segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

Opinião do dia – Friedrich Hegel* (O pensar não binário)

Conhecimento é intuição intelectual com as seguintes condições:

a) Que, malgrado a divisão de todo o oposto ao outro, toda a realidade externa se conheça como a interior. E se assim vier a ser conhecida, segundo a sua essência, tal qual é realmente, então se mostra não como estável, mas como aquilo cuja essência própria é o movimento da ultrapassagem. Este ponto de vista heraclitiano ou cético, de que nada é firme, deve ser provado em todas as coisas; e assim, nesta consciência de que a essência de cada coisa é determinação e, por isso, o seu contrário, manifesta-se a unidade do conceito com o seu contrário.

b) Todavia, é também necessário conhecer esta unidade na sua realidade; esta, enquanto é uma tal identidade, deve, precisamente por isso, passar para o seu contrário, ou seja, fazer-se outro para se realizar. Assim, através dela própria, produz-se o seu oposto.

c) Acerca da oposição, temos de dizer, por seu turno, que ela não é de modo absoluto, se o absoluto é a essência, o eterno, etc. Todavia, note-se que também este é uma abstração, na qual está compreendido dum ponto de vista unilateral, e que a sua oposição tem apenas o valor de um ideal; na realidade, a oposição é a forma como momento essencial do movimento do absoluto. Este não está em repouso, aquela não é o conceito que nunca para. Pelo contrário, a Ideia, na sua irrequietabilidade, está em repouso e em si satisfeita.

Deste modo, o puro pensamento chegou à oposição do subjetivo e do objetivo: a verdadeira conciliação da oposição consiste em entender como esta oposição, levada ao ponto extremo, se resolve, de sorte que os opostos, como diz Schelling, sejam em si idênticos. Mas não basta afirmar isto, se não se acrescenta que a vida eterna é propriamente este produzir eternamente a oposição e eternamente conciliá-la. Possuir o oposto na unidade e a unidade na oposição, eis o saber absoluto; e a ciência consiste precisamente em conhecer esta unidade, no seu pleno desenvolvimento, através dele mesmo.

*Friedrich Hegel (1770-1831), “Introdução â História da Filosofia”, p.158, v. II, Nova Cultura, 1989.

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Governo precisa fazer sua parte para juros caírem

Por O Globo

Enquanto Lula continuar a varrer despesas para fora da meta fiscal, BC terá de manter taxa nas alturas

Não faltam motivos para o Banco Central (BC), por meio do Conselho de Política Monetária (Copom), manter a taxa básica de juros, a Selic, em 15%. Para entender as razões do BC, nem é preciso ler a ata da última reunião do Copom que manteve a Selic inalterada. Basta acompanhar o noticiário do dia a dia. Na semana passada, o governo obteve do Congresso mais um Projeto de Lei excluindo do cálculo da meta fiscal certos gastos temporários com saúde e educação. Tais despesas não precisarão, portanto, ser compensadas com cortes no Orçamento para que a meta de 2026 — superávit primário de 0,25% do PIB — seja considerada cumprida. E essa é a apenas a última de uma série de exceções às regras fiscais que somarão, de acordo com reportagem do GLOBO, R$ 170 bilhões nos quatro anos do governo Luiz Inácio Lula da Silva. O resultado dessa contabilidade nebulosa é o crescimento inexorável das despesas, portanto do endividamento.

Silêncios que gritam no caso do contrato milionário. Por Bruno Carazza

Valor Econômico

Código de ética no Judiciário é necessário, mas não devemos nos esquecer de quem está do outro lado do balcão

Corre pela internet um meme sobre o prêmio da Mega da Virada, que neste ano pode chegar à estratosférica cifra de R$ 1 bilhão. Segundo a piada, com esse dinheiro o ganhador teria condições de comprar 12.500 carros populares, 1.666 casas de ótimo padrão, 142 Lamborghinis, dar 20 mil voltas ao mundo ou... pagar 8 consultorias como a que a advogada Viviane Barci de Moraes, mulher do ministro Alexandre de Moraes, prestou ao banco Master.

A divulgação das cifras do contrato assinado entre a instituição liquidada por evidências de fraude contra o sistema financeiro e o escritório de advocacia da esposa do ministro do Supremo Tribunal Federal (R$ 3,6 milhões mensais, entre 2024 e 2027, perfazendo um total de R$ 129 milhões) é mais um episódio sobre conflitos de interesses envolvendo a cúpula do Poder Judiciário.

Brasil, o campeão mundial de gastos com juros. Por Sergio Lamucci

Valor Econômico

Reverter esse cenário requer uma mudança estrutural na condução das contas públicas, que passa pelo controle do ritmo de expansão das despesas obrigatórias

O Brasil é o campeão mundial de pagamento de juros. Com uma dívida pública elevada e uma taxa básica nas alturas, o resultado é um volume altíssimo de despesas financeiras, que deverão superar R$ 1 trilhão neste ano. De uma lista de 153 países, o Brasil teve os maiores gastos com juros pagos sobre a dívida pública em 2024, atingindo 8,28% do PIB, segundo números mais recentes do Fundo Monetário Internacional (FMI), compilados na Base de Dados das Finanças Públicas na História Moderna, atualizada neste mês.

Candidatura de Flávio provoca imbróglio na direita para 2026 e é potencial para fogo amigo. Por Mauro Paulino* e Alessandro Janoni*

O Globo

Estratégia do clã Bolsonaro inibe a migração em massa do contingente dos sem candidato

Era o “ensaio sobre a lucidez” de Saramago — a cegueira do ensaio anterior se espraia sobre o processo eleitoral aumentando de maneira expressiva o contingente de eleitores que pretendem votar em branco ou anular o voto. Foi o que aconteceu em agosto de 2018. Apesar de preso, Lula gerou ruído ao registrar sua candidatura à Presidência da República, chegando a 39% das intenções de voto e liderando a disputa. Sem o petista, quase um terço do eleitorado (28%) se mostrava sem candidato, patamar que superava a taxa do primeiro colocado, Jair Bolsonaro, então no PSL, com 22%.

A estratégia do PT de manter a candidatura de Lula até sua inelegibilidade em setembro daquele ano acabou por retroalimentar seu antagonista — depois do atentado em Juiz de Fora, Bolsonaro passou a ser tratado de maneira predominantemente neutra pela mídia, e a apresentação tardia de Fernando Haddad como substituto demandava o esforço adicional de não posicioná-lo como adversário de uma vítima.

Favela precisa se beneficiar de sua potência criativa. Por Preto Zezé

O Globo

O mercado criativo brasileiro foi organizado para capturar valor nos centros formais da economia

Quando se fala em economia criativa no Brasil, ainda é comum tratar cultura como adereço, inovação como promessa e favela como cenário. Os dados mais recentes desmontam essa narrativa. Em 2023, a economia criativa movimentou cerca de R$ 393 bilhões, algo em torno de 3,5% do PIB nacional, empregando mais de 7,7 milhões. Cresceu acima da média da economia e já supera setores considerados tradicionais. Não se trata de vocação futura, mas de setor produtivo consolidado.

Fachin tem razão: o STF precisa de um código de ética. Por Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Um ministro não deve pegar carona em jatinho de empresário para assistir a uma partida de futebol

É constrangedor que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Edson Fachin, encontre resistência interna para a introdução de um código de ética. Ainda bem que parece firme sua disposição. Disse ele no discurso de encerramento do ano jurídico:

— Não poderia deixar de fazer referência à proposta, ainda em gestação, de debatermos um conjunto de diretrizes éticas para a magistratura.

A Europa joga seu futuro na Ucrânia. Por Demétrio Magnoli

O Globo

A paz, nos termos de Trump, implodiria o edifício nacional ucraniano

Na hora da verdade, a União Europeia (UE) só deu meio passo à frente. No lugar do plano de um multibilionário empréstimo à Ucrânia baseado nos ativos russos congelados, fechou um empréstimo de € 90 bilhões com recursos próprios. É sua resposta ao intercâmbio diplomático bilateral Trump-Putin, destinado a traçar o destino da Ucrânia à margem da Europa — e da própria Ucrânia. Mas, sobretudo, surge como réplica à Estratégia de Segurança Nacional (NSS, na sigla em inglês) divulgada pela Casa Branca.

A NSS diagnostica um declínio histórico radical da Europa: “apagamento civilizacional”, derivado do abandono de “valores” e da perda de “identidades nacionais”. Sentença de morte da aliança transatlântica? Quase. Segundo a doutrina Trump, uma reversão providencial dependeria da transferência do poder aos “partidos patrióticos europeus”.

A luta anticorrupção está de volta. Por Carlos Pereira

O Estado de S. Paulo

Mais do que retorno espontâneo, o novo ciclo reflete escolhas estratégicas do Sistema de Justiça

O Brasil voltou a ser sacudido por uma sequência de escândalos de corrupção. Operações da Polícia Federal, solicitadas pela PGR e autorizadas pelo STF, recolocaram o tema no centro do debate público. Há denúncias de fraudes no INSS, desvios de emendas parlamentares e apreensões de grandes quantias em dinheiro com deputados. Diante desse cenário, reaparece uma pergunta que parecia superada: a luta contra a corrupção está de volta?

Durante algum tempo, consolidou-se a percepção de que o combate à corrupção havia sido esvaziado com o fim da Operação Lava Jato. Para muitos, aquele encerramento simbolizaria o retorno automático a padrões históricos de impunidade. Essa leitura, no entanto, ignora mudanças institucionais que permaneceram – como a Lei da Ficha Limpa, a Lei de Acesso à Informação, a Lei Anticorrupção e os mecanismos de delação premiada e leniência.

Dino indica que STF deverá julgar em 2026 validade das emendas impositivas

Hugo Henud / O Estado de S. Paulo

Ministro sinaliza que Corte deve discutir no ano que vem constitucionalidade dos repasses de pagamento obrigatório; investigações que atingem parlamentares ampliam embate institucional

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino indicou que, em 2026, a Corte deverá discutir a constitucionalidade das emendas parlamentares impositivas, aquelas que obrigam o governo federal a pagar os recursos indicados por deputados e senadores. A movimentação tensiona ainda mais a relação entre STF e Congresso – especialmente em ano eleitoral – e ocorre em meio ao avanço de operações autorizadas pelo ministro contra parlamentares e ao julgamento de congressistas investigados por desvios de recursos do orçamento secreto, revelado pelo Estadão.

O que está acontecendo com o Brasil? Por Marcus André Melo

Folha de S. Paulo

Não há crise de governabilidade, mas clara degradação da República

A PF é um bastião de credibilidade, mas sua autonomia é vulnerável à interferência do Executivo e do STF

Não é novidade que o Brasil político vai muito mal. Os sintomas estão em toda parte, mas há diagnósticos equivocados. Desde visões hiperinstitucionalistas, que atribuem o atual estado de coisas ao desenho institucional, no qual o suspeito usual é o presidencialismo multipartidário, até o diagnóstico de que forças malignas estariam usurpando poderes do Executivo.

Há, no entanto, uma explicação parcimoniosa que dá conta da maior parte do conflito: forças políticas rivais conquistaram o Executivo e o Legislativo. Sob qualquer sistema de governo, haveria conflitos importantes entre os Poderes. É claro que, sob o presidencialismo, eles assumem mais contundência e possuem especificidades (em alguns casos, implicam em shutdown).

Um escândalo. Por Camila Rocha

Folha de S. Paulo

Não há comoção sobre a dosimetria das penas dos cerca de 950 mil brasileiros no sistema prisional

É escandaloso aliviar o lado de quem planejou um golpe de Estado

Não há mobilização política ou comoção social sobre a dosimetria das penas ou as condições de encarceramento dos cerca de 950 mil brasileiros que se encontram no sistema prisional do país (Secretaria Nacional de Políticas Penais).

Desse amontoado de gente, uns 40% ainda nem foram julgados, mas já estão privados de liberdade. O furto e o tráfico de pequenas quantidades de drogas são os crimes que mais levam à prisão provisória, ou seja, infrações que poderiam ser tratadas com medidas alternativas. Mas não são.

Esse quase um milhão de pessoas é tratado pior do que bicho, já que estão submetidos a condições que ferem a dignidade e impedem (ou dificultam) a reabilitação e uma futura reintegração à sociedade.

Por que será que não há "refresco" para essa gente?

Kast aposta em xenofobia na América Latina. Por Camila Rocha

Folha de S. Paulo

Admirador de Pinochet promete criar 'corredor humanitário de devolução' para venezuelanos

Diferente de Bolsonaro e Milei, novo presidente chileno torna central expulsão de estrangeiros

José Antonio Kast, recém-eleito presidente do Chile, certamente não será um novo Bolsonaro ou Milei, mas algo muito pior. Admirador do ditador Augusto Pinochet, já declarou que defende "qualquer situação" para acabar com o regime de Nicolás Maduro na Venezuela e já adiantou que deve criar um "corredor humanitário de devolução" para imigrantes em situação irregular, citando o caso dos venezuelanos no Chile.

A crise da Venezuela foi fortemente influenciada pela desvalorização do petróleo no mercado internacional a partir de 2014. Dependente dessa commodity para importar itens básicos de consumo cotidiano, o país sofreu um desabastecimento generalizado. Em 2017, as sanções impostas por Trump ao país pioraram a crise econômica, fomentando uma crise migratória sem precedentes.

A vitória de Jo Ann. Por Ruy Castro

Folha de S. Paulo

Uma menina de 14 anos foi símbolo da luta pelo direito de seus colegas à educação

600 membros da Guarda Nacional em farda de combate garantiram a integração racial numa escola

Em 1964, a revista americana Look, com seus seis milhões de exemplares semanais, dedicou a página dupla central a uma ilustração feita pelo artista Norman Rockwell. Na cena, uma menina negra, escoltada por quatro agentes federais a caminho de uma escola pública branca, passa diante de um muro onde se leem as pichações "nigger" e "KKK" (referência à organização supremacista Ku Klux Klan) e se vê a mancha de um tomate escorrendo, atirado contra o muro —ou contra ela. Era o auge do movimento pelos direitos civis nos EUA, cem anos depois de uma guerra civil que se propunha a evitar que tais coisas acontecessem.

Poesia | O Operário em Construção, de Vinicius de Moraes (Por Odete Lara)

 

Música | Maria Bethânia (Paulo Vanzolini)

 

domingo, 21 de dezembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

UE é responsável pela sina do acordo com Mercosul

Por O Globo

Protecionistas são poucos, mas fizeram de tudo para torpedear qualquer tipo de tratado

Em comunicado à Câmara dos Deputados da Itália na semana passada, a primeira-ministra Giorgia Meloni afirmou que a assinatura do acordo de livre-comércio entre União Europeia (UE) e Mercosul era “ainda prematura”. “É necessário aguardar que o pacote de medidas adicionais para proteger o setor agrícola seja aperfeiçoado e, ao mesmo tempo, apresentá-lo e discuti-lo com nossos agricultores”, disse Meloni. Ela cerrou fileiras contra o tratado com o presidente francês, Emmanuel Macron. Os dois comandaram a barreira erguida na reunião de cúpula dos 27 integrantes da UE em Bruxelas que deveria ter referendado o documento a tempo de ser assinado ontem, em Foz do Iguaçu (PR), na cúpula do Mercosul. Sem aval do Conselho Europeu, o acordo não saiu. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou que uma nova data será marcada em janeiro.

Os perigos externos. Por Merval Pereira

O Globo

Lula alerta que uma intervenção armada dos EUA na Venezuela seria “uma catástrofe humanitária” e um “precedente perigoso para o mundo”.

Quando as ameaças dos Estados Unidos cada vez mais se transformam em possibilidade real de uma intervenção armada na Venezuela, o presidente Lula alerta que ela seria “uma catástrofe humanitária” e um “precedente perigoso para o mundo”. Mesmo com o Brasil se afastando da ditadura de Nicolas Maduro depois da eleição fraudada que o manteve no poder, não nos é possível, como principal líder da América do Sul, aceitar uma invasão militar num país vizinho. A questão em jogo tem duas faces, a política e a militar.

Os donos do futuro. Por Dorrit Karazim

O Globo

Filosofia de vida de barões da IA não se assenta na gestão da ordem existente, mas, pelo contrário, num desejo irreprimível de tudo chacoalhar

Tem sido difícil pinçar algo apaziguante sobre o amanhã à nossa espera — o futuro chegou muito antes de 2025 se esvair, e coisa boa não é. Veio a galope, sem pruridos de atropelar a cosmologia anterior. Para o veterano analista Alastair Crooke, ex-agente do serviço de inteligência britânico MI6 e fundador do Fórum de Conflitos com sede em Beirute, o pensamento populista conservador ocidental já conseguiu criar raízes como algo mais bruto, coercivo e radical.

Noturno do Chile. Por Bernardo Mello Franco

O Globo

Novo presidente se aproxima de Milei e Bukele; Trump amplia influência na América do Sul

O sorriso de Augusto Pinochet voltou às ruas de Santiago no último domingo. Eleitores de José Antonio Kast exibiram retratos do ditador para comemorar a vitória do ultradireitista na eleição do Chile.

O novo presidente nunca disfarçou a admiração pelo velho general. Votou contra o retorno à democracia no plebiscito de 1988 e prometeu tirar da cadeia militares condenados por crimes contra a humanidade.

“Se estivesse vivo, Pinochet votaria em mim”, garantiu Kast, na primeira campanha ao Palácio de La Moneda. Na terceira tentativa, ele chegou lá. Foi eleito com 58% dos votos em disputa com a comunista Jeannette Jara, apoiada pelo atual presidente Gabriel Boric.

Eu sou da América do Sul. Por Míriam Leitão

O Globo

Intensificação da presença militar americana na Venezuela eleva risco de intervenção e desafia o Brasil

A América do Sul vive neste fim de ano a tensão de uma situação militar de desdobramentos imprevisíveis. Os Estados Unidos instalaram seu maior porta-aviões, submarino nuclear, dez navios e tropas perto da região. Caças americanos sobrevoam áreas a 100 quilômetros de Caracas. O governo Donald Trump nem chega a alegar que está fazendo isso para defender a democracia, lembra o embaixador Roberto Abdenur. “Ele diz claramente que quer retomar os poços de petróleo que foram desapropriados de empresas americanas em tempos anteriores”. Abdenur acha que foi importante o Brasil se oferecer como mediador, ainda que não haja qualquer possibilidade de o governo americano aceitar.

Lulinha e o Careca no voo JJ-8148. Por Elio Gaspari

O Globo

Na noite de 8 de novembro de 2024, dois passageiros embarcaram no voo JJ-8148 da Latam com destino a Lisboa. Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, filho do presidente da República, foi para o assento 6J. Antônio Carlos Camilo Antunes, o Careca do INSS, foi para o assento 3A.

A revelação é do repórter André Shalders.

O fato de terem embarcado no mesmo voo para Lisboa meses antes da mudança de Lulinha para Madri não prova coisa alguma. O cheiro de queimado vem da conduta da tropa de choque do Planalto, bloqueando todas as tentativas da CPI do INSS para ouvir Lulinha. Bloquearam até mesmo o acesso à lista de passageiros do voo JJ-8148.

Já haviam bloqueado a tentativa de ouvir o irmão mais velho do presidente, diretor de um sindicato envolvido no roubo de dinheiro dos aposentados.

Orçamento sob medida para as eleições: R$ 61 bi em emendas impositivas. Por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Na prática, o que se vê é a substituição do planejamento público por uma lógica clientelista, em que a distribuição de verbas obedece mais à geografia eleitoral

Esqueçam o baixo clero, pois a expressão que designava os deputados que não decidiam os rumos da política do país caiu em desuso. Não se fala mais nisso. Hoje, o baixo clero manda na Câmara, já que os velhos cardeais que sobreviveram eleitoralmente estão na planície. Outra geração de políticos assumiu o protagonismo, numa Câmara que funciona a partir de um grupo restrito de líderes, agora em torno do deputado federal Hugo Motta (Republicanos-PB). O rally regressivo e as nas votações do Congresso mostram as consequências.

Conflito entre Poderes não é baderna institucional. Por Carlos Pereira

O Estado de S. Paulo

Democracias não operam em harmonia perfeita – operam por meio de tensão perpétua

Em qualquer democracia, independentemente do modelo institucional, os Poderes constituídos estão permanentemente engajados em disputas por influência e controle do processo decisório. O equilíbrio entre Executivo, Legislativo e Judiciário nunca é ótimo, tampouco estático. Ele é, por definição, dinâmico, contingente e frequentemente subótimo. Democracias não operam em harmonia perfeita – operam por meio de tensão perpétua.

Medicina: o futuro já chegou? Por José Gomes Temporão

O Estado de S. Paulo

A questão decisiva é se será também mais humano, equitativo e efetivo. Isso dependerá das escolhas que fizermos hoje

Vivemos um ponto de inflexão na história da medicina. Em poucas décadas, a convergência entre biotecnologia, inteligência artificial (IA), novos materiais, robótica, entre outras tecnologias, deslocou o centro de gravidade do cuidado de um ato isolado e prescritivo para um ambiente de cuidado tecnológico contínuo, preditivo e conectado. Novas tecnologias, como biópsia líquida e imagem molecular, possibilitam diagnósticos mais precisos e permitem que testes avançados sejam realizados fora de grandes centros hospitalares, chegando a Unidades de Saúde da Família e comunidades remotas.

Brasil precisa de um plano de inserção. Por Lourival Sant’Anna

O Estado de S. Paulo

Brasil tem de fazer acenos à Ásia-Pacífico, que concentra muitos países dinâmicos e abertos aos negócios

O ano de 2025 valeu por uma década. Uma nova ordem geoeconômica toma corpo. O Brasil precisa se elevar acima de suas aflições e disputas internas para elaborar um plano de inserção nesse mundo repleto de riscos e de oportunidades.

Assistimos a um encolhimento abrupto do Ocidente, entendido não como geografia, mas como conjunto de valores do pós-2.ª Guerra. A aliança transatlântica, que sustentava essa ordem, sofreu uma fratura muito difícil de reparar, porque envolve confiança.

Ela foi formalizada na nova Estratégia de Segurança Nacional (ESN) dos EUA, na qual a Europa é apresentada como adversário, por causa de seus valores liberais. Esse documento desloca as preocupações americanas da Ásia, Oriente Médio e Europa para a América Latina.

Congresso legalizou roubar voto de pobre. Por Celso Rocha de Barros

Folha de S. Paulo

Legislativo traiu os trabalhadores que, para votar, tiveram que driblar bloqueios de estrada ordenados por Bolsonaro

Roleta será instalada na porta do Congresso para que o sujeito de direita compre revisão de dosimetria em caso de golpe fracassado

Congresso Nacional reduziu a pena de quem tentou roubar voto de pobre.

Os que tentaram roubar as armas da República para perpetuar sua facção no poder e matar seus adversários sob tortura também foram beneficiados.

De agora em diante, uma roleta será instalada na porta do Congresso para que o sujeito de direita, em caso de golpe fracassado, já se dirija ao centrão para comprar "revisão de dosimetria" com emendas do orçamento secreto. Aceitarão dinheiro vivo também, Sóstenes, pode ficar tranquilo.

Com Marçal, Flávio Bolsonaro pode reviver campanha disruptiva de 2018. Por Juliano Spyer

Folha de S. Paulo

Silas Malafaia é contrário à candidatura do senador à Presidência

Conflito entre pastor e influenciador pode voltar à cena eleitoral

Estamos caminhando para um rompimento entre Jair Bolsonaro e Silas Malafaia? Na semana passada, o pastor se posicionou publicamente contra a pré-candidatura presidencial de Flávio Bolsonaro.

As declarações de Malafaia circularam nos jornais ao lado de outra notícia relevante: o influenciador Pablo Marçal se encontrou com Flávio e, durante um culto, orou por sua pré-candidatura.

Disputa eleitoral trava combate ao crime. Por Dora Kramer

Folha de S. Paulo

O ano legislativo se encerra sem que deputados e senadores respondam à demanda popular por segurança

Tudo indica que 2026 será um ano perdido com promessas de palanque e embates improdutivos no Congresso

Foi-se mais um ano legislativo sem que o Congresso conseguisse produzir resposta consistente à aflição do público subtraído no seu sagrado direito de ir e vir em razoável segurança.

Isso ocorre num momento periclitante para o Judiciário, o agente detentor da punição de ilícitos, posto na berlinda por uma série de incorreções cometidas em suas variadas instâncias.

Genealogia do crime perfeito. Por Muniz Sodré

Folha de S. Paulo

O feminicídio é problema antigo, mas dele se falava pouco, fossem as vítimas ou as autoridades

O choque atual parece ter a ver com o fim de outra forma de violência, o silêncio

Epidemia (do grego "epi-demos") significa literalmente aquilo que incide de forma direta, sem mediações, sobre o povo. Por isso nomeia surtos inesperados de doenças infecciosas em várias regiões. Endemia, por outro lado, é a manifestação desse fenômeno de modo estável. Choque e perplexidade têm levado frações de público a falar de uma "epidemia" de feminicídios e violências contra as mulheres, talvez devido ao aumento extraordinário de casos, mas esse é um mal culturalmente endêmico. Sempre existiu como uma recorrência em graus variáveis, a depender da região.

INSS, roubança e incompetência. Por Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Além de evidências cada vez mais extensas de fraude, fila cresce muito

Governo Lula 3 ainda não tomou providência maior para reformar o sistema

O sistema de concessão de benefícios da Previdência não funciona. Uma prova simples do problema é o número de cidadãos na fila do INSS, que aumentou em 49% em um ano, para 2,86 milhões de requerimentos à espera de solução. Esse escândalo administrativo dá o que pensar sobre inércia reformista e ativismo corrupto.

"Sistema de concessão" é uma expressão feia e obscura como quase todas as que incluem a palavra "sistema". Serve para dizer que o assunto é de responsabilidade, ao menos, do ministério da Previdência, do seu Departamento de Perícia Médica, do INSS (vinculado ao ministério) e da Dataprev (estatal que processa também os dados dos benefícios previdenciários, vinculada ao ministério da Gestão). Uns atribuem aos outros a conta da ruína.

(Gilvan e Graziela) Exilados voltam e passam o Natal presos - Feliz Natal a todos!


Jornal do Brasil - terça-feira, 26/12/78

Legenda: Graziela e Gilvan Cavalcanti de Melo foram liberados na Polícia Marítima às 11 horas

Exilados voltam e passam o Natal explicando por que voltaram sem passaportes

Fora do país há seis anos, absolvido em setembro último da acusação de pertencer ao PCB, o ex-funcionário do INPS Gilvan Cavalcanti Melo, chegou do Panamá com a mulher e os dois filhos, no domingo e foi preso. A Embaixada do Brasil informara que poderiam desembarcar só com a carteira de identidade, mas a polícia deteve o casal por 12 horas durante a noite de Natal, para saber porque estavam sem passaportes.

O Sr. Gilvan e D. Graziela Cavalcanti Melo passaram a noite num sofá da Delegacia de Polícia Marítima, onde foram interrogados ontem de manhã e liberados depois de preencherem um questionário mimeografado. Os filhos, Gilvan de 16 anos, paralítico, e Ana Amélia, de 12, foram dispensados pela polícia ainda no aeroporto e ficaram com parentes.

GARANTIA

Hoje, com 43 anos, o Sr. Gilvan de Cavalcanti Melo, nascido em Pernambuco, foi demitido do INPS por decreto baseado no AI-5, em 1972, sob a acusação de pertencer ao Partido Comunista Brasileiro. Logo após foi com a família para Buenos Aires, Porto Alegre e finalmente Santiago onde trabalhou na Corporação de Fomento.

Com a derrubada do Governo Allende, asilaram-se na Embaixada do Panamá, país onde o Sr. Gilvan conseguiu trabalho numa empresa de administração. Morou durante algum tempo em Cuba que lhe forneceu documento de identidade.

Ao saber de sua absolvição em processo na 2ª Auditoria da Marinha em 19 de setembro, o Sr. Gilvan consultou a Embaixada do Brasil no Panamá e recebeu a garantia de que poderia voltar normalmente apenas com a carteira de identidade brasileira emitida em 1972 se viajasse por uma empresa aérea brasileira.

A família embarcou num voo da Varig às 8,43 de domingo e chegou ao Aeroporto Internacional do Rio às 19,50. Levados para a Polícia Marítima e Aérea, o casal e os dois filhos foram informados de que teriam que prestar depoimentos, por não estarem com passaportes.

Após entendimento com os policiais, o Sr. Gilvan conseguiu que os filhos fossem liberados, enquanto ele e a mulher eram levados à sede da Polícia Marítima, na Av. Rodrigues Alves. Ali passaram a noite do Natal, recostados num sofá. O advogado Humberto Jansen chegou à delegacia às 7hs, mas só conseguiu liberar o casal, às 11h, depois que os dois prestaram depoimentos de uma hora cada um. 

No questionário tiveram que informar as condições de saída do país, como viviam e onde trabalhavam no exterior e porque voltaram. Agora o que quero fazer mesmo é assistir um jogo do meu Vasco”, disse o Sr. Gilvan.

E Carlos Drummond de Andrade decretou o verão: em crônica inédita, poeta ironizou o AI-5 em janeiro de 1978

Por Bolívar Torres / O Globo

Nunca publicado em livro, texto pedia que cariocas curtissem a ‘mais trepidante das estações’

Janeiro de 1978. No artigo 1º de seu “Ato Institucional do Verão Carioca”, Carlos Drummond de Andrade decreta: “Todos os moradores da cidade do Rio de Janeiro, ricos ou pobres, de qualquer raça, religião, profissão ou falta de profissão, convicção ou ausência de convicção política, têm igual direito a curtir as excelências do verão, também chamada estação calmosa, embora seja a mais trepidante das estações”.

Publicada na revista masculina Status naquele mesmo mês e ano, a crônica do poeta mineiro reúne 20 artigos que ironizam as regras de convivência, os abismos sociais e as estratégias de sobrevivência diante do caos urbano e do calor. Também satiriza os decretos da ditadura militar, que vivia o último suspiro do Ato Institucional nº 5 (AI-5) e ensaiava uma abertura lenta e gradual.

Como inúmeras outras colaborações de Drummond para a imprensa, este “Ato Institucional do Verão Carioca” permanece inédito em livro, e é obscuro até mesmo entre especialistas da obra do autor. Merece ser resgatado quase 50 anos depois, neste 21 de dezembro em que começa a mais carioca das estações.

— É um texto que destoa da obra do Drummond pela forma paródica do discurso oficial, no caso plena de absurdos e arbitrariedades — observa o crítico e poeta Antonio Carlos Secchin, que desconhecia a crônica. — Essa divisão em artigos de lei, numerados, não é usual.

Chopinho gelado

Responsável por encontrar diversos poemas inéditos de Drummond em 2009 e autor de “Papéis de poesia: Drummond & mais (2014)”, o imortal da Academia Brasileira de Letras destaca o lado satírico da crônica, que “atira em vários alvos”.

Drummond mira regras sociais, estruturas de poder, a ganância que inflaciona o chope e os refrescos, os privilégios que definem a experiência estival. Como um burocrata tentando domar o lirismo da vida, trata o calor como política pública, o bom humor como obrigação cívica e a praia como “praça do povo”.

Poesia | O Auto do frade - Frei Caneca, de João Cabral de Melo Neto

 

Música | Moreira da Silva - Rei do Gatilho

 

sábado, 20 de dezembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Bolsonarismo sofre baque com operação da PF

Por O Globo

Depois da cassação de três deputados, outros dois são alvo de acusações de corrupção com verba parlamentar

Depois da hesitação incompreensível na cassação da então deputada foragida Carla Zambelli (PL-SP), o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), soube corrigir o rumo no caso dos também fugitivos Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Alexandre Ramagem (PL-RJ), cujos mandatos foram cassados pela Mesa da Casa. Espera-se que atue também com rigor perante as acusações que agora pesam contra outros dois deputados do PL fluminense, Carlos Jordy e Sóstenes Cavalcante, líder do partido na Câmara. Ambos foram alvo de operação da Polícia Federal (PF) para coibir desvios de recursos da cota parlamentar.

Um golpe, um agrado. Por Flávia Oliveira

O Globo

Excelências só se preocupam em saciar os próprios desejos

Na mesma semana, a Câmara dos Deputados adiou para 2026 a apreciação do PL Antifacção e da PEC da Segurança Pública, em nova evidência de desprezo pela agenda prioritária da população. Pesquisa Datafolha, apurada nos primeiros dias de dezembro em 113 cidades brasileiras, mostrou que a violência é o maior problema do país para 16% da população, atrás apenas da saúde, citada por um quinto. Mais importante para Hugo Motta e seus pares, Senado incluído, é atenuar a pena de quem atentou contra a democracia, cláusula pétrea da Constituição. Promulgado o projeto da dosimetria (em letra minúscula, por favor), que passou como um raio pela Casa revisora, golpismo será crime menor, beneficiado com semiaberto após cumprimento de um sexto da pena em regime fechado; troca de dias de prisão por leitura, mesmo em custódia domiciliar; imposição ao Judiciário de fundir dois ataques distintos, abolição violenta do Estado Democrático e golpe.

A opção de Flávio pelo establishment. Por Thaís Oyama

O Globo

O senador não pretende tentar conciliar a retórica do candidato pragmático com o bolsonarismo

O senador Flávio Bolsonaro deu a largada em sua campanha à Presidência anunciando ser “o Bolsonaro que todo mundo quer”. Em encontros com empresários, tratou de listar seus pretensos atributos: “moderado”, “equilibrado” e, como disse num vídeo, alguém que até tomou vacina — sugerindo, assim, ter em comum com o pai só o sobrenome. Suas falas iniciais deixam claro que ele não pretende tentar conciliar a retórica do candidato pragmático com o bolsonarismo antissistema — investirá na primeira e desprezará a segunda. Isso porque, para Flávio e aliados, os eleitores de Jair estarão com ele haja o que houver e diga ele o que disser.