sábado, 25 de janeiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

O valor do nosso cinema

Correio Braziliense

Podemos, sim, sonhar com a premiação para uma obra que mostra ao Brasil e ao mundo um passado que não pode ser esquecido nem tratado com irresponsabilidade

Com Fernanda Torres no papel de Eunice Paiva, o filme Ainda estou aqui, de Walter Salles, concorre ao Oscar de 2025 em três categorias: melhor filme internacional, melhor atriz e melhor filme. Não foram surpresas as indicações para as duas primeiras categorias. Porém, a disputa pela condição de melhor filme é um enorme salto para o nosso cinema, pois trata-se de uma equiparação às melhores produções cinematográficas entre milhares dos Estados Unidos, do Reino Unido, da França e do Canadá.

É um feito histórico que projeta o nosso cinema a um novo patamar, seja de qualidade, seja de audiência, o que nos fará muito bem do ponto de vista da autoestima dos brasileiros, da valorização de nossa identidade cultural e, sobretudo, da importância da democracia para o nosso país. No topo da premiação de maior prestígio nos Estados Unidos, o longa-metragem é uma contundente denúncia política, em forma de drama de família, numa conjuntura muito especial tanto para nós quanto para a sociedade norte-americana.

Não basta defender a democracia - Oscar Vilhena Vieira

Folha de S. Paulo

O próprio conceito está sob forte disputa

O retorno de Trump à Casa Branca, por meio do voto, deixou claro que o discurso de defesa da democracia não foi suficiente para afastá-lo do poder. Ainda que mais de dois terços dos eleitores norte-americanos manifestem temor pelo destino da mais antiga democracia do mundo, isso não impediu a eleição de um candidato abertamente hostil às instituições democráticas. Mais do que isso, os eleitores sequer tiveram a precaução de eleger uma maioria parlamentar capaz de impor certos limites ao novo/velho presidente.

Como explicar esse aparente paradoxo ou, ao menos, essa falta de cautela por parte da maioria dos eleitores?

Uma explicação, que vem sendo sustentada por diversos analistas, é que o próprio conceito de democracia está sob forte disputa. Enquanto para o campo liberal a democracia é uma forma de governo em que o exercício do poder pela maioria só será legítimo quando balizado pela constituição e em conformidade com os direitos humanos, inclusive direitos de minorias, para populistas muitos desses direitos e balizas constitucionais são descritos como obstáculos espúrios à plena realização da vontade do povo, devendo, portanto, ser abandonados.

Dá para melhorar a qualidade do Congresso - Sergio Fausto

O Globo

Voto distrital misto reduziria os custos e a importância do dinheiro nas campanhas. Não é uma panaceia, mas pode resultar em melhoria

Nos últimos 20 anos, uma espécie de animal político entrou em extinção, a ponto de hoje existirem poucos exemplares no Congresso Nacional. Ao longo das duas últimas décadas, foram desaparecendo os parlamentares que integravam o alto clero, uma elite que se distinguia pela influência que tinha no Parlamento e no debate político nacional.

No Congresso de hoje, a predominância dos parlamentares que se limitam a gerir interesses locais e setoriais é esmagadora. Interesses não necessariamente ilegítimos, mas distantes de qualquer consideração sobre o interesse mais amplo do país.

Para a espécie dominante no Congresso, além de jabutis em Projetos de Lei e Medidas Provisórias, importa principalmente o acesso a recursos via emendas parlamentares, cuja maior parte passou a ser de execução obrigatória, em volumes crescentes. Na coordenação da disputa por esses recursos, os presidentes da Câmara e do Senado concentraram poder e projeção. Os demais, com as exceções de praxe, são operadores de interesses — a começar pela reeleição de si mesmos — e não têm maior relevância no debate nacional.

Perdemos o sentido de proporção – Pablo Ortellado

O Globo

O vocabulário político está viciado. Não conseguimos mais falar das coisas com sentido de proporção. Comportamentos não são mais machistas ou racistas, mas misóginos e supremacistas. As posições não são mais de esquerda ou de direita, mas sempre de extrema direita — quando referidas pela esquerda — ou de extrema esquerda — quando referidas pela direita. Ações voluntárias e involuntárias foram equiparadas, e a intenção e a boa-fé deixaram de valer como atenuantes. Todo comportamento que pode ser condenado precisa ser condenado nos mais duros termos. O resultado político é a intolerância e a incapacidade de convívio.

Antes, o termo machismo era usado para designar comportamentos discriminatórios que promoviam a superioridade dos homens sobre as mulheres, e misoginia era um termo incomum, usado excepcionalmente para se referir a uma hostilidade extrema e patológica às mulheres. Hoje se tornaram intercambiáveis, e há predomínio do termo mais forte sobre o mais fraco.

Presidente imperialista – Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Se Trump fizer tudo o que anunciou, haverá um enorme tumulto na economia, dada a esperada reação dos países punidos

Panamá é um país pequeno, de 4,5 milhões de habitantes, PIB modesto de US$ 84 bilhões. A moeda corrente lá é o dólar americano. Não tem Exército, apenas forças policiais. E uma riqueza preciosa, o canal de 82km que liga o Pacífico e o Atlântico — rota essencial para o comércio global.

De outro lado, os Estados Unidos, superpotência com 1,5 milhão de soldados nas Forças Armadas. E, desde o dia 20, um presidente classificado pela revista The Economist como imperialista no comando de uma Presidência imperial, Donald Trump. Pois esse presidente, no solene discurso de posse, afirmou:

— Vamos tomar de volta o Canal do Panamá.

Questionado a respeito, o presidente panamenho, José Raúl Mulino, tratou de desclassificar a ameaça:

— Fala sério! — respondeu, tentando parecer irônico.

À sombra de McKinley - Demétrio Magnoli

Folha de S. Paulo

Trump investe na rima entre isolacionismo e imperialismo

A palavra China apareceu apenas duas vezes –e no contexto da promessa de retomada do Canal do Panamá. Rússia não apareceu, bem como Ucrânia. O discurso de posse de Trump, uma cisão radical com a política externa tradicional dos EUA, teve os traços característicos do isolacionismo. Exceto por McKinley, como Trump decidiu renomear, uma vez mais, o Monte Denali.

Denali, no Alasca, altitude de 6.190 metros, a mais alta montanha do mundo da base ao cume entre as que estão totalmente acima do nível do mar, foi rebatizado em homenagem a McKinley em 1896. O presidente William McKinley, um ardoroso defensor de tarifas comerciais, conduziu a Guerra Hispano-Americana (1898) na qual os EUA conquistaram as Filipinas, o Havaí, Guam e Porto Rico. A expansão imperial pelos dois oceanos, em linha com o pensamento geopolítico de Alfred Thayer Mahan, seria completada por Theodore Roosevelt com o Canal do Panamá.

O sol na cabeça fria de Trump - Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

Ao agravar mudanças climáticas, presidente dos EUA afeta o cérebro de seus apoiadores

"A OMS nos roubou, todo mundo rouba os Estados Unidos", afirmou Donald Trump, no melhor estilo paranoico da política americana, ao assinar a ordem que determina a saída do país pela segunda vez da Organização Mundial de Saúde.

A decisão impacta na prevenção e combate de doenças em todo o planeta e em estudos sobre como o calor excessivo afeta o cérebro e causa distúrbios de agressividade e impulsividade, redução da capacidade cognitiva, dificuldades de raciocínio, aprendizado e memória. As temperaturas extremas, segundo a OMS, derretem pensamentos no sentido literal.

A meritocracia do centrão - Catia Seabra

Folha de S. Paulo

Iminência de uma reforma ministerial aguçou o apetite no Congresso

Expoentes do centrão fizeram chegar ao Palácio do Planalto reivindicações para um novo ministério de Lula com a promessa de um armistício nos últimos dois anos de seu mandato.

A lista inclui postos estratégicos, como o ministério do Bolsa Família e o responsável pelas nomeações e distribuição de emendas.

Leia-se "Lula tem que substituir ministros", alguns dos quais gosta, em nome da governabilidade—quiçá de uma aliança para 2026. O critério das indicações nem sempre é dos mais meritocráticos.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é um dos indicados. Para ele, reivindicam o Ministério da Agricultura. Uma das justificativas é que Lira daria menos dor de cabeça dentro do governo do que de volta à planície do Congresso.

Proibir o celular não basta - Cristovam Buarque

Revista Veja

As salas de aula precisam deixar de ser teatro e virar cinema

Ao sancionar a lei que proíbe o uso de celulares nas escolas, o governo Lula acerta na busca de recuperar a atenção dos alunos, mas erra porque falta sintonia com as transformações tecnológicas em marcha. A norma busca impedir o mau uso do smartphone como meio de dispersão da atenção do estudante, sem entender que a principal causa da desatenção não está na modernidade do aparelho, mas no arcaísmo da sala de aula: a distração é resultado de técnicas pedagógicas ultrapassadas, e não da ascensão dos telefones portáteis. Qual seria o caminho mais adequado? Definir estratégias para substituir o quadro-negro por ferramentas digitais de modo a atrair a atenção dos jovens e aumentar a eficiência na transmissão de conhecimento. Lousa estática e incolor não seduz uma geração que nasceu na dinâmica do YouTube, WhatsApp, TikTok etc.

É preciso estar atento e forte - Marco Aurélio Nogueira

O Estado de S. Paulo

Se um vídeo causa tamanha turbulência no modo como o governo enfrenta as manobras oposicionistas e se relaciona com a sociedade, o que se pode esperar daqui em diante?

Dois mil e vinte e cinco começou naquela modorra típica do verão. Eis que de repente o barco virou, abalando o governo brasileiro. Um vídeo provocador, disparado pelo deputado Nikolas Ferreira nas redes, foi assistido em questão de minutos por milhões de pessoas. Quando o governo tentou reagir, já era tarde. A mensagem oposicionista se espalhou. Dias depois, o governo respondeu, exalando indignação contra o autor do vídeo e seus correligionários.

A mensagem do deputado, ainda que hiperbólica e cheia de falsidades, foi eficiente, direta e clara: acusava o governo de esconder a verdadeira intenção de taxar as transações via Pix, hoje a forma dominante de remessas e pagamentos nas faixas de baixa e média renda. Combatia uma diretriz técnica que havia sido de fato cogitada, em sintonia com a gestão econômica prevalecente. O vídeo fez manobra maliciosa, mas dentro do jogo político usual. Explorou o sentimento popular de duvidar da sinceridade governamental. Forçou o governo a rever a diretriz aprovada.

Uma galinha fazendo-se passar por águia - Bolívar Lamounier

O Estado de S. Paulo

Nosso potencial é enorme, mas tudo faz crer que permaneceremos aprisionados na ‘armadilha do baixo crescimento’

Os resultados econômicos razoáveis de 20232024 trouxeram algum alívio aos corações brasileiros. Mas tais resultados não significam que 2025 será um mar de rosas, e muito menos que tenhamos cruzado o umbral do crescimento sustentável. Tampouco devemos nos encher de orgulho quando alguém nos lembra de que somos a “oitava economia do mundo”, visto que nossa oitava posição apenas reflete o fato de sermos 210 milhões de brasileiros.

Examinado pelo prisma da distribuição da riqueza e da renda, o quadro fica bastante pior. Dezenas de países (e não só a Escandinávia) têm uma distribuição menos desigual que a nossa. Mas um só exemplo basta para não confundirmos o desengonçado bater de asas de uma galinha com o majestoso voo de uma águia. A Argentina mantém-se superior a nós tanto no tocante ao volume da produção de bens e serviços, o Produto Interno Bruto (PIB), como em relação à renda per capita, não obstante o fato de nossos irmãos do sul serem o caso clássico de um país que conseguiu se alçar aos píncaros do desenvolvimento até as primeiras décadas do século 20 e depois despencou de volta ao reles chão do subdesenvolvimento.

Trump: retrocessos e incertezas - Aldo Fornazieri

CartaCapital

Negacionismo climático, macarthismo moral e religioso, imperialismo

No primeiro dia do seu segundo mandato, Donald Trump assustou o mundo com um vendaval de 78 ordens executivas, devastando pontos centrais da administração Biden. O que mais assustou não foi tanto o número de ordens, mas o significado e o conteúdo.

As medidas de maior impacto internacional foram a retirada dos Estados Unidos da Organização Mundial da Saúde e do Acordo de Paris, a mais preocupante. No plano interno, anistiou 1,5 mil condenados pela tentativa de golpe e invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021. Declarou emergência nacional na fronteira com o México, iniciando um implacável ataque aos imigrantes. Instituiu a política de comércio “América Primeiro”, definiu que nos Estados Unidos existem apenas dois gêneros, masculino e feminino, mudou o nome do Golfo do México para “Golfo da América”, radicalizou a chamada liberdade­ de expressão, suprimindo qualquer regulamentação, revogou políticas favoráveis a minorias e decretos para conter o avanço sem controle da Inteligência Artificial, entre outros retrocessos.

Reconfiguração partidária no Brasil - Marcus Pestana

Ainda restam dois anos para o fim do atual mandato presidencial. Mas, como disse o próprio presidente Lula na reunião ministerial desta semana: “2026 já começou”.

Embora ainda faltem 20 meses para as eleições, o calendário político reverso impõe a tomada de algumas decisões partidárias já no primeiro semestre de 2025. Não se constrói novos partidos ou federações partidárias da noite para o dia.

Um dos grandes motores das possíveis mudanças é a progressão da chamada “cláusula de desempenho partidário”. Só terá existência nacional efetiva, a partir de 2027, com acesso ao horário de rádio e TV e ao Fundo Partidário, o partido ou federação que fizer ao menos 2,5% dos votos válidos para a Câmara de Deputados ou eleger pelo menos 13 deputados federais. Embora não seja uma “cláusula de barreira” tão rígida como a existente na Alemanha, onde o partido que não alcança 5% dos votos nacionais simplesmente não ganha representação no parlamento, a “cláusula de desempenho” brasileira tem exercido um efeito positivo na racionalização de nosso pulverizado sistema partidário e de representação parlamentar.

Graziela Melo*: 1970 – O Brasil é campeão

(Nada é proibido à brutalidade absoluta)

Deixando a Seleção no “ponto”, “prato feito”, João Saldanha foi forçado a entregar o posto a Zagalo. Emilio Garrastazu Médici sucedera a Junto Militar. O time brasileiro já deixara Guadalajara e se preparava para a grande final na cidade do México. A febre da mídia era “meu Brasil eu te amo”, hinozinho carregado de uma “nacionalice” histérica, fóbica mais para o lado de apelos nazi-fascistas. Slogan de: “Brasil, ame-o ou deixe-o” se via em adesivos em vários automóveis, ao que com muito senso de oportunidade e humor, O Pasquim respondeu: “O último que sair, apague a luz do aeroporto!”. Inesquecível. A essa altura, o número de brasileiros exilados já era enorme. Ninguém suportava tanta asfixia!

Campeão, dono do caneco, o país era uma euforia só. De repente, o pau baixou e começou uma onda de prisões. À parte as glórias de Pelé e Cia., outros “jogadores” anônimos, sem o aplauso do público, ignorados pela mídia, passaram, nas masmorras dos quartéis, a comer o pão que o diabo amassou e não quis, pelo simples fato de se indignarem, levantarem suas vozes e suas consciências contra a instauração do fascismo no país.

Vários comunistas foram presos. Alguns muito próximos a Gilvan. O cerco começou a se fechar. Por precaução Gilvan foi embora de casa. Nos víamos esporadicamente, em encontros furtivos, no meio da rua. Eu mudara de emprego. Já fazia mais de um mês que Gilvan não vinha em casa. Esta noite desci do bonde cheia de paranóia, sabendo que alguém estava me seguindo. Enfim, como a paranóia fazia parte de nosso cotidiano, entrei no prédio sem olhar para trás.

Gilvan estava em casa. Viera por uma noite. Não suportando mais a saudade dos filhos, cansado de estar vagando de um lado para outro, de casa em casa, dormindo, ora aqui, ora ali, quis ficar um pouco junto conosco. Tranquei-me com ele no banheiro e o repreendi. Implorei que fosse embora. Aquela imprudência por uma noite de afeto poderia custar-lhe caro. A ele e a todos nós. Estava inquieta e achava aquilo muito perigoso. As notícias que tínhamos eram de muita violência nas prisões. Pedi-lhe, pelo amor de Deus que providenciasse nossa saída do Brasil. Não poderíamos viver tão perigosamente por tanto tempo. Ele prometeu que no dia seguinte, cedinho, iria embora. Naquela noite dormimos os cinco em nossa mesma cama, enroscados uns nos outros, com um grande medo que a vida e a violência voltassem a nos separar.

Dia seguinte, cedinho, era tarde. Os homens do DOI-CODI, que espreitavam na sombra, se anteciparam à luz do dia.


RJ/1991

*Graziela Melo, Crônicas, contos e poemas, p.19. Abaré Editorial / Fundação Astrojildo Pereira, 2008

Poesia | Vinicius de Moraes - Pátria Minha

 

Música | Elis Regina - O bêbado e a equilibrista