quando em quando, ouve-se falar em uma reforma qualquer, em geral bem falada, mas passa sem deixar lembranças. Ultimamente, a reforma da moda era a "política". Quase sempre jornalistas indagaram minha opinião a respeito e foi uniforme a resposta: não posso falar sobre o que não conheço e nada foi esclarecido acerca dessa relevante questão. Salvo engano, são quase 30 os nossos partidos e confesso ignorar o que eles pensam acerca do problema. Geralmente, o mais que se dizia era apenas desfavorável aos "políticos", globalmente estigmatizados. O hábito é antigo, mas é de ser notado que ele tem se acentuado, dada a sucessão de episódios inéditos destoantes dos padrões consagrados. De qualquer sorte, isto não altera o problema, pois muito importaria saber o que pensam os partidos, seus dirigentes ou líderes; e o tema parece guardado como segredo. No entanto, por vezes uma novidade, o voto secreto passa a ser apontado como excrescência arcaica, e não faltaram jornais da maior e melhor tradição que endossaram esse entendimento e logo ficou assentado que sua eliminação deveria constar da reforma política... Contudo, há casos em que a secrecidade contribui para obter resultados melhores, como no tocante à apreciação de veto, a confirmação parlamentar da escolha de altos servidores do Estado ou quanto à disciplina interna envolvendo parlamentares. Dir-se-á que pode haver abuso de poder e sempre pode, mas me recordo da ponderação de John Norton Pomeroy em seu grande livro sobre a Constituição americana, que mais de cem anos não o envelheceu, "o possível abuso do poder não é objeção idônea contra a existência do poder".

Ora, a maioria das proposições relativas a essa área apresentam aspectos positivos e negativos; é o que se pode dizer do voto secreto nas votações parlamentares. A experiência secular dos parlamentos consagra hipóteses em que o voto é secreto, para melhor atingir sua finalidade. Saliente-se que seu número é reduzido. Entre nós, desde a Constituição de 1824, foram mencionados os casos em que a votação seria secreta e assim, sem solução de continuidade, e até hoje, nesse longo período, jamais se viu movimento de opinião no sentido da supressão dessa modalidade. Com efeito, há situações em que a experiência aconselha a secrecidade do voto.

É claro que a lei pode muito, mas não pode tudo. E, ao parlamentar que não tiver consciência da dignidade da função de que está investido, serão vãs as mais insignes garantias. O mesmo se pode dizer do juiz, do mais modesto ao mais eminente, a lei lhe confere os broquéis mais refinados, a vitaliciedade, a inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos, mas, se ele não tiver no fundo da sua alma a consciência da eminência da sua função social, e se não harmonizar a humildade com a nobreza, a simplicidade com a energia, a modéstia com a firmeza no exercício de seus deveres, a equidade com o respeito às leis, de pouco valerão as solenes garantias que lhe são concedidas. Faz mais de século que Rui Barbosa escreveu "não há tribunais que bastem para abrigar o direito, quando a noção do dever se ausenta da consciência dos magistrados".

É claro que não se pode reduzir a uma só causa um fato de dimensão nacional, mas se pode asseverar que há fatos que, por sua duração, extensão e profundidade, deixaram como não podiam deixar, de marcar a sociedade, não sei por quanto tempo. Mas bastaria a ignomínia do AI-5 para profanar um frade de pedra. Cada vez me convenço mais de que ao que vem acontecendo, não é estranho o que ocorreu então, e seus malefícios tendem a ser duradouros, a menos que a repugnância à corrupção promova o milagre de esvurmar o organismo nacional desse flagelo.

*Jurista, ministro aposentado do STF

FONTE: ZERO HORA (RS)

Turquia versus Brics :: Rubens Ricupero

Após revoltas árabes, Brasil troca risco da parceria com a Turquia pelo conforto do alinhamento aos Brics

O recrudescimento da crise financeira e a Primavera Árabe são as principais mudanças do quadro externo desde a posse do governo Dilma. A primeira é vital e ameaça o crescimento nos três primeiros anos do mandato.

Ao reagir adotando política intervencionista em juros, câmbio e comércio, Dilma muda as condições de inserção do Brasil no mundo de forma mais decisiva do que qualquer ação diplomática estrita.

A outra mudança, a árabe, não tem para nós a mesma importância. Essa é a explicação da troca do risco da parceria com a Turquia pelo conforto do alinhamento aos Brics.

No final do governo, Lula tinha escolhido como cenário de projeção o Oriente Médio, entrando pesado num ambiente onde os anjos têm até medo de encostar o pé. Foi chamuscado no acordo sobre o urânio do Irã que tentou mediar com a Turquia.
Escaldado, o governo Dilma vem revelando invariável atração pela abstenção nos dilemas da Líbia e Síria. É aí que se vê melhor o contraste com nossa antiga parceira.

A diplomacia turca, conduzida pelo audacioso ministro Davutoglu, apostou tudo na Primavera Árabe. O primeiro ministro Erdogan aplica sanções à Síria, desembarca no Cairo e Trípoli, propõe o modelo turco de democracia e Estado secular.

Os turcos têm razões de sobra para isso. Esnobados pela Europa, machucados por Israel na morte de nove cidadãos na frota de Gaza, desiludidos da liderança americana, fingem dar as costas ao Ocidente e voltar às paragens onde reinou por séculos o império otomano. Não têm o que perder. Se os árabes adotam o modelo turco, aumentam o prestígio.

Se a primavera desembocar em instabilidade e perigo islamista, cresce a imprescindibilidade da Turquia graças à sua privilegiada situação geoestratégica de ponte entre Europa, Ásia, África e condição de único membro muçulmano da Aliança Atlântica desde 1952. Não partilhando de nenhum desses motivos e vantagens, faz bem o Brasil em não exagerar no ativismo.

O problema não é a abstenção, mas seus motivos. China e Rússia são autocracias vulneráveis em direitos humanos e suspeitam que mudanças na Líbia e Síria apenas favoreçam os EUA e aliados.

Apesar de democracia, a Índia tem incontáveis problemas na Caxemira, rebeliões e tensões religiosas. Quais seriam as razões brasileiras? Não deve ser o cálculo de que nossos fracos interesses e meios de ação na região aconselham a abstenção. Era assim que agíamos no Conselho da Liga das Nações onde a abstenção sistemática nas questões das minorias tornou o Brasil prescindível, desmoralizando a candidatura a um posto permanente.

Se o motivo é a interpretação restritiva do princípio da não ingerência, temos de explicar como nos situamos ante o parágrafo 139 da Declaração de Chefes de Estado na ONU em 2005.

Nesse documento, os governos reconheceram o dever, não o direito, de proteger as populações contra suas próprias autoridades em casos de genocídio, crimes de guerra, contra a humanidade e limpeza étnica.

Repudiamos a declaração que assinamos? Ou temos motivos para sustentar que ela não se aplica aos casos atuais? Ser ou não ser? Falta explicar com clareza nossas hamléticas vacilações.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Duro de matar

Apesar da crise, economistas dizem que capitalismo não morre, mas prescrevem mudanças

Liana Melo e Fabiana Ribeiro

Dita há mais de cem anos, em 1897, a célebre frase do escritor americano Mark Twain parece resumir, em meio à atual crise, as discussões sobre o possível fim do capitalismo. Ao ser informado de que estava morto, Twain ironizou à época: "Os boatos sobre minha morte são exagerados". Ele morreu em 1910, 62 anos depois que Karl Marx assinou "O manifesto comunista", no qual analisou o capitalismo e concluiu que as contradições do próprio sistema é que levariam a sua derrocada. Mas faltou dizer quando. Segundo economistas ouvidos pelo GLOBO, a turbulência global, a desestabilização de países centrais e a incapacidade dos governos de resolver o problema seriam sinais apenas de mais uma das muitas crises cíclicas, típicas do capitalismo. Acreditam, no entanto, que o modelo terá que se modificar, se adaptar, para seguir em frente.

- Ora, o capitalismo nunca esteve tão forte. Praticamente todos os países praticam hoje a economia de mercado - pondera o ex-presidente do Banco Central e diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas (FGV), Carlos Langoni, negando, peremptoriamente, que o capitalismo esteja correndo qualquer risco. - Não é o sistema que está errado. A crise é obra dos homens que lançaram mão de políticas macroeconômicas inconsistentes e irresponsáveis.

A saída é rerregular, diz economista

O uso incorreto de uma política de juros baixos por um longo período foi, segundo Langoni, um erro crasso e, o pior, determinante para a bolha imobiliária nos Estados Unidos. A crise, que estourou em 2008, se prolonga até hoje e, o mais grave, desestruturou o sistema financeiro a nível mundial:

- Juros baixos deveriam ser usados apenas em períodos de recessão e não como uma prática de política monetária. A crise atual é de gestão.

Aos ouvidos de um marxista, as análises de Langoni soam incongruentes, ainda que haja um consenso de que a frase de Twain é adequada para o momento.

- É prematuro anunciar a morte do capitalismo. Ele não será superado por nenhuma crise econômica, só por uma crise política. E os protestos de rua dos jovens que não têm emprego ou só encontram postos de trabalho precário não têm força para abalar Wall Street. Mas se é verdade que o capitalismo ainda tem fôlego, o modelo parece estar confrontado com seus próprios limites - alfineta o cientista político e diretor do Centro de Estudos Marxistas da Unicamp (Cemarx), Armando Boito Júnior, ironizando que, a partir dos anos 80, passou-se a defender a privatização, a desregulamentação do mercado de trabalho e das finanças e a abertura das economias nacionais em troca do "crescimento sustentado e da estabilidade econômica".

Quando as coisas vão mal, é normal que autores antigos, e mesmo renegados, venham a ser revisitados. Até o megainvestidor George Soros, dono de uma fortuna avaliada em US$22 bilhões, andou admitindo recentemente ter lido Marx e que "há muitas coisas interessantes no que ele diz".

- O capitalismo é muito resistente, até pela falta de alternativas. O século XX conheceu experiências de economias não-capitalistas que foram desastrosas do ponto de vista da economia e que, aparentemente, tinham de se apoiar no totalitarismo político. O restante foram economias capitalistas, mais civilizadas, como as nórdicas; ou mais selvagens, como a americana pós-Reagan ou a inglesa pós-Thatcher. O euro foi uma construção problemática, mas a crise europeia é um desdobramento da crise de 2008 nos EUA - analisa Fernando Cardim, do Instituto de Economia da UFRJ. - A saída? Rerregular, como reconheceu a comunidade internacional nos primeiros anos da crise. Um dos problemas é a extrema mediocridade das lideranças políticas de países como EUA, Alemanha e França, todos eles incapazes de liderar um processo adequado de mudança. É menos o capitalismo que está ameaçado e mais a democracia política.

"Não é a última crise capitalista"

A crise não é trivial. O desemprego afeta, segundo a Organização Internacional do Trabalho, de 200 milhões de pessoas, o maior nível desde o ápice da crise de 2008. O movimento Ocupem Wall Street já atinge mais de mil cidades pelo mundo. Na Espanha, um quinto da população está sem emprego. E os países emergentes começam a dar sinais de contágio. A China anunciou, na última semana, uma redução de seu superávit comercial pelo segundo mês consecutivo. E o Brasil? O ministro da Fazenda, Guido Mantega, já admitiu que a crise pode atingir os emergentes.

- O sistema se revelou mais capaz de sobreviver que de naufragar. Nem a crise de 1929 teve força para destruí-lo. O capitalismo se adapta aos discursos. Como o da ecologia, que o levou a absorver o conceito contra o desperdício - lembra o ex-presidente do BNDES Carlos Lessa. - O que se nota, com essas crises, com esses movimentos, é um anúncio de virada do capitalismo, não a virada. Esta não é a última crise do capitalismo. Mas dizer o que vai acontecer? Não dá. Apenas os poetas têm condições de responder a essa pergunta.

FONTE O GLOBO

O que esperar da Rio+20 :: José Goldemberg

O Rio de Janeiro vai sediar, no início de junho de 2012, uma conferência internacional da Organização das Nações Unidas (ONU) para marcar o 20.º aniversário da Rio-92. Duas décadas se passaram desde essa conferência sobre meio ambiente e desenvolvimento, que é considerada a mais importante realizada até hoje sobre o tema e à qual compareceram mais de cem chefes de Estado e de governo.

A Rio-92 ocorreu num momento em que o movimento ambientalista mundial estava em ascensão, o que favoreceu os resultados alcançados, os mais importantes dos quais foram a Convenção do Clima e a Convenção da Biodiversidade. Outros resultados foram a Declaração de Princípios sobre Florestas, a Declaração do Rio de Janeiro e a Agenda 21, os quais, apesar de meramente retóricos, fizeram avançar a agenda ambiental em muitos países.

A Convenção do Clima foi ratificada e seguida pela adoção do Protocolo de Kyoto, em 1997, que deu "dentes à convenção", fixando reduções mandatórias de emissões de gases que provocam o aquecimento da Terra, mas apenas para os países industrializados, a serem atingidas até 2012. Os países em desenvolvimento foram isentos dessas reduções, considerando que suas emissões eram pequenas e seu desenvolvimento exigiria mais energia e mais emissões.

Na convenção e no protocolo os países foram divididos em duas categorias: cerca de 30 industrializados com obrigações a cumprir (países do Anexo I) e os demais 150, em desenvolvimento, isentos dessas obrigações. Os EUA, por essa razão, não ratificaram o Protocolo de Kyoto, o que reduziu muito a sua eficácia e encontra agora sérias dificuldades. Vários países que são parte do protocolo (Japão, França Rússia e Canadá) já expressaram a intenção de abandoná-lo, o que deixaria isolada a União Europeia, que representa apenas 13% das emissões.

A própria ONU, ao convocar a Rio+20, limitou seu escopo: ela terá apenas três dias de duração (de 4 a 6 de junho) e tratará de desenvolvimento com ênfase em três temas: combate à pobreza, economia verde e governança ambiental. A Rio-92 teve duração de 15 dias, o que deu tempo para uma ampla mobilização das organizações sociais e até para os negociadores dos países que vieram ao Rio de Janeiro.

Antes da Rio+20 vai se realizar em Durban, na África do Sul, em dezembro, a 17.ª Conferência das Partes da Convenção do Clima (COP 17), na qual essa discussão poderia avançar. Em preparação a ela houve uma reunião dos ministros do Meio Ambiente dos países do Basic (Brasil, África do Sul, Índia e China), realizada em Minas Gerais em 26 e 27 de agosto, que se limitou a repetir velhos chavões que esses países adotam desde 1992 e são os seguintes: 1) Os países industrializados emitem gases de efeito estufa desde o século 19 e agora querem impedir que os países em desenvolvimento se desenvolvam. Em outras palavras, têm a "responsabilidade histórica" pelas emissões e de resolver o problema. 2) As emissões per capita dos países em desenvolvimento são muito menores que as emissões per capita dos países industrializados.

Além disso, concordaram em reivindicar que os países industrializados reduzam suas emissões (reforçando o Protocolo de Kyoto) e paguem aos países em desenvolvimento - que são isentos da obrigação de reduzi-las - para que se adaptem às mudanças climáticas. Ora, são passados 20 anos desde 1992. Hoje a China é o maior emissor de gases de efeito estufa do mundo e os países em desenvolvimento já são responsáveis por mais da metade delas. Dentro de dez anos provavelmente as emissões desse grupo atingirão 70% do total, invertendo a situação que existia duas décadas atrás.

A impressão que se tem, lendo o comunicado final da reunião de ministros, é que eles não se deram conta ainda de que a Conferência de Copenhague (COP 15) mudou a "arquitetura" de implementação da Convenção do Clima e abriu caminho para o abandono de compromissos multilaterais e a adoção de metas nacionais sérias.

Para persuadir os países industrializados a fazer mais, isto é, reforçar e estender o Protocolo de Kyoto, os países do Basic precisariam também fazer mais do que fazem hoje. E a forma de fazê-lo é iniciar uma negociação séria com os atuais signatários do protocolo para sua inclusão na lista dos países industrializados que aceitam metas quantitativas mandatórias, ou seja, adotar um processo de "graduação". No Protocolo de Kyoto, China, Índia, Brasil e África do Sul são tratados exatamente como países pequenos da África e da Ásia que contribuem muito pouco para as emissões.

Não é realista insistir na manutenção dessa ilusão. Países do Basic fazem parte do chamado Grupo dos 77, extremamente heterogêneo, que abrange desde nações muito pobres até produtoras de petróleo. A ação conjunta desse grupo pode funcionar para fins políticos, como aumento da assistência econômica aos países mais carentes, ajuda humanitária, combate ao colonialismo e outros, mas não o de contribuir para um futuro sustentável do ponto de vista ambiental.

Em particular no caso do Brasil, não é sem tempo que o Itamaraty decida como e onde quer ficar. Por um lado, o País aspira a ser um dos "grandes" no cenário mundial e conseguir um lugar de membro permanente do Conselho Segurança da ONU, com as responsabilidades que isso implica. Por outro, alinha-se a países que não têm realmente como enfrentar o problema das mudanças climáticas e são dependentes de doações dos países ricos para tal. Esse é, no fundo, um comportamento bipolar e que na prática só favoreceu até agora a China, que, protegida pelo Protocolo de Kyoto, se tornou o maior emissor mundial.

Sem novas propostas criativas a Conferência do Clima de Durban no fim do ano vai fracassar, comprometendo o sucesso da Rio+20 em 2012, que poderá transformar-se apenas num palco para declarações retóricas.

*Professor da USP

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO