quarta-feira, 17 de setembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Não deve haver trégua no combate ao crime organizado

Por O Globo

Reação a assassinato de delegado deve ser implacável — e estritamente dentro da lei

Na segunda-feira, o ex-delegado-geral de São Paulo Ruy Ferraz Fontes foi perseguido e alvejado a tiros depois de sair da Prefeitura de Praia Grande (SP), onde era secretário de Administração Pública. A identidade dos assassinos ainda não foi revelada, mas as circunstâncias sugerem o envolvimento do Primeiro Comando da Capital (PCC). Quando chefiava a Delegacia de Roubo a Bancos da Polícia Civil paulista em 2006, Ferraz foi responsável por indiciar toda a cúpula da facção criminosa. Há menos de três semanas, uma força-tarefa incluindo Polícia Federal (PF), Receita Federal e Ministério Público de São Paulo realizou a maior operação de asfixia financeira contra o PCC. A execução no litoral paulista, em via movimentada e horário de grande circulação, foi aparentemente uma reação destinada a chocar a opinião pública e amedrontar quem investiga o crime organizado.

Câmara manda às favas os escrúpulos. Por Vera Magalhães

O Globo

De todos que falham em temas urgentes, o Congresso tem o comportamento mais aviltante

A Operação Carbono Oculto, que revelou a extensão da infiltração do crime organizado na economia formal, parecia ter freado a ousadia da Câmara dos Deputados de seguir adiante com a indefensável PEC da Blindagem. Passados pouco mais de 15 dias, no entanto, os deputados deixam claro que não estão nem aí para essa e outras emergências do país. O que importa, mesmo, é agir em causa própria e garantir à classe política uma salvaguarda de que o restante da sociedade não dispõe.

A nova investida, muito mais convicta, vem noutro momento, em que fica gritante o contraste entre a realidade brasileira e a particular dos blindados: no dia seguinte à execução, no litoral paulista, do ex-delegado-geral de São Paulo Ruy Ferraz Fontes, um dos mais experientes policiais do país em enfrentamento ao PCC, a mais poderosa das facções criminosas brasileiras.

Se não estivessem tão afoitos para levar a cabo seu próprio “salve geral” — que inclui ainda a tentativa de passar a qualquer preço uma anistia aos condenados por tentativa de golpe de Estado —, os deputados, Hugo Motta à frente, poderiam estar empenhados em votar a PEC da Segurança e em pressionar o governo pelo envio imediato do Projeto de Lei antimáfia.

Paes no templo de Silas Malafaia. Por Bernardo Mello Franco

O Globo

Ao bajular pastor bolsonarista, prefeito do Rio volta a rasgar figurino da última campanha

Eduardo Paes não disfarça mais. Está contando os dias para abandonar a prefeitura e se candidatar outra vez ao governo do Rio. O futuro ex-prefeito já garantiu o apoio de Lula e do PT. Agora tenta avançar no campo bolsonarista.

No domingo, Paes foi a um culto na igreja de Silas Malafaia. Subiu ao púlpito e engrenou uma louvação ao pastor. “O Silas Malafaia me ama, gente. Ele ama todo mundo, mas me ama especialmente”, gracejou, depois de se gabar dos “20 anos de amizade” com o anfitrião.

Um cenário sobre as eleições em São Paulo. Por Lu Aiko Otta

Valor Econômico

Eleitos para o Senado podem ter papel decisivo para o país

Tão sazonal quanto as floradas dos ipês na estação seca do cerrado, começou a temporada das especulações pré-eleição em Brasília. Daqui a sete meses, terá lugar a revoada dos ministros e secretários que vão concorrer a algum cargo. Por isso, nos arredores da Praça dos Três Poderes só se pensa no pleito que acontecerá daqui a pouco mais de um ano.

O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin (PSB), costuma brincar, quando lhe perguntam sobre seus planos para 2026, que há dois ansiosos: os jornalistas e os políticos.

A coluna ouviu um integrante do governo que planeja deixar o cargo em abril. Falou do quadro em São Paulo.

Palavra de Bolsonaro tem grau especulativo. Por Fernando Exman

Valor Econômico

Não há garantia de que a palavra do ex-presidente Bolsonaro será mantida até o fim

A perspectiva de que a condenação de Jair Bolsonaro (PL) abre caminho para uma candidatura presidencial do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), gera euforia em setores do mercado e do Centrão. Nesses círculos, a tese é que as circunstâncias levarão Bolsonaro a sentir-se impelido a antecipar a chancela ao aliado e, assim, consolidá-lo como o nome do bolsonarismo e da centro-direita para 2026. Mas alto lá. A hipótese é fundamentada em uma premissa questionável, ou seja, que Bolsonaro cumpre acordos políticos.

PEC da Blindagem escancara a política, sem intermediários, ao crime. Por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

A PEC visa a blindar parlamentares de processos no STF, que só os julgaria mediante autorização de seus pares, além de incorporar presidentes de partidos ao rol de autoridades que têm foro no Supremo

A aprovação da PEC da Blindagem no mesmo dia em que a Câmara franqueia a liderança da minoria ao deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) é autoexplicativa. A proposta de emenda constitucional visa a blindar parlamentares de processos no Supremo Tribunal Federal, que só os julgaria mediante autorização de seus pares.

Não se espere, porém, que esses pares se disponham a fazê-lo. Blindam o filho do ex-presidente com um cargo de líder para perdoar suas faltas, quando poderiam cassar seu mandato pela mais grave delas, a de traição da pátria. Não bastasse o tarifaço, o deputado endossou a ameaça da porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, de uma intervenção militar americana. É ainda mais grave que um líder defenda tamanha afronta.

Vale tudo para blindar deputados investigados e anistiar Bolsonaro. Por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

O ambiente é surreal. Enquanto a blindagem era discutida em plenário, a oposição indicou Eduardo Bolsonaro, que vive nos Estados Unidos, como líder da minoria na Câmara

A cena política brasileira nesta terça-feira poderia facilmente ter saído de um roteiro de novela. A Câmara dos Deputados decidiu votar a PEC das Prerrogativas, chamada de PEC da Blindagem, em meio a um ambiente de forte pressão do Supremo Tribunal Federal (STF) e de investigações sobre o mau uso das emendas parlamentares. A iniciativa revela a força de políticos enrolados em desvios de recursos públicos, que se escondem atrás do discurso de conter “avanços” do Judiciário sobre o Congresso. O que está em jogo não é a defesa da democracia, mas, sim, a tentativa de redesenhar as regras para escapar da responsabilização judicial.

A verdadeira motivação da PEC da Blindagem são as investigações a cargo da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Polícia Federal para apurar irregularidades graves em emendas Pix, mecanismo que transfere recursos da União diretamente a estados e municípios sem rastreamento. Das 10 cidades que mais receberam recursos de emendas, relatórios apontaram desvios em pelo menos nove, e o ministro Flávio Dino, do STF, determinou o aprofundamento das apurações, com indícios de fraudes que envolvem prefeituras, empreiteiras e parlamentares que direcionaram recursos sem transparência. Trata-se de expor a engrenagem de um dos maiores esquemas de desvio de recursos públicos da história recente.

Onde estão os adultos? Por Cristovam Buarque*

Correio Braziliense

A prisão do ex-presidente e de militares golpistas é um passo histórico, mas insuficiente para garantir a consolidação democrática se os políticos continuarem brincando de política 

Depois da longa história de golpes contra a democracia, é natural que democratas comemorem a condenação de golpistas pela Justiça. Mas o Brasil precisa saber que juízes punem golpistas, mas não constroem democracia. Só políticos podem construí-la, se tiverem maturidade para fazê-la eficiente, justa e respeitada pela população. A indignação dos eleitores é mais indutora de golpes do que as armas de militares. A própria Justiça que prende golpistas, desincentiva a democracia quando, baseada nas leis da política, protege juízes corruptos com aposentadorias precoces no lugar de cadeia.

A anistia e a Constituição de 1988. Por Renato de Mello Jorge Silveira e Nicolau da Rocha Cavalcanti

O Estado de S. Paulo

A Constituição de 1988 é verdadeiramente fruto de uma anistia. Essa afirmação não está no plano da especulação política

Muito se tem falado, nos últimos tempos, sobre anistia de crimes antidemocráticos nos mais variados tons. Às vezes, ela é apresentada como elemento indispensável à pacificação do País. Outras, como um deboche com a jovem democracia brasileira, a exigir a mais cabal rejeição. Assim como toda a história do Direito Penal, sua trajetória é um pouco mais complexa do que se costuma pensar.

A Constituição de 1988 é verdadeiramente fruto de uma anistia. Essa afirmação não está no plano da especulação política. O mesmo ato – a Emenda Constitucional (EC) 26/1985 – que convocou a Assembleia Nacional Constituinte concedeu “anistia a todos os servidores públicos civis da Administração direta e indireta e militares, punidos por atos de exceção, institucionais ou complementares”. Concedeu, “igualmente, anistia aos autores de crimes políticos ou conexos, e aos dirigentes e representantes de organizações sindicais e estudantis, bem como aos servidores civis ou empregados que hajam sido demitidos ou dispensados por motivação exclusivamente política, com base em outros diplomas legais”.

A improvável aliança para rifar Bolsonaro. Por Vera Rosa

O Estado de S. Paulo

Centrão aceita votar contra anistia ampla, mas quer apoio do PT para se livrar de investigações

É grande a lista de jabutis por trás do projeto de anistia a Jair Bolsonaro. Longe dos holofotes, o Centrão passou as últimas horas costurando uma aliança com o PT e o governo para aprovar a PEC da Blindagem, que cria uma série de empecilhos para a prisão e a abertura de processos contra parlamentares.

Em troca, partidos do grupo – que em público juram fidelidade ao ex-presidente – ofereceram apoio aos petistas para derrotar o PL de Bolsonaro no plenário da Câmara. Traduzindo: o Centrão aceita votar contra a urgência do projeto que prevê anistia ampla, geral e irrestrita a Bolsonaro e aos envolvidos na trama golpista do 8 de Janeiro, mas quer ajuda para se livrar de investigações da Polícia Federal autorizadas pelo STF. O maior temor do bloco, no momento, é em relação aos processos sobre desvio de emendas, que têm alvejado seus integrantes.

IEPfD e Roda Democrática | A DEMOCRACIA DESAFIADA - O Julgamento da Trama Golpista

 

Tarcísio de Freitas, entre el perfil tecnocrático y el bolsonarismo. Por Fernando de la Cuadra

El Clarin (Chile)

Después de la condena de Jair Bolsonaro a 27 años y 3 meses de presidio, la extrema derecha busca con suma urgencia un posible candidato que la represente en las próximas elecciones del año que viene. Hasta aquí, quien aparece mejor evaluado en las encuestas políticas es el actual gobernador del Estado de Sao Paulo, Tarcísio de Freitas.

Tarcísio que se había erguido como una alternativa de la derecha conservadora, aunque con un sello tradicional, ha dado en el último periodo un claro giro hacia la ultraderecha, transformándose en uno de los principales articuladores de la “amnistía amplia, general e irrestricta” que vienen levantando los partidarios del bolsonarismo, tanto en el parlamento como en otras instancias del mundo político y social brasileño.

A melhor situação de emprego e salário em décadas e o destino da inflação. Por Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Situação do mercado de trabalho afeta preços, mas menos do que se pensava faz dois anos

Estimativas de desemprego natural e PIB potencial ainda estão descalibradas ou erradas

Uma taxa de desemprego muito baixa pode acabar por aumentar custos de empresas e preços ("tudo mais constante"). Daí, pode contribuir para o aumento persistente de preços, para a inflação. Qual seria a taxa que não faz a inflação acelerar é um debate interminável e depende de contextos.

No Brasil de 2023, muita gente acreditava que essa taxa seria de algo perto de 8% —há quem acredite nisso até agora.

A taxa de desemprego em julho foi de 5,6%, muito menor. O rendimento médio do trabalho ("salário") está crescendo a 3,8% ao ano, em termos reais —além da inflação. A proporção da população em idade de trabalhar que está ocupada é a maior desde que há dados oficiais comparáveis (2012). A situação deve ser a melhor desde sempre.

Mas a taxa de inflação cai, embora lentamente. É verdade que o IPCA é empurrado para baixo pela valorização do real, pois o dólar cai no mundo inteiro, agora em ritmo um tanto maior aqui no Brasil por causa da taxa de juros muito alta, para não mencionar outras mãozinhas da economia mundial.

Nos EUA, a liberdade de expressão morre duas vezes. Por Rui Tavares

Folha de S. Paulo

Assassinato político pode ser pretexto para virada repressiva

Há quem divida a ética entre deontologia e consequencialismo —coisas que são moralmente erradas por princípio e coisas que são moralmente erradas porque as suas consequências são más. Para mim, a violência política, e em particular o assassinato de adversários políticos, é moralmente errada por ambas as razões e deve ser publicamente denunciada.

Não me desvio deste ponto de partida, mesmo se discordo e me causam repugnância as opiniões da vítima do assassinato. Diria mais: sobretudo nessas situações. A pedagogia de cada um de nós é mais necessária e eficaz junto da nossa família política e quando a vítima é da família política a que nos opomos.

A belicosa defesa da paz. Por Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Os porta-vozes da anistia se contradizem ao adotar retórica agressiva em prol de uma conciliação

Os defensores de anistia aos golpistas condenados pelo Supremo Tribunal Federal falam genericamente em página virada e pacificação.

No entanto, não se ouve deles palavra sobre compromissos reais com a aludida paz. Pedem perdão, mas não fornecessem contrapartida alguma. Ao contrário: seus porta-vozes recorrem a discursos radicalizados e belicosos, produzindo uma inequívoca contradição nos próprios termos.

Democracia brasileira não será a mesma após o 11 de setembro. Por Wilson Gomes

Folha de S. Paulo

Julgamento rompe lógica de ela ser apenas um intervalo entre golpes e ditaduras

Levou uma vida para acontecer; a geração do meu pai não pôde ver algo assim

Quase metade do país, pelo menos neste momento, não consegue perceber o alcance histórico do que ocorreu no Supremo Tribunal Federal no último 11 de setembro . Há muita raiva política no ar, há a convicção disseminada de que se tratou de mais uma batalha na guerra entre dois lados e uma enorme vontade de revanche. Triste, mas natural: nas atuais circunstâncias políticas do país, dificilmente as coisas poderiam ser vistas de outro modo.

Mas a percepção pública não pode obscurecer os fatos. E o fato fundamental é que 11 de setembro de 2025, cedo ou tarde, entrará para a memória nacional como um dos dias mais decisivos da curta e intermitente história da nossa democracia.

Netanyahu está acabando com Israel. Por Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Ofensiva terrestre contra Gaza trará mais mortes e sofrimento para palestinos e desgastará ainda mais imagem do Estado judeu

Israel deslanchou sua ofensiva militar terrestre contra a Faixa de Gaza. Veremos nas próximas horas e dias muito mais sofrimento, mortes e crimes de guerra e contra a humanidade. E o ataque não fará avançar os interesses do Estado de Israel. Pelo contrário, trará prejuízos.

Basta lembrar que os profissionais da guerra, isto é, o Estado-Maior das Forças Armadas de Israel, eram terminantemente contra a ofensiva, que viam como desgastante para as tropas e perigosa para os reféns.

Poesia | Somos todos poetas, de Murilo Mendes

 

Música | Carlos Lyra - "Benção Bossa Nova" com Wanda Sá, Roberto Menescal e Leila Pinheiro

 

terça-feira, 16 de setembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Normalização da violência política ameaça a democracia

Por Correio Braziliense

Tem-se perdido a capacidade de diálogo em detrimento de práticas covardes que abalam um dos pilares da democracia: o pluralismo

Em tempos de polarização exacerbada, os embates políticos ficam limitados aos fatos que "fogem da curva": sejam eles verdadeiros ou não. Assim, a notícia de um golpe bilionário em assistidos pelo INSS e a invenção de que creches públicas recebem mamadeiras eróticas mobilizam agentes políticos e cidadãos comuns da mesma forma, em uma falta de filtros que atravanca a condução de pautas imprescindíveis para o bom funcionamento do país. Essa agenda deslocada vai além: é cáustica para a convivência democrática, levando a uma espécie de normalização da violência política.

A execução a tiros de Charlie Kirk, nos Estados Unidos, na semana passada, é a prova mais recente de como esse fenômeno contamina o Brasil e o resto do mundo. A troca de acusações sobre as motivações do atirador se deu na mesma velocidade com que as imagens do influenciador sendo baleado no pescoço se disseminaram pelas redes sociais. Um suspeito chegou a ser preso logo em seguida ao crime, e o presidente Donald Trump tratou de inflar a disputa ideológica imediatamente. Culpou a "esquerda radical" por "demonizar aqueles de quem se discorda". O desenrolar das investigações evidenciou que veredictos não podem ser instantâneos.

Nova página. Por Merval Pereira

O Globo

Veremos se Tarcísio, com a radicalização que demonstrou nos dias recentes, não perdeu boa parte da centro-direita, da direita dita civilizada, abrindo espaço a outro governador, como Ratinho Junior, do Paraná, ou Ronaldo Caiado, de Goiás

A manobra que o presidente da Câmara, Hugo Motta, articula nos bastidores — derrotar a proposta de anistia ampla, geral e irrestrita para, em seu lugar, aprovar outra, que abra a condição de o Supremo Tribunal Federal (STF) reduzir penas já dadas aos integrantes da “massa de manobra” da intentona do 8 de janeiro de 2023, mas sem atingir os organizadores e financiadores da tentativa de golpe — pode ser arriscada, mas é uma solução para não pressionar o Supremo, que acabou de condenar os integrantes do “núcleo crucial”.

Sócios do golpismo sob a mira de mais delações. Por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Benefícios de Cid aquecem novamente o mercado de delações e facilitam a captura daqueles que, na política e no setor privado, engancharam os vagões seculares do atraso na carona da locomotiva golpista

O Supremo Tribunal Federal não se limitou a promover uma condenação inédita na história das quarteladas do país, também abriu as portas para que as delações sejam novamente recebidas na sala de visitas do combate à impunidade. O julgamento coincide com uma operação policial que pode levar ao banco dos réus aqueles que pegaram carona na irresponsabilidade bolsonarista que colocou o país no pódio de mortes da covid-19. Impunes, prosseguiram no assalto aos aposentados. E não apenas.

O ministro Flávio Dino foi o primeiro a demonstrar que as ações sob seu comando também podem ganhar um gás com a ressurreita delação. Nesta segunda, o ministro suspendeu repasses às emendas Pix de nove municípios, entre os quais duas capitais (Rio de Janeiro e Macapá), com base em relatório da Controladoria-Geral da União, e ainda encaminhou o apanhado para a Polícia Federal investigar os indícios de crime.

Mesmo condenado, Bolsonaro pauta agenda política. Por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

A chamada “pacificação nacional” é defendida pelos bolsonaristas como eufemismo para impunidade. É uma encruzilhada: anistiar o crime de golpe de Estado ou enfrentar o risco de radicalização e instabilidade institucional

Menos de uma semana depois de ter sido condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 27 anos e três meses de prisão por tentativa de golpe de Estado e outros quatro crimes, o ex-presidente Jair Bolsonaro segue ditando a pauta política em Brasília. Embora em prisão domiciliar, continua articulando com aliados para reverter o efeito de sua condenação. Ontem, sua defesa pediu ao ministro Alexandre de Moraes autorização para receber visitas de lideranças estratégicas, entre elas o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e o relator do projeto de anistia na Câmara, deputado Rodrigo Valadares (União Brasil-SE), que já apresentou parecer favorável à medida.

Bolsonaro conserva a capacidade de mobilizar sua base parlamentar e tensionar as instituições. Na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a proposta de anistia avança com o apoio do PL e de setores do Centrão, sob a narrativa de “pacificação nacional”. Mas, na prática, funciona como um instrumento para esvaziar a decisão histórica do STF e abrir caminho para sua reabilitação política.

Como dialogar com o discurso do ódio. Por Fernando Gabeira

O Globo

Quem não assume cegamente um dos lados do conflito estará sujeito sempre a um nível de hostilidade

Tirei férias das atividades cotidianas na televisão. Tempo de estudo tranquilo para chacoalhar a ignorância, matar a curiosidade. A última semana foi intensa. Um longo júri no Brasil, Nepal em chamas, tensão na França, o assassinato de Charlie Kirk em Utah. Uma das questões que me vieram à cabeça durante o julgamento de Bolsonaro: seria possível fazer júris simulados nas universidades como organizávamos no passado?

Neles, os estudantes eram os defensores e promotores. Pelos conflitos da mesma semana passada na Universidade Federal do Paraná, creio que um júri desse tipo poderia terminar em pancadaria.

Sinto saudades do tempo em que se debatia com respeito pelas posições alheias. E a pergunta é esta: será que, diante da hostilidade atual, o gênio pode voltar para a lâmpada?

A força. Por Pedro Doria

O Globo

Não importa se Tyler Robinson é de direita ou de esquerda. Ele é movido a ódio

Existe uma razão para tanto a esquerda quanto a direita jogarem para o lado adversário o acusado do assassinato do ativista americano Charlie Kirk. É porque os sinais emitidos por Tyler Robinson, em sua vida, são mesmo confusos. Nas balas que estavam no rifle usado no crime havia inscrições como “Bella Ciao”, hino antifascista italiano, ou acenos em favor de pessoas trans. Ao mesmo tempo, ele vem de uma família profundamente trumpista, e em sua vida on-line está clara uma aproximação dos groypers, movimento de extremíssima direita. O certo é que Robinson, de 22 anos, é um gamer ativo nesses lugares da internet frequentados por muitos rapazes como ele. Solitários. Ressentidos. E, se paramos para reconhecer que ele simplesmente não tem ideologia definida, os sinais que emitiu podem nos trazer clareza não só sobre o assassinato, como também sobre o momento da política.

É unânime: houve uma tentativa de golpe de Estado no Brasil. Por Maíra Fernandes e João Vicente Tinoco

Correio Braziliense

Mesmo a análise divergente do ministro Luiz Fux — tão festejada pelo bolsonarismo — reconhece que a prova dos autos mostra a existência do atentado contra a democracia

Nas últimas semanas, o Supremo Tribunal Federal (STF) foi palco de dias históricos para o país. Pela primeira vez por aqui, um ex-presidente da República foi julgado por tentar golpear a democracia e subverter o Estado Democrático de Direito. Ao lado de Jair Bolsonaro, ocuparam o banco dos réus, na condição de próceres da aventura golpista, militares das Forças Armadas e influentes integrantes de seu governo. Com a sonora condenação proclamada na última quinta-feira, a Corte anuncia que golpes e quarteladas — práticas, infelizmente, frequentes na história brasileira — não encontram mais lugar em nossa experiência democrática pavimentada pela Constituição Cidadã. 

A anistia e a aberração sistêmica. Por Lenio Streck, Pedro Serrano e Mauro Menezes

Correio Braziliense

Seria um monumento à insensatez dizer que, se a Constituição proíbe anistia a grupos armados civis e militares, poder-se-á permitir anistia a quem tenta destruir a democracia

Uma falsa polêmica está no ar. Condenados os golpistas, começam a leituras jurídicas deformadas. Agora sobre anistia, assim já foi com o artigo 142 da Constituição Federal (CF), quando alguns defendiam que as Forças Armadas seriam uma espécie de poder moderador. Acreditaram naquilo que o Supremo Tribunal Federal (STF) denunciou como "terraplanismo jurídico". Deu no que deu. A fraude interpretativa fomentou o golpismo, culminando com o 8 de Janeiro.

Agora, a lenda em construção é: a anistia seria constitucional porque não haveria vedação expressa na Constituição. Já adiantaremos nossa tese: a CF proíbe, sim, a anistia. E o STF, lendo corretamente o texto constitucional, já disse ser inconstitucional. 

O bem que Bolsonaro fez. Por Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Quem condenou generais à prisão e à desgraça não foi Alexandre de Moraes, foi Jair Bolsonaro

Quiseram os deuses, o destino, as circunstâncias e a história que fosse justamente um “mau militar”, cadete medíocre e capitão insubordinado, o agente do que nem os grandes juristas ou políticos haviam conseguido até este 2025: prisão, desonra e desgraça de oficiais das maiores patentes por tentativa de golpe de Estado. Quem condenou generais, um tenente-coronel e um almirante, além de dois delegados federais, não foi Alexandre de Moraes, foi Jair Bolsonaro.

Traição light. Por Carlos Andreazza

O Estado de S. Paulo

O mundo real se impõe e faz acelerar. O julgamento dos golpistas acuou o bolsonarismo puro-sangue, decretou o fim de 2025 e projetou no porvir a perspectiva de um novo esquema de poder. A rapaziada saliva ante a chance de partilhar a esplanada – de controlar a corda e a caçamba – com Jair encostado, seja preso ou indultado. A perspectiva de trair com respeito.

Estamos no pós-Bolsonaro, em função do que todos os agentes políticos e econômicos se orientam; até os Bolsonaro, ora empurrados à condição de reagentes. (Condição sine qua non para o exercício do imponderável, da qual poderá ascender uma dissidência desafiante como a encarnada por Pablo Marçal.)

Creem os militantes em seus mitos? Por Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Caso do Pizzagate mostrou que a maioria dos que diziam acreditar numa narrativa ideológica não agiram de acordo com a crença

Militantes políticos acreditam de verdade nas narrativas que seus grupos impulsionam? Um experimento natural mostra que não ou, pelo menos, não cegamente.

Em 2016, durante a campanha presidencial americana, ganhou corpo a teoria conspiratória do Pizzagate, segundo a qual membros do Partido Democrata, incluindo Hillary Clinton, faziam parte de uma quadrilha que aprisionava crianças no porão de uma pizzaria em Washington, a Comet Ping Pong, para utilizá-las como escravas sexuais. Pelas pesquisas, milhões de americanos "acreditavam" no Pizzagate, mas um único indivíduo, Edgar Welch, tomou a atitude compatível com sua crença e tentou libertar as crianças. Armado, ele invadiu a Comet. Após cerco policial, foi preso.

A hora do vamos ver. Por Dora Kramer

Folha de S. Paulo

A direita vive um paradoxo, porque onde impera o radicalismo não é possível prosperar a moderação

Enterrada a fantasia de que Jair Bolsonaro (PL) possa pela arte do impossível vir a ser candidato à Presidência da República em 2026 ou enquanto estiver submetido à pena de quase três décadas imposta pelo Supremo Tribunal Federal, a direita terá de falar sério sobre a próxima eleição.

A realidade impõe o desafio de herdar os votos dos radicais e, ao mesmo tempo, conquistar o apoio dos moderados. Tarefa difícil, dado o paradoxo. Onde reina o radicalismo, por óbvio não viceja a moderação.

Chefes da direita já ignoram o mito em desgraça. Por Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

Ao acatar a decisão do STF, presidente do PL revela o enfraquecimento do clã Bolsonaro

E o mundo não se acabou... Na esteira da condenação de Bolsonaro a 27 anos e três meses de prisão, não houve registros de alguém dançando em trajes de maiô e beijando a boca de quem não devia. O sol não nasceu antes da madrugada. Houve sim um pequeno Carnaval improvisado em ruas e bares, com o Rio na vanguarda da folia, mas nada que lembrasse a catarse coletiva descrita no samba de Assis Valente gravado por Carmen Miranda.

Charlie Kirk vive. Por Joel Pinheiro da Fonseca

Folha de S. Paulo

Influenciador tinha muitas opiniões detestáveis, mas sua única arma era a palavra

É de se imaginar que, dentre aqueles que se creem defensores da democracia, seria consenso que assassinar adversários políticos é um ato reprovável. Aparentemente, não é. E isso ficou claro com as reações ao assassinato do ativista americano de direita Charlie Kirk.

Não foram poucas as celebrações e mesmo as defesas do atirador. As posições de Kirk eram tão horríveis, e sua veiculação tão violenta contra diversos grupos, que a bala que o matou era quase uma legítima defesa das minorias oprimidas.

Poesia | O laço e o abraço, de Mário Quintana

 

Música | Dominguinhos + Hermeto Pascoal [Juazeiro / Asa Branca]

 

segunda-feira, 15 de setembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Narcogarimpo ameaça segurança da Amazônia

Por O Globo

Apesar das sucessivas operações policiais, garimpeiros ilegais persistem, em aliança com o tráfico

A informação de que o Sul do Pará volta a ser ocupado por balsas do garimpo ilegal, apesar de sete operações realizadas apenas neste ano na região, reflete a dificuldade de estabelecer uma política eficaz de segurança pública para a região. Tal política não pode se resumir às operações, cujo efeito se assemelha a enxugar gelo. As distâncias na Amazônia podem ser maiores, mas, como nas áreas urbanas, o combate à ilegalidade exige informação e estratégia para sufocar os criminosos.

Os alvos mais recentes dos garimpeiros são a Terra Indígena Kayabi e o Refúgio de Vida Silvestre Rio São Benedito e Azul, criado pelo governo do Pará em 2021. A corrida à região é motivada pela duplicação do preço do ouro em apenas um ano, para R$ 630 por grama. A rentabilidade do negócio se tornou tão grande que garimpeiros, ao ser surpreendidos, preferem afundar suas balsas e tentar recuperá-las depois. Em reportagem do GLOBO, um morador da região comparou o que acontece no Sul do Pará à descoberta de ouro em Serra Pelada nos anos 1980, quando era comum habitantes de fora venderem tudo o que tinham para tentar a sorte no garimpo.

Entrevista |‘Discurso da defesa da anistia é um discurso conveniente’

Cientista política diz que no Congresso a discussão sobre eventual anistia tende a ser colocada em segundo plano

Por Marcos de Moura e Souza / Valor Econômico

O ex-presidente Jair Bolsonaro e outros condenados por tentativa de golpe não devem nutrir muitas esperanças de que uma mobilização de seus aliados no Congresso leve à aprovação de uma anistia que os beneficie. O caminho mais provável para eventual reversão de suas penas é outro.

“Eu acho que as chances deles são mais por uma saída de algo que faça a reversão do processo que os condenou. Algo pela esfera judicial”, disse em entrevista ao Valor a doutora em ciência política e professora da Escola de Economia de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas (FGV EESP), Lara Mesquita, citando a influência do contexto político nas decisões.

“Se o nosso Judiciário fosse menos politizado, seria possível ter mais segurança de que essa decisão não vai ser revertida daqui a alguns anos.” 

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Este é o país dos capitães, generais e almirantes? Por Bruno Carazza

Valor Econômico

País precisa extrair lições do julgamento e banir militares da política para que atentados contra a democracia não se repitam

A mineira Cármen Lúcia, responsável pelo voto decisivo no julgamento encerrado na quinta-feira, iniciou sua fala relembrando um poema de Affonso Romano de Sant’Anna - outro mineiro, embora ela seja de Montes Claros e ele, falecido recentemente, fosse natural de Belo Horizonte.

Ou melhor: o poeta era mineiro, mas a ministra se considera “geraizeira”, como esclareceu numa célebre entrevista alguns anos atrás a Pedro Bial. Sim, “Minas é muitas; são, pelo menos, várias Minas”, sentenciou Guimarães Rosa num ensaio de 1957.

Cármen Lúcia explicou no “Conversa com Bial” que existe a região das Minas, dos subterrâneos de ouro e das montanhas de ferro, e há também os Gerais, o descampado de cerrado dos “Grandes Sertões: Veredas”. Essa dupla geografia se manifesta em tipos com personalidades completamente diferentes nascidos no mesmo Estado.

A nova ameaça de Trump sobre compra de diesel russo. Por Assis Moreira

Valor Econômico

Combustível representa mais da metade das importações brasileiras vindas da Rússia até agosto

O Brasil gastou US$ 3,8 bilhões com a compra de diesel da Rússia entre janeiro e agosto, representando 54,5% de tudo que importou daquele país. É 16,4% menos do que no mesmo período do ano passado, mas ainda um fluxo significativo.

Agora, Donald Trump reativou as baterias e pressiona os outros países do G-7 – Alemanha, França, Itália, Reino Unido, Japão, Canadá, além da União Europeia – a se juntarem a Washington na imposição de tarifas aos países que compram petróleo à Rússia.

Violência como política de governo de Trump. Por Jan-Werner Mueller*

Valor Econômico

Mais do que um “gosto pela divergência”, seu governo vem fermentando um gosto pela crueldade

O horrendo assassinato do ativista de extrema direita Charlie Kirk foi recebido com reações apaziguadoras, dignas de estadistas, nos dois lados do espectro político. No entanto, também demonstrou, mais uma vez, uma assimetria fundamental na política contemporânea dos Estados Unidos. As manifestações de muitas figuras destacadas da direita, chegando até o presidente do país, Donald Trump, representaram nada menos do que um pedido de retaliação contra a “esquerda radical” - e isso tudo sem que ainda existam informações sobre o assassino e suas motivações.

Trump vem sinalizando, há cerca de dez anos, que a violência política cometida por seus apoiadores é aceitável e até passível de ser recompensada. Entre os que receberam seu perdão presidencial pela insurreição em 6 de janeiro de 2021 no Congresso dos EUA, muitos haviam sido condenados por crimes violentos. Ainda assim, Trump e muitos de seus seguidores mais devotos não consideram essa conduta como violência, mas uma autodefesa legítima, até patriótica; da mesma forma que outros populistas de direita, eles se retratam como perpétuas vítimas.

Um voto esdrúxulo, um efeito virtuoso. Por Carlos Pereira

O Estado de S. Paulo

O dissenso no STF legitima suas decisões e reduz o ímpeto de ofensivas de court-curbing

É difícil saber os reais determinantes do voto minoritário do ministro Luiz Fux no julgamento do “núcleo 1” – considerado crucial – dos envolvidos na trama golpista de Bolsonaro. O fato é que sua posição destoou não apenas da maioria da Corte, mas também de sua própria postura anterior, quando proferiu votos duros nas condenações de réus do 8 de Janeiro.

Apesar de inconsistente, o voto de Fux pode ter efeitos institucionais relevantes. Ao romper a unanimidade, reduziu a força do argumento de Bolsonaro e de seus seguidores radicais de que o Supremo estaria agindo de forma parcial, em um julgamento de cartas marcadas. Em contextos de alta polarização política, o dissenso interno reforça a legitimidade externa da Corte.

Entre a política e a economia. Por Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Real valorizou-se porque sanções americanas não vieram; Bolsa caiu porque sanções ainda podem vir. Especulação fica ao gosto do freguês

O dólar caiu, e o real se valorizou na última sexta-feira, primeiro dia útil depois da condenação de Bolsonaro. Foi um movimento expressivo. O dólar fechou a R$ 5,35, nível mais baixo desde junho de 2024. Na semana do julgamento, a moeda americana acumulou queda de 1,10%, algo que não se via faz tempo.

Se a cotação do dólar é um indicador do nível de estresse no mercado, então parece que vai tudo bem por aqui. E não apenas no mercado financeiro. Todos costumam olhar a taxa de câmbio por um viés bem definido: dólar caro assusta — e como! —, dólar barato alivia. Isso mesmo que não haja viagem marcada para o exterior.