segunda-feira, 29 de dezembro de 2025

Opinião do dia – Eric Hobsbawm* (Importância da política)

Permitam-me dizer, para concluir, porque escolhi, neste capítulo, concentrar-me em Gramsci como teórico político. Não foi só por ele ser um teórico invulgarmente interessante e admirável. Em, decerto, porque ele oferece uma receita para a forma como os partidos e os Estados devem organizar-se. Como Maquiavel, ele é um teórico de como as sociedades deveriam ser fundadas ou transformadas, não de pormenores constitucionais e muito menos das trivialidades de que se ocupam os jornalistas políticos. Foi porque, entre os teóricos marxistas, foi ele quem percebeu com maior clarividência a importância da política como uma dimensão especial da sociedade e porque ele compreendeu que a política envolve mais do que o poder. Isso é de enorme importância prática, e não menos para os socialistas.”

Eric Hobsbawm (1917-2012), “Como Mudar o Mundo”, p. 300 – Companhia das Letras, 2011

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Alienação parental exige debate com menos ideologia

Por O Globo

Decisão da CCJ da Câmara que revoga lei poderá criar vazio jurídico. Senadores deveriam corrigir falhas

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou antes do recesso parlamentar a extinção da Lei de Alienação Parental de modo conclusivo, que prescinde da discussão em plenário. É essencial que o Senado se debruce com mais vagar sobre o tema e promova uma ampla discussão em busca de um ponto de equilíbrio entre a extinção, como quer a Câmara, ou a manutenção da situação atual.

O termo “alienação parental” resume as condutas e posturas de casais em separação litigiosa, ou de suas famílias, que usam os filhos para atingir o outro lado no conflito. Entre as práticas condenáveis classificadas pela lei estão: dificultar o contato da criança ou adolescente com pai ou mãe; mudar de endereço sem informar ao outro responsável; criar narrativas falsas para desqualificá-lo; impedir ou dificultar o acesso a informações sobre saúde, escola e outras atividades.

2025: Democracia mostra resiliência em meio à fricção entre Poderes. Por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023 não prosperou porque não houve adesão do Congresso, chancela do Judiciário e apoio das Forças Armadas, apesar dos atritos entre Executivo, Legislativo e Judiciário

Sem grandes ilusões, o Brasil irá às urnas em 2026, provavelmente polarizado entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com sua “economia do afeto”, como diria o historiador Alberto Aggio (A Construção da Democracia no Brasil 1985-2025, editora Annablume e Fundação Astrojildo Pereira-FAP), e o candidato apoiado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, que está convalescendo de uma cirurgia e deve voltar a cumprir pena em regime fechado.

Segundo as pesquisas, a maioria dos eleitores está com cansaço, desconfiança e tédio, mas não deixará de votar. Isso não é pouco: a democracia brasileira hoje não promete felicidade cívica, promete apenas evitar o pior pelo simples fato de que existe. Essa polarização parece inexorável, mesmo que as forças de centro-direita consigam remover a candidatura do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e/ou lançar um candidato de direita que empolgue os eleitores.

Talvez seja pouco para entusiasmar; no mundo em que vivemos, porém, é muito para preservar. Diante desse cenário, nos resta compreender melhor como foi que chegamos até aqui. O ano de 2025 nos deixa em estado de perplexidade. De um lado, o regime democrático não colapsou, graças à Constituição de 1988, apesar de ter sido submetido a choques sucessivos que, em outros momentos de nossa história, teriam resultado em golpes de Estado. De outro, há evidente mal-estar social, fadiga eleitoral e descrença na política como espaço de participação da sociedade e solução dos problemas do país.

Pessoas que respeitam e que corrompem instituições. Por Bruno Carazza

Valor Econômico

Caso do Banco Master confirma que instituições não são suficientes para preservar a democracia e evitar a corrupção

Muitos atribuem à força das nossas instituições a razão por que a democracia brasileira sobreviveu diante da tentativa de golpe bolsonarista. Segundo essa interpretação, a postura firme do Supremo Tribunal Federal na reação ao 8 de janeiro e a decisão das Forças Armadas de não embarcarem na aventura golpista foram fundamentais para o malogro da séria ameaça autocrática que sofremos.

Quem discorda dessa tese aponta que o desfecho da história seria completamente diferente se Alexandre de Moraes não estivesse na presidência do Tribunal Superior Eleitoral, ou se o general Freire Gomes e o brigadeiro Baptista Júnior tivessem aderido aos planos de Bolsonaro tal qual seu colega, o almirante Almir Garnier Santos.

Proteção frágil ao BC ameaça a estabilidade. Por Alex Ribeiro

Valor Econômico

Quando as autoridades tergiversam por medo de serem responsabilizadas, as consequências podem ser sérias

O Banco Central não está acima da lei nem isento de prestar contas de seus atos. Mas as recentes iniciativas do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal de Contas da União (TCU) para apurar o caso do Banco Master, da forma como estão sendo executadas, enfraquecem a autonomia da instituição e deixam o país mais vulnerável a crises bancárias.

Os princípios de supervisão de Basileia, um acordo internacional que visa assegurar a estabilidade financeira em todo o mundo, recomendam expressamente que os reguladores e fiscais bancários tenham proteção legal para evitar que deixem de tomar as decisões necessárias por medo de sofrer sanções.

A prescrição é clara: os supervisores só devem responder por suas ações nos casos em que agem com dolo ou má-fé. Não devem se sujeitar a punições quando o Judiciário ou órgãos de controle externo consideram que houve algum erro, seja por imperícia técnica ou por negligência.

Juízes afastados, no Chile. Por Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Em dois casos, eles foram destituídos pelo Senado. No terceiro, por seus próprios colegas de tribunal

Três ministros da Suprema Corte do Chile foram afastados de seus cargos no curto período entre outubro do ano passado e dezembro último. Em dois casos, os juízes foram destituídos pelo Senado. No terceiro caso, a magistrada Angela Vivanco foi afastada pelos seus próprios colegas de tribunal. As penalidades foram as mesmas: perda do cargo e inabilitação de cinco anos para exercício de qualquer cargo público.

Os casos foram diferentes, mas com vários pontos de contato. Os parâmetros que se formaram ao longo dos processos ficaram claros: para afastar um magistrado não é necessário provar que ele praticou corrupção (vendendo sentenças, por exemplo), nem que tomou decisões com o objetivo explícito de favorecer parentes ou amigos. Basta a aparência de parcialidade, além da existência de relações familiares ou pessoais impróprias.

São Paulo de mil buracos. Por Miguel de Almeida

O Globo

A degradação urbana não é inevitável, é uma escolha. A cidade ainda é uma grande ideia do homem, mas, sendo invenção humana, vem permeada por seu gênio e por seus demônios

O poeta francês Charles Baudelaire desenvolve o conceito de modernidade a partir das ruas parisienses do século XIX. Ele a pensava como fusão entre o eterno e o transitório, entre o clássico e o fugaz. A rapidez das ferrovias, a percepção de proximidade entre as capitais europeias e os bulevares rasgados pelo Barão Haussmann — tudo isso configura a Paris da modernidade. É quando surge o flâneur, aquele que vaga com o olhar vadio e curioso pelas coisas urbanas.

Na contemporaneidade, esse personagem morreu. Na São Paulo do século XXI, quem tenta flanar precisa esconder o celular dos trombadinhas, desviar dos buracos da calçada e fugir de ciclistas que invadem o passeio. Não há olhar vadio possível — apenas olhar vigilante.

O Brasil da Esperança. Por Irapuã Santana O Globo

O Globo

Enquanto o poder se isola, pessoas comuns usam o brilho da inteligência para resolver o que o Estado ignora

Nos últimos anos, as notícias têm jogado na nossa frente um Brasil de privilégios, em que alguns são mais iguais que os outros. São casos que mostram a completa ausência de ética, moralidade e vergonha por parte de nossas autoridades, de todos os espectros políticos, revelando que a República, de fato, nunca existiu no país. Mas nossa nação não é feita apenas disso. Na verdade, nosso povo é feito de luta e solidariedade, e o dia a dia do Brasil profundo, aquele real, mostra isso.

É nesse Brasil real, longe dos gabinetes de Brasília e dos privilégios de castas, que a verdadeira inovação e a decência florescem. Enquanto o poder se isola, pessoas comuns usam o brilho da inteligência para resolver o que o Estado ignora.

Riscos extremos em 2026. Por Diogo Schelp

O Estado de S. Paulo

Grupos trabalham para próxima eleição repetir o clima de polarização extrema e, mais uma vez, sufocar o espaço do centro político

O ano que se aproxima promete ser decisivo para algumas apostas arriscadas na política. No Brasil, existe um esforço evidente, à esquerda e à direita, para recriar o clima de polarização extrema que definiu a eleição presidencial de 2022 e desaguou nos eventos de aspiração golpista após a vitória de Lula. O que se quer, para o pleito de 2026, é mais uma vez sufocar o espaço do centro político.

A soberania do povo. Por Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S. Paulo

Se a questão venezuelana chegou ao ponto em que está, isso se deve à própria esquerda, que reconhece em Maduro um líder revolucionário e é conivente com a repressão

O cerco do governo Trump à ditadura de Nicolás Maduro, devendo-se tratar o dito presidente como tirano que é, tem suscitado questões relativas à soberania da Venezuela diante da ameaça de uma potência estrangeira. É como se os problemas desse país se reduzissem a ações intempestivas do presidente Trump, aproveitando-se a esquerda para se arvorar em defensora de um “povo” prestes a ser invadido, algo que caberia num esquema conceitual mecânico de uma esquerda pobre de conceitos. Procura-se passar para baixo do tapete, uma mera sujeira a ser escondida, a brutal repressão do verdadeiro povo venezuelano, submetido à tortura, à fome, à ausência total de liberdades e à violência de um governo revolucionário.

Retrospectiva política 2025. Por Lara Mesquita

Folha de S. Paulo

Chegamos ao final do ano em um cenário ambíguo após reviravoltas

Verão será de intensas articulações políticas para a definição das candidaturas nas eleições de 2026

O ano de 2025 foi de reviravoltas políticas no Brasil. Chegou-se a decretar o fim do governo Lula nos primeiros meses; com o tarifaço e a queda no custo dos alimentos, a popularidade do presidente voltou a crescer em meados do ano. Chegamos ao final do ano em um cenário mais ambíguo.

Por um lado, o anúncio da candidatura de Flávio Bolsonaro e a provável retirada do governador de São Paulo da corrida presidencial em 2026 foram vistos como um bom presságio para Lula. Por outro, a aprovação do Orçamento de 2026, com a obrigação de execução de grande parte das emendas no primeiro semestre, e a confirmação de que as derrubadas de vetos presidenciais atingiram patamares históricos pintam um cenário de maior dificuldade para o presidente no último ano de governo.

Saldo positivo. Por Ana Cristina Rosa

Folha de S. Paulo

Fortalecimento do sistema democrático implica a defesa dos interesses do povo, o que faz da democracia algo incompatível com o racismo

Neste ano, o STF reconheceu que existe uma violação sistemática dos direitos fundamentais da população negra no Brasil

Para um ano que começou com um prefeito reeleito democraticamente discursando em favor da "liberdade de expressão em defesa da ditadura militar" durante a posse, 2025 termina com saldo positivo em termos de defesa da democracia no Brasil. A resposta tenaz à "Intentona Bolsonarista" –com a condenação à prisão de 29 dos 31 acusados na trama golpista– demonstra prevalência do respeito à Constituição.

Como explicar crença nos Bolsonaro, vistos como burros? Por Bernardo Carvalho

Folha de S. Paulo

Trabalho de campo em seita de lunáticos, que deu origem ao conceito de dissonância cognitiva, teve série de falhas

Apesar da circularidade, a teoria ainda ajuda a explicar o comportamento suicida de quem crê que nunca perde

Leio no site da revista The New Yorker que já não é possível explicar o bolsonarismo (ou qualquer outra aberração lógica) pela teoria da dissonância cognitiva, conceito-chave da psicologia social dos anos 1950 e que desde então tem servido para explicar quase tudo o que parece incompreensível no comportamento humano.

O conceito foi afinado com base na pesquisa sobre uma seita de lunáticos que acreditavam em discos voadores. A recente divulgação do arquivo pessoal de um dos três autores do estudo de 1956, Leon Festinger, revelou entretanto que suas conclusões estavam contaminadas por uma série de falhas e inconsistências do trabalho de campo.

E então que quereis, de Vladimir Maiakovski

 

Música | Chico Buarque & Milton Nascimento - Cálice

 

domingo, 28 de dezembro de 2025

Opinião do dia – Keynes*

“Dei a minha teoria o nome de teoria geral. Com isso quero dizer que estou preocupado principalmente com o comportamento do sistema econômico como um todo - com a renda global, com o lucro global, com o volume global da produção, com o nível global de emprego, com o investimento global e com a poupança global, em vez de com a renda, o lucro, o volume da produção, o nível do emprego, o investimento e a poupança de ramos da indústria, firmas ou indivíduos em particular. E afirmo que foram cometidos erros importantes ao se estender para o sistema como um todo as conclusões a que se tinha chegado de forma correta com relação a uma parte desse sistema tomada isoladamente.

Acredito que economia em toda parte, até recentemente, tinha sido dominada, muito mais do que compreendida, pelas doutrinas associadas ao nome de J.B. Say. É verdade que a “lei dos mercados” dele já foi abandonada há tempo pela maioria dos economistas, mas eles não se livraram de seus postulados básicos, particularmente de sua ideia errônea de que a demanda é criada pela oferta. Say estava supondo implicitamente que o sistema econômico está sempre operando com sua capacidade máxima, de forma que uma atividade nova apareceria sempre em substituição e não em suplementação a alguma outra atividade. Quase toda a teoria econômica subsequente tem defendido, no sentido de que ela tem exigido, esse mesmo pressuposto. No entanto, uma teoria com essa base é claramente incompetente para enfrentar os problemas do desemprego e do ciclo econômico. Talvez eu possa exprimir melhor a meus leitores franceses o que apregoo sobre este livro dizendo que na teoria da produção ele é uma ruptura radical com as doutrinas de J. B. Say e que na teoria dos juros ele é um retorno às doutrinas de Montesquieu.”

*John Maynard Keynes (1883-1946). A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, - Prefácio à Edição Francesa, p. 10-1. Nova Cultura, S. Paulo, 1985.

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Partidos são porta para infiltração do crime na política

Por O Globo

Caso TH Joias expôs contaminação profunda das instituições. Legendas têm papel vital para combatê-la

Ao comparecer à CPI do Crime Organizado, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, relatou ter apelado aos presidentes de partidos para fazer uma “triagem” que evite, nas eleições do ano que vem, candidaturas ligadas a organizações criminosas. É sem dúvida uma iniciativa correta, mas é triste que o Brasil tenha chegado a ponto de isso ser necessário. O avanço alarmante da criminalidade já há algum tempo dá sinais de infiltração na economia formal e nas instituições da República. A porta de entrada na vida pública são os partidos, e é por meio deles que a contaminação avança pela política. Detê-la é urgente.

As palavras e as coisas. Por Luiz Sérgio Henriques

O Estado de S. Paulo

A paixão desmedida, desregrada mesmo, é a que hoje move tiranos, ou aspirantes a tirano, a destruir conquistas civilizatórias essenciais

Não é simples passatempo a atenção que dispensamos às tais “palavras do ano” escolhidas por tradicionais publicações e instituições lexicográficas. E não é por acaso, pois as palavras nos moldam como sujeitos, estruturam nossa percepção do mundo, das pessoas e das coisas. Vagando tantas vezes pelas redes, sentimos o efeito das rage baits, as “iscas” que provocam uma raiva impotente. Sofremos o impacto do slop, o lixo digital que escorre com o furor das tempestades. Suportamos a carga negativa de imaginárias parasocial interactions, em que o interlocutor não é um ser corpóreo, real, e sim uma celebridade que nos ignora por completo ou mesmo um agente virtual qualquer.

O lirismo cult de ‘O que será?’ e a esperança que renasce a cada ano-novo Por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

A canção descreve algo que move a vida e vem do corpo, do desejo, da folia e da angústia, presente em todos os lugares: do sagrado ao profano, do íntimo ao coletivo

Um dos momentos mais sublimes da cultura brasileira foi a gravação ao vivo de O que será? (À flor da pele) por Milton Nascimento e Chico Buarque, no programa Chico & Caetano, exibido em 14 de março de 1987. O encontro histórico cristalizou um instante raro da música brasileira: dois artistas em sintonia plena, interpretando a canção lançada no álbum Meus caros amigos. A abertura vocal profunda e comovente do artista, que Elis Regina resumiu na frase “Se Deus cantasse, seria com a voz do Milton”, e o olhar marejado de Chico ao iniciar o dueto compõem uma cena antológica, dessas que eternizam os artistas e suas obras.

O crescimento vem da distribuição. Por Luiz Inácio Lula da Silva

CartaCapital

Quando os mais pobres têm mais renda disponível, cria-se o círculo virtuoso

Sempre acreditei que muito dinheiro nas mãos de poucos significa concentração de riqueza, significa fome e miséria. E que um pouco de dinheiro nas mãos de muitos é desenvolvimento, é emprego e redução das desigualdades. O Brasil que vemos neste fim de 2025 mostra essa lógica: com três anos de políticas voltadas à redistribuição de renda e de oportunidades, não faltam indicadores para ilustrar que o caminho da justiça social está sendo trilhado a passos rápidos.

O rendimento mensal do trabalho, medido pelo IBGE desde 2012 na Pnad Contínua, teve seu pico histórico em outubro: 3.528 reais. O mesmo aconteceu com a massa salarial, que chegou a 357,3 bilhões de reais naquele mês. O Brasil bate recorde atrás de recorde na ­quantidade­ de trabalhadores formais e de pessoas ocupadas em geral. O desemprego chegou ao menor patamar já medido: 5,4%.

O tamanho da direita. Por Elio Gaspari

O Globo

Campo político tem preso ao seu pé a bola de ferro da família Bolsonaro, e precisará de jogo de cintura para argumentar em 2026 contra o fim da escala 6x1

Vem aí 2026 com sua eleição e um presságio trazido pelo Datafolha: 35% dos entrevistados identificaram-se com a direita e 22% com a esquerda. Nada de novo sob este céu de anil. Em agosto de 2006, uma pesquisa semelhante registrou que a direita tinha 47% contra 30% para a esquerda. Em 2010, Dilma elegeu-se.

Com a diluição de rótulos como esquerda e direita essas classificações perderam eficácia. A direita tem presa ao pé a bola de ferro da família Bolsonaro. Já a esquerda tem duas: a incapacidade de patrocinar uma agenda para a segurança pública e a má vontade com o agronegócio.

Há alguns anos criou-se a imagem de uma bancada do BBB, ou seja: do boi, da Bíblia e da bala. Quem menosprezava o potencial político dos três bês esquecia-se de que o B de boi era o agronegócio, o B de Bíblia referia-se ao livro mais vendido no país e o B de bala juntava políticos que seguem a máxima segundo a qual “bandido bom é bandido morto”.

Limites para erros. Por Merval Pereira

O Globo

Se os cidadãos perderem a confiança nos ministros do Supremo, a democracia estará em dificuldades. A credibilidade já ficara arranhada no caso da Operação Lava-Jato.

Nunca ficou tão claro quanto agora a necessidade de um Código de Conduta para o Supremo Tribunal Federal (STF). Uma coincidência benfazeja faz com que a presidência do Supremo esteja sendo exercida neste momento delicado pelo ministro Edson Fachin, que há anos defende tal código. Não é por acaso que Cortes Supremas de países como os Estados Unidos e a Alemanha fizeram o seu Código de Conduta em anos recentes, pois está ficando claro que os ministros, sem ter quem os controle, estão se perdendo em atitudes pessoais condenáveis. O contrato milionário da mulher do ministro Alexandre de Moraes com o Banco Master é um exemplo, mas são inúmeros os ministros de cortes superiores cujos filhos, mulheres e parentes driblam conflitos de interesse apoiados por uma mudança de legislação feita pelos próprios ministros.

Uma blitz para Silvinei. Por Bernardo Mello Franco

O Globo

Bolsonarista levou 24 anos de prisão por tentar impedir pobres de votar em 2022

Silvinei Vasques aproveitou a bruma natalina para dar no pé. Condenado a 24 anos e meio de prisão, o ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal dispensou o peru e as rabanadas. Deu uma banana para a Justiça, quebrou a tornozeleira eletrônica e fugiu do país. Foi interceptado no Paraguai, onde tentava embarcar num avião para El Salvador.

Bolsonarista de carteirinha, o fujão foi sentenciado por outro episódio vergonhoso: a montagem de bloqueios policiais para impedir eleitores pobres de votar em 2022.

As investigações comprovaram a trama em detalhes. A poucos dias da votação, Silvinei reuniu subordinados e informou que era chegada a hora de a PRF “tomar lado” na corrida presidencial. Ele já havia dado o mau exemplo ao participar de motociatas e usar a farda para fazer campanha pelo capitão.

No ataque ao BC, o país corre risco. Por Míriam Leitão

O Globo

No caso Master não houve só desequilíbrio entre ativos e passivo. Houve crime, isso torna mais graves as pressões políticas e jurídicas

No Banco Master houve fraude. O Banco Central comunicou a Noticia do Fato ao Ministério Público, que a entregou à Polícia Federal para investigar, como tem que ser. Há outras comunicações de crimes, que devem levar a novas investigações. Fraude é diferente de um desequilíbrio entre ativo e passivo, ou de uma sucessão de operações arriscadas. A pressão política ou jurídica para tentar reverter a liquidação só terá sucesso se o país decidir rasgar todo o manual de fiscalização e supervisão bancária, e a Justiça passar a anistiar crime financeiro. O ministro Dias Toffoli quando marca a acareação da próxima terça-feira iguala o regulador e um regulado que está sob investigação. O ministro Jhonatan de Jesus, do TCU, ao afirmar que a liquidação foi precipitada e exigir explicação comete também um absurdo, e fora de sua competência.

A mente humana. Por Dorrit Harazim

O Globo

Neste Natal de 2025 há poucos indícios de que soubemos desembrulhar — com o devido zelo — o que nos foi dado de presente: a vida

A escritora e naturalista americana Diane Ackerman é craque — costuma abordar temas complicadíssimos sem medo de escorregar. Sua obra mais conhecida no Brasil, “O Zoológico de Varsóvia” (2019) , relata o cotidiano do diretor da instituição Jan Zabinski, e sua mulher Antonina, ambos poloneses e da resistência. Narrado em ordem cronológica e baseado nos diários dela, se inicia nos primórdios da invasão alemã de 1939. Com a invasão, veio a terra arrasada pelo ar, e, com os bombardeios, também o zoológico virou matadouro. O massacre dos bichos foi ordenado por um zoologista e colecionador alemão (que, antes, separou os espécimes mais raros para si). A execução foi obra das SS hitleristas. Foi tão brutal que Antonina anotou no diário mantido até o final: “Quantos humanos morrerão da mesma forma nos próximos meses?”. Não ficaram parados. Enquanto os nazistas despovoavam o gueto de Varsóvia enviando-o ao extermínio, o casal Zabinski repovoava o zoológico — desta vez, com judeus contrabandeados do gueto. Conseguiram escondê-los nas jaulas esvaziadas, protegeram-nos da deportação e salvaram mais de 300 da morte certa. É uma baita história narrada com notável conhecimento das espécies — humana e animal.

Renovação e investimento na pauta eleitoral. Por Rolf Kuntz

O Estado de S. Paulo

Seja quem for o eleito em 2026, uma boa administração deverá incluir atenção especial à renovação da indústria e, se possível, à modernização de todo o sistema produtivo

Professoras descreviam o Brasil, há 70 anos, como um país essencialmente agrícola, sem levar em conta, aparentemente, o enorme investimento em industrialização. A indústria cresceu, ganhou destaque entre as economias emergentes e sobreviveu a crises locais e globais, mas voltou a ser, no século 21, bem menos vigorosa que a agropecuária e os serviços. No país governado pela terceira vez pelo ex-metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva, o setor industrial volta a mostrar-se emperrado, com crescimento de 1,7% nos nove meses até setembro, enquanto a produção rural aumentou 11,6% e a dos serviços, 2,8%.

Sem o enorme vigor da agropecuária, a expansão econômica até o fim do terceiro trimestre teria sido bem inferior aos 2,4% registrados oficialmente. Sem esse componente, o avanço de 2,26% estimado para o Produto Interno Bruto (PIB) neste ano seria quase inimaginável. Além de registrar essa estimativa, a pesquisa Focus também aponta, para 2026, a projeção de 1,80%, um número aparentemente medíocre, ou abaixo disso, para um grande país emergente. Mas a mediocridade combina com algumas características importantes do Brasil.

Sobre democracia e moralidade. Lourival Sant’Anna

O Estado de S. Paulo

Abusos são justificáveis para quem os comete, e vê como condenável sua denúncia

EUA e Brasil, as duas maiores democracias presidencialistas, enfrentam crise de legitimidade decorrente de concentração e denúncias de abuso de poder – na presidência americana e na Suprema Corte brasileira.

A polarização serve de amortecedor contra as denúncias de malfeitos, ao deslocar o critério de legitimidade dos princípios éticos para o alinhamento político. Faltam freios e contrapesos robustos o suficiente para conter pessoas que priorizam o dinheiro em detrimento da própria reputação.

Jair Bolsonaro matou a candidatura Tarcísio à Presidência? Por Celso Rocha de Barros

Folha de S. Paulo

Governador tem boas razões para não querer ser presidente em 2027

Em pleno dia de Natal, Jair publicou uma carta comparando sua decisão de tentar arrumar para Flávio uma boquinha de presidente com a decisão de Deus de entregar seu filho ao martírio.

Talvez Jair tenha embarcado nessa fantasia de grandeza depois que Jim Caviezel, que interpretou Jesus em "A Paixão de Cristo", foi escolhido para interpretá-lo no filme "Dark Horse", uma espécie de "Cinderela Baiana" fascista dirigida pelo ex-ministro da Cultura Mário Frias.

Elite guerreia por causa do Master. Por Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Moraes, do STF, perguntou a Galípolo, do BC, se havia roubança no banco de Vorcaro

Toffoli se torna central, mas se esquece da ruína do Master e seus amigos na direita

Alexandre de Moraes perguntou a Gabriel Galípolo se o Banco Central descobrira crimes no Master, de Daniel Vorcaro, ou nas transações desse banco com o BRB, o estatal de Brasília. A conversa quase inteira entre o ministro do Supremo e o presidente do BC tratou do enquadramento de Moraes na Lei Magnitsky e os riscos para o sistema financeiro do país.

Não foi possível saber se testemunhas teriam algo mais a dizer sobre o encontro ou de "pressões" de Moraes em favor do Master. O que seriam "pressões"? Informar-se sobre caso que não é de sua alçada? Interessar-se pelo destino do banco? Sugestão de troca de favores? Ameaça velada de intervir?

Ignorância cívica assola o país. Por Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Esquerda e direita rendem homenagem ao ridículo ao afetar engajamento político em torno de sandálias

Há nos três Poderes causas relevantes a serem objetos de defesa e ataque aos interessados num debate consistente

Criticada por organizar reação a mensagens supostamente subliminares em propaganda de sandálias, a direita não foi a única a embarcar na briga dos chinelos. A esquerda também rendeu homenagens ao ridículo para afetar engajamento na internet.

Ficamos, assim, diante de mais um episódio da chamada polarização de sofá. Um ótimo apelido para gente que não sabe de nada, acredita saber de tudo, não tem ideia de como as coisas funcionam, pega tudo pela superfície e acredita que desse modo participa do debate político.

Arqueologia de um crime infame. Por Muniz Sodré

Folha de S. Paulo

Percepção de absurdo passa com o tempo, não vai a juízo, mas deixa nos sentidos a pestilência da infâmia

Está em pauta no STF o julgamento dos mandantes do assassinato de Marielle Franco

Já está em pauta no STF o julgamento dos mandantes do assassinato de Marielle Franco. O ato jurídico visa um número reduzido de indivíduos, mas nele há algo de tão abjeto que o transforma em fato social obscuro, ainda à espera de maior esclarecimento. A barbaridade não se limitou à execução da vereadora por assassinos profissionais, estendeu-se a uma onda de ódio posterior à sua morte.

À época, eram incompreensíveis tanto os motivos do crime quanto a justificativa para que, num palanque público, espectadores e políticos se unissem na quebra de uma placa de rua com o nome da vítima: um ataque simbólico ao cadáver. Um deles elegeu-se deputado e o outro, governador do estado.

Poesia | A Página, de Joaquim Cardozo por João Diniz

 

Música | A cara do Brasil - Vicente Barreto

 

sábado, 27 de dezembro de 2025

Opinião do dia - Montesquieu* (Batalha das ideias)

Procurando instruir os homens é que poderemos praticar esta virtude geral que compreende amor de todos. O homem, este ser flexível, dobrando-se na sociedade aos pensamentos e impressões de outrem, é igualmente capaz de conhecer sua natureza própria, quando lha mostram, e de perder até o sentimento, quando lho roubam.

*Montesquieu (1689-1755). ‘O Espírito das leis’ (1748), Prefácio, p. 28. Editora Nova Cultura, 2005 (Tradução de Fernando Henrique Cardoso e Leôncio Martins Rodrigues)

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

É precipitada a acareação com BC no caso Master

Por O Globo

Decisão de Toffoli antes do Ano Novo e à revelia da PGR reforça sensação de pressão para intimidar a autoridade monetária

Tem gerado incômodo e estranheza a pressão sobre os técnicos do Banco Central (BC) que determinaram a liquidação extrajudicial do Banco Master, do banqueiro Daniel Vorcaro. Depois de um pedido de esclarecimentos do Tribunal de Contas da União (TCU) — organismo do Legislativo sem poder de supervisão sobre a autoridade monetária —, o ministro Dias Toffoli, relator do caso Master no Supremo Tribunal Federal (STF), marcou para a próxima terça-feira uma acareação entre Vorcaro, o ex-presidente do Banco de Brasília (BRB) Paulo Henrique Costa e o diretor de Fiscalização do BC, Ailton de Aquino Santos (Aquino não é investigado).

À espera de 2026. Por Marco Aurélio Nogueira

O Estado de S. Paulo

No próximo ano, a maioria dos eleitores fará escolhas. Sem entusiasmo. Há um mal-estar que gera tédio e cansaço. Justifica o não-voto, alimenta a indiferença

2025 termina. Houve de tudo nele: tensões entre os Poderes, crime organizado, queda de energia em São Paulo, bloqueio e desbloqueio de Donald Trump, protagonismo do Supremo Tribunal Federal (STF), déficit fiscal, insegurança pública, condenação e prisão de oficiais militares, um ex-presidente na cadeia.

O que nos reservará 2026, um ano de eleições? Tudo indica que a batalha será campal. Inimigos dispostos a esmagar o que houver pela frente. Não por ideias ou projetos, mas por poder e posições. Batalha concentrada no Executivo, sem valorizar o Legislativo. No fim dela, quem serão os derrotados?

2026 demandará sorte e virtude. Por Oscar Vilhena Vieira

Folha de S. Paulo

O sistema político brasileiro dá claros sinais de que está em transição

Não estou confiante que a vida na nossa República contribuirá para aplacar nossas angústias cidadãs

Desejo às generosas leitoras e leitores dessa coluna, mas também a todas e todos que entrarão o ano com o pé direito, esquerdo ou com os dois pés, como sugere Fernanda Torres, um excelente ano, ainda que não esteja confiante que a vida na nossa República contribuirá para aplacar nossas angústias cidadãs.

O sistema político brasileiro dá claros sinais de que está em transição, sabe-se lá para onde. O presidencialismo de coalizão, sob a dominância do Executivo, eleito majoritariamente, que contribuiu para avanços incrementais ao longo das primeiras décadas da Nova República, hoje se organiza sob a dominância do parlamento, eleito proporcionalmente, gerando dúvidas sobre a capacidade de esse modelo promover os mesmos avanços.

O que querem os Bolsonaros? Por Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Faz sentido lançar Flávio como candidato, se clã achar que a eleição já é de Lula

Se eles consideram que direita tem chance, o lógico seria buscar nome com menos rejeição

Em até quatro meses, o clã precisará definir como se posicionará para o pleito presidencial de outubro. Se os Bolsonaros acharem que a eleição já é de Lula, o mais lógico é seguirem mesmo com a candidatura de Flávio. Seria uma forma de manter em família a força eleitoral da marca Bolsonaro. Se o ex-presidente passar o bastão para Tarcísio de Freitas ou outro postulante da direita, ele abre mão da relevância política que ainda tem.

Os desafios de Lula em 2026. Por Idiana Tomazelli

Folha de S. Paulo

Governo precisa resistir à tentação de pisar no acelerador dos gastos federais

Farra em estados e municípios e situação ainda frágil de empresas estatais também trazem risco

O governo Lula (PT) chega às portas de 2026 em situação relativamente confortável, com economia crescendojuros ainda elevados, mas com perspectiva de queda, e avanço em medidas para recompor as finanças (como aumentos de tributos) e honrar promessas ao eleitorado (isenção de Imposto de Renda até R$ 5.000).

Quarteto fantástico. Por Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

Amizade e ambição uniram Cortázar, Vargas Llosa, García Márquez e Fuentes

A Revolução Cubana primeiro encantou os escritores e depois os separou

O lugar-comum publicitário inventou uma fórmula para atrair o leitor desacostumado aos livros de não ficção: garantir que estes podem ser lidos como um romance. Raramente isso é verdade. "As Cartas do Boom" tem essa mágica, com a vantagem de que o tema central é a arte de escrever romances.

Não quaisquer romances. O livro recém-lançado mostra a gestação e registra o impacto de quatro obras —"A Morte de Artêmio Cruz", "O Jogo da Amarelinha", "A Cidade e os Cachorros", "Cem Anos de Solidão"— que obtiveram êxito de público e alta estima crítica, sacudindo a roseira da literatura na segunda metade do século 20.