terça-feira, 17 de dezembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Operação da PF demonstra o risco de emendas opacas

O Globo

Falta de transparência nos recursos abre brechas a fraudes, corrupção e lavagem de dinheiro

É oportuna a operação conjunta de Polícia Federal (PF), Controladoria-Geral da União, Ministério Público Federal e Receita Federal que investiga a suspeita de desvios de emendas parlamentares. O foco são fraudes licitatórias, corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) e outras entidades. Em 2024, os investigados assinaram contratos de R$ 825 milhões com órgãos públicos. No período sob investigação, movimentaram R$ 1,4 bilhão. Mandados de busca e apreensão, prisão preventiva e sequestro de bens foram executados nos estados da Bahia, do Tocantins, de São Paulo, Minas Gerais e Goiás.

'O pessoal do agro’ - Merval Pereira

O Globo

É preciso saber quem financiou, mas também quem negligenciou com objetivos políticos

Eu soube, antes que tenha acontecido, que a invasão da Praça dos Três Poderes em Brasília vinha sendo planejada. Só não sabia quando, nem de que forma. Todo mundo, aliás, sabia que algo era organizado pela oposição. As redes convocavam para “a festa da Selma”, mas ninguém tinha a dimensão do que ocorreria.

Foi assim: dias antes do 8 de Janeiro, eu estava no restaurante Nido, no Leblon, e encontrei o publicitário Washington Olivetto, que jantava noutra mesa. Conversávamos, quando nos abordou um senhor de cerca de 60 anos, sotaque do Centro-Oeste, que estava numa terceira mesa. Os dias eram tumultuados, preparava-se uma grande manifestação em Brasília de apoio a Bolsonaro, derrotado por Lula na recente eleição presidencial.

O senhor nos reconheceu e puxou assunto. Criticou a imprensa, disse que a eleição havia sido roubada e, indignado, declarou:

— Mas isso vai acabar logo, logo, vocês vão ver.

O que levou à prisão do general - Míriam Leitão

O Globo

Há fatos novos que levaram à prisão de Braga Netto, segundo as investigações. Ele, ao entregar o dinheiro aos kids pretos, ficou na mesma posição dos executores

O que motivou a ação contra o general Walter Braga Netto foi o fato de que “ele seguia buscando informações sobre dados sigilosos para, de alguma forma, interferir no processo”. Foi isto o que me disseram fontes a par das investigações, quando questionei por que Braga Netto e por que agora. Há ainda outro fator que levou o ex-ministro da Defesa à peculiar situação de estar preso no mesmo Comando Militar do Leste que um dia comandou, na Vila Militar Marechal Deodoro, onde tantos presos políticos sofreram durante a ditadura. Trata-se do relato prestado por Mauro Cid, segundo o qual o general teria entregado R$ 100 mil de integrantes do agronegócio aos chamados "kids pretos".

Contagem regressiva para o pacote fiscal - Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Para destravar a pauta do Congresso, o governo pagou R$ 7,1 bilhões em emendas parlamentares, na quinta e sexta-feira da semana passada; querem mais R$ 8 bi

O Congresso tem até a sexta-feira para aprovar todas as matérias econômicas pendentes, indispensáveis para o controle da inflação e a redução da taxa de juros: a reforma tributária, o Orçamento da União de 2025 e o ajuste fiscal deste ano, do qual o governo depende para cumprir o arcabouço fiscal. Nesta segunda-feira, após visita ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fez um apelo para que as propostas “não sejam desidratadas”.

Essas matérias estão com apreciação atrasada porque os congressistas, principalmente os deputados, represaram as votações para pressionar o governo a executar as emendas parlamentares que haviam sido suspensas pelo ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF). As novas regras para garantir a rastreabilidade das emendas, ou seja, a transparência sobre sua autoria e destinação, como determina a Constituição, irritaram os parlamentares.

Coincidentemente, a Polícia Federal vem realizando diversas prisões e operações de busca e apreensão contra gestores públicos e empresários envolvidos no desvio de recursos dessas emendas. Esses inquéritos estão sob sigilo de Justiça porque há mais de uma dezena de parlamentares envolvidos.

Uma convalescença sob pressão - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Última semana de votações mostra que o golpismo ruma para ser desbaratado sem que a ordem política que o sustentou seja desmontada. É disso que a convalescença de Lula será obrigada a se ocupar

No único momento de exaltação da entrevista que deu à jornalista Sônia Bridi, do “Fantástico”, por ocasião de sua alta hospitalar neste domingo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que ninguém no país tinha mais responsabilidade fiscal que ele. Dois dias antes, o Banco Central havia subido em um ponto os juros e indicado que a taxa poderia bater em 14,25%. No dia seguinte, o ministro da Fazenda saiu do primeiro dos despachos que o presidente fará de sua casa, em São Paulo, até quinta, quando será reavaliado, dizendo que o pacote fiscal não será desidratado. Enquanto Fernando Haddad estava com Lula, o BC fez sucessivos leilões que somaram US$ 1,6 bilhão.

Centro prevalecendo sobre polarização - César Felício

Valor Econômico

Levantamento recentes indicam que uma divisão do eleitorado em três faixas praticamente iguais

Um conjunto de pesquisas divulgadas nos últimos dias indicou que a sociedade brasileira está menos polarizada do que dizem as aparências e que há um senso comum a favor da democracia. Existe ceticismo, contudo, em relação ao inquérito no Supremo Tribunal Federal que apura uma tentativa de golpe de Estado em 2022.

Esses dois achados, para o bem ou o mal, dialogam entre si. O extremismo ideológico patrocinado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro está confinado a uma parcela minoritária do eleitorado, mas não há, ainda, convicção de que o ex-presidente estaria envolvido no golpismo, mesmo diante do intenso noticiário nesse sentido.

Buracos na pista de pouso do Fed - Marcelo Carvalho

Valor Econômico

Se nos EUA a preocupação do Fed deve ser com buracos na pista de pouso, no Brasil o grande desafio pela frente é a cratera fiscal

Todo piloto de avião experiente sabe que um pouso suave é mais fácil com condições climáticas favoráveis de vento e visibilidade, e controle adequado de velocidade e altitude. Mas nada disso é suficiente para evitar acidentes se, apesar do aparente sucesso na aproximação inicial, houver buracos na pista de pouso.

Digo isso porque essa parece a situação atual do banco central americano, o Federal Reserve. O consenso da maioria dos analistas econômicos tem previsto um pouso suave da economia americana. Nesse cenário, o crescimento do PIB desacelera gradualmente, mais em linha com o potencial de longo prazo. Enquanto isso, a inflação converge para a meta oficial de 2%, permitindo ao Fed reduzir o juro para mais perto da neutralidade. Esse, por exemplo, era o cenário básico predominante que presenciei nas reuniões recentes do Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial em Washington.

O Brasil tem medo de crescer? - Ingo Plöger*

Valor Econômico

Produtividade da economia brasileira é subestimada

Desde 2021, o Brasil tem crescido acima de todas as previsões de instituições brasileiras e internacionais. Em artigos no Valor, tenho alertado sobre tal pessimismo e perguntado: por que estamos errando sempre para baixo? Para 2025, as instituições preveem um crescimento de 2,2% do PIB do Brasil. Novamente, temos a chance de errar para baixo. A pergunta insistente é: por que não temos a capacidade de aprender com os nossos erros? O que não conseguimos enxergar, ou insistimos em errar? Eis algumas hipóteses para este comportamento.

a) Subestimamos a produtividade nacional

A produtividade brasileira tem crescido ano após ano, tanto nos serviços, quanto na indústria e no agronegócio. Esta produtividade é medida pelos fatores de produção não monetizados, ou seja, é o aumento sucessivo da produção medido por fatores relacionados ao tempo, à área, aos insumos, à energia, à unidade de trabalho, enfim à eficácia do trabalho.

Na teoria econômica neoclássica, se mede a produtividade pela poupança, investimento, razão capital-trabalho colocando os EUA como o indicador referência. Esta forma de medir parte do pressuposto que todos os países têm uma estabilidade de moeda comparável aos EUA e que as estruturas produtivas são idênticas. Esta forma de medir está superada, altamente imprecisa e incompleta. Atualmente, temos indicadores interempresariais ou setoriais que nos possibilitam realizar comparativos precisos e contundentes.

Presentes de grego - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Dor de cabeça de Lula não passou: 2023 acabou em festa, mas 2024 chega ao fim de mau humor

O presidente Lula superou a nova cirurgia no cérebro e a embolização, teve alta do hospital e se recupera em São Paulo até quinta-feira, mas a dor de cabeça com a realidade política e econômica não passou. Se 2023 acabou em festa, com PIB surpreendendo positivamente, reforma tributária aprovada e Fernando Haddad bombando, 2024 vai chegando ao fim com ambivalências, nuvens de incertezas e mau humor.

O Congresso é uma parte importante disso, mas não a única. Lula está proibido de fazer exercícios físicos por um tempo, mas obrigado a fazer malabarismos políticos para a aprovação do pacote do corte de gastos, que ele mesmo questiona, e da regulamentação da reforma tributária, só não abandonada pelo relator, senador Eduardo Braga, durante esse ano inteirinho. Só faltam três a quatro dias até o recesso.

Ler pouco, crescer pouco - Jorge J. Okubaro

O Estado de S. Paulo

Baixo índice de leitura significa menor compreensão do mundo em que se vive e mais dificuldades no acesso a melhores postos de trabalho

A redução da pobreza e da extrema pobreza no Brasil para os níveis mais baixos já aferidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) deveria instilar-nos algum otimismo, de que tanto carecemos nestes tempos. Segundo a Síntese de Indicadores Sociais do IBGE, entre 2022 e 2023, 8,7 milhões de brasileiros deixaram a linha de pobreza, outros 3,1 milhões saíram da condição de miséria e a proporção da população considerada pobre diminuiu de 31,6% para 27,4%. O aquecimento do mercado de trabalho e o pagamento de benefícios sociais, como os vinculados ao Bolsa Família, são apontados como fatores decisivos para a melhora, o que mostra a importância desses programas.

Marçais, Trumps e a favela - Sérgio Magalhães

O Globo

Famílias em moradias precárias apoiam-se em comunidades religiosas, apostam em salvadores da pátria

O poeta Antônio Cícero há alguns anos, no Instituto de Arquitetos do Brasil, alertou sobre a impropriedade de tratarmos as favelas por comunidade. Para ele, favelas mais se aproximavam do conceito de sociedade, “onde os indivíduos são diversos, e os mais opostos convivem e contribuem uns com os outros”. O filólogo Antônio Houaiss atribui o termo comunidade ao “conjunto de indivíduos com determinada característica comum, inserido em sociedade maior que não partilha suas características fundamentais”.

O artigo 19 do Marco Civil e o artigo 5º da Constituição - Gustavo Binenbojm

O Globo

As redes sociais há muito deixaram de ser, se é que um dia foram, plataformas digitais neutras em relação ao conteúdo que nelas circula

Com o que uma rede social (tipo YouTube ou TikTok) mais se parece: um telefone ou uma televisão? Houve um momento em que a novidade era imaginar um mundo em que as comunicações fossem livres, em que as pessoas pudessem falar e ser ouvidas, a custo zero. Engraçado, porque hoje um celular é tudo, menos um telefone.

Se terroristas combinarem por telefone um atentado aos prédios dos três Poderes em Brasília, por certo ninguém dirá que a companhia telefônica tem alguma responsabilidade. Mas e se o ataque tivesse a forma de uma convocação contra o Estado Democrático, por meio de uma grande rede social? Lembrem-se da campanha de difamação que a maioria budista fez em Mianmar contra a minoria muçulmana. Investigadores da ONU concluíram que os discursos de ódio no Facebook (e a omissão da empresa, apesar dos alertas da comunidade internacional) tiveram papel fundamental no genocídio de muçulmanos naquele país.

A corrida da IA está empatada – Pedro Doria

O Globo

É difícil afirmar, com clareza, qual empresa está à frente na capacidade de seus modelos

Os lançamentos anunciados na semana passada por OpenAI e Google deixam claro que a corrida pela inteligência artificial apertou. É difícil afirmar, com clareza, qual empresa está à frente na capacidade de seus modelos. Há diferenças, mas são cada vez menos de ordem tecnológica. E a briga não é apenas entre o GPT da OpenAI e o Gemini do Google — há pelo menos um terceiro na disputa, chegando bem perto dos concorrentes. É o Claude, da Anthropic.

As três empresas não facilitam a vida de ninguém. Os nomes que usam para as versões de cada modelo seguem lógicas que nos escapam. O GPT opera, hoje, com três modelos essenciais: 4o, 4o mini, 4o1. O Gemini está na versão 1.5 e caminha para lançar a versão 2.0 em breve. Parece um salto, mas não é. Ampliará a capacidade de um mesmo modelo. O Claude, da Anthropic, está no Sonnet 3.5. Seu modelo alternativo é o Opus 3. Mas a diferença entre um e outro não é de todo clara.

Bolsonaro sabia do golpe? - Joel Pinheiro da Fonseca

Folha de S. Paulo

Nossa relação com o debate público polarizado, hoje, é similar a um tribunal

Braga Netto, agora preso preventivamente, era o cabeça do plano golpista. Bolsonaro participou apenas da elaboração de um decreto de estado de sítio, dispositivo previsto na Constituição. Foi dissuadido pelo general Freire Gomes. Todas os elementos mais sórdidos do plano que hoje se descortina —com sequestro e assassinato— eram obra de Braga Netto e outros militares extremistas. O golpe seria dado, inclusive, no próprio Bolsonaro, posto que o comitê que assumiria o poder a partir do uso do artigo 142 não o incluiria.

Foi Braga Netto que, segundo Mauro Cid, arranjou o dinheiro pagou os kids pretos. Era ele quem, por meio do general Mario Fernandes, mantinha contato com os acampamentos golpistas, dos quais saíram os atos violentos como a "noite do fogo" de 12 de dezembro e o atentado terrorista no aeroporto de Brasília.

O diabo vestiu farda – Dora Kramer

Folha de S. Paulo

O quanto antes o Congresso decidir por afastar militares da política, melhor

Um general de quatro estrelas presooito militares detidos e 25 indiciados por suspeita de formar organização criminosa para tramar atentados contra o Estado de Direito não é algo trivial em lugar algum do mundo.

Ocorrência menos usual ainda; na verdade, inédita em nossa República instituída mediante um golpe, e que atravessou o século 20 acossada por diversas sublevações fardadas nas quais civis foram coadjuvantes ativos.

É preciso reformar as Forças Armadas - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Seria um erro não aproveitar momento para tentar tornar os militares mais profissionais e mais legalistas

Entre as coisas que eu não achava que veria em vida está a prisão de um general de quatro estrelas por tentativa de golpe de Estado. É verdade que Braga Netto já estava na reserva e, por enquanto, amarga só uma prisão preventiva.

Seu encarceramento, porém, faz com que eu suspenda meu natural ceticismo em relação à Justiça brasileira e passe a considerar bastante real a possibilidade de Jair Bolsonaro e alguns de seus asseclas serem condenados e começarem a cumprir pena em um par de anos.

Filho golpista não tem pai - Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

O candidato a vice na chapa de Bolsonaro nem sempre foi considerado um traidor da farda

Filho feio não tem pai. As Forças Armadas hoje procuram afastar os laços com Braga Netto, considerando-o traidor da farda e, ao lado de Bolsonaro, arquiteto do golpe de 2022. Nem sempre foi assim.

Em 2018, quando a popularidade da caserna atingia o auge, os políticos tradicionais eram demonizados e Bolsonaro já ocupava o segundo lugar nas pesquisas eleitorais para presidente, Braga Netto foi escolhido para chefiar a intervenção federal no Rio. A operação foi um desastre digno do governo Temer, não mudou o quadro de insegurança, deixou um rastro de casos de corrupção e os milicianos aproveitaram para matar Marielle. Mas o caminho para a entrada dos generais no poder estava aberto.

Pedalada natalina - ProfºAylê-Salassié Quintão

Para aquecer a memória, essa história de manipulação parlamentar dos orçamentos da União, dos Estados e até de municípios já gerou muitas confusões, prisões e até assassinatos. Não me lembro de problemas especificamente regionais, mas não me esqueço de crimes como os dos Anões do Orçamento, a morte da professora Elizabeth Lofrano, e de como Itamar Franco (1992-1995) governou até quase a metade do mandato sem orçamento, por negligência do Congresso Nacional. Foi uma sorte ter acontecido justo com o Itamar Franco, porque ele manteve a governança inalterada, sem sofrer uma acusação sequer de corrupção. Com Itamar, o PIB cresceu 10%, e a renda per capita 6,78%. Foi o último período de tranquilidade política vivido pelo País nesses últimos anos.

Poesia | Fraga e Sombra, de Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Guinga e Mônica Salmaso - Bolero de Satã