domingo, 13 de abril de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Tarifas são resposta errada a dilemas americanos

O Globo

A partir da constatação real de desequilíbrio na relação com a China, Trump tira conclusões absurdas

Desde o início do mês, Donald Trump fez o que pôde para implodir o regime global de transações comerciais. Levou pavor às Bolsas de Valores — trilhões de dólares viraram pó. Pôs em risco a estabilidade do sistema financeiro com a corrida inédita no mercado de títulos da dívida americana. E minou a confiança no governo mais poderoso do planeta — seu próprio governo. Por quê? Eis uma questão que intriga analistas. Os argumentos apresentados para justificar a escalada tarifária são negados pela ciência econômica e pelos fatos. As premissas de Trump são falsas, e seus objetivos não passam de miragem.

É certo que ele parte de uma constatação real: os Estados Unidos registraram déficit no comércio de produtos e serviços em quase todos os trimestres desde 1976 (a única exceção foi o primeiro trimestre de 1992). Desde 2008, o resultado negativo tem ficado em 3,1% do PIB. Mas a realidade acaba aí. A partir dessa constatação, Trump tira conclusões fantasiosas ou absurdas. Para ele, déficit é sinônimo de perda ou, pior, roubo. Nessa visão deturpada, se uma empresa de Boston compra uma máquina do Japão, isso significa que os japoneses espoliam os americanos. Trump esquece que, caso essa máquina seja melhor, a empresa de Boston será mais produtiva, e a economia americana ganhará. Foi assim que a Coreia do Sul se industrializou tão rápido: importando máquinas e registrando repetidos déficits comerciais.

Sem anistia - Merval Pereira

O Globo

A abrangência do projeto de anistia é tão ampla que atinge fatos antecedentes e subsequentes ao que chamam de “manifestações com conotação política ou eleitoral” entre os dias 8 de janeiro de 2023 e a entrada em vigor da lei

É impossível qualquer tipo de negociação em torno do projeto de lei de anistia apresentado pelo PL, simplesmente porque ele não prevê punição para ninguém, inclusive para os organizadores e financiadores da tentativa de sublevação ocorrida em 8/1/23 em Brasília. E não prevê porque o objetivo único da lei é salvar Bolsonaro da guilhotina política, permitindo que ele concorra à eleição presidencial do ano que vem. Não há referência a alteração de penas dos já condenados, mesmo porque parece um abuso de poder político a atribuição ao Congresso de anistiar, tanto na parte criminal quanto na civil, os envolvidos nos atentados.

O projeto de lei, da maneira que está apresentado, comete uma série de inconstitucionalidades que certamente serão questionadas no Supremo Tribunal Federal (STF), a começar pela determinação de que o Judiciário será acusado de abuso de poder se não aceitar as decisões do Congresso, o que transforma os ministros do Supremo em reféns de um golpe legislativo. A abrangência da anistia é tão ampla que atinge fatos antecedentes e subsequentes ao que chamam de “manifestações com conotação política ou eleitoral” entre os dias 8 de janeiro de 2023 e a entrada em vigor da lei.

Sorry, periferia - Bernardo Mello Franco

O Globo

O juiz Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield assinou milhares de sentenças, mas nunca existiu. Era invenção de José Eduardo Franco dos Reis, que nasceu no interior paulista, falsificou os documentos e mentiu a identidade por mais de 40 anos.

A história do magistrado caipira que queria ser lorde inglês impressiona, mas não chega a ser original. Antes de sua mãe dar à luz na pequena Águas da Prata, os cariocas já haviam sido apresentados a Jeff Thomas, o mais fleumático dos colunistas nativos.

Britânico de Paraú, no interior do Rio Grande do Norte, Francisco de Assis Veras diz ter sido vítima de um “acidente geográfico”. “Deveria ter nascido em London, mas a cegonha errou e me deixou lá”, explica.

Procriação seletiva – Dorrit Harazim

O Globo

Organizadores e participantes de evento no Texas convergem para promover, senão a eugenia, algo muito próximo dela

A cidade de Austin, capital do Texas, é um oásis liberal fincado num estado sulista majoritariamente conservador. Sua respeitada universidade também — dois terços dos 52 mil alunos que ali estudam se declaram liberais, e apenas 10% conservadores. Mesmo sem dados específicos sobre o corpo docente da bicentenária instituição, pode-se supor que os mais de 3,2 mil professores de suas 19 faculdades também espelham esse perfil arejado. Daí a estranheza com a realização, num dos 50 prédios do espaçoso campus, de um simpósio bastante exógeno ao saber acadêmico.

Pindorama, uma aula sobre o Brasil - Elio Gaspari

O Globo

Está na rede o documentário “Pindorama: Uma História do Brasil Ancestral” dirigido pelo jornalista Marcos Rogatto e produzido por Patrícia Ogando. Com 43 entrevistas de arqueólogos e paleontólogos, bem como visitas a dezenas de sítios históricos e museus, ele conta a vida de Pindorama há milhões de anos. Dura 98 minutos e traz belas lições.

A primeira expõe patrocínios culturais bem direcionados pela prefeitura de Campinas e pelo Ministério da Cultura. Com a segunda, valoriza gerações de cientistas e leva os curiosos da cultura dos povos que viviam nesta terra há uns 18 mil anos. O fóssil de Luzia, achado em Lagoa Santa (MG), tem 11,5 mil anos.

PL da Anistia autoriza golpe - Míriam Leitão

O Globo

Os projetos de anistia usam pretexto de salvar manifestantes, mas são para proteger e livrar líderes do golpe, os generais e Bolsonaro

As máscaras caem nos textos das propostas de anistia que tramitam no Congresso. Os projetos, uns apensados a outros, usam o pretexto de salvar as pessoas que quebraram as sedes dos Três Poderes, para anistiar todos os autores intelectuais e financiadores do golpe de Estado. O projeto, na versão de setembro de 2024, também ameaça a Justiça. A investigação, o ato de oferecer ou receber denúncia e a persecução penal contra esses “manifestantes" serão considerados “abuso de autoridade”. É um golpe do Legislativo contra o Judiciário e abre as portas para golpes de Estado futuros.

Só para os ‘inocentes úteis’? - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Boa pergunta: se fosse na sua casa, você pediria anistia para o 8 de janeiro? E no seu País?

Pergunta sugerida por um dos 11 ministros do Supremo para quem é a favor da anistia aos criminosos do 8 de Janeiro, principalmente, a deputados e senadores: “Se invadissem a sua casa, jogassem rojões, paus e barras em seus funcionários, destruíssem seus móveis e quisessem que o vizinho tomasse o poder e passasse a comandar sua família e sua residência… você pediria anistia?”

Protecionismo de Trump tem raízes no passado dos EUA - Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Conselheiro de Lincoln, Carey via a política de livre-comércio como uma forma de dominação econômica britânica, mais ou menos como Trump faz agora com a China

Henry Charles Carey foi um economista do século 19, conhecido por ser o principal teórico econômico do protetorado industrial dos Estados Unidos. Sua defesa do protecionismo se contrapunha às ideias do “laissez faire” (livre-comércio) britânico representado por David Ricardo e Adam Smith. Quem me chamou atenção para a importância desse economista na história dos Estados Unidos foi meu velho camarada Gilvan Cavalcanti de Melo, editor do site Democracia política e novo reformismo.

Dele recebi duas páginas instigantes do livro Grundisse (Boi Tempo), os manuscritos de Karl Marx (1818-1883) intitulados “Grundrisse der Kritik der politischen Ökonomie” (Elementos fundamentais para a crítica da economia política), no qual o autor de “O Capital” destaca a originalidade das ideias de Carey àquela altura da expansão capitalista pelo mundo. Um dos manuscritos é “Formações econômicas pré-capitalistas”, que contraria o determinismo histórico stalinista. Esses textos somente foram publicados em 1941.

Faltam quase 200 semanas: é assustador - Pedro Malan

O Estado de S. Paulo

O futuro tornou-se muito mais incerto e perigoso com a chegada de Donald Trump ao poder

Este é mais um artigo neste espaço com a palavra assustador no título. As primeiras 12 semanas do governo Trump – e as quase duas centenas de semanas adicionais que o mundo e o Brasil têm pela frente – justificam a retomada da série. O futuro tornou-se muito mais incerto e perigoso com a chegada de Trump ao poder – como mostraram suas primeiras semanas no cargo.

Um dos artigos da série É assustador citava Adam Przeworski: “Não acredito que a sobrevivência da democracia esteja em jogo na maioria dos países, mas não vejo nada que possa acabar com o nosso descontentamento atual. (...) A crise não é apenas política; tem raízes profundas na economia e na sociedade. É o que me parece mais assustador”.

Outro artigo da série mencionava Amos Tversky: “É assustador imaginar que não sabemos algo, mas mais assustador ainda é imaginar que, em geral, o mundo é dirigido por pessoas que acreditam saber exatamente o que está acontecendo”. Notei que a frase deveria ser estendida para incluir as pessoas que acreditam saber também exatamente o que fazer; e dedicam-se a convencer os demais a acreditar nisso – como forma de chegar ao poder, nele continuar ou a ele voltar.

Trump, ordem global e Brasília - Rolf Kuntz

O Estado de S. Paulo

Qualquer projeção se torna especialmente insegura no ambiente de incerteza imposto por Trump, mas a expectativa de negociações parece justificar, por enquanto, um moderado otimismo

Passados mais de 40 anos do desastre econômico do final dos anos 70 e início dos 80, o Brasil enfrenta mais um desarranjo global nos mercados de câmbio, com novas incertezas no comércio internacional. Agora, como naquele tempo, Washington é o centro e a origem da turbulência, mas com importante diferença política. Desta vez, o abalo foi imposto como demonstração de poder pelo presidente americano, Donald Trump, numa violação das normas internacionais de comércio e de padrões de convivência econômica. Tarifas comerciais irregulares foram impostas a países de todos os continentes, em alguns casos com revisão e ampliação dos novos valores, como se o presidente dos Estados Unidos estivesse acima de todas as limitações e pudesse agir como imperador absoluto do mundo.

Com Trump, o medo é grande de novo - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Depois de suspender tarifas, EUA liberam importação de eletrônicos e máquinas até da China

O preço do iPhone e um começo de fuga bananeira de capitais e do dólar fizeram Donald Trump fugir da própria raia duas vezes na semana que passou.

Na quarta-feira (9), suspendeu impostos de importação mais economicidas. Na virada de sexta para sábado, por meio de nota burocrática da Alfândega, liberou importações de produtos e de peças e máquinas essenciais para a produção de eletrônicos, mesmo vindos da China.

Até Trump pisca de nervoso. Mas pode dizer que deu um oizinho amigo para a China, bastante para a abertura de negociações —pelo menos foi um oizinho para as "techs" que lhe dão dinheiro.

Acordão: uma proposta indecorosa a Lula - Catia Seabra

Folha de S. Paulo

A sugestão é que o presidente se sente à mesa pela anistia de quem planejou seu assassinato

O presidente Lula (PT) tem sido instado pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), a intermediar um acordo para redução de pena dos vândalos que depredaram as sedes dos três Poderes em 8/1 de 2023.

Ainda que sejam boas as intenções, a proposta beira o indecoroso. É sugerir que se sente à mesa pela anistia de quem planejou seu assassinato, pôs fogo em carros nas ruas de Brasília e pilhou o Palácio do Planalto.

Sem falar no alto risco de fracasso. Lula está preocupado com o acirramento dos ânimos e aberto ao diálogo, mas hesitante quanto à eficácia dessa articulação, relatam aliados.

É o estúpido, estúpido! - Celso Rocha de Barros

Folha de S. Paulo

No bingo da semana passada, ganhou quem tinha 'Trump vai se render e declarar vitória'

No bingo da semana passada, ganhou quem tinha "Trump vai se render e declarar vitória" na cartela. Na quarta-feira, Trump suspendeu por 90 dias as tarifas maiores que 10% e aumentou as da China.

A Casa Branca está tentando vender a versão de que o plano sempre foi esse. Ninguém acreditou, e Trump tem mesmo que torcer para que as autoridades americanas não acreditem.

Afinal, horas antes de suspender as tarifas, Donald postou "ótima hora para comprar ações" em suas redes sociais. Se na hora da postagem ele já sabia que suspenderia as tarifas – e faria a Bolsa disparar – ele cometeu uma fraude financeira gravíssima.

O caso de ver para não crer - Muniz Sodré

Folha de S. Paulo

Disso a vida pública brasileira passou a dar exemplos alarmantes para o senso comum, como a tentativa de golpe

Sempre se achou que é preciso ver para crer. Mas Engels, o brilhante parceiro de Marx, ponderava que em ciência a visão como prova definitiva é apenas uma suposição do empirismo radical, pois relações abstratas como na geometria ou na matemática são formalmente comprobatórias. Na vida prática, a tendência, exceto na vida religiosa, é acreditar no que se vê, porque o predomínio das noções comuns impõe ideias adequadas à realidade imediata.

E quando se vê e não crê? Disso a vida pública brasileira passou a dar exemplos alarmantes para o senso comum. É o fato da tentativa de golpe de Estado, motivo para que pela primeira vez na história do país um ex-presidente da República, militares e ex-militares da mais alta patente tenham sido indiciados como réus pelo Supremo Tribunal Federal.

Pensador nazista ajuda a entender Trump - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Livro mostra como ideias do filósofo e jurista alemão Carl Schmitt podem ser apropriadas pelo trumpismo

O Trump 2.0 vem em versão bem mais autoritária do que a de sua primeira passagem pela Casa Branca. Um nome que me ocorreu ao notar a diferença de voltagem foi o do filósofo e jurista alemão Carl Schmitt, mas não havia topado com nenhum artigo ligando os dois personagens nos órgãos de imprensa estrangeiros que acompanho.

Resolvi dar um Google para sanar eventual cochilo e encontrei um livro inteiro dedicado ao assunto. Trata-se de "Trumpism, Carl Schmitt, and the Threat of Anti-Liberalism in the United States", de Roberta Adams.

A privação abre as portas para o mundo - Vinicius Mota

Folha de S. Paulo

Viver em grande déficit de cooperação é típico das sociedades modernas

Uma cirurgiã torácica vive em déficit de quase tudo, inclusive de operações no tórax, pois não consegue intervir em si mesma. O rizicultor tem um pouco mais de autonomia, porque a sua carência pode não abranger o arroz que consome. Para todo o resto —o que passa por iluminar a casa, educar os filhos, vacinar o cachorro, voar até Paris e aprender jiu-jitsu—, a médica e o agricultor dependem da cooperação de pessoas que detêm superávits em atividades específicas.

No córtex cerebral dos humanos abundam células talhadas para a modulação e a transmissão de impulsos elétricos, compondo uma rede responsável pela linguagem, o raciocínio e a criatividade. Miseráveis em outras funcionalidades, os neurônios morrem de inanição sem o abastecimento energético, para o qual concorrem hemácias, cardiomiócitos, fibroblastos, pneumócitos e tantas outras estruturas em regra superavitárias numa atividade e deficitárias nas restantes.

Foi Émile Durkheim quem, no final do século 19, propôs uma feliz alegoria entre a modernização da sociedade, de um lado, e a operação de organismos complexos, do outro. A baixa diferenciação de funções que caracteriza comunidades tribais e agropastoris deu lugar ao dínamo da divisão do trabalho. A coesão social passou a se assentar mais na interdependência entre indivíduos e grupos altamente especializados, o que o sociólogo francês batizou de solidariedade orgânica.

Poesia | Aquilo que a gente lembra, de Fernando Pessoa

 

Música | Chico Buarque - Futuros Amantes