quarta-feira, 2 de abril de 2025

Tarifaço pode ajudar líderes com baixa popularidade - Fernando Exman

Valor Econômico

Nem mesmo adversários conseguem agora se alinhar totalmente a Trump

Um fenômeno tem sido observado, nas Américas e na Europa, e sua chegada ao Brasil não deve ser descartada a partir desta quarta-feira (2), quando o presidente Donald Trump anunciar o prometido choque tarifário sobre produtos importados pelos Estados Unidos. Líderes que adotaram uma postura de contraposição inteligente em relação ao americano estão mais populares dentro de casa.

A ameaça de Trump não é desprezível. A alta tarifária pode chegar a 20% ou 25% contra produtos de praticamente todos os parceiros comerciais dos Estados Unidos, e seus impactos econômicos são ainda incertos.

Por enquanto, o Brasil tem se beneficiado com a desvalorização do dólar em relação ao real. E a maior exposição do México às erráticas políticas da Casa Branca favorece o mercado brasileiro, diante da possibilidade de os investidores globais repensarem a alocação de seus recursos.

Negociações com a China e a União Europeia tendem a fluir com maior rapidez, acredita-se em Brasília. Nos próximos meses, aliás, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitará Pequim, Paris e Moscou. Mas as preocupações com uma potencial estagflação da economia americana ultrapassam as fronteiras dos EUA e chegam, também, ao Brasil.

Por outro lado, há quem veja oportunidades políticas nesse novo contexto.

No Canadá, por exemplo, o Partido Liberal parecia prestes a sofrer uma derrota histórica nas eleições deste ano e perder o poder para os conservadores, quando Trump acabou servindo de cabo eleitoral invonluntário para o governo ao declarar guerra econômica e ameaçar anexar o país vizinho. Os liberais canadenses e seu novo primeiro-ministro, Mark Carney, podem acabar dando a volta por cima. Embalado pelo slogan “Canadá forte”, ele já anunciou que pretende responder com força às eventuais medidas de Trump, mantendo todas as possibilidades sobre a mesa. Pretende diversificar a lista de parceiros comerciais do país.

À frente de outro vizinho dos EUA, a presidente do México, Claudia Sheinbaum, evitou o confronto direto com Trump após as ameaças de ações militares contra os narcotraficantes que atuam fora do território americano e novas tarifas comerciais. Sua postura equilibrada e firme consolidou seu já amplo apoio popular, apesar da ponderação de especialistas de que a relativa contenção de Trump também tenha ocorrido por pressões do setor privado americano. Ainda assim, Sheinbaum passa a ter como trunfo a possibilidade de responsabilizar as medidas protecionistas dos EUA pelos inevitáveis problemas que a economia mexicana enfrentará.

Pode-se incluir na lista o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky. A constrangedora reunião que ele teve no Salão Oval da Casa Branca com Trump elevou o índice de aprovação de seu governo em 10 pontos percentuais, para 67%, segundo pesquisa do Instituto Internacional de Sociologia de Kiev (KIIS) publicada pela agência Reuters no mês passado. O encontro, agendado para a discussão de um plano de paz, transformou-se em palco televisionado no qual Zelensky foi repreendido publicamente em uma postura considerada por grande parte dos ucranianos como um ataque a todo o país, e não apenas ao mandatário. Como resultado, nem mesmo adversários conseguem agora se alinhar totalmente a Trump.

Pesquisas de opinião recentes também proporcionaram notícias positivas para o presidente da França, Emmanuel Macron, e o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer. Com problemas de popularidade, ambos foram recebidos na Casa Branca por Trump e, ao mesmo tempo que exercitaram as boas práticas da diplomacia, saíram de lá criticando a política comercial dos EUA e tentando reposicionar a Europa nas discussões sobre a defesa do continente e a guerra na Ucrânia.

Com perspicácia, a oposição brasileira soube se antecipar e impulsionou a tramitação do projeto de lei que prevê medidas de resposta a barreiras comerciais impostas por outros países a produtos brasileiros, o chamado PL da Reciprocidade. O governo aderiu ao esforço e a proposta foi aprovada nessa terça-feira (1) por unanimidade no Senado, seguindo para a Câmara.

Em paralelo, o discurso do presidente Lula também está sendo trabalhado. Recentemente, ele afirmou que não adianta Trump gritar. “Aprendi a não ter medo de cara feia. Fale manso comigo, fale com respeito comigo porque aprendi a respeitar e quero ser respeitado”, disse ele durante evento de uma montadora.

Lula tem afirmado que pretende recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC), cujos instrumentos para a solução de controvérsias foram dilapidados pelos EUA nos últimos anos, ou até impor tarifas recíprocas. Seguindo à risca a cartilha defendida pelo embaixador Celso Amorim, assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais e ex-chanceler, segundo a qual a diplomacia brasileira deve ser “ativa e altiva”, o presidente assegurou que não vê problemas em tentar falar com Trump por telefone para buscar um acordo, a despeito dos evidentes obstáculos à retomada dos contatos de alto nível entre os dois países. Mas acerta ao fazer o aceno.

Diante de uma contraparte imprevisível como Trump, o desafio de líderes mundo afora é responder de forma a atender os anseios de seus públicos internos e até responder com medidas que gerem desconforto aos EUA, mas sem prejudicar suas próprias economias e provocar a ira do presidente americano. É uma equação com elementos políticos e econômicos de difícil calibragem.

 

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