domingo, 5 de janeiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Crime organizado representa ameaça para a democracia

O Globo

Facções criminosas aterrorizam países latino-americanos e buscam infiltrar instituições para garantir impunidade

Brasil não é o único país da América Latina cujas instituições se revelam incapazes de deter o crime organizado. Tráfico de drogas, de pessoas, roubo de combustíveis, mineração e desmatamento ilegais movimentaram, em 2021, entre US$ 68 bilhões e US$ 170 bilhões no Brasil, no México e na Colômbia, segundo análise do grupo Global Financial Integrity. Um estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) estimou em 3,4% do PIB o custo do crime organizado para 22 países em 2022.

Pelas estatísticas das Nações Unidas, o Equador tem taxa de homicídios de 27 por 100 mil habitantes, o México de 26 e o Brasil de 21, ante média global de 5,8. O crescimento econômico saltaria 30% caso essas taxas caíssem pela metade nos centros urbanos, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI). O PIB da região cresceria meio ponto percentual se elas estivessem na média global. “Pesquisa rigorosa e dados melhores são essenciais para formular políticas públicas que reduzam o crime com eficácia”, escreveram Ilan Goldfajn, presidente do BID, e Rodrigo Valdés, diretor do FMI para o Hemisfério Ocidental. Eles citam êxitos recentes na Jamaica, onde crimes de gangues caíram 68%, e na província argentina de Rosário, onde houve redução de 65% nos homicídios em 11 meses.

Desafios do federalismo contemporâneo - Ricardo Lewandowski*

O Globo

Problemas exigem que os governantes dos entes federados abandonem quaisquer veleidades independentistas

Existem, do ponto de vista estrutural, duas formas de Estado: os unitários e os compostos. Os primeiros têm um único governo e não apresentam divisões internas, salvo para fins administrativos. Como regra, têm pequenas dimensões demográficas ou territoriais e são étnica e culturalmente homogêneos.

Os Estados compostos, em geral, são representados pelos estados federais, subdivididos em unidades política e administrativamente autônomas. Ocorrem em países de grande expressão territorial ou demográfica e até com expressiva diversidade étnica ou cultural.

A Federação é um fenômeno recente. Surgiu da união das 13 ex-colônias britânicas da América do Norte, que se transformaram em Estados soberanos em 1776, após sua independência da Inglaterra. Em 1787, adotaram uma Constituição comum, abdicando de sua soberania, embora mantivessem considerável grau de autonomia.

Cavalo-de-pau – Merval Pereira

O Globo

No mundo financeiro, acredita-se que só um “cavalo-de-pau” pode nos salvar. Uma maneira delicada de dizer que só um outro governo, não esse, colocará o país nos trilhos novamente

O presidente Lula tem fama de gastador, e a percepção de que o futuro da economia brasileira está ameaçado devido a essa tendência só pode ser revertida pelo próprio, que é quem comanda, sem contraste, um governo que tem um presente econômico bastante bom, mas que pode se transformar em uma crise grave fiscal.

Não é à toa que, no mundo financeiro, acredita-se que só um “cavalo-de-pau” pode nos salvar. Uma maneira delicada de dizer que só um outro governo, não esse, colocará o país nos trilhos novamente. A maldade do mercado financeiro, que faz o dólar e a Bolsa subirem ao anúncio de uma doença do presidente, reflete esse anseio por um novo governo, cruel recado, mesmo que metafórico.

Anote este nome - Dorrit Harazim

O Globo

Foi de Stephen Miller a decisão de implantar a política de separação forçada de famílias que cruzavam a fronteira ilegalmente

Convém falar de Stephen Miller. Primeiro, porque faltam poucos dias para o triunfal retorno de Donald Trump à Casa Branca como 47º presidente dos Estados Unidos. Segundo, porque, ao contrário dos crepitosos nomes já elencados para compor o primeiro escalão do novo governo, fala-se pouco de Stephen Miller. Ele prefere assim, basta-lhe saber ser o membro mais influente, temido, autoritário e perigoso da constelação trumpista. Deve achar ridículas as ostentações de ego de um Elon Musk ou Robert Kennedy Jr., pois prefere movimentar-se à sombra do poder. É de lá que pretende continuar a semear sua ideologia do ódio.

Miller, de apenas 39 anos, é a matriz teórica da agenda supremacista adotada por Trump. Está na órbita do movimento Make America Great Again desde a eleição de 2016, quando mal tinha dobrado a curva dos 30 — primeiro como autor dos discursos de campanha de Trump, depois como idealizador obsessivo das políticas anti-imigração encampadas pelo chefe. Agora, em 2025, volta a assumir seu poder influenciador sem ocupar qualquer ministério ou cargo que exija confirmação pelo Senado. Será apenas “vice-chefe de políticas”, o que não quer dizer nada, mas, no seu caso, é tudo o que quer: acesso irrestrito e gabinete vizinho a Trump.

A COP30 entre a diplomacia e o folclore – Elio Gaspari

O Globo

Começou a contagem regressiva para a 30ª Conferência da ONU para Mudanças Climáticas, a ser realizada em Belém (PA), de 10 a 21 de novembro. Já germinaram duas correntes. Uma privilegia as discussões técnicas e a negociação diplomática. A outra estimula eventos folclóricos. Elas podem conviver, mas basta perder a mão para se produzir situações ridículas, como a da recente passagem do presidente americano Joe Biden por Manaus (AM).

Os eventos têm a virtude de distrair a atenção de quem quer debates sérios. Como a Amazônia é um prato cheio para encenações, a marquetagem tende a privilegiar eventos cenográficos. Eles darão brilho às figuras de penetras infiltrados no cenário de uma reunião diplomática.

A mídia no centro dos desafios - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

O Supremo vai precisar da comunicação para agir, com rigor, dentro do arcabouço legal

O Brasil nunca foi fácil, trivial, previsível, mas este 2025 vai dar o que falar – e o que escrever! A economia cravejada de interrogações, a política num caminho perigoso e pavimentado por emendas bilionárias, o Judiciário afundando com o peso de “penduricalhos” e diante de um dos desafios mais difíceis da história, as Forças Armadas em meio a um julgamento inédito de altas patentes, as polícias aterrorizando em vez de defender os cidadãos, o crime organizado vencendo a guerra. E o mundo de ponta-cabeça.

O Executivo terá de calibrar a política externa, com a presidência dos Brics, COP 30, Donald Trump no poder, os destroços de Gaza, a Ucrânia ao deus-dará, crises por toda parte; a economia, entre o populismo e o pragmatismo duro e insensível; a relação com um Congresso cada vez mais voraz, reacionário e sem compromisso com a Nação; a violência fora de controle, com governadores de oposição contra a ação federal direta. E, claro, os erros, titubeios e a saúde do presidente Lula.

A especulação e os equívocos da esquerda - Maílson da Nóbrega

O Estado de S. Paulo

A recente elevação do dólar e dos juros futuros mostrou a desinformação de políticos de esquerda

Até o século 17, o significado da palavra especulação nada tinha a ver com o mercado financeiro. Ainda hoje é assim nos países desenvolvidos. Segundo o Dicionário Oxford, especulação quer dizer “the forming of a theory or conjecture without firm evidence” (a formação de uma teoria ou conjectura sem firme evidência). Por exemplo, especular sobre a demissão de um ministro.

Na acepção moderna, ao se referir ao mercado financeiro, o Oxford define especulação como “investment in stocks, property, etc. in the hope of gain but with the risk of loss” (investimento em ações, propriedades, etc., na esperança de ganho, mas com risco de perda). Em países emergentes, nos quais o anticapitalismo gera desconfiança em relação às atividades das instituições financeiras e das bolsas de valores, muitos veem a especulação como algo nocivo. Isso pode ser consequência de desinformação, que costuma estar presente em grande parte da sociedade e da classe política.

Trump pode beneficiar adversários - Lourival Sant’Anna

O Estado de S. Paulo

Perda de credibilidade americana atrairá novos países para a influência da China

A partir do que se sabe hoje, 2025 será marcado por uma guerra de tarifas, uma complexa negociação para o fim da guerra Rússia-Ucrânia, o fortalecimento das alianças na Europa e na Ásia-Oceania, Israel em posição de força e aumento de influência da China.

Donald Trump vê os impostos de importação como arma para impor sua vontade. Tarifas desorganizam a cadeia global de valores e causam inflação, que induz ao aumento de juros e a outras distorções na economia.

A principal prejudicada por essa política poderá ser, paradoxalmente, a indústria americana, que depende de componentes fabricados em países visados por Trump, como China e México. As tarifas deslocarão fábricas para outras partes da Ásia e para os EUA, gerando custos extras para os produtos.

Grandes transformações globais - Celso Ming

O Estado de S. Paulo

Dizem que o sapo não percebe quando, dentro de uma panela, a água começa a esquentar. Quando se dá conta, pode ser tarde demais. Assim, também o ser humano talvez não perceba que há em curso enormes transformações globais. Mais ainda, pode não se dar conta de que essas transformações acontecem a uma velocidade espantosa. Decorreram centenas de milênios até a invenção do fogo. Hoje, revoluções da mesma ordem acontecem em apenas alguns anos.

Dentro de mais alguns anos, algum historiador dará um nome para este período da história, com importância equivalente ao que foi o Renascimento e a Revolução Industrial.

Uma alternativa populista para a esquerda - Bruno Boghossian

Folha de S. Paulo

Democratas nos EUA encaram dilema que se repete em outros grupos políticos no mundo

O estrategista James Carville, ligado ao Partido Democrata, estava errado. Dias antes da eleição de 2024, ele publicou no New York Times a previsão de uma vitória de Kamala Harris. Agora, ele voltou para reconhecer a falha e discutir suas razões.

O erro de Carville teve um aspecto particular. Ao fazer a previsão, o estrategista ignorou uma máxima que ele mesmo cunhou, em 1992, ao estabelecer que o fator determinante de qualquer eleição "é a economia, estúpido".

derrota de 2024 levou o Partido Democrata à constatação de que sua plataforma econômica não convence mais o eleitorado e empurrou classes trabalhadoras para Trump. Carville sugere uma alternativa que representa um mergulho profundo (para padrões americanos) no que descreve como um programa populista.

O prestígio de Lula e o de Milei - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Pessimismo com economia cresce no Brasil, Argentina tolera perda brutal de renda

A animação dos brasileiros com a economia esteve no nível mais alto de Lula 3 no trimestre final de 2023. Não era grande animação. Em setembro daquele ano, 35% dos entrevistados pelo Datafolha achavam que "a situação econômica do país" havia melhorado "nos últimos meses"; para 35%, havia piorado. Um saldo de zero. Desde então, o humor foi piorando. Na pesquisa de dezembro de 2024, para 22%, a situação havia melhorado; para 45%, piorado. Um saldo negativo de 23 pontos.

Como tanto já se escreveu nesta coluna, o relativo e crescente desânimo é intrigante.

O mundo de Donald Trump - Celso Rocha de Barros

Folha de S. Paulo

Ambos não reconhecem uma ordem internacional para além do equilíbrio de poder entre as potências

Donald Trump ainda não tomou posse. Mas, se acreditarmos no que tem escrito em suas redes sociais, seu plano é destruir a ordem internacional construída pelos Estados Unidos nas últimas décadas. E não, não é para construir coisa melhor.

Nas últimas semanas, Trump ameaçou invadir o Panamá, se ofereceu para comprar a Groenlândia da Dinamarca e sugeriu que o Canadá se tornasse um estado americano. Fazia tempo que um presidente americano não propunha roubar território dos outros abertamente.

E não é qualquer território: tanto o Canadá quanto a Dinamarca são aliados tradicionais dos Estados Unidos. Se forem agredidos pelos americanos, podem invocar o artigo 5º da carta da Otan, que estabelece que um ataque contra um membro da aliança é um ataque contra todos os seus membros.

Duros e morando juntos - Ruy Castro

Folha de S. Paulo

Imagine Antonio Maria, Chacrinha e Dorival Caymmi, desempregados, rachando um apartamento

Cidades são assim: feitas para as pessoas se encontrarem, mas para morarem longe uma das outras. Quando calha de morarem juntas, é um acontecimento. Na aurora dos 1800, os poetas românticos ingleses Keats e Shelley dividiram um apartamento na Piazza di Spagna, 26, em Roma —hoje é o glorioso museu deles. James Stewart e Henry Fonda, atores iniciantes na Hollywood de 1933, dividiram uma casa em Brentwood, Los Angeles. Nos dois casos, faziam-se rodízios para a entrada e saída das namoradas.

Não era o que acontecia em 1940 na rua do Passeio, 36, na Cinelândia. Não por falta de charme dos inquilinos, mas por fome, mesmo. Ali moraram ao mesmo tempo, recém-chegados ao Rio, sonhadores e desempregados, os jornalistas e compositores Antonio Maria e Fernando Lobo (futuros autores de "Ninguém me Ama"), o pintor Augusto Rodrigues, os radialistas Abelardo Barbosa, depois Chacrinha, e Theophilo de Barros, todos pernambucanos, e, da Bahia, o compositor Dorival Caymmi. Não havia cama para todo mundo —enquanto um dormia, o outro ia procurar emprego. Todos encontraram.

Ética no mundo real - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Coletânea de artigos de Peter Singer traz textos em que filósofo defende infanticídio, liberação do doping e a comercialização de rins

Peter Singer é um dos mais estimulantes filósofos da atualidade. Embora ele abrace uma corrente teórica —o consequencialismo—, dedica-se mais a discutir questões práticas. E, ao fazê-lo, não hesita em ir até onde seu pensamento o leva, mesmo que as conclusões sejam controversas.

Em "Ethics in the Real World", uma coletânea de 90 ensaios voltados para o público geral, Singer mostra a que veio. Entre as muitas teses polêmicas que ele defende estão o infanticídio (a eutanásia de bebês gravemente doentes), a liberação do doping para atletas e a criação de um mercado de rins. O interessante é que, apesar de as conclusões poderem ser classificadas como radicais, Singer chega a elas através de argumentos muito ponderados.

O inconfesso sonho teocrático da América - Muniz Sodré

Folha de S. Paulo

O maná pastoral que faz extorsão predatória de manés agrada a um novo tipo de capitalismo

Nos EUA, o novo ano tem o mesmo número de um plano conservador chamado "Projeto 2025", ainda mal conhecido entre nós. Elaborado pela Heritage Foundation e por gente que auxilia Trump desde seu primeiro mandato, o plano visa a um regime autocrático, por meio do debilitamento da Constituição, com abolição de direitos femininos que vão do aborto ao voto. É projeto explícito de um "revival" dos anos 50, quando uma patriarquia protestante dirigia o país.

Não se trata, portanto, de mais uma bizarrice trumpista. A retrospecção parte do período em que despontou com força entre nacionalistas cristãos, bilionários e a John Birch Society, a ideia de um Estado teocrático. Isso foi corroborado nos anos 80 pelo presidente Reagan, que estimulou a politização dos grupos cristãos de extrema direita e a penetração extremista em alas republicanas. Depois, as presidências dos Bush, pai e filho, fizeram avançar esse movimento com a introdução de ensino religioso em escolas públicas (cerca de 30% da população é secular, não adere a nenhuma religião) e fundos públicos para escolas privadas cristãs.

Sobre um editorial - Antonio Fausto do Nascimento*

Bom editorial de O Globo de hoje, 4/01, sobre risco de guerras com armas nucleares. Quase que feneceu vigoroso movimento pela paz mundial na segunda metade do Século XX, evitando que fossem usadas nos conflitos da Coréia, do Vietnã, dos mísseis soviéticos em Cuba e durante a Guerra Fria.

Desde o apelo de Estocolmo, chegou a ser movimento de massas na Europa Ocidental Grandes escritores, artistas e cientistas como Bertrand Russel, Noberto Bobbio, Albert Einstein, Pablo Picasso, Jane Fonda, Angela Davis e tantos outros.

No Brasil, chegou a ter um núcleo ativo na ABI, tendo como coordenador o saudoso Modesto da Silveira, advogado de presos políticos e Deputado Federal.

Necessário reviver essa militância pela paz, o desarmamento e a cooperação entre os povos. Guerra com armas nucleares, na atualidade, implicaria na quase extinção da vida sobre a Terra e imenso retrocesso civilizatório.

Tudo isso precisa ser reconstruído pelo movimento democrático e socialista no Brasil e no Mundo.

*Foi secretário do Governo Arraes (1963/1964)

Poesia | Ariano Suassuna - Circuito da Poesia do Recife

 

Música | Alceu Valença e Silvério Pessoa - Voltei, Recife (Luiz Bandeira)

 

sábado, 4 de janeiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

8 de janeiro, o nosso "Dia da Infâmia"

Correio Braziliense

Em 8 de janeiro de 2023, uma horda de radicalizados, mobilizada por agitadores profissionais, invadiu e depredou as sedes dos Três Poderes, declarando guerra à democracia brasileira

Em 8 de dezembro de 1941, o então presidente Franklin Roosevelt proferiu aquele que ficou conhecido como o "Discurso da Infâmia", em uma sessão conjunta do Capitólio. Vinte e quatro horas antes, o Japão atacara as bases militares norte-americanas em Pearl Harbor, no Havaí, e nas Filipinas — em declaração de guerra aos Estados Unidos e ao Império Britânico. Em 8 de janeiro de 2023, uma horda de radicalizados, mobilizada por agitadores profissionais, invadiu e depredou as sedes dos Três Poderes, declarando guerra à democracia brasileira.

Naquele domingo, na redação deste Correio Braziliense, os jornalistas se reuniram entre aturdidos com o vandalismo e desconfiados de que o ataque não era gesto isolado de extremismo político. A única certeza que tinham era de que estavam diante de um momento tristemente histórico. Aos poucos, foi ficando claro que aqueles ensandecidos eram parte de uma sequência programada de agressões e tumultos que vinha desde o segundo turno da eleição presidencial, em outubro de 2022.

A Frente Democrática ainda está aqui - Vagner Gomes de Souza*

Dedicado a Maria Lucia Teixeira Werneck Vianna (1943 – 2024) in memorian.

Nos idos dos finais dos anos 70 o saudoso Luiz Werneck Vianna debatia sobre os caminhos da oposição a Ditadura Militar no Teatro Casa Grande (RJ) numa mesa ocupada pelo atual presidente da República. Lá pelas tantas, houve uma grata polêmica entre ambos, pois Lula de forma a tentar denunciar a modernização conservadora brasileira coroada em Vargas afirmou que o “AI 5 do trabalhador era a CLT”. Werneck Vianna, que já tinha lançado a primeira edição do clássico Liberalismo e Sindicato no Brasil (1976), rebateu ao ser firme em afirmar que o AI 5 do trabalhador era o AI 5.

Essa lembrança histórica sobre as origens do debate com o sindicalismo de resultados pautado pelos interesses sociais que emergia nos anos 70 em muitas frentes sociais recoloca a necessidade de uma moderação da “Grande Política” ao se debater temas relativos a República e a Democracia. Muito se deve perceber sobre os processos de transição em oposição a revolução que poderíamos classificar como a origem da “Revolução das Batalhas Identitárias”.

A polarização como doença social – Demétrio Magnoli

Folha de S. Paulo

Nosso problema não é a polarização do discurso dos políticos, mas a esmagadora polarização social

Viradas de ano são intervalos dedicados a mensagens aspiracionais utópicas. Ninguém as leva a sério, inclusive seus autores. Previsivelmente, este 2025 começou com o chamado, dirigido aos políticos, pelo fim da polarização. A súplica não será atendida —mas, de qualquer forma, erra o alvo.

O discurso polarizador tornou-se estratégia política: um cálculo frio sobre ganhos eleitorais. Não é de agora. "Nós contra eles" forma uma gramática da política populista desde o século 19. O PT a exercita há décadas –e chegou ao poder nas suas asas. Bolsonaro e os seus a conduziram até um ápice, na tentativa de preparar a ruptura da ordem democrática. Nenhum dos campos rivais desistirá da ferramenta, ao menos enquanto ela produzir os resultados almejados.

O burocrata irreverente - Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

Sua estátua fica em Copacabana, mas o canto do poeta no Rio era o vão de pilotis do Palácio Capanema

Todo mundo sabe – principalmente os ladrões de óculos – que a estátua de Carlos Drummond de Andrade fica na avenida Atlântica. Obra do artista Leo Santana inspirada em foto de Rogério Reis, foi inaugurada em 2002, no centenário do poeta. Uma escolha de lugar perfeita, o que nem sempre ocorre com homenageados. Drummond está sentado num banco, de pernas cruzadas e de costas para a praia. Morando havia muitos anos entre Copacabana e Ipanema, já não se espantava com o mar.

Vamos parar de aplaudir – Pablo Ortellado

O Globo

Aproveitando que o ano político ainda não começou, gostaria de convidar o leitor a refletir sobre um assunto controverso da nossa vida cultural: o aplauso de pé. Quem frequenta o mundo dos espetáculos certamente conhece a regra implícita de etiqueta: depois da apresentação, não importa a qualidade do que foi entregue, o público aplaude de pé. Não aplaudir, ou apenas aplaudir sentado, é visto como rude, muito rude.

Peças horrorosas, que se tornaram fracassos retumbantes, são invariavelmente aplaudidas de pé. Antes, o público graduava sua resposta. Ia do aplauso curto e protocolar, passava pelo mais detido e chegava ao entusiasmado. Apenas quando algo realmente extraordinário e singular tivesse acontecido, o público oferecia o aplauso de pé, recebido pelos artistas como manifestação de reconhecimento e distinção por um trabalho excepcional. Quando e por que perdemos esse importante senso de proporção?

Emplacando 2025 – Eduardo Affonso

O Globo

Deveria haver indicações da última saída antes dos territórios sob controle da milícia ou do narcotráfico

Eduardo Paes emplacou nesta semana seu quarto mandato como prefeito da Mui Leal e Heroica Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. E haja mesmo lealdade e heroísmo nos cariocas (e agregados) para viver neste balneário, com flecha perdida vindo de tudo quanto é lado.

O tetra-alcaide não tem poderes para combater a violência. O ônus é do governador, que comanda (?) as polícias Civil e Militar. Não quer dizer que não haja ações a seu alcance. Uma delas é, literalmente, emplacar a cidade.

Poderia começar pelas placas das ruas. As que existem são poucas, diminutas, ilegíveis para quem vem de carro e precisa virar num logradouro cujo nome só se revela quando é tarde demais para dar seta e mudar de faixa ou mandar parar a van. Isso reduziria, se não a violência, pelo menos o estresse no trânsito.

Pragmatismo brasileiro: negociar com Trump – Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

O Brasil terá mais dificuldades para encontrar outros mercados se houver restrições a nossos produtos nos Estados Unidos

Nos diversos discursos em que ameaçou aumentar as tarifas de importação para níveis punitivos, o presidente Donald Trump citou o Brasil apenas uma vez, quase de passagem. Disse, no meio de um discurso sobre vários temas:

— O Brasil cobra muito. Se eles querem nos cobrar, tudo bem, mas vamos cobrar a mesma coisa.

Não deu detalhes, ao contrário do que fez nos casos de ChinaMéxico e Canadá, ameaçados com aumentos brutais de tarifas (60%, no mínimo, para produtos chineses, 25% para mexicanos e canadenses). Esses três países são os alvos preferenciais, por serem os maiores exportadores para os Estados Unidos.

O ano dos 150 anos - Eugênio Bucci

O Estado de S. Paulo

Na virada, além de jurar mais empenho nos exercícios físicos, eu e mais outras poucas pessoas mentalizamos votos de que a imprensa tenha futuro

Hoje, dia 4 de janeiro, este matutino completa 150 anos de existência. A data sesquicentenária imprime um toque singular às festividades do réveillon, que ainda rumorejam no final de semana. Para alguns de nós, foi uma virada diferente, sem prejuízo da monotonia dos fogos de artifício, dos comensais em chinelas de dedo e das mensagens torrenciais no WhatsApp. Foi diferente porque, além de jurar mais empenho nos exercícios físicos e de torcer para que germine milagrosamente algum dinheiro no bolso de cada qual, eu e mais outras poucas pessoas mentalizamos votos de que a imprensa tenha futuro. Para acreditar que é possível, buscamos inspiração na história desta “folha diária” (expressão usada na primeira página da primeira edição, em 1875), que nasceu com o nome de A Província de São Paulo, ainda no período do Império, para defender os ideais republicanos. Sim, este diário nasceu contra o establishment – e, pouco depois de o Império cair, afastou-se do Partido Republicano. O jornalismo guarda distância do poder.

A instituição e o servidor público - Marcus Pestana

O Prêmio Nobel de Economia 2024 foi concedido aos economistas Acemoglu, Johnson e Robison, do MIT e Universidade de Chicago, que dedicaram seus estudos ao processo histórico de formação e mutação das instituições e seu papel no processo de desenvolvimento. Para eles, a distância entre o êxito e o fracasso reside, essencialmente, na qualidade das instituições e das regras que presidem o funcionamento do jogo de poder e das relações entre Estado e sociedade.  

O Brasil, a duras penas, vem avançando seu quadro institucional. Muito foi feito desde a redemocratização e o Plano Real. Há um esforço para deixar no passado o histórico de insegurança jurídica, quebra de contratos, moratórias, intervenções estatais arbitrárias, mudanças da regra do jogo com ele em andamento.

As ameaças de Trump - André Gustavo Stumpf

Correio Braziliense

Trump ameaça, mas, no extremo, aceita negociar. Não vai à guerra, pretende fazer bons negócios para suas empresas e seus protegidos

O ano de 2025 pode ser o das grandes revelações. Boas ou más, depende do ponto de vista, mas a chegada da direita norte-americana, obtusa e retrógrada, ao poder em Washington terá o poder de esclarecer muita coisa. Trump se insinua como uma espécie de vingador do tempo, capaz de com uma ou duas canetadas restituir os Estados Unidos aos melhores momentos de sua história. São tentativas autênticas, porém sem qualquer fundamento na realidade. Ele vai se embaraçar nos problemas do dia a dia, nas questões menores e nos grandes problemas mundiais. Os americanos não estão mais sozinhos na liderança do mundo.

Poesia | Mais no menos - Marcelo Mário de Melo

(Poema inaugural de 2025)

Ano novo/vida velha 

rolando no corredor

no mais menos do que mais

no mais que ficou atrás

no menos posto adiante

na estrada que encolhe. 


É preciso estar atento

a esta clara redução  

como aquele passageiro 

ante o apito do trem

na urgência do embarque. 

 

Viagem curta exige 

que se reduza a bagagem 

e não se consuma o tempo 

sobre mapas complicados 

e caminhos obscuros.

Música | Maria Bethânia, Zeca Pagodinho - Sonho Meu

 

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Desafio fiscal das prefeituras será maior que o previsto

O Globo

Gastos das capitais cresceram como proporção das receitas — e logo será inviável fechar as contas

No mandato iniciado em 2020, os prefeitos das 26 capitais tiveram uma oportunidade ímpar de melhorar a saúde fiscal de seus municípios. Com a pandemia, o caixa foi reforçado por transferências extraordinárias da União, e foram impostas restrições a gastos com pessoal. Passada a emergência, a recuperação do setor de serviços — principal fonte de arrecadação municipal — superou as expectativas. Só entre janeiro e outubro de 2024, a arrecadação cresceu 7,2% descontada a inflação, na comparação com o período no ano anterior, segundo dados da Aequus Consultoria. O fôlego maior era um momento propício para melhorar a gestão financeira e evitar instabilidade no futuro. Infelizmente não foi o que aconteceu. Houve uma profusão de gastos eleitoreiros. Agora, os prefeitos que assumem seus mandatos nesta semana — 16 deles reeleitos — terão pela frente um desafio fiscal bem mais complicado que o sugerido nas promessas de campanha.

As políticas que definirão nosso futuro - Fernando Luiz Abrucio

Valor Econômico

A eleição de 2026 é a bússola daqui para diante. O desafio será casar a definição dos presidenciáveis e das alianças com suas propostas de políticas públicas

O ano novo político começará cheio de expectativas. Qual será a agenda dos novos presidentes da Câmara e do Senado? Qual será a feição da reforma ministerial do governo Lula? Que pauta legislativa aproximará e qual afastará os Poderes (incluindo o STF)? Haverá novos ajustes fiscais? O orçamento das emendas será provavelmente modificado, mas em que medida? Tantas questões antecedem a bússola principal daqui para diante: a eleição de 2026. O desafio, neste caso, será casar a definição dos presidenciáveis e das alianças com suas propostas de políticas públicas. Sem isso, o avanço do país será lento, ou haverá retrocesso.

As últimas duas eleições presidenciais foram contra algo, e não a favor de uma agenda de políticas públicas. O programa de governo de Bolsonaro em 2018 era risível, feito por gente inexperiente e radicalizada por chavões que não eram capazes de dar o suporte a uma gestão presidencial. Não por acaso seu mandato foi marcado pela ausência de políticas estruturadas na maior parte dos setores, perdendo-se em debates sobre valores e se propondo, como disse o próprio ex-presidente em frase célebre, mais a desconstruir do que a construir novos paradigmas de ação governamental. O resultado foi a piora substancial em áreas como Saúde, Educação, Assistência Social, Habitação, Meio Ambiente, Relações Internacionais e Direitos Humanos.

José de Souza Martins - Incertezas do rescaldo de 2024

Valor Econômico

Um fato de certo modo novo aconteceu. A mentalidade de senzala está escapando da chibata do capitão do mato. Ganhou visibilidade na direita e na esquerda

Dezembro de 2024 foi bem diferente de dezembro de 2023. Provavelmente, foi a primeira vez em nossa história que a passagem de ano foi algo bem diverso da mera festa de mudança na numeração cronológica das eras.

Em dezembro de 2022 o país se defrontara com a possibilidade de que nada mudaria com a passagem de ano, não obstante a eleição de um novo presidente da República, em outubro. Havia sinais de que algo estava errado.

O presidente da República se evadira do país, ausentando-se sem permissão do Congresso Nacional. Fê-lo para não passar a faixa presidencial ao sucessor legítimo. Um conjunto extenso de boatos e de inverdades circulava pelas redes a contestar a legitimidade do voto na urna eletrônica e do resultado eleitoral.

EUA ruma ao imprevisível - Vera Magalhães

O Globo

Impacto será maior quando maquinações de Trump atingirem China e Rússia, onde há líderes dispostos a responder na mesma moeda

Quando a principal potência econômica, política e bélica do mundo escolhe mergulhar na imprevisibilidade, o mundo tem razões concretas para prender a respiração. E os Estados Unidos avançam de forma vertiginosa nessa direção.

Falta pouco mais de duas semanas para a volta de Donald Trump ao poder. Sua saída da Casa Branca foi marcada pela invasão do Capitólio, e seu regresso se dá poucos dias depois dos eventos ainda não esclarecidos, com grandes suspeitas de ser ataques terroristas de alguma forma conectados, em Nova Orleans e Las Vegas.

Trump, é claro, se apressou em tirar conclusões antes mesmo de o FBI iniciar as investigações, associando sem nenhuma evidência os ataques a imigrantes ilegais. Essa forma descuidada de lidar com questões sérias é apenas uma das muitas características que representam motivos reais para apreensão global com um presidente que os americanos conhecem bem e, ainda assim, decidiram reconduzir ao poder.

Pedras no caminho – Flávia Oliveira

O Globo

A ONG Rio de Paz escolheu o último sábado de 2024 para ratificar a luta travada contra a violência que, em quatro anos, ceifou a vida de 49 crianças no Estado do Rio. Instalaria na Lagoa Rodrigo de Freitas, um dos cartões-postais da capital fluminense, fotografias de cada menina e cada menino mortos por bala perdida desde 2020. Dias antes, exibira as mesmas imagens em ato nas areias da Praia de Copacabana, cenário igualmente marcante de atuação da organização. O fim de ano seguiria seu curso, não fosse a decisão do prefeito Eduardo Paes de mandar retirar, sem aviso prévio, os cartazes de uma manifestação que, há quase uma década, ocupa o mesmo endereço sem licença oficial.

A psicologia do futuro - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Pesquisa Datafolha flagra contraste entre otimismo local e pessimismo global, um dos muitos vieses cognitivos de nossa espécie

A lógica e o pensamento racional são só um efeito colateral da miríade de impulsos cognitivos com que a evolução natural nos dotou. A melhor prova disso está na lista telefônica de vieses e erros sistemáticos que marcam nossos raciocínios.

Nutrimos um excesso de confiança em relação a nós mesmos e nossas capacidades (otimismo local) pareado com um irrazoável catastrofismo no que diz respeito ao mundo exterior (pessimismo global).

O auto do vale-peru - Bruno Boghossian

Folha de S. Paulo

Magistrados e tribunais exibiram contorcionismo para descumprir regra do teto salarial

Nos dias finais de 2024, os tribunais brasileiros encenaram mais um espetáculo de exibição de privilégios. Em três atos, magistrados da primeira à última instância, mostraram o contorcionismo que fazem todos os anos para preservar auxílios, gratificações e indenizações que se somam a seus salários.

A abertura ficou por conta do presidente do STF. Quando a questão dos supersalários tomou forma na discussão sobre o ajuste fiscal, Luís Roberto Barroso reagiu a uma proposta que não deveria ofender ninguém: seguir o que está na Constituição e limitar o valor pago a qualquer servidor público, incluindo juízes.