Folha de S. Paulo
Presidente americano busca gerar um ambiente
caótico que o beneficia; governança global e equilíbrio dos Poderes preocupam
A estratégia de Donald Trump é
entupir os EUA e o mundo de declarações, decretos e ações concretas
altamente controversos,
criando o ambiente caótico no qual ele tende a prosperar.
Como ninguém sabe distinguir direito o que é factoide, tática de negociação e o que é para valer, a resultante é a incerteza. Na confusão, Trump vai testando interlocutores e os limites de seu próprio poder.
Dois eixos de sua "política" causam
especial preocupação. O primeiro é o externo. A confirmar-se a perspectiva de
um entendimento entre Washington e Moscou para entregar a Vladimir
Putin um belo naco da Ucrânia, é a
própria ordem mundial liberal que vai para o espaço.
Trump estaria substituindo décadas de esforço
de vários presidentes americanos em prol de uma governança global baseada em
regras pelas velhas zonas de influência. Seria a troca de um multilateralismo,
ainda que muito imperfeito, por um antiliberalismo carl-schmittiano.
As implicações não são triviais. Seria, por
exemplo, um sinal verde para os chineses retomarem Taiwan. Mais do
que isso, um sinal verde com cronograma. Se Pequim optar pela via militar, deve
fazê-lo nos próximos quatro anos, antes do fim do mandato de Trump, pois
ninguém sabe o que virá depois.
O segundo eixo de inquietação é o do
equilíbrio dos Poderes nos EUA. Trump e seus aliados fizeram repetidas
sugestões de que poderiam não obedecer a determinações do Judiciário, que vem
colocando alguns limites às ações do governo.
Deve haver muita bravata aí, mas o risco é
real e diferente de zero. O Judiciário, afinal, não dispõe de tropas para impor
suas decisões. Depende do Executivo para fazê-lo. Os EUA se mantiveram como uma
democracia ao longo dos últimos 250 anos porque o Executivo nunca ousou
desafiar abertamente a tradição constitucionalista do país, muito embora não
existam forças físicas que o constranjam a segui-la.
Trump estaria disposto a romper esse tabu? É
meio assustador dizê-lo, mas, ao fim e ao cabo, democracias dependem de um
tabu.
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