sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Os feitos de "Ainda estou aqui" vão muito além do Oscar - Roberto Fonseca

Correio Braziliense

Se "Ainda estou aqui" será premiado ou não com o Oscar, saberemos apenas no domingo de carnaval. O filme, no entanto, já fez história e os feitos precisam ser lembrados

A votação para escolha dos ganhadores do Oscar está em andamento. Daqui até terça-feira, as 9,9 mil pessoas habilitadas vão entregar à Academia de Artes e Ciências Cinematográficas os escolhidos nas categorias. Se Ainda estou aqui será premiado ou não, saberemos apenas na noite do domingo de carnaval (e quem sabe avançando pela madrugada de segunda-feira). O filme, no entanto, já fez história e os feitos precisam ser lembrados.

O primeiro deles é que serviu para reaproximar o brasileiro do Oscar. Depois de mais de duas décadas sem participar das categorias principais, o cinema nacional ocupa local de protagonismo com as indicações para melhor atriz, melhor filme internacional e melhor filme. Com isso, detalhes sobre o processo de votação (com conclusão duas semanas antes da cerimônia), o colégio eleitoral (52 brasileiros estão na lista) e as regras para evitar empates (na categoria principal, por exemplo, os votantes precisam elencar os 10 longas indicados em ordem de preferência, do melhor ao pior) passaram a fazer parte do nosso dia a dia.

O segundo ponto é que o longa de Walter Salles serviu para aproximar a população da cultura. Com mais de 4 milhões de espectadores até agora, o filme atraiu gente que simplesmente não ia ao cinema. E a torcida de todos nós é de que retornem às salas — ainda mais se promoções como a da última semana, com inteira a R$ 10, passarem a se tornar mais frequentes. Ir ao cinema é um passeio caro e elitista, sem dúvida, que, somado ao crescimento do streaming, levou a uma expressiva redução dos locais de exibição. Em comparação com 2019, por exemplo, houve o fechamento de um terço das salas.

E outro feito não menos importante é que o filme fala de história em um país que costuma esquecer o passado. Relembrar os anos de chumbo é importante para que erros nunca mais voltem a ser cometidos. Perseguição política, cerceamento da liberdade de expressão e participação popular restrita são características de ditaduras, como a que existiu no Brasil de 1964 a 1985, que nunca mais precisam ser revividas no nosso país. E Ainda estou aqui mostrou isso com maestria: é um filme que fala de política de forma indireta, detalhando com precisão como a repressão atingia em cheio uma família.

Assim, independentemente do desfecho da premiação, a importância de Ainda estou aqui vai muito além das estatuetas douradas. Só de reabrir o debate sobre os 21 anos sombrios de regime militar e de ativar a reflexão sobre a nossa própria história já cumpriu um papel fundamental.

O Oscar é apenas mais um capítulo da trajetória. No coração do público, já está.

 

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