sábado, 23 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Inquérito sobre golpismo precisa vir a público

O Globo

Dada gravidade dos fatos, cidadãos devem conhecer acusações em detalhes para que responsáveis sejam punidos

O trabalho exemplar de investigação da Polícia Federal (PF) que desbaratou a intentona bolsonarista tem caráter histórico. Desde o fim da ditadura, não há registro de acusação maior de traição à vontade do povo. Felizmente, diante da ameaça, o contra-ataque das instituições foi certeiro, sinal de maturidade democrática do Brasil. Nos momentos críticos, os comandos do Exército e da Aeronáutica foram fiéis à Constituição. Depois de dois anos de investigação, a PF indiciou 12 civis e 25 militares acusados de tramar contra a democracia, entre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro, os ex-ministros Braga Netto (Defesa e Casa Civil), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), Anderson Torres (Justiça) e o ex-comandante da Marinha Almir Garnier. É algo inédito em todo o período republicano. Dada a gravidade das evidências, era a única resposta digna.

Na terça-feira, a PF prendeu quatro militares do Exército e um policial federal acusados de planejar uma operação para matar, em dezembro de 2022, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice Geraldo Alckmin e o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes. O general Mário Fernandes, um dos presos, imprimiu o plano no Palácio do Planalto, depois encontrou Bolsonaro no Palácio da Alvorada. Para a PF, são indícios de que o ex-presidente estava por dentro da conspiração golpista.

Depois de Bolsonaro - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Diante do agravamento da situação jurídica do ex-presidente, direita brasileira terá de reposicionar-se

É sempre arriscado fazer prognósticos envolvendo a Justiça brasileira, mas, ao que tudo indica, Jair Bolsonaro já era. Agora, só por milagre sua inelegibilidade será revertida e são grandes as chances de que, até 2026, ele já tenha sido julgado e condenado pelo STF por tentativa de golpe de Estado. Se Deus existir e for democrata, o ex-presidente estará atrás das grades. Para onde irão os bolsonaristas sem Bolsonaro?

A direita não irá embora. A parcela mais radical desse grupo continuará recorrendo a narrativas delirantes, segundo as quais o ex-presidente é praticamente um santo que é injustamente perseguido por um STF com apetites ditatoriais. Não parece haver argumento fático possível que faça os bolsonaristas irredutíveis mudarem de posição.

Baque forte nos bolsonaristas – Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Situação de Bolsonaro se agrava e obrigará direita a mudar de planos para 2026

Durou pouco a alegria da ultradireita com a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos e a perspectiva de se anistiarem golpistas condenados, levando na carona um perdão irrestrito a Jair Bolsonaro (PL). A ideia era anular de algum modo a inelegibilidade e por antecipação livrá-lo de punições futuras.

O indiciamento do ex-presidente e condiscípulos de governo e de partido dá uma trava nos projetos não de todo o campo da direita, mas dos bolsonaristas com certeza.

Kids pretos traduzem desejo de matar de Bolsonaro - Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

O deputado do baixo clero já anunciava a eliminação de adversários e a necessidade de guerra civil

"O ideal como motivação. A abnegação como rotina. O perigo como irmão. A morte como companheira", projetam-se os kids pretos, uma força especial de militares do Exército preparados para atuar em missões de alto risco e sigilo, terrorismo, guerrilha, insurreição, movimentos de fuga e evasão, resistência, sabotagem. Na cartilha falta incluir a tentativa de matar Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes, ensejando um golpe de Estado após a eleição presidencial.

A lenda, a conspiração e um mistério – Demétrio Magnoli

Folha de S. Paulo

Qual será a sentença do STF para os golpistas bacanas, que circulam no pátio da impunidade?

Uma lenda cerca o 8 de janeiro de 2023 de Brasília: naquele dia, Bolsonaro e os seus teriam tentado o golpe de Estado. Sabe-se, há tempo, que a verdadeira conspiração golpista desenrolou-se antes, em novembro e dezembro de 2022. A prisão do general Mário Fernandes, ex-comandante de Operações Especiais do Exército, e sua quadrilha de kids pretos, confirma o que o já era conhecido, em linhas gerais, pelo STF e pela imprensa. Passa da hora de separar um evento do outro, para que se faça justiça.

A lenda nasceu do impacto das imagens espetaculares, bárbaras, da invasão dos edifícios do STF e do Congresso pela turba de vândalos idiotas incensados por uma miragem, e consolidou-se por meio das sentenças performáticas emitidas pelos juízes de capa preta. Não era razoável imaginar uma operação golpista desencadeada depois, não antes, da transmissão do poder para o governo eleito. Mas lendas tendem a subsistir, desafiando a lógica e os fatos.

Rigor e equilíbrio – Pablo Ortellado

O Globo

O STF tem nas mãos uma grande responsabilidade

A decisão do Supremo e dois relatórios da Polícia Federal sinalizam o fim da longa investigação sobre os “atos golpistas”. Finalmente podemos ter uma visão um pouco mais clara do que aconteceu nas altas esferas do poder em Brasília e do papel desempenhado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro entre o final de 2022 e o começo de 2023.

O quadro geral que vemos é de inconformismo com o resultado das urnas e de grande movimentação para reverter a eleição de Lula. Não houve uma única tentativa de golpe, mas diversas movimentações golpistas, em paralelo, algumas mais violentas, outras se esforçando para conferir aparência de institucionalidade. Não fica claro se elas chegaram a ser integradas num plano só nem de que maneira se conectam com o que aconteceu depois, no 8 de Janeiro. Quase todas as tramas envolveram Mauro Cid, o ajudante de ordens de Bolsonaro. Informá-lo e envolvê-lo era chave, porque significava informar o presidente indiretamente, sem comprometê-lo diretamente.

Jornada e informalidade no mercado de trabalho – Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Alguns entendem que é viável começar a tratar a redução para 40 horas semanais, esquema 5x2, mas paulatinamente

Há 103 milhões de brasileiros com algum tipo de trabalho remunerado, segundo dados do IBGE. Desses, nada menos que 40 milhões estão na informalidade. Incluem-se aí os trabalhadores sem carteira assinada (14,3 milhões) e os que trabalham por conta própria (25,4 milhões). No primeiro grupo, a maioria são empregados no setor privado, mas a modalidade sem carteira também aparece na esfera pública.

No segundo trimestre deste ano, o número de empregados no setor público bateu recorde. Chegou a 12,65 milhões, somando concursados, contratados pela CLT e informais. Quase 70% estão nas prefeituras, que aumentaram muito as contratações sem concurso no período pré-eleições.

Por um detox digital – Eduardo Affonso

O Globo

É difícil encontrar um policial ou guarda de trânsito no Rio de Janeiro que não esteja de celular na mão

Imagine uma doença cujos sintomas sejam ansiedade, irritabilidade, comportamentos compulsivos, dificuldade de concentração, insônia, sudorese, tremores, taquicardia. E para a qual não haja vacina ou medicamento, máscara que evite o contágio ou isolamento social que dê jeito (ao contrário: até agrava o quadro).

Pois ela existe, é pandêmica e atende por “nomofobia” (do inglês “no mobile phobia”): medo irracional de ficar sem o celular — ou sem conexão. Você pode estar infectado — e só se dará conta quando se vir privado do aparelho ou do sinal. O que fazer naqueles intermináveis 90 segundos de espera pelo elevador? Como sobreviver a 20 minutos no metrô, tendo (na ausência de um livro salvador) de entrar em contato com os próprios pensamentos?

Constrangimentos e oportunidades - Carlos Andreazza

O Estado de S. Paulo

Fernando Haddad botou o bloco na rua. Não o do pacote de corte de gastos, que ficou – mais uma vez – para a semana que vem. Na pista, puxado pelo ministro e evoluindo para promover caça às bruxas e outras rinhas, a relação de beneficiários de incentivos fiscais no Brasil.

Excelente iniciativa. Neste país, merece elogio o cumprimento da mais óbvia obrigação. Transparência sobre a coisa pública. Sempre. Transparente também Haddad – que se defende atacando. Timing importa.

Pressionado a materializar especulação que ele mesmo criara-alimentara e apresentar medidas de austeridade capazes de animar o natimorto arcabouço fiscal, o ministro respondeu à carga surfando a onda da distribuição de responsabilidades.

Nada contra a difusão de constrangimentos. Há oportunidade aí.

Bajulando Trump, Bolsonaro diz o que quer - Sergio Fausto

O Estado de S. Paulo

O desejo de ambos é o mesmo: usar o mandato popular para torcer as instituições da democracia liberal até que elas se dobrem à sua vontade de poder

O bolsonarismo busca surfar a onda da vitória de Donald Trump. Teria sido acachapante, dizem. Não foi. No voto popular, Trump venceu Kamala Harris por cerca de 2 pontos porcentuais apenas.

Não digo isso para amenizar a preocupação com as consequências da vitória de Trump. Os nomes até aqui indicados para posições de primeiro escalão em sua equipe de governo confirmam que o presidente eleito não blefava quando defendeu uma agenda de políticas extremistas na campanha. Todos dispõem de uma ou mais das credenciais valorizadas pela extrema direita americana. Do elenco, fazem parte desde negacionistas da ciência médica, como Robert Kennedy Jr., nomeado ministro da Saúde, notório por sua militância contra as vacinas, até céticos sobre a mudança climática, como Chris Wright, CEO de uma empresa de petróleo, nomeado como ministro de Energia, passando por adeptos de absurdas teorias conspiratórias, sem se esquecer de Elon Musk, propagador serial de notícias falsas.

Esquerda, direita, centro... - Michel Temer

O Estado de S. Paulo

Para os que apreciam a rotulação, melhor seria distinguir os sistemas democráticos dos autocráticos ou monocráticos

Sou contra as rotulações. Esquerda, direita, centro, extrema esquerda ou extrema direita pouco importam ao cidadão comum. O que ele quer do governante é resultado. Se este for positivo, se tiver emprego ou conseguir sobreviver economicamente, não importa o rótulo que o governante queira utilizar. Aliás, os rótulos têm apenas um efeito eleitoreiro. Alardeia-se que a esquerda é a favor dos pobres e a direita, dos ricos. Mas exemplos de governos eleitos são plenos de esquerdistas protetores do empresariado, ricos, e direitistas que se dedicam fortemente a bons resultados sociais. Rótulos, portanto, nada significam para os habitantes de um país.

Costumo exemplificar: pergunte a quem passa fome se ele é de esquerda, direita ou centro. Dirá: quero um pão. A um desempregado: quero um emprego. A um empresário: quero financiamento. Ou pagar menos tributos. Tudo a indicar um comando pragmático, objetivo, palpável, de acordo com as necessidades de cada qual.

Militares brasileiros sempre planejaram golpes estapafúrdios, mas alguns prosperaram - Fabiano Lana

O Estado de S. Paulo

Talvez a nossa sorte em 2022 seja que parte do oficialato resistiu aos devaneios golpistas

Uma das justificativas utilizadas para tentar minimizar a tentativa de golpe de Estado que ocorreria no final de 2022 é dizer por aí que se tratava de um delírio de meia dúzia de militares delirantes. Que planejar conspiração não é crime e por aí vai. O raciocínio não leva em conta que os golpes bem-sucedidos na história do Brasil partiram de ações ou tresloucadas ou de arroubos não planejados. Já acusado de tramar um atentado no qual o sistema de abastecimento de água do Rio de Janeiro seria atingido, o que abreviou sua carreira militar, o ex-presidente Jair Bolsonaro foi formado nessa cultura sublevações.

Derrotar o golpismo - Aldo Fornazieri

CartaCapital

A ameaça não foi eliminada. Prender os generais Braga Netto e Augusto Heleno, além de Bolsonaro, tornou-se imperioso

A prisão de quatro oficiais do Exército, entre eles um general reformado, e de um policial federal que planejaram um golpe de Estado, incluídos os assassinatos do presidente Lula, do vice Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes, não elimina a ameaça golpista. Certamente, a descoberta do plano e as prisões são um passo importante, mas insuficiente.

É necessário prender o general Braga Netto, candidato a vice de Bolsonaro. As investigações mostram que ele era o comandante operacional tanto do plano dos assassinatos quanto do golpe em si. Assumiria a chefia do comitê de crise a ser instaurado se o golpe vingasse. É preciso também prender o general Augusto Heleno, notório mentor golpista.

É necessário ir além: Jair Bolsonaro precisa ser preso, pois as investigações mostram não só seu conhecimento do plano do golpe, mas também sua supervisão.

Tropicões de Trump - Luiz Gonzaga Belluzzo

CartaCapital

Em seu furioso antiglobalismo, ele repete, como farsa, a tragédia da Inglaterra

No Prólogo do 18 de Brumário de Luís Bonaparte, famoso texto de Karl Marx, Herbert Marcuse escreve: “A análise que Marx faz do processo de evolução da Revolução de 1848 para o domínio autoritário de ­Luís Bonaparte antecipa a dinâmica da sociedade burguesa avançada: a liquidação do seu período liberal que se consuma em razão da sua própria estrutura”.

Marcuse chama atenção para as alterações que emergiram nas sociedades burguesas promovidas pelas forças que se movem nos subterrâneos. “A liquidação do seu período liberal que se consuma em razão de sua própria estrutura”.

Isso permite ao filósofo da Escola de Frankfurt modificar o conhecido parágrafo de abertura do 18 de Brumário. No século XX, diz Marcuse, o horror do nazifascismo exige “uma correção das sentenças introdutórias de O 18 de Brumário: os ‘fatos e personagens da história mundial’ que ocorrem, ‘por assim dizer, duas vezes’, na segunda vez não ocorrem mais como ‘farsa’. Ou melhor: a farsa é mais terrível do que a tragédia à qual ela segue”.

Nos albores do século XXI, observamos “A liquidação da democracia liberal que se consuma em razão de sua própria estrutura”.

Seria demasiada ousadia afirmar que Donald Trump encarna o espírito de ­Luís Bonaparte. No entanto, como personagens de momentos históricos, Trump e o sobrinho de Napoleão, expressam as rupturas socioeconômicas que não cessam de atormentar e surpreender mulheres e homens “em razão de sua própria estrutura”.

Mal-estar da civilização e a democracia em xeque (Final) - Marcus Pestana

A deterioração do presidencialismo de coalisão no Brasil, a partir da fragmentação da representação partidária no Congresso Nacional, tem sido obstáculo central para a implantação mais ousada e consistente dos programas de governo dos sucessivos presidentes da República eleitos. Não há maioria parlamentar sólida e fiel para a aprovação das iniciativas do governo. A eleição majoritária tem uma lógica, e a proporcional, outra, radicalmente diferente. Em 40 anos de redemocratização tivemos dois impeachments. O partido do presidente Lula tem apenas 13,2% das cadeiras na Câmara dos Deputados e 11,1% no Senado Federal. A prova de fogo, em 2025, serão as votações da PEC do ajuste fiscal e os Projetos de Lei aumentando a CSLL e o IR sobre Juros de Capital Próprio cujo as receitas adicionais constam do orçamento.

As pesquisas do cientista político Jairo Nicolau revelam que o Brasil é um caso extremo de fragmentação parlamentar e diluição do poder do partido do presidente eleito. Mas as dificuldades de governabilidade não são monopólio brasileiro. Parece que a democracia contemporânea tende à pulverização da representação política da sociedade em sistemas que, até há pouco, eram, na prática, bipartidários. Senão vejamos.

Poesia | Vinicius de Moraes - Dia da Criação (Porque hoje é sábado)

 

Música | Simone - O que será (Chico Buarque )