O Globo
Peça de Gonet deixa clara conexão entre trama golpista iniciada em 2021 e o 8 de Janeiro de 2023 e joga balde de água fria em articulação bolsonarista
O capítulo mais relevante do ponto de vista
da estruturação da denúncia de 276 páginas do procurador-geral da República
Paulo Gonet é justamente a sua introdução. Não por acaso, o PGR o chamou de
"uma introdução necessária". É nele que Gonet diz que uma democracia
que não se protege não resiste às tentativas de suprimi-la e lista as
incumbências constitucionais de cada uma das instituições de zelar por ela.
É a partir desse arrazoado legal e teórico que Gonet mostra como a trama golpista, cujo início ele situa em junho de 2021, foi comandada por Jair Bolsonaro e pela cúpula militar e policial de seu governo (dos oito principais denunciados, 6 são militares e os 2 únicos civis são delegados da Polícia Federal) e se estendeu até o 8 de Janeiro de 2023 --o que já joga por terra a estratégia que se intensificou nas últimas semanas de tentar minimizar os acontecimentos daquele dia e creditá-los a mera baderna desorganizada.
Gonet acolheu integralmente o relatório da
Polícia Federal que trouxe o indiciamento de 40 pessoas. A discrepância entre o
número de indiciados e dos denunciados é apenas residual: dos excluídos por
Gonet, os únicos nomes notáveis são o do presidente nacional do PL, Valdemar
Costa Neto, e o do ex-assessor do Palácio do Planalto Tércio Arnaud, um dos
integrantes, segundo as investigações da PF, do chamado "gabinete do
ódio" voltado a difundir desinformação contra inimigos de Bolsonaro e
também o sistema eleitoral.
O PGR descreve minuciosamente eventos que
integraram a trama golpista e pormenoriza e individualiza as condutas de cada
um dos denunciados.
O retrato traçado na denúncia não é nada
lisonjeiro para as Forças Armadas. A expectativa silenciosa das tropas, de que
o grande número de militares indiciados fosse notavelmente reduzido por Gonet
não se confirmou. Ele de fato excluiu alguns militares, entre eles três
coronéis da ativa e um general da reserva, mas os nomes mais destacados estão
lá, entre eles os ex-ministros e generais Walter Braga Netto, Augusto Heleno e
Paulo Sérgio Oliveira, o almirante e ex-comandante da Marinha Almir Garnier e o
general da reserva Mário Fernandes.
O comando de Jair Bolsonaro em todas as
etapas da articulação foi cuidadosamente detalhado por Gonet, o que faz um
grande contraste com a movimentação algo desesperada do próprio ex-presidente
nesta mesma terça-feira em busca de apoio da sua bancada para anistia ou
qualquer outra clemência que possa livrá-lo não só da inelegibilidade, mas do
temor de uma prisão num horizonte não tão distante.
Ao insistir na anistia, Bolsonaro quer minar
justamente a caracterização de que o que aconteceu em 8 de Janeiro foi sim uma
tentativa de golpe, o que Gonet trata de desmontar. Depois de elencar todos os
outros atos golpistas, todos eles ordenados por Bolsonaro e a ele informados,
ele chama a invasão das sedes dos Três Poderes de última tentativa desesperada
de evitar a perda do poder.
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