domingo, 5 de janeiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Crime organizado representa ameaça para a democracia

O Globo

Facções criminosas aterrorizam países latino-americanos e buscam infiltrar instituições para garantir impunidade

Brasil não é o único país da América Latina cujas instituições se revelam incapazes de deter o crime organizado. Tráfico de drogas, de pessoas, roubo de combustíveis, mineração e desmatamento ilegais movimentaram, em 2021, entre US$ 68 bilhões e US$ 170 bilhões no Brasil, no México e na Colômbia, segundo análise do grupo Global Financial Integrity. Um estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) estimou em 3,4% do PIB o custo do crime organizado para 22 países em 2022.

Pelas estatísticas das Nações Unidas, o Equador tem taxa de homicídios de 27 por 100 mil habitantes, o México de 26 e o Brasil de 21, ante média global de 5,8. O crescimento econômico saltaria 30% caso essas taxas caíssem pela metade nos centros urbanos, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI). O PIB da região cresceria meio ponto percentual se elas estivessem na média global. “Pesquisa rigorosa e dados melhores são essenciais para formular políticas públicas que reduzam o crime com eficácia”, escreveram Ilan Goldfajn, presidente do BID, e Rodrigo Valdés, diretor do FMI para o Hemisfério Ocidental. Eles citam êxitos recentes na Jamaica, onde crimes de gangues caíram 68%, e na província argentina de Rosário, onde houve redução de 65% nos homicídios em 11 meses.

Desafios do federalismo contemporâneo - Ricardo Lewandowski*

O Globo

Problemas exigem que os governantes dos entes federados abandonem quaisquer veleidades independentistas

Existem, do ponto de vista estrutural, duas formas de Estado: os unitários e os compostos. Os primeiros têm um único governo e não apresentam divisões internas, salvo para fins administrativos. Como regra, têm pequenas dimensões demográficas ou territoriais e são étnica e culturalmente homogêneos.

Os Estados compostos, em geral, são representados pelos estados federais, subdivididos em unidades política e administrativamente autônomas. Ocorrem em países de grande expressão territorial ou demográfica e até com expressiva diversidade étnica ou cultural.

A Federação é um fenômeno recente. Surgiu da união das 13 ex-colônias britânicas da América do Norte, que se transformaram em Estados soberanos em 1776, após sua independência da Inglaterra. Em 1787, adotaram uma Constituição comum, abdicando de sua soberania, embora mantivessem considerável grau de autonomia.

Cavalo-de-pau – Merval Pereira

O Globo

No mundo financeiro, acredita-se que só um “cavalo-de-pau” pode nos salvar. Uma maneira delicada de dizer que só um outro governo, não esse, colocará o país nos trilhos novamente

O presidente Lula tem fama de gastador, e a percepção de que o futuro da economia brasileira está ameaçado devido a essa tendência só pode ser revertida pelo próprio, que é quem comanda, sem contraste, um governo que tem um presente econômico bastante bom, mas que pode se transformar em uma crise grave fiscal.

Não é à toa que, no mundo financeiro, acredita-se que só um “cavalo-de-pau” pode nos salvar. Uma maneira delicada de dizer que só um outro governo, não esse, colocará o país nos trilhos novamente. A maldade do mercado financeiro, que faz o dólar e a Bolsa subirem ao anúncio de uma doença do presidente, reflete esse anseio por um novo governo, cruel recado, mesmo que metafórico.

Anote este nome - Dorrit Harazim

O Globo

Foi de Stephen Miller a decisão de implantar a política de separação forçada de famílias que cruzavam a fronteira ilegalmente

Convém falar de Stephen Miller. Primeiro, porque faltam poucos dias para o triunfal retorno de Donald Trump à Casa Branca como 47º presidente dos Estados Unidos. Segundo, porque, ao contrário dos crepitosos nomes já elencados para compor o primeiro escalão do novo governo, fala-se pouco de Stephen Miller. Ele prefere assim, basta-lhe saber ser o membro mais influente, temido, autoritário e perigoso da constelação trumpista. Deve achar ridículas as ostentações de ego de um Elon Musk ou Robert Kennedy Jr., pois prefere movimentar-se à sombra do poder. É de lá que pretende continuar a semear sua ideologia do ódio.

Miller, de apenas 39 anos, é a matriz teórica da agenda supremacista adotada por Trump. Está na órbita do movimento Make America Great Again desde a eleição de 2016, quando mal tinha dobrado a curva dos 30 — primeiro como autor dos discursos de campanha de Trump, depois como idealizador obsessivo das políticas anti-imigração encampadas pelo chefe. Agora, em 2025, volta a assumir seu poder influenciador sem ocupar qualquer ministério ou cargo que exija confirmação pelo Senado. Será apenas “vice-chefe de políticas”, o que não quer dizer nada, mas, no seu caso, é tudo o que quer: acesso irrestrito e gabinete vizinho a Trump.

A COP30 entre a diplomacia e o folclore – Elio Gaspari

O Globo

Começou a contagem regressiva para a 30ª Conferência da ONU para Mudanças Climáticas, a ser realizada em Belém (PA), de 10 a 21 de novembro. Já germinaram duas correntes. Uma privilegia as discussões técnicas e a negociação diplomática. A outra estimula eventos folclóricos. Elas podem conviver, mas basta perder a mão para se produzir situações ridículas, como a da recente passagem do presidente americano Joe Biden por Manaus (AM).

Os eventos têm a virtude de distrair a atenção de quem quer debates sérios. Como a Amazônia é um prato cheio para encenações, a marquetagem tende a privilegiar eventos cenográficos. Eles darão brilho às figuras de penetras infiltrados no cenário de uma reunião diplomática.

A mídia no centro dos desafios - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

O Supremo vai precisar da comunicação para agir, com rigor, dentro do arcabouço legal

O Brasil nunca foi fácil, trivial, previsível, mas este 2025 vai dar o que falar – e o que escrever! A economia cravejada de interrogações, a política num caminho perigoso e pavimentado por emendas bilionárias, o Judiciário afundando com o peso de “penduricalhos” e diante de um dos desafios mais difíceis da história, as Forças Armadas em meio a um julgamento inédito de altas patentes, as polícias aterrorizando em vez de defender os cidadãos, o crime organizado vencendo a guerra. E o mundo de ponta-cabeça.

O Executivo terá de calibrar a política externa, com a presidência dos Brics, COP 30, Donald Trump no poder, os destroços de Gaza, a Ucrânia ao deus-dará, crises por toda parte; a economia, entre o populismo e o pragmatismo duro e insensível; a relação com um Congresso cada vez mais voraz, reacionário e sem compromisso com a Nação; a violência fora de controle, com governadores de oposição contra a ação federal direta. E, claro, os erros, titubeios e a saúde do presidente Lula.

A especulação e os equívocos da esquerda - Maílson da Nóbrega

O Estado de S. Paulo

A recente elevação do dólar e dos juros futuros mostrou a desinformação de políticos de esquerda

Até o século 17, o significado da palavra especulação nada tinha a ver com o mercado financeiro. Ainda hoje é assim nos países desenvolvidos. Segundo o Dicionário Oxford, especulação quer dizer “the forming of a theory or conjecture without firm evidence” (a formação de uma teoria ou conjectura sem firme evidência). Por exemplo, especular sobre a demissão de um ministro.

Na acepção moderna, ao se referir ao mercado financeiro, o Oxford define especulação como “investment in stocks, property, etc. in the hope of gain but with the risk of loss” (investimento em ações, propriedades, etc., na esperança de ganho, mas com risco de perda). Em países emergentes, nos quais o anticapitalismo gera desconfiança em relação às atividades das instituições financeiras e das bolsas de valores, muitos veem a especulação como algo nocivo. Isso pode ser consequência de desinformação, que costuma estar presente em grande parte da sociedade e da classe política.

Trump pode beneficiar adversários - Lourival Sant’Anna

O Estado de S. Paulo

Perda de credibilidade americana atrairá novos países para a influência da China

A partir do que se sabe hoje, 2025 será marcado por uma guerra de tarifas, uma complexa negociação para o fim da guerra Rússia-Ucrânia, o fortalecimento das alianças na Europa e na Ásia-Oceania, Israel em posição de força e aumento de influência da China.

Donald Trump vê os impostos de importação como arma para impor sua vontade. Tarifas desorganizam a cadeia global de valores e causam inflação, que induz ao aumento de juros e a outras distorções na economia.

A principal prejudicada por essa política poderá ser, paradoxalmente, a indústria americana, que depende de componentes fabricados em países visados por Trump, como China e México. As tarifas deslocarão fábricas para outras partes da Ásia e para os EUA, gerando custos extras para os produtos.

Grandes transformações globais - Celso Ming

O Estado de S. Paulo

Dizem que o sapo não percebe quando, dentro de uma panela, a água começa a esquentar. Quando se dá conta, pode ser tarde demais. Assim, também o ser humano talvez não perceba que há em curso enormes transformações globais. Mais ainda, pode não se dar conta de que essas transformações acontecem a uma velocidade espantosa. Decorreram centenas de milênios até a invenção do fogo. Hoje, revoluções da mesma ordem acontecem em apenas alguns anos.

Dentro de mais alguns anos, algum historiador dará um nome para este período da história, com importância equivalente ao que foi o Renascimento e a Revolução Industrial.

Uma alternativa populista para a esquerda - Bruno Boghossian

Folha de S. Paulo

Democratas nos EUA encaram dilema que se repete em outros grupos políticos no mundo

O estrategista James Carville, ligado ao Partido Democrata, estava errado. Dias antes da eleição de 2024, ele publicou no New York Times a previsão de uma vitória de Kamala Harris. Agora, ele voltou para reconhecer a falha e discutir suas razões.

O erro de Carville teve um aspecto particular. Ao fazer a previsão, o estrategista ignorou uma máxima que ele mesmo cunhou, em 1992, ao estabelecer que o fator determinante de qualquer eleição "é a economia, estúpido".

derrota de 2024 levou o Partido Democrata à constatação de que sua plataforma econômica não convence mais o eleitorado e empurrou classes trabalhadoras para Trump. Carville sugere uma alternativa que representa um mergulho profundo (para padrões americanos) no que descreve como um programa populista.

O prestígio de Lula e o de Milei - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Pessimismo com economia cresce no Brasil, Argentina tolera perda brutal de renda

A animação dos brasileiros com a economia esteve no nível mais alto de Lula 3 no trimestre final de 2023. Não era grande animação. Em setembro daquele ano, 35% dos entrevistados pelo Datafolha achavam que "a situação econômica do país" havia melhorado "nos últimos meses"; para 35%, havia piorado. Um saldo de zero. Desde então, o humor foi piorando. Na pesquisa de dezembro de 2024, para 22%, a situação havia melhorado; para 45%, piorado. Um saldo negativo de 23 pontos.

Como tanto já se escreveu nesta coluna, o relativo e crescente desânimo é intrigante.

O mundo de Donald Trump - Celso Rocha de Barros

Folha de S. Paulo

Ambos não reconhecem uma ordem internacional para além do equilíbrio de poder entre as potências

Donald Trump ainda não tomou posse. Mas, se acreditarmos no que tem escrito em suas redes sociais, seu plano é destruir a ordem internacional construída pelos Estados Unidos nas últimas décadas. E não, não é para construir coisa melhor.

Nas últimas semanas, Trump ameaçou invadir o Panamá, se ofereceu para comprar a Groenlândia da Dinamarca e sugeriu que o Canadá se tornasse um estado americano. Fazia tempo que um presidente americano não propunha roubar território dos outros abertamente.

E não é qualquer território: tanto o Canadá quanto a Dinamarca são aliados tradicionais dos Estados Unidos. Se forem agredidos pelos americanos, podem invocar o artigo 5º da carta da Otan, que estabelece que um ataque contra um membro da aliança é um ataque contra todos os seus membros.

Duros e morando juntos - Ruy Castro

Folha de S. Paulo

Imagine Antonio Maria, Chacrinha e Dorival Caymmi, desempregados, rachando um apartamento

Cidades são assim: feitas para as pessoas se encontrarem, mas para morarem longe uma das outras. Quando calha de morarem juntas, é um acontecimento. Na aurora dos 1800, os poetas românticos ingleses Keats e Shelley dividiram um apartamento na Piazza di Spagna, 26, em Roma —hoje é o glorioso museu deles. James Stewart e Henry Fonda, atores iniciantes na Hollywood de 1933, dividiram uma casa em Brentwood, Los Angeles. Nos dois casos, faziam-se rodízios para a entrada e saída das namoradas.

Não era o que acontecia em 1940 na rua do Passeio, 36, na Cinelândia. Não por falta de charme dos inquilinos, mas por fome, mesmo. Ali moraram ao mesmo tempo, recém-chegados ao Rio, sonhadores e desempregados, os jornalistas e compositores Antonio Maria e Fernando Lobo (futuros autores de "Ninguém me Ama"), o pintor Augusto Rodrigues, os radialistas Abelardo Barbosa, depois Chacrinha, e Theophilo de Barros, todos pernambucanos, e, da Bahia, o compositor Dorival Caymmi. Não havia cama para todo mundo —enquanto um dormia, o outro ia procurar emprego. Todos encontraram.

Ética no mundo real - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Coletânea de artigos de Peter Singer traz textos em que filósofo defende infanticídio, liberação do doping e a comercialização de rins

Peter Singer é um dos mais estimulantes filósofos da atualidade. Embora ele abrace uma corrente teórica —o consequencialismo—, dedica-se mais a discutir questões práticas. E, ao fazê-lo, não hesita em ir até onde seu pensamento o leva, mesmo que as conclusões sejam controversas.

Em "Ethics in the Real World", uma coletânea de 90 ensaios voltados para o público geral, Singer mostra a que veio. Entre as muitas teses polêmicas que ele defende estão o infanticídio (a eutanásia de bebês gravemente doentes), a liberação do doping para atletas e a criação de um mercado de rins. O interessante é que, apesar de as conclusões poderem ser classificadas como radicais, Singer chega a elas através de argumentos muito ponderados.

O inconfesso sonho teocrático da América - Muniz Sodré

Folha de S. Paulo

O maná pastoral que faz extorsão predatória de manés agrada a um novo tipo de capitalismo

Nos EUA, o novo ano tem o mesmo número de um plano conservador chamado "Projeto 2025", ainda mal conhecido entre nós. Elaborado pela Heritage Foundation e por gente que auxilia Trump desde seu primeiro mandato, o plano visa a um regime autocrático, por meio do debilitamento da Constituição, com abolição de direitos femininos que vão do aborto ao voto. É projeto explícito de um "revival" dos anos 50, quando uma patriarquia protestante dirigia o país.

Não se trata, portanto, de mais uma bizarrice trumpista. A retrospecção parte do período em que despontou com força entre nacionalistas cristãos, bilionários e a John Birch Society, a ideia de um Estado teocrático. Isso foi corroborado nos anos 80 pelo presidente Reagan, que estimulou a politização dos grupos cristãos de extrema direita e a penetração extremista em alas republicanas. Depois, as presidências dos Bush, pai e filho, fizeram avançar esse movimento com a introdução de ensino religioso em escolas públicas (cerca de 30% da população é secular, não adere a nenhuma religião) e fundos públicos para escolas privadas cristãs.

Sobre um editorial - Antonio Fausto do Nascimento*

Bom editorial de O Globo de hoje, 4/01, sobre risco de guerras com armas nucleares. Quase que feneceu vigoroso movimento pela paz mundial na segunda metade do Século XX, evitando que fossem usadas nos conflitos da Coréia, do Vietnã, dos mísseis soviéticos em Cuba e durante a Guerra Fria.

Desde o apelo de Estocolmo, chegou a ser movimento de massas na Europa Ocidental Grandes escritores, artistas e cientistas como Bertrand Russel, Noberto Bobbio, Albert Einstein, Pablo Picasso, Jane Fonda, Angela Davis e tantos outros.

No Brasil, chegou a ter um núcleo ativo na ABI, tendo como coordenador o saudoso Modesto da Silveira, advogado de presos políticos e Deputado Federal.

Necessário reviver essa militância pela paz, o desarmamento e a cooperação entre os povos. Guerra com armas nucleares, na atualidade, implicaria na quase extinção da vida sobre a Terra e imenso retrocesso civilizatório.

Tudo isso precisa ser reconstruído pelo movimento democrático e socialista no Brasil e no Mundo.

*Foi secretário do Governo Arraes (1963/1964)

Poesia | Ariano Suassuna - Circuito da Poesia do Recife

 

Música | Alceu Valença e Silvério Pessoa - Voltei, Recife (Luiz Bandeira)