sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Negacionistas são só os outros – Vera Magalhães

O Globo

Lula prometeu gestão técnica no meio ambiente, mas disputa pela Margem Equatorial evidencia predomínio da política sobre a ciência

Um dos memes que bombam entre os que exibem seu estilo de vida nas redes sociais é aquele em que o sujeito aparece tomando todas numa noite e malhando na seguinte, com a legenda: “Um pouco de droga, um pouco de salada”. A viagem de Lula à Região Norte — com Davi Alcolumbre na Margem Equatorial num dia e as obras da COP-30 no outro — se encaixa perfeitamente nessa maneira de dividir a agenda.

O exercício de analisar as declarações dos governantes à luz do que prometeram e, sobretudo, do contraponto que fizeram a seus opositores é sempre necessário. Sob essa lente, não há outra classificação para a investida de Lula contra o Ibama — órgão que acusou de “lenga-lenga”, expressão que, no dicionário, pode ser sinônimo de “mimimi”, uma das favoritas da extrema direita para desqualificar a ciência — que não seja de negacionista.

A área ambiental figura entre aquelas em que o contraponto entre o que Lula prometeu na campanha era mais nítido em relação ao legado de destruição deliberada de Jair Bolsonaro. A volta de Marina Silva ao berço petista depois de um rompimento doloroso, agravado de 2009 a 2018, pelo menos simbolizava que, nessa seara, tudo seria diferente.

A promessa incluía não apenas remontar tudo o que Bolsonaro desmontara, mas também que o status da própria ministra no governo seria diferente daquele que a levou a pedir demissão no segundo mandato de Lula, depois de sucessivas derrotas para a área econômica em disputas em tudo semelhantes à de agora, em torno da licença para pesquisar a viabilidade de extrair petróleo da Margem Equatorial. 

Desta vez, Lula até demorou, mas arbitrou a disputa a favor do mesmo lado: o desenvolvimento a qualquer preço, mesmo diante dos alertas de riscos para a Amazônia. Cozinhou o galo do impasse por dois anos, mas partiu para a queimação do presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, tão logo a paciência de Alcolumbre deu mostra de estar se esgotando. Desqualificar um quadro técnico que também é aliado político em público, para agradar alguém que tem um histórico de não ter limites na exigência de cargos e benesses, mostra que, para o presidente, o discurso ambiental funciona sempre mais como retórica de campanha e banho de loja para sua imagem internacional, não como convicção.

O desenvolvimentismo nacionalista foi uma marca forte dos dois primeiros mandatos de Lula, pautou a escolha de Dilma Rousseff como sua sucessora, suscitou escândalos como o petrolão e não ficou pelo caminho, como se vê. Ministros como Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre Silveira (Minas e Energia), não por acaso prestigiados em recentes discursos e gestos do presidente, encarnam a versão 3.0 dessa visão de mundo que desconhece crise climática e faz letra morta de compromissos como a paulatina substituição da dependência por combustível fóssil, entre outros.

Lula e aqueles que defendem a pesquisa na Margem Equatorial argumentam que o petróleo é uma riqueza estratégica e que não teria cabimento o Brasil abrir mão de explorar suas jazidas, ou nem sequer conhecer seu potencial por inteiro, enquanto outros países do mundo, a começar pelas grandes potências, não fazem sua parte pela substituição da matriz energética e pelas metas de mitigação do aquecimento global.

É verdade. Mas também é fato incontestável que essa mesma “lenga-lenga”, quando proferida por Bolsonaro, Trump ou qualquer outro líder de extrema direita do mundo, seria automática e enfaticamente classificada como negacionista por ambientalistas, pela imprensa e pelos políticos ditos progressistas. Por que com Lula seria diferente?

Assim como tomar suco verde depois da balada não aplaca a ressaca, ir a Belém no dia seguinte do tour com Alcolumbre e tecer loas à COP-30 no Brasil não tirará a mácula que Lula colocou sobre a presidência brasileira do evento ao evidenciar que a política e os interesses econômicos falam mais alto que o compromisso ambiental.

Nenhum comentário: