Valor Econômico
Nem mesmo adversários conseguem agora se alinhar totalmente a Trump
Um fenômeno tem sido observado, nas
Américas e na Europa, e sua chegada ao Brasil não deve ser descartada a partir
desta quarta-feira (2), quando o presidente Donald Trump anunciar o prometido
choque tarifário sobre produtos importados pelos Estados Unidos. Líderes que
adotaram uma postura de contraposição inteligente em relação ao americano estão
mais populares dentro de casa.
A ameaça de Trump não é desprezível. A
alta tarifária pode chegar a 20% ou 25% contra produtos de praticamente todos
os parceiros comerciais dos Estados Unidos, e seus impactos econômicos são
ainda incertos.
Por enquanto, o Brasil tem se beneficiado com a desvalorização do dólar em relação ao real. E a maior exposição do México às erráticas políticas da Casa Branca favorece o mercado brasileiro, diante da possibilidade de os investidores globais repensarem a alocação de seus recursos.
Negociações com a China e a União Europeia
tendem a fluir com maior rapidez, acredita-se em Brasília. Nos próximos meses,
aliás, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitará Pequim, Paris e Moscou.
Mas as preocupações com uma potencial estagflação da economia americana
ultrapassam as fronteiras dos EUA e chegam, também, ao Brasil.
Por outro lado, há quem veja oportunidades
políticas nesse novo contexto.
No Canadá, por exemplo, o Partido Liberal
parecia prestes a sofrer uma derrota histórica nas eleições deste ano e perder
o poder para os conservadores, quando Trump acabou servindo de cabo eleitoral
invonluntário para o governo ao declarar guerra econômica e ameaçar anexar o
país vizinho. Os liberais canadenses e seu novo primeiro-ministro, Mark Carney,
podem acabar dando a volta por cima. Embalado pelo slogan “Canadá forte”, ele
já anunciou que pretende responder com força às eventuais medidas de Trump, mantendo
todas as possibilidades sobre a mesa. Pretende diversificar a lista de
parceiros comerciais do país.
À frente de outro vizinho dos EUA, a
presidente do México, Claudia Sheinbaum, evitou o confronto direto com Trump
após as ameaças de ações militares contra os narcotraficantes que atuam fora do
território americano e novas tarifas comerciais. Sua postura equilibrada e
firme consolidou seu já amplo apoio popular, apesar da ponderação de
especialistas de que a relativa contenção de Trump também tenha ocorrido por
pressões do setor privado americano. Ainda assim, Sheinbaum passa a ter como
trunfo a possibilidade de responsabilizar as medidas protecionistas dos EUA
pelos inevitáveis problemas que a economia mexicana enfrentará.
Pode-se incluir na lista o presidente da
Ucrânia, Volodymyr Zelensky. A constrangedora reunião que ele teve no Salão
Oval da Casa Branca com Trump elevou o índice de aprovação de seu governo em 10
pontos percentuais, para 67%, segundo pesquisa do Instituto Internacional de
Sociologia de Kiev (KIIS) publicada pela agência Reuters no mês passado. O
encontro, agendado para a discussão de um plano de paz, transformou-se em palco
televisionado no qual Zelensky foi repreendido publicamente em uma postura considerada
por grande parte dos ucranianos como um ataque a todo o país, e não apenas ao
mandatário. Como resultado, nem mesmo adversários conseguem agora se alinhar
totalmente a Trump.
Pesquisas de opinião recentes também
proporcionaram notícias positivas para o presidente da França, Emmanuel Macron,
e o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer. Com problemas de popularidade,
ambos foram recebidos na Casa Branca por Trump e, ao mesmo tempo que
exercitaram as boas práticas da diplomacia, saíram de lá criticando a política
comercial dos EUA e tentando reposicionar a Europa nas discussões sobre a
defesa do continente e a guerra na Ucrânia.
Com perspicácia, a oposição brasileira
soube se antecipar e impulsionou a tramitação do projeto de lei que prevê
medidas de resposta a barreiras comerciais impostas por outros países a
produtos brasileiros, o chamado PL da Reciprocidade. O governo aderiu ao
esforço e a proposta foi aprovada nessa terça-feira (1) por unanimidade no
Senado, seguindo para a Câmara.
Em paralelo, o discurso do presidente Lula
também está sendo trabalhado. Recentemente, ele afirmou que não adianta Trump
gritar. “Aprendi a não ter medo de cara feia. Fale manso comigo, fale com
respeito comigo porque aprendi a respeitar e quero ser respeitado”, disse ele
durante evento de uma montadora.
Lula tem afirmado que pretende recorrer à
Organização Mundial do Comércio (OMC), cujos instrumentos para a solução de
controvérsias foram dilapidados pelos EUA nos últimos anos, ou até impor
tarifas recíprocas. Seguindo à risca a cartilha defendida pelo embaixador Celso
Amorim, assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais e
ex-chanceler, segundo a qual a diplomacia brasileira deve ser “ativa e altiva”,
o presidente assegurou que não vê problemas em tentar falar com Trump por
telefone para buscar um acordo, a despeito dos evidentes obstáculos à retomada
dos contatos de alto nível entre os dois países. Mas acerta ao fazer o aceno.
Diante de uma contraparte imprevisível
como Trump, o desafio de líderes mundo afora é responder de forma a atender os
anseios de seus públicos internos e até responder com medidas que gerem
desconforto aos EUA, mas sem prejudicar suas próprias economias e provocar a
ira do presidente americano. É uma equação com elementos políticos e econômicos
de difícil calibragem.
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