sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

O Globo

Regras para abordagem policial são bem-vindas

Decreto do governo faz bem ao impor treinamento e normas sensatas, mas não pode imobilizar ação da polícia

Abordagens policiais precisam seguir regras sensatas. Nas últimas semanas, o país tem assistido a episódios que expuseram abusos, excessos, imperícia ou, no mínimo, despreparo dos agentes da lei diante da missão de proteger cidadãos inocentes e desarmados. No caso mais recente, uma jovem de 26 anos foi baleada na cabeça durante abordagem de policiais rodoviários quando ia com a família para a ceia de Natal.

No mesmo dia, o Ministério da Justiça e Segurança Pública publicara decreto estabelecendo regras para abordagens policiais. Entre as principais diretrizes, ele determina que os agentes só poderão recorrer à força “quando outros recursos de menor intensidade não forem suficientes”. A arma de fogo deverá ser o “último recurso” e não poderá ser usada contra quem estiver desarmado, mesmo que em fuga, ou contra veículos que desrespeitem bloqueios. O decreto estipula ainda que o nível da força deve ser compatível com a ameaça. Está previsto que o governo oferecerá capacitação a profissionais de segurança. Todos deverão participar de treinamento obrigatório. O Ministério da Justiça criará um Comitê Nacional de Monitoramento do Uso da Força, responsável por acompanhar os indicadores em ações policiais.

Maquiavel, ainda está aqui - Pablo Spinelli *

Dedico à memória de Luiz Werneck Vianna, analista de conjuntura ímpar.

O ano de 2025 começará com um legado pesado do ano anterior. Enquanto no Brasil há uma queda dentre aqueles que acreditam na democracia como melhor regime político**, como também há um clima de morosidade e inação por parte do governo que demorou e resiste a uma reforma ministerial que dê conta das forças políticas que foram vitoriosas nas últimas eleições municipais***, e tal pasmaceira se estendeu a um Natal menos comemorativo do que dantes. No cenário externo, a administração Biden nada resolveu sobre o tema que “pariu o rato”, como diria Karl Marx em O 18 Brumário de Luís Bonaparte: a guerra. Há um cenário catastrófico no leste europeu e no Oriente Médio que não só ajudou a eleger Donald Trump como pode dar-lhe, se houver a intervenção que propôs na campanha, uma candidatura ao Nobel da Paz, prêmio que Henry Kissinger recebeu na década de 1970.

Por que as tartarugas ilustram a crise dos Poderes - Andrea Jubé

Valor Econômico

Em vídeo gravado no Torto, Lula falou em divisão de espaços, mas lembrou que a relação deve ser de respeito

Ao fim de um ano atribulado, marcado por crises com o Congresso, conflitos com o Banco Central e o mercado financeiro e pelas intercorrências de saúde, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva buscou a leveza ao se refugiar na Granja do Torto para passar o Natal.

Na manhã do dia 25, ele publicou um vídeo bucólico nas redes sociais, onde apresentou o laguinho reformado, cheio de carpas, e alguns moradores mais antigos da residência de campo, que estavam cedidos ao zoo enquanto aguardavam as benfeitorias: um jabuti e uma tartaruga.

A colheita e as intempéries - Vera Magalhães

O Globo

Jogamos de lado, quando não recuamos, na agenda climática e ambiental, a despeito dos esforços hercúleos de Marina Silva

O presidente Lula manteve o tema do plantio e da colheita, que usou na mensagem de fim de ano em 2023, no vídeo natalino deste ano. Mas o otimismo e o balanço detalhado das conquistas do ano passado deram lugar a uma mensagem em tom genérico. A aposta em resultados ainda mais fulgurantes no ano seguinte deu lugar a um tom mais cauteloso e emotivo — nesse caso, claro reflexo da emergência de saúde pela qual ele passou na reta final de um 2024 em que houve mais intempéries que bonança.

O governo não teve descanso nem espinha dorsal narrativa para se regozijar das conquistas deste ano. Tudo começou aos solavancos, com o Congresso abespinhado pela Medida Provisória mandada na virada do relógio.

As exclamações do governador - Bernardo Mello Franco

O Globo

Cláudio Castro interrompeu o almoço de Natal para berrar nas redes sociais. Na tarde do dia 25, o governador esbravejou contra a criação de regras para o uso da força pelas polícias. “Sabem quem ganhou um presentão de Natal? A bandidagem, no país inteiro! Parabéns aos envolvidos!!!”, esgoelou-se.

O bolsonarista se esforçou para transmitir revolta. Em três tuítes, despejou nove pontos de exclamação. Além de maltratar o idioma, passou a ideia de que os agentes do Estado deveriam ter licença para matar.

Contra a barbárie – Flávia Oliveira

O Globo

Os casos de abordagem indevida, abuso de autoridade e violência cometidos por policiais multiplicam-se pelo país

É sobre civilização e barbárie, não sobre autonomia federativa, a queda de braço que, há um par de anos, o campo progressista trava com setores conservadores, algo reacionários, na agenda da segurança pública e dos direitos civis. Mês sim, mês também, o polo armamentista e propagador da força bruta reage a propostas que, a despeito do bom senso, manteriam o Brasil em linha com a legislação local e compromissos firmados com a comunidade internacional. No episódio mais recente, governadores reagem ao decreto presidencial que estabelece diretrizes à atuação policial.

Dominância política - Celso Ming

O Estado de S. Paulo

A deterioração das contas públicas e a esticada dos juros levou alguns comentaristas a denunciar o risco de dominância fiscal, situação em que o avanço do rombo fica tão inevitável que tira capacidade da política monetária (política de juros) exercida pelo Banco Central de combater a inflação.

É cedo para apostar nesse enrosco. O que se pode dizer é que a desarrumação da economia tende a produzir o que poderá ser chamado de dominância política – quando as opções eleitorais do governo e dos maiorais do Congresso acabam por prevalecer sobre as decisões de política econômica.

Neste 2025, não haverá eleições, mas o climão eleitoral, de olho na sucessão presidencial, na dos governadores e na de renovação do Senado, em 2026, acabará por permear toda a atividade política.

A impunidade de quem pune - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Quem será o Xandão e o Dino contra abusos e desvios do Poder Judiciário?

O Judiciário enfrenta com firmeza a ameaça de golpe, mas quem vai enfrentar os desmandos e escândalos do próprio Judiciário? Não é minimamente admissível que uma desembargadora do TJ-MT receba R$ 130 mil por mês, três vezes mais que o teto salarial do funcionalismo, e ainda por cima autorize um “vale-peru” de R$ 10 mil de presente para ela e os colegas.

Ela não agiu sozinha, tanto que o tribunal descumpriu a ordem do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e liberou o mimo para ele próprio – ou seja, para os pobrezinhos dos desembargadores de Mato Grosso, que certamente precisavam muito dessa verba para ter uma ceia decente no Natal, num país onde milhões não têm o que comer nem no seu dia a dia.

É escandaloso, vergonhoso, e todo mundo finge que não vê, apesar das sucessivas reportagens do nosso Estadão. “Decisão judicial não se discute, cumpre-se”, mas quem toma as decisões judiciais não se sente obrigado a cumpri-las, como no caso do teto constitucional, e nem mesmo de acatar as ordens do CNJ, como a de suspender o “vale-peru”.

Lira semeou vento e pode colher tempestade - Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

A primeira reação de Lira e dos líderes à decisão de Flávio Dino de sustar o pagamento de R$ 4,2 bilhões em emendas foi promover uma rebelião na Câmara contra o Supremo

“Corro atrás do tempo/ Vim de não sei onde/ Devagar é que não se vai longe/ Eu semeio o vento/ Na minha cidade/ Vou pra rua e bebo a tempestade”, diz o final de “Bom Conselho” de Chico Buarque, lançada em 1970, que se destaca pela ironia e a crítica ao senso comum, puro voluntarismo. Quando foi lançada, o contexto era o regime militar e a rebordosa do Ato Institucional nº 5, que alimentou a frustração dos políticos tradicionais e a radicalização dos jovens que aderiram à luta armada.

O contexto é outro, mas tem gente na política que semeia vento e pode colher tempestade. É o caso do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), com a história das “emendas de comissão” que foram transformadas em “emendas de líderes” numa canetada, às vésperas do recesso. A manobra pretendia exumar o “orçamento secreto”, mas foi uma grande trapalhada jurídica, que somente serviu para lançar mais luz sobre o desvio de verbas do Orçamento da União por meio de licitações fraudulentas, superfaturamento de obras e serviços e uma derrama de dinheiro de caixa dois nas eleições, a ponto de ter flagrante de vereador jogando dinheiro pela janela.

Freada de arrumação - Orlando Thomé Cordeiro*

Correio Braziliense

Em 2026, a chance de vitória eleitoral estará diretamente dependente da capacidade do governo de resgatar a ideia originalmente defendida no discurso de vitória em 30 de outubro de 2022

Há dois anos, nesta data, Lula estava às vésperas de tomar posse para seu terceiro mandato, depois de uma vitória eleitoral absolutamente apertada. É sempre bom recorrer aos dados trazidos por Felipe Nunes e Thomas Trauman em seu livro Biografia do abismo. Ali fica comprovado que a vitória eleitoral de Lula só foi possível pelo crescimento de sua votação na região Sudeste, já que nas demais regiões do país o percentual obtido historicamente por ele e pelo PT se manteve no mesmo patamar. Adicionalmente, ao fazerem a segmentação da origem dos votos de Lula, indicam que 8% foram de petistas, 10% de setores progressistas, 30% das classes D/E e 3% de liberais.

Decreto das polícias diz o que deveria ser óbvio - Bruno Boghossian

Folha de S. Paulo

Mal embrulhado, texto atiçou políticos que gostam de explorar o marketing da brutalidade

O governo Lula editou um decreto para regular o uso da força por policiais de todo o país. Algumas determinações são tão triviais que fica difícil acreditar na necessidade de colocá-las no papel. Um passeio pelo noticiário e por gabinetes políticos pode ser suficiente para convencer qualquer um do contrário.

O decreto publicado na segunda (23) afirma que operações precisam ser planejadas para minimizar o uso da força e evitar danos. A atuação deve ser "compatível com a gravidade da ameaça" enfrentada pelos agentes, estar dentro da lei e ser pautada por "bom senso, prudência e equilíbrio". Se um policial não consegue seguir a lei ou o bom senso, talvez não devesse andar armado.

A difícil reforma da 'casa' ministerial – Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Sobram incertezas quanto ao compromisso dos partidos para 2026 em troca de cargos em 2025

O anúncio oficial da reforma ministerial está previsto para abril próximo, mas na prática ela já começou. O mestre da obra, também arquiteto e decorador —o presidente Luiz Inácio da Silva (PT)—, deflagrou o processo ao comunicar à equipe a necessidade de mudanças.

Sem usar a palavra demissão, Lula demitiu Paulo Pimenta (PT) do comando da comunicação ao fazer severas críticas ao desempenho do setor.

Sem a presença na foto oficial, o marqueteiro Sidônio Palmeira foi convidado à mesa da confraternização de fim de ano no Palácio da Alvorada por onde circulou visto como substituto de Pimenta, ainda na incerteza de que tenha sido convidado e se aceitaria a missão.

Trump, piadas ou ameaças? - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Declarações do próximo presidente americano sobre Canadá, Groenlândia e Panamá embora amalucadas inspiram preocupação

Trump vai mesmo anexar o Canadáadquirir a Groenlândia e invadir o Panamá? O ex e futuro presidente americano tem uma relação difícil com os fatos, as leis e a ética, de modo que declarações que, na boca de outro líder global, soariam como más piadas se tornam, quando proferidas por Trump, merecedoras de consideração.

A ideia de transformar o Canadá no 51º estado dos EUA provavelmente não passa de uma brincadeira. Não porque Trump tenha respeito pela soberania dos países vizinhos, mas pelos mais comezinhos cálculos político-partidários.

Palavras em agonia – Ruy Castro

Folha de S. Paulo

Nada mais está perto, mas próximo; ninguém mais vive, vivencia; e não há mais simpatia, só empatia

No avião, ouço a voz da comissária: "Senhores passageiros, estamos próximos à decolagem." Oba! Finalmente vou descobrir onde fica a decolagem. Deve ser um lugar, porque, segundo a moça, estamos próximos dela. Já reparei que, ao levantar voo no Santos Dumont para São Paulo, o avião rola de mansinho pela pista, acelera e, quando passa pela Escola Naval, decola. Se a decolagem é um lugar, significa que esse lugar é ali, diante da antiga ilha onde, em 1555, Villegagnon tentou construir a França Antártica. Isso justificaria a frase "Estamos próximos à decolagem".

Poesia | Rios sem discurso, de João Cabral de Melo Neto

 

Música | Gal Costa - Festa do Interior