sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Trump, livre-comércio na pancada - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Em vez de elevar impostos de importação, EUA querem que países se abram para produtos americanos

Até agora, Donald Trump estava entretido com promessas de barrar importações por meio de impostos maiores. Isto é, com protecionismo, não se sabia quanto e por quanto tempo, com objetivos incertos ou variáveis. Chegou a dizer que cobriria parte do grande déficit do governo com o dinheiro de tributos sobre importados.

Nesta quinta, Trump disse que quer fazer o contrário. Vai exigir que outros países derrubem restrições aos produtos americanos, impostos de importação ("tarifas") ou outras. Trump deu mais ênfase a abertura comercial, na negociação ou na pancada.

É diferente. Em vez de aumentar o custo de produtos e matérias-primas para empresas e consumidores, quem sabe a nova iniciativa de Trump possa até resultar em redução de custos e abertura de mercados. A Organização Mundial do Comércio, inerte e moribunda, seria em parte substituída pelos Estados Unidos, a OMC do porrete grande.

"Pancada" pode significar impostos de importação maiores, restrições diretas a produtos estrangeiros ou ameaças em outros campos das relações internacionais.

No caso de um país pequeno, quem sabe possa ser a ameaça da visita de uma canhoneira ou de fuzileiros navais, como não era incomum antes dos anos 1930. Trump já encostou uma pistola na testa do Panamá, note-se.

Nesta quinta, em resumo, Trump mandou seu governo estudar as restrições à compra de produtos americanos no exterior, país por país. Repita-se que não se trata aqui apenas de impostos de importação, mas de quaisquer barreiras a produtos americanos, diretas ou indiretas, muita vez o modo mais eficiente de ser protecionista. Se não houver reciprocidade de tratamento, haverá retaliações com "tarifas" ou equivalente.

O que está na mira dos americanos, segundo o "Plano Justo e Recíproco"? Subsídios para produtos nacionais, impostos ou restrições quaisquer sobre empresas americanas, impostos sobre valor adicionado (se acompanhados de isenção do IVA sobre exportações), regulação pesada, manipulação de taxa de câmbio, manipulações salariais (para baixar o custo).

As barreiras não tarifárias são uma lista enorme, na verdade aberta: incluem medidas sanitárias, barreiras técnicas ao comércio, limitações de estrangeiros nas compras governamentais, falta de proteção à propriedade intelectual ou favorecimento a estatais.

Em semanas ou poucos meses, a lista de países-problema estaria pronta, assim como o rol de exigências. Como se vê, o Brasil pode ser enquadrado em vários quesitos. Se os americanos quiserem encrencar, talvez levem alguma coisa, alguma abertura comercial (o Brasil não vai acabar com BNDES, isenção de ICMS para exportação, estatais, privilégio de compras governamentais para produtos nacionais etc. certo?). Se o Brasil ceder à pressão dos EUA, o que dirão outros parceiros sujeitos a restrições parecidas? Vai ser difícil.

No caso dos EUA, suponha-se que tenha sucesso esse plano de abrir mercados e exportar mais. Há sinais de que a economia está no limite, dada a baixa taxa de desemprego e considerada a inflação ainda algo distante da meta (para nem lembrar de que vai secar o fluxo de trabalho migrante).

Como vão exportar mais sem importar mais (o que Trump não quer) e sem mais oferta de trabalho (imigrantes)? Sem pressionar a inflação)?

Vamos viver tempos ainda mais perigosos, mas também curiosos.

 

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