O Globo
Lula prometeu gestão técnica no meio
ambiente, mas disputa pela Margem Equatorial evidencia predomínio da política
sobre a ciência
Um dos memes que bombam entre os que exibem
seu estilo de vida nas redes sociais é aquele em que o sujeito aparece tomando
todas numa noite e malhando na seguinte, com a legenda: “Um pouco de droga, um
pouco de salada”. A viagem de Lula à Região Norte — com Davi Alcolumbre na
Margem Equatorial num dia e as obras da COP-30 no outro — se encaixa
perfeitamente nessa maneira de dividir a agenda.
O exercício de analisar as declarações dos governantes à luz do que prometeram e, sobretudo, do contraponto que fizeram a seus opositores é sempre necessário. Sob essa lente, não há outra classificação para a investida de Lula contra o Ibama — órgão que acusou de “lenga-lenga”, expressão que, no dicionário, pode ser sinônimo de “mimimi”, uma das favoritas da extrema direita para desqualificar a ciência — que não seja de negacionista.
A área ambiental figura entre aquelas em que
o contraponto entre o que Lula prometeu na campanha era mais nítido em relação
ao legado de destruição deliberada de Jair Bolsonaro. A volta de Marina Silva
ao berço petista depois de um rompimento doloroso, agravado de 2009 a 2018,
pelo menos simbolizava que, nessa seara, tudo seria diferente.
A promessa incluía não apenas remontar tudo o
que Bolsonaro desmontara, mas também que o status da própria ministra no
governo seria diferente daquele que a levou a pedir demissão no segundo mandato
de Lula, depois de sucessivas derrotas para a área econômica em disputas em
tudo semelhantes à de agora, em torno da licença para pesquisar a viabilidade
de extrair petróleo da Margem Equatorial.
Desta vez, Lula até demorou, mas arbitrou a
disputa a favor do mesmo lado: o desenvolvimento a qualquer preço, mesmo diante
dos alertas de riscos para a Amazônia. Cozinhou o galo do impasse por dois
anos, mas partiu para a queimação do presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho,
tão logo a paciência de Alcolumbre deu mostra de estar se esgotando.
Desqualificar um quadro técnico que também é aliado político em público, para
agradar alguém que tem um histórico de não ter limites na exigência de cargos e
benesses, mostra que, para o presidente, o discurso ambiental funciona sempre
mais como retórica de campanha e banho de loja para sua imagem internacional,
não como convicção.
O desenvolvimentismo nacionalista foi uma
marca forte dos dois primeiros mandatos de Lula, pautou a escolha de Dilma
Rousseff como sua sucessora, suscitou escândalos como o petrolão e não ficou
pelo caminho, como se vê. Ministros como Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre
Silveira (Minas e Energia), não por acaso prestigiados em recentes discursos e
gestos do presidente, encarnam a versão 3.0 dessa visão de mundo que desconhece
crise climática e faz letra morta de compromissos como a paulatina substituição
da dependência por combustível fóssil, entre outros.
Lula e aqueles que defendem a pesquisa na
Margem Equatorial argumentam que o petróleo é uma riqueza estratégica e que não
teria cabimento o Brasil abrir mão de explorar suas jazidas, ou nem sequer
conhecer seu potencial por inteiro, enquanto outros países do mundo, a começar
pelas grandes potências, não fazem sua parte pela substituição da matriz
energética e pelas metas de mitigação do aquecimento global.
É verdade. Mas também é fato incontestável
que essa mesma “lenga-lenga”, quando proferida por Bolsonaro, Trump ou qualquer
outro líder de extrema direita do mundo, seria automática e enfaticamente
classificada como negacionista por ambientalistas, pela imprensa e pelos
políticos ditos progressistas. Por que com Lula seria diferente?
Assim como tomar suco verde depois da balada não aplaca a ressaca, ir a Belém no dia seguinte do tour com Alcolumbre e tecer loas à COP-30 no Brasil não tirará a mácula que Lula colocou sobre a presidência brasileira do evento ao evidenciar que a política e os interesses econômicos falam mais alto que o compromisso ambiental.
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