segunda-feira, 7 de abril de 2025

O que a mídia pensa| Editoriais / Opiniões

STF faz bem em ampliar exigências sobre emendas

O Globo

Universidades, projetos culturais e eventos também precisam de transparência no uso dos recursos

Diante das sucessivas manobras do Legislativo, as emendas parlamentares continuam a exigir a ação do Judiciário. Na última decisão, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STFFlávio Dino determinou a estados e municípios beneficiados, entre 2020 e 2023, por transferências diretas ao próprio caixa sem projeto nem controle — modalidade conhecida como “emenda Pix” — que prestem conta do uso das verbas num prazo de 90 dias perante os ministérios de origem dos recursos. Ao mesmo tempo, e pelo mesmo motivo, Dino suspendeu novos repasses a universidades federais, estaduais e suas fundações.

No ano passado, ele sustou a liberação de emendas até que Legislativo e Executivo estabelecessem regras que atendessem às exigências constitucionais de transparência e rastreabilidade. Determinou que toda emenda deveria indicar origem do repasse, destinatário e comprovasse os gastos. No mês passado, o Congresso aprovou medidas para atender às exigências. Infelizmente, insuficientes. Continuou opaca a destinação de emendas por bancadas partidárias e comissões temáticas.

Insegurança eleitoreira - Irapuã Santana

O Globo

A postura de Tarcísio passa uma mensagem a seus subordinados, gerando o total descontrole social a que assistimos com medo

Quando política pública é feita com finalidade eleitoreira, sem analisar os dados empíricos nem respeito à ciência, o resultado é invariavelmente desastroso. E esse é exatamente o caso da segurança pública do Estado de São Paulo.

Em estudo realizado pelo Unicef, constatou-se que 77 crianças e adolescentes entre 10 e 19 anos morreram em intervenções policiais no estado em 2024, segundo ano do governo Tarcísio de Freitas. Enquanto em 2022, na gestão Rodrigo Garcia, foram 35 vítimas — houve aumento de 120%. Depurando as informações, verifica-se que crianças e adolescentes negros são 3,7 vezes mais vítimas de intervenções letais da PM do que brancos.

A saga do cinema brasileiro – Fernando Gabeira

O Globo

O Oscar tem sido o critério com que julgamos nossos êxitos. Mas temos, há muitos anos, excelente desempenho nos festivais europeus

O sucesso de “Ainda estou aqui” foi um grande momento: festa na mídia, nas redes e até no carnaval. Agora, vale a pena perguntar como encaramos o filme. Um relâmpago em céu azul ou sinal de maturação do nosso cinema? Se optarmos pela segunda hipótese, é necessário ir adiante: o que fazer para explorar a oportunidade aberta pelo Oscar? Não creio que o tema tenha entrado na pauta.

O Oscar tem sido o critério com que julgamos nossos êxitos. Mas o cinema brasileiro, há muitos anos, tem excelente desempenho nos festivais europeus. A importância de um bom cinema é indiscutível. Ele fortalece nossa identidade, projeta nossa cultura e até ajuda nossos produtos. O domínio cultural americano surgiu também na esteira de Hollywood (turismo, paisagem, blue jeans, comida, fast-food, sonho americano, idioma inglês). O cinema é uma ferramenta do soft power.

A arte sem batom – Miguel de Almeida

O Globo

Quis o destino que os deuses das artes criassem a coincidência de colocar ‘Ainda estou aqui’ e ‘Não me entrego, não’ em temporadas simultâneas

Quis o destino que os deuses das artes criassem a coincidência de colocar “Ainda estou aqui”, filme de Walter Salles, e “Não me entrego, não”, espécie de autobiografia artística de Othon Bastos, em temporadas simultâneas. No teatro e no cinema, o público é levado a um mergulho nos infortúnios provocados pela ditadura militar, com seus assassinatos e sua ignorante censura à cultura.

“Ainda estou aqui” bate recordes de público e prêmios com a história do desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva. Em relato direto, exibe a entrada do arbítrio no interior de uma família de classe média. Paiva é levado por algozes do regime sem nenhuma ordem judicial, apenas pela força da violência, para um interrogatório de que não sairá vivo. Pior: seu corpo jamais será encontrado. Caso semelhante ocorreria se os celerados bolsonaristas tivessem levado a cabo um golpe de Estado em 2022 e 2023. Pelas ameaças que recebi, por certo não estaria mais aqui escrevendo tais linhas. Nem Lula, Alckmin ou Xandão, entre outros alvos dos ex-militares de pijama.

Nikolas e a matemática contra o STF - Bruno Carazza

Valor Econômico

Direita bolsonarista mira maioria no Senado para ter impeachment como arma a partir de 2027

Com mais de 6.500 ingressos vendidos, as cadeiras do auditório não comportaram a multidão, que se acumulou em pé nas laterais e no fundo do salão. Dois telões imensos ao lado do palco reproduziam em close a principal estrela do dia. Com frases de efeito que combinavam a irresponsável irreverência dos jovens e as apuradas técnicas de comunicação de pastores experientes, o deputado mais votado do Brasil era interrompido por aplausos entusiasmados. Ao final, foi aclamado de pé e levou vários minutos para se desvencilhar de milhares de fãs ávidos por uma selfie.

A participação de Nikolas Ferreira (PL-MG) no Fórum da Liberdade, tradicional evento criado por empresários gaúchos há 38 anos, contou com mensagens de exortação à livre iniciativa, principal agenda da organização anfitriã. O que sobressaiu, porém, foi seu discurso político contra a esquerda e, sobretudo, as ações do Supremo Tribunal Federal.

BC assumiu um risco calculado com o FGC - Alex Ribeiro

Valor Econômico

Banco Central dava como certo, desde o princípio, que surgiriam distorções

O Banco Master não teria assumido tantos riscos se não fossem os flancos de uma regra que permitiu captações sem limites com o seguro do Fundo Garantidor de Crédito (FGC). Mas essa mesma regra permitiu a entrada de competidores num mercado fortemente concentrado. Valeu a pena?

Pelas informações disponíveis, sim. O Banco Central já ajustou a regra para corrigir os excessos, de forma gradual. Caso se mostre insuficiente ou exagerado, sempre é possível calibrar.

Valor apurou que os dirigentes do Banco Central tinham consciência de que a regra de acesso ao FGC criava uma vantagem regulatória aos bancos médios. Foi um risco calculado e ajudou a criar alguns bancos digitais.

Estudo mostra que, com guerra comercial, no Brasil só a soja ganha - Assis Moreira

Valor Econômico

Economistas da UFMG calcularam impacto da alta de tarifas de Trump e da retaliação da China

Uma simulação feita por economistas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) conclui que o Brasil teria um modesto ganho de US$ 428 milhões (R$ 2,497 bilhões) no rastro do tarifaço imposto por Donald Trump e da retaliação anunciada pela China. O resultado aponta a soja como único ganhador. A indústria perderia significativamente.

(Após tarifas nos EUA e retaliação da China)

EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS US$

1.Agricultura................... 4.296

1.1Soja ............................ 4.883

1.2Demais agropecuária.. -587

2.Indústria....................... -3.494

3.Serviços........................ -375

TOTAL................................... 428

Fonte: UFMG/Cedeplar/valores em 2017

Putin: eurasiano e antiocidental - Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S. Paulo

Nessa ‘cruzada’, seus companheiros de luta seriam Irã, Venezuela, Síria, Nicarágua, Coreia do Norte, Bielorrússia e, de maneira mais cautelosa, a China

Qual seria o limite de Putin, uma vez estabelecido um cessar-fogo, patrocinado pelos EUA? Contentar-se-ia ele com a conquista de 20% do território ucraniano ou com o compromisso de que esse país não ingressaria na Otan?

Considerando a história russa, os comprometimentos de Putin e a ideologia eurasiana à qual adere, a resposta talvez fosse: acordos diplomáticos, por si sós, não limitam um país que se baseia numa concepção de mundo, e europeia em particular, expansionista. Uma conquista territorial, por mais importante que seja, não é suficiente, embora uma contenção possa surgir do fato de que a força militar russa se mostrou incapaz de uma vitória total – conquistando toda a Ucrânia, como era o seu projeto geopolítico. A sua aparência e narrativa não corresponderam à sua atuação no campo de batalha.

Trumpismo dá sinais de desgaste - Oliver Stuenkel

O Estado de S. Paulo

A aposta de Trump nas tarifas como estratégia eleitoral pode se revelar um tiro no pé

Quem observa a retórica confiante de Donald Trump e o desânimo da oposição pode acreditar que o presidente americano governará com força imbatível nos próximos quatro anos. De fato, o que mais impressionou até agora foi a incapacidade do Partido Democrata de encontrar uma fórmula para, pelo menos temporariamente, pautar a agenda do debate público. No entanto, alguns acontecimentos recentes sugerem que os primeiros dois meses da administração Trump poderão parecer, em retrospectiva, os mais confortáveis para o presidente, que tem gozado de total controle do discurso público.

As eleições em Wisconsin e na Flórida, no dia 1.º de abril, trouxeram sinais claros de que a maré pode virar. Em Wisconsin, a candidata progressista a um assento na Suprema Corte do Estado venceu com ampla margem a eleição mais cara da história desse órgão do Judiciário estadual. Já na Flórida, embora os republicanos tenham vencido duas eleições legislativas especiais para deputado federal, as grandes margens obtidas em novembro diminuíram de forma expressiva em ambos os distritos. O temor de perder cadeiras na Câmara é tão real que Trump abortou a indicação da deputada Elise Stefanik para embaixadora na ONU, pois seria necessária uma eleição especial em seu distrito para eleger seu sucessor – um reconhecimento implícito da vulnerabilidade eleitoral dos republicanos.

Estratégia de pré-condenado - Diogo Schelp

O Estado de S. Paulo.

Ex-presidente quer que sua condenação e sua prisão despertem um grande clamor popular

A manifestação deste domingo, na Avenida Paulista, em São Paulo, ganhou a maquiagem, carregada no batom, de um ato a favor da anistia aos condenados de 8 de janeiro. Mas, por baixo da camada de tinta, a mensagem central dos discursos, principalmente os de Jair Bolsonaro e de sua esposa, Michelle, foi outra: preparem-se para o sacrifício do seu líder e lembremse de que vocês também estão ameaçados.

O círculo próximo do expresidente está convencido de que a condenação e a prisão são favas contadas. Sóstenes Cavalcante, líder do PL na Câmara dos Deputados, chegou a dizer, antes mesmo da aceitação, pelo STF, da denúncia por tentativa de golpe de Estado, que Bolsonaro “já é um pré-condenado”. Os discursos deste domingo serviram ao propósito de preparar o terreno para a reação à condenação de Bolsonaro.

Ato pró-anistia na Paulista foi demonstração de força da direita - Denise Rothenburg

Correio Braziliense

Ficou claro para muitos presentes à manifestação — e, inclusive, para quem não foi e nem apoia Bolsonaro — que o ato foi uma demonstração de força da direita brasileira que, se conseguir praticar a união que promoveu ontem, dificultará e muito a vida de Lula na campanha reeleitoral

A manifestação na Avenida Paulista nesse domingo (6/4) serviu para que os bolsonaristas começassem a alinhavar um acordo de cavalheiros com os governadores interessados em concorrer ao Planalto nos seguintes termos: vocês, gestores estaduais, ajudam a levar adiante a proposta de anistia aos acusados pelo quebra-quebra de 8 de janeiro de 2023, reforçando o discurso de que não houve golpe de Estado, e, lá na frente, se continuar inelegível, o ex-presidente Jair Bolsonaro apoiará quem estiver mais condições de vencer Luiz Inácio Lula da Silva. E mais: ficou claro para muitos presentes ao ato — e, inclusive, para quem não foi e nem apoia Bolsonaro — que o ato foi uma demonstração de força da direita brasileira que, se conseguir praticar a união que promoveu ontem, dificultará e muito a vida de Lula na campanha reeleitoral.

Direita esboça frente ampla e se pinta de batom para a batalha das eleições - Fábio Zanini

Folha de S. Paulo

Unidade de pré-candidatos trouxe alento para ato pouco numeroso, mas com peso do bolsonarismo e novo slogan

O velho ditado de que a esquerda só se une na prisão já pode se aplicar também à direita, a julgar pela presença dos seus principais representantes no ato de domingo, na avenida Paulista.

A prisão à espreita, claro, é a de Jair Bolsonaro, que, se ainda não ocorreu, já está precificada. Esse cenário para o futuro próximo formou um espírito de corpo entre os muitos pré-candidatos direitistas ao Planalto, que se deslocaram para São Paulo em apoio ao ex-presidente.

Até figuras que raramente participam desse tipo de ato deram as caras, como os governadores Ronaldo Caiado (União Brasil) e Ratinho Jr. (PSD).

Mais amor, por favor - Ana Cristina Rosa

Folha de S. Paulo

Cenário global truculento foi o gatilho que me fez pensar no amor como antídoto contra a ambição desenfreada por poder

É preciso falar de amor. Não o amor romântico, mas o amor atitude, coisa que envolve "cuidado, compromisso, confiança, responsabilidade, respeito e conhecimento", como escreveu bell hooks em "Tudo Sobre o Amor – Novas Perspectivas", onde destaca que pensar o amor como ação pode despertar maior responsabilidade e comprometimento.

Sei que pode soar algo piegas, inocente e até infantil. Mas o mundo tem acompanhado o recrudescimento da imposição truculenta do poder econômico sobre praticamente todas as coisas. E esse cenário global foi o gatilho que me fez pensar no amor como antídoto potente contra a ambição desenfreada por poder e riqueza.

O foro privilegiado muda mais uma vez - Marcus André Melo

Folha de S. Paulo

Analisar o foro revela porque ele é crucial para o exercício da competência penal do Supremo Tribunal Federal

As mudanças nas regras do foro privilegiado, ao longo do tempo, refletem um jogo cujo equilíbrio se altera devido a choques produzidos por eventos como escândalos e/ou alterações radicais no ambiente institucional. O conflito gira em termos de quem tem foro; quem detém poder de iniciativa e veto; e, quem se beneficia com a restrição/ampliação do foro ao mandato e à função, tornando-o temporário ou perpétuo (perdeu o cargo, o foro permanece).

Embora entre 1964 e 1999, o foro tenha passado a ser perpétuo, aumentando o poder do STF, só em 1969 foi estendido a parlamentares (e não só titulares de alguns cargos executivos e magistrados). Entretanto, o impacto foi muito limitado porque a abertura de processo exigia licença prévia da casa legislativa de origem —que nunca a concedia. O Legislativo detinha poderes de gatekeeper —o poder de vetar a iniciativa—, o que só veio a mudar com a EC 35/2001, que dispensou a licença. O STF passou a ter controle pleno sobre sua jurisdição criminal. A mudança deveu-se ao caso Hildebrando Paschoal e, na sequência, Mensalão e Lava Jato. No Mensalão, ficou claro que o foro privilegiado no Supremo não era garantia de impunidade.

O marxismo neoliberal da USP - Luiz Carlos Bresser-Pereira

Folha de S. Paulo

[RESUMOAutor, ministro no primeiro governo FHC, qualifica como marxistas neoliberais os líderes do seminário de "O Capital", objeto de estudo do sociólogo Fábio Mascaro Querido em livro recente. Para Bresser-Pereira, FHC e intelectuais de seu entorno elegeram o desenvolvimentismo como adversário e abandonaram o marxismo ainda nos anos 1970 para, na década de 1990, se tornarem neoliberais, se associarem ao império e levarem a economia brasileira ao estado de quase estagnação.

Fábio Mascaro Querido acaba de publicar "Lugar Periférico, Ideias Modernas", no qual estuda o que denomina marxismo acadêmico da USP —um grupo de sociólogos que, nos anos 1960, se aproximou do marxismo, que havia emergido com força na Europa no pós-guerra e alcançado o Brasil.

Esses sociólogos, sob a liderança de Fernando Henrique Cardoso, criaram um seminário para estudar Marx e "O Capital". Quando Cardoso assumiu a Presidência em 1995, o seminário se tornou célebre, sempre citado pela imprensa conservadora de maneira simpática porque os autores envolvidos já haviam abandonado havia tempos o marxismo. Querido afirma que esse foi o mito fundador do grupo.

O núcleo do grupo —aqueles que proponho chamar de marxistas neoliberais— foi constituído por Fernando Henrique Cardoso, José Arthur Giannotti e Francisco Weffort.

Trata-se de um oximoro que se aplica bem a eles, que se encantaram com o marxismo nos anos 1960, quando ainda estava viva a esperança na revolução socialista, tornaram esse marxismo menos contraditório e revolucionário, definiram o desenvolvimentismo como o adversário e abandonaram o marxismo já nos anos 1970, enquanto Cardoso desenvolvia a teoria da dependência associada, que implicou a subordinação do Brasil ao império. Em síntese, nos anos 1960, eles supunham ser marxistas mas já eram liberais; nos anos 1990, se tornaram neoliberais.

Partido, sociedade e Estado – Ivan Alves Filho*

Penso que não cabe a um partido político buscar soluções técnicas para os problemas que afligem uma sociedade como a brasileira. Isso é tarefa para planejadores, urbanistas, especialistas em meio ambiente e forças de segurança, por exemplo. Cabe ao partido, aí sim, dar o norte, traçando as linhas democráticas gerais e estudando as causas dos problemas. E, no nosso entendimento, essas causas refletem a ausência hoje angustiante de um projeto de nação entre nós. Eis o que abre a via para todo tipo de aventura - da corrupção ao populismo fascisante e deste à formação de uma burguesia do crime, nascida dos escombros do desmoronamento social em curso em muitos setores do país.

Poesia | O Elogio da Dialética, de Bertolt Brecht

 

Música | Gal Costa - Corcovado