Erros no Pé-de-Meia expõem descontrole de programas sociais
O Globo
Em pelo menos três cidades havia mais
alunos recebendo o benefício do que matriculados nas escolas
O governo Luiz Inácio Lula da
Silva tem sido pródigo em criar programas sociais, seguindo a receita que
funcionou em seus mandatos anteriores para conquistar popularidade. A despeito
da relevância de várias iniciativas, é óbvio que, por mais bem-intencionadas
que sejam, não prescindem de controle rigoroso. Os programas precisam ter foco,
para que recursos públicos não sejam destinados a quem não precisa ou
desviados. Não é o que se tem visto. Vira e mexe, surgem indícios de
descontrole.
O exemplo mais recente é o Pé-de-Meia, lançado no ano passado para incentivar, por meio de poupança, a permanência de alunos do ensino médio em sala de aula — a evasão é um dos maiores problemas do segmento. Um levantamento realizado a partir de dados do programa mostrou que, em pelo menos três cidades de três estados (Bahia, Pará e Minas Gerais), o número de beneficiários era maior que o de matriculados na rede pública. Em 15 municípios de cinco unidades da Federação, o programa atende mais de 90% dos estudantes do ensino médio, percentual que chama a atenção. Em alguns casos, há indícios de que os contemplados têm renda acima da permitida.
O estranhamento não se restringe às
discrepâncias entre beneficiários e matriculados. As informações são
desencontradas. Em Porto de Moz (PA), 1.687 estão no Pé-de-Meia, segundo dados
do Ministério da Educação (MEC). De acordo com diretores dos dois colégios
estaduais do município, há 1.382 matriculados. Para o MEC, há 3.105 alunos de
ensino médio na cidade, mais que o dobro. Não adianta o governo federal alegar
que a responsabilidade pelas informações é das secretarias estaduais. Elas
precisam ser fiscalizadas por quem é dono do programa.
Situações de descontrole têm sido
frequentes noutros programas. Em 2023, o Tribunal de Contas da União (TCU)
estimou irregularidades de R$ 34 bilhões no Bolsa Família.
No fim do ano passado, o próprio Ministério do Desenvolvimento Social percebeu
que, em dois terços dos municípios brasileiros, o número de famílias com um
único beneficiário era superior ao razoável, sugerindo fraudes ou erros no
cadastro. Prometeu um pente-fino.
Em fevereiro deste ano, o TCU detectou
irregularidades no pagamento do Benefício de Prestação Continuada (BPC) pelo
INSS. Segundo a Corte, elas causaram prejuízo de R$ 5 bilhões em um ano. O
principal problema era a incompatibilidade com as regras do programa — 6,3%
tinham renda acima do limite. Foram encontrados também casos de acúmulo com
outros benefícios (é proibido), inconsistência de dados cadastrais e até
pagamento a quem já tinha morrido.
O governo precisa ter maior controle sobre
os programas sociais. Primeiro, porque não há dinheiro sobrando. Ao contrário,
o Planalto vive buscando meios de aumentar a arrecadação para tapar buracos no
orçamento, diante de gastos descontrolados. Segundo, porque valores pagos
indevidamente poderiam ser usados para atender quem realmente precisa. Com
cruzamento de informações dos diferentes bancos de dados dos organismos
federais, não faz sentido pagar benefícios indevidos, ainda que isso envolva
diferentes esferas de governo. É preciso haver auditorias permanentes e
detalhadas nos cadastros para evitar erros e fraudes. Os eventuais benefícios
trazidos pelos programas não justificam o descontrole e o desperdício de
dinheiro público.
Crise de banco demanda solução de mercado,
sem dinheiro público
O Globo
Venda do Banco Master ao estatal BRB é resultado do fracasso de gestão agressiva — e não há risco sistêmico
Ainda não estão claros os termos da compra
do Banco Master, em dificuldades financeiras, pelo estatal Banco de Brasília
(BRB) e pelo BTG. Mas a presença na transação de um banco controlado pelo poder
público — o governo do Distrito Federal, comandado por Ibaneis Rocha (MDB) —
despertou preocupações. Há temor de influência política no negócio. O Banco
Central, que dará a palavra final sobre a transação, deve zelar para afastar
qualquer dúvida.
O desempenho do Master, de Daniel Vorcaro,
já era acompanhado com atenção pelo mercado
financeiro. O banco precisava cada vez de mais recursos, para isso oferecia
alta rentabilidade a quem adquirisse seus Certificados de Depósitos Bancários
(CDBs). Enquanto o BRB remunera seus investidores pagando 89% da taxa do
Certificado de Depósito Interbancário (CDI), o Master chegou a pagar 140%.
Também tentou sem sucesso fazer captações em dólar no mercado externo.
O Master adotou um modelo de negócios
agressivo, e isso se reflete em sua carteira de ativos. Passou a ser grande
comprador de precatórios — créditos a receber de União, estados e municípios —
no mercado secundário, quase sempre com grande deságio. Em junho do ano
passado, essa carteira era de R$ 7 bilhões. O banco também passou a comprar
negócios em dificuldades, como Metalfrio, Restoque, Biomm ou Oncoclínicas. O
plano era sanear as empresas e revendê-las com lucro. Estima-se que o Master
tenha cerca de R$ 30 bilhões em ativos de baixa liquidez. No final de 2023, o
BC apertou as normas sobre a exposição de bancos a precatórios, deixando de
lhes dar o mesmo tratamento dos títulos públicos, e fez o mesmo para CDBs. Tais
medidas foram relacionadas à situação do Master.
No desenho da transação em discussão,
chama a atenção que Vorcaro mantenha poder de decisão, pois o BRB pagaria R$ 2
bilhões para controlar 58% do capital total do banco, mas apenas 49% das ações
com direito a voto. Em nota, o BRB garantiu que terá direito de “voto
afirmativo” em alguns assuntos, e as ações do banco estatal subiram depois da
notícia da compra. O BTG, por seu turno, parece interessado na carteira de
crédito consignado (ativo mais seguro) e, de acordo com as notícias divulgadas,
recusou-se a comprar o banco sem assumir o controle total.
O sistema financeiro tem como principal
lastro a confiança entre seus participantes. As soluções de mercado para
dificuldades que ocorram são sempre as melhores, por geralmente estarem
blindadas contra pressões políticas e não dependerem do dinheiro público. O
papel do Estado deve se resumir a atuar nos casos em que haja risco para todo o
sistema financeiro — situação em que todos os agentes de mercado perderiam. Não
parece ser o caso do Master, cuja crise deriva de sua própria gestão de risco.
Sobretudo por envolver um dos poucos bancos estaduais ainda existentes no
Brasil, a transação precisará ser acompanhada de perto pelo BC para que
satisfaça a esses requisitos.
Trump ergue maiores barreiras
protecionistas em um século
Valor Econômico
Presidente americano procura destruir na
prática as estruturas de livre comércio que impulsionaram até agora a
globalização
O presidente Donald Trump deve erguer hoje
ao redor dos Estados Unidos a maior barreira tarifária contra as importações
mundiais desde 1930, em mais um ato de enormes consequências globais. O “Dia de
Libertação”, proclamado por Trump para batizar a implantação de “reciprocidade
tarifária” - cobrando em mercadorias importadas pelos EUA um imposto igual ou
maior do que outros países cobram dos produtos dos EUA -, procura destruir na
prática as estruturas de livre comércio que impulsionaram até agora a globalização.
Ao mesmo tempo, o presidente americano, que suspendeu taxas de 25% a
importações de Canadá e México que constassem do acordo de livre comércio
(USMCA), estabeleceu o prazo até o dia 2 de abril para uma definição.
O novo protecionismo radical americano é
precedido de forte revisão dos preços dos ativos globais, que derrubou o dólar
e fez as bolsas americanas terem sua pior performance trimestral em quase três
anos. As expectativas sobre a economia americana têm piorado a cada vez em que
Trump pronuncia sua palavra predileta (tarifas), em uma reviravolta drástica em
relação às perspectivas de antes de sua posse, de crescimento firme, queda da
inflação e corte de juros. Agora, o Goldman Sachs, por exemplo, avaliou que a
chance de uma recessão cresceu de 20% para 35%, enquanto as projeções sobre o
desempenho do primeiro trimestre das atividades encolhem dia a dia.
O método caótico de Trump, no qual a
imprevisibilidade é tida como uma virtude do negociador mais forte, que tem a
iniciativa, arruína da mesma maneira uma das bases do funcionamento dos
mercados financeiros e das empresas - a capacidade de vislumbrar com alguma
clareza o futuro. “As pessoas estão mais preocupadas com a economia do que em
qualquer período de memória recente”, disse Larry Fink, CEO da BlackRock, a
maior gestora de ativos do mundo, após sondagem com seus clientes.
Um dos efeitos visíveis da guerra
comercial que os EUA deslancharam contra o mundo foi acelerar a correção das
bolsas americanas. Em um trimestre, a S&P 500 perdeu 4,6% e a Nasdaq,
10,4%, colocando em rota declinante o valor dos papéis das “Magnificent Seven”,
as 7 big techs que têm peso de 28,6% do índice Nasdaq e 23% da S&P 500.
Elas perderam quase US$ 1 trilhão em valor de mercado em março.
As consequências para a economia das
quedas das bolsas foi a diminuição da confiança dos consumidores e das
empresas. A confiança do terço mais rico dos EUA caiu tão fortemente quanto a
das demais faixas de renda. Números do Federal Reserve indicavam que os 10% das
famílias mais ricas do país perderam US$ 2,7 trilhões desde a semana em que
Trump foi eleito, no início de novembro. Os demais 90% do espectro de renda
tiveram perdas de US$ 656 bilhões (Robert Armstrong, FT, ontem). O consumo em
fevereiro foi mais fraco do que se esperava, enquanto voltava a crescer a taxa
de poupança dos lares americanos.
O ambiente criado por Trump é desfavorável
aos investimentos ao tornar o futuro absolutamente opaco. O índice gerente de
compras para a indústria começou a refletir isso. A produção industrial passou
ao terreno de contração, e o índice das encomendas e de contratações de mão de
obra, que já estavam no recuo, acentuaram essa tendência. Em uma antecipação de
compras para evitar tarifas, os estoques cresceram a seu maior nível desde
2022. A inflação por sua vez subiu. Em fevereiro, os gastos pessoais de consumo
(PCE), medida preferida do Federal Reserve, evoluíram 0,4% em relação a
janeiro, maior alta em um ano.
Um dia após a “libertação”, entra em vigor
o imposto de importação de 25% sobre veículos do mundo inteiro, em uma ação
cuja sequência lógica deverá ser a imposição de barreiras às autopeças. Aço e
alumínio já têm tarifas da mesma magnitude, e a incógnita sobre a
“reciprocidade” a ser anunciada hoje é quais serão as tarifas aplicadas aos
países que mais vendem para os EUA - e que podem também não ser os únicos
alvos. A revanche tarifária por produto e por país seria incrivelmente
complicada. É mais provável que se aplique um imposto uniforme para todas as
mercadorias, por países. As opiniões das consultorias e bancos sobre o tamanho
delas varia de 10% a 25%.
A ofensiva comercial americana está apenas
no começo. O segundo lance da disputa mal começou: China e União Europeia
anunciaram retaliações, até agora discretas diante dos atos discriminatórios e
sem justificativas de Trump. A UE ameaçou ontem que taxará serviços e big techs
americanas, além de alguns direitos de propriedade intelectual. “Temos muitas
cartas nas mãos”, disse Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia,
“como o tamanho do nosso mercado”.
O Brasil, nas páginas que lhe dedica o
relatório do representante comercial dos EUA (USTR), tem vários flancos que
serviriam para qualquer pretexto do governo americano (Valor,
ontem). Ontem, o Senado aprovou projeto que permite ao Brasil retaliar, mas o
país, no entanto, tem mantido a sobriedade, a vontade de negociar e a sábia
disposição de evitar retaliações que, no final, o prejudicariam mais do que aos
EUA.
Processo da Americanas deve dar sinal ao
mercado
Folha de S. Paulo
Ex-executivos são denunciados por fraude
que abalou a Bolsa; punição aos responsáveis precisa ter efeito de dissuasão
Mais de dois anos depois do escândalo,
o Ministério
Público Federal denunciou, na segunda-feira (31), 13
ex-executivos e ex-funcionários da Americanas por manipulação de
mercado, falsidade ideológica, uso de informação privilegiada e organização
criminosa.
Eles são acusados de fraudes
que falsificaram resultados da companhia em cerca de R$ 25 bilhões,
entre outros crimes e irregularidades que teriam ocorrido entre 2016 e 2022. Em
11 de janeiro de 2023, o então e breve CEO da empresa, Sergio Rial, anunciou o
gigantesco esbulho.
A Americanas, empresa quase centenária,
estava até então no mais alto nível de governança da Bolsa de Valores e tinha
como acionistas de referência nomes como Jorge
Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira.
Até hoje, debate-se como pode ter ocorrido
tamanho descalabro na empresa. A pergunta é importante, pois estão em jogo não
apenas as devidas condenações e o necessário pagamento de reparações, mas
também a credibilidade do mercado acionário, das demonstrações financeiras e do
sistema que deveria sujeitar executivos à vigilância estrita.
Espera-se que, ao final de investigações e
processos, inclusive na Comissão de Valores Imobiliários, sejam tomadas
providências. Uma CPI da Câmara
dos Deputados encerrada em setembro de 2023 não resultou em reformas.
O choque com o anúncio das chamadas
"inconsistências contábeis" gerou brutal desvalorização da companhia.
Ações cotadas a R$ 12 foram a quase zero, com perdas enormes para acionistas,
relativamente mais graves para minoritários; os papéis valem hoje pouco menos
de R$ 6.
Os funcionários foram seriamente
prejudicados. Segundo comunicados de resultados, a Americanas tinha mais de 40
mil colaboradores em 2022. Em fins de 2024, a cifra caiu a mais de 30 mil.
O escândalo agravou um trimestre difícil
para o Ibovespa, que teve o pior desempenho desde 2020, na pandemia. Captações
de recursos no mercado de capitais baixaram de modo relevante, devido também a
turbulências macroeconômicas e a dúvidas sobre balanços de outras empresas.
Os resultados de 2021 e 2022 da Americanas
foram revistos. Os números corrigidos mostraram um prejuízo de quase R$ 20
bilhões. A companhia entrou em recuperação judicial em 2023 e, no ano seguinte,
os acionistas de referência e os credores promoveram um aumento de capital de
cerca de R$ 24 bilhões.
Como se dá em qualquer crime, não é
razoável esperar que fraudes contábeis não se repitam. No entanto investigação
rigorosa, julgamento criterioso e punição dos responsáveis precisam ter o
efeito de dissuasão.
Espera-se, ademais, que os reguladores
reflitam sobre como essa mentira bilionária e calamitosa tenha sido possível,
de modo a, pelo menos, conter danos futuros. Empregos, custos financeiros e o
funcionamento eficiente do mercado dependem disso.
Condenação de Le Pen tensiona a política
francesa
Folha de S. Paulo
Pré-candidata da ultradireita no pleito de
2027 fica inelegível; efeitos são incertos, mas acirra-se o embate ideológico
O cenário político francês passa por mais
uma turbulência. Marine Le Pen,
deputada e pré-candidata à presidência do país nas eleições de 2027, foi
condenada por desvio de verbas do Parlamento
Europeu, onde foi eurodeputada entre 2004 e 2017, para o seu partido, a
Reunião Nacional (RN).
A pena inclui quatro anos de prisão (dos
quais dois estão suspensos e dois serão cumpridos em prisão domiciliar), multa
de € 100 mil (R$ 624 mil) e proibição
de concorrer a cargos públicos por cinco anos. Mais oito eurodeputados da
RN também foram condenados no caso. No total, estima-se um desfalque de cerca
de € 2,9 milhões (R$ 18 milhões).
Ainda cabe recurso da defesa, e, se lograr
vitória, ela poderá participar do pleito, para o qual é favorita nas pesquisas.
Mesmo assim, é um baque para a RN, sigla de ultradireita que detém o maior
número de assentos na Assembleia Nacional —123 de 577.
A legenda vinha avançando de maneira
rápida também no panorama continental. Em junho de 2024, o grupo político do
qual faz parte no Parlamento Europeu, o Identidade e Democracia (ID), passou de
49 cadeiras para para 84 nas eleições da entidade —em julho, o ID mudou de nome
para Patriotas pela Europa (PfE). Já a coligação Renew, que conta com o partido
de Emmanuel
Macron, o Renascimento, perdeu 21 assentos e ficou com 77.
Com o ascensão da ultradireita, o
presidente francês dissolveu
a Assembleia Nacional e convocou novo pleito. Nele, a coalização de Macron
obteve 168 assentos, sendo 102 para o seu partido; RN e aliados, 143, com 123
só da legenda de Le Pen. Na frente da disputa, com 182, está a Nova Frente
Popular (NFP), que une extremistas e moderados de
Ainda é incerto, de todo modo, o impacto
da condenação de Le Pen para a RN. Jordan Bardella, líder da sigla, é
o mais cotado para substituí-la, se necessário.
Jovem e ativo nas redes sociais, tende a
agradar às novas gerações, mas críticos apontam inexperiência e parco
conhecimento sobre administração pública.
Le Pen e sua sigla afirmam que se trata de
perseguição política, versão repetida por Donald Trump e Elon Musk; os
governos russo, turco e italiano também manifestaram apoio a ela.
Países autoritários tendem a usar o Poder Judiciário para abafar
oposicionistas. Esse não é, contudo, o caso da França, uma
democracia liberal consolidada.
Num contexto europeu e global já tenso, os
franceses correm o risco de ver acirrados embates ideológicos que não raro
aviltam o debate político.
O desafio do BC no caso Master
O Estado de S. Paulo
A avaliação da compra de parte do Banco
Master pelo BRB, banco estatal de Brasília, exigirá transparência absoluta das
autoridades, pois há muitas questões nebulosas nesse caso
O Banco de Brasília (BRB) anunciou na
sexta-feira passada a compra de uma fatia do Banco Master. Controlado pelo
governo do Distrito Federal, o BRB informou que adquirirá 49% das ações
ordinárias (com direito a voto) e 100% das preferenciais (sem direito a voto)
do Master, em um negócio estimado em cerca de R$ 2 bilhões.
A bola agora está com o Banco Central (BC)
e com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que precisam
aprovar o negócio.
O Estadão informou que os
chamados “cabeças brancas” do BC, servidores experientes da autarquia que já
analisaram casos complexos do sistema financeiro, farão a análise da transação.
A participação de funcionários experientes
na avaliação sobre se o BRB realmente é capaz de comprar parte do Master é
bem-vinda, mas, para além da senioridade do corpo técnico do BC, o que a dita
análise realmente demanda é extrema transparência. Qualquer que seja a decisão
da autarquia, ela precisará ser milimetricamente clara.
O motivo é que há questões bastante
nebulosas envolvidas no negócio, a começar pelo fato de que o Master é uma
instituição que cresceu aceleradamente por meio da oferta de Certificados de
Depósito Bancário (CDBs) com rendimentos muito atrativos, ao mesmo tempo que
fazia apostas ousadas em ativos de risco como precatórios.
Obviamente, quanto maior o rendimento
prometido, maior o risco envolvido. Porém, no afã de atrair clientes,
plataformas de investimento propagandearam a segurança do Fundo Garantidor de
Crédito (FGC), contribuindo para que investimentos arriscados, como os CDBs
turbinados do Master, se tornassem mais aceitáveis.
Criado nos anos 1990, o FGC é uma entidade
privada que, de fato, contribui para a estabilidade do sistema financeiro. Ele
garante que, em caso de quebra de uma instituição financeira, pessoas físicas
ou jurídicas que tenham investido em produtos como os CDBs sejam ressarcidas
até o teto de R$ 250 mil.
Mas a venda maciça dos certificados do
Master acabou gerando uma assimetria no próprio FGC. Sozinho, um banco de menor
porte como o Master consumiria, numa estimativa conservadora, nada menos que
42% do patrimônio líquido do fundo, um evidente desequilíbrio. Donde se conclui
que qualquer que venha a ser o desfecho do caso Master, a era do CDB turbinado
“garantido” pelo FGC encontrou um muro.
Não é de interesse de ninguém, sobretudo
do pequeno investidor, que produtos financeiros de maior risco sejam oferecidos
de forma ilusória. A desfaçatez em torno do FGC é tamanha que houve quem
propusesse, no Congresso, que a garantia oferecida pelo fundo subisse de R$ 250
mil para R$ 1 milhão, o que só oneraria as instituições financeiras sérias, que
na verdade são a maioria, e premiaria apenas os investidores com mais recursos.
Já do lado do BRB, são muitas as dúvidas
sobre se a aquisição de parte do Master realmente faz sentido. O banco de
Brasília nega categoricamente que, por ser banco público, tenha sofrido pressão
para fazer negócio com o Master. O presidente do BRB, Paulo Henrique Costa,
afirmou que a compra do Master casa com a estratégia de crescimento do BRB, que
vem buscando converter-se de um banco regional em um nacional.
Inicialmente, a reação de parte do mercado
ao negócio entre BRB e Master foi de suspeição. Não que o mercado não deseje um
desfecho para o caso Banco Master, mas o fato de que a “solução” se dará por
meio de um banco público gera questionamentos, o que não é de estranhar, já que
o BRB diz ter como missão “ser um banco público, sólido, rentável, moderno e
eficiente, protagonista do desenvolvimento econômico, social e humano”.
Ainda segundo o presidente do BRB, o
Master que será adquirido pelo banco brasiliense não é o Master que causa
apreensão no mercado – consta, a esse propósito, que a própria Faria Lima
esperava que uma instituição privada de grande porte adquirisse o banco por
valor simbólico.
Com tantas arestas para onde quer que se
olhe, é preciso aguardar a decisão do BC. E que essa decisão possa permitir que
o sistema financeiro, o FGC e, sobretudo, o pequeno investidor saiam protegidos
deste imbróglio.
‘Verdadeira desordem’ nos penduricalhos
O Estado de S. Paulo
O decano do STF, ministro Gilmar Mendes,
critica profusão de benesses no Judiciário e defende a discussão e o
estabelecimento de regras para conter o mau uso do dinheiro público
O ministro do Supremo Tribunal Federal
(STF) Gilmar Mendes afirmou que o Poder Judiciário vive “um quadro de
verdadeira desordem” com a profusão dos penduricalhos. Num evento da Federação
das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o decano do STF disse que “a
toda hora os jornais estampam” novas gratificações em suas páginas.
Parece que essa multiplicação de
privilégios noticiada pelos veículos de imprensa, inclusive por este jornal,
tem surpreendido as autoridades públicas. Trata-se de práticas abusivas, tais
qual a “dezembrada”, que, como mostrou o Estadão, ocorre quando Tribunais
de Justiça turbinam contracheques no fim de cada ano e um salário pode chegar a
R$ 700 mil.
Esses pagamentos que afrontam a ideia de
República têm origem em decisões de órgãos superiores, como o Conselho Nacional
de Justiça (CNJ), que criam benefícios por meio de resoluções e driblam o Poder
Legislativo. Não raro, essas benesses, chamadas de verbas indenizatórias,
escapam da incidência do Imposto de Renda.
É esse movimento reiterado que faz com
que, na prática, juízes de todo o País recebam bem acima do teto do
funcionalismo público, hoje de R$ 46,4 mil – o vencimento mensal de Gilmar
Mendes e seus demais colegas de STF. São os chamados “supersalários”. E um dos
argumentos para legitimar essa investida sobre o dinheiro público é a autonomia
financeira.
Como bem disse o decano do STF, esse
princípio tem passado por “uma leitura um tanto extravagante”, haja vista que a
autonomia financeira foi prevista “para evitar a dependência do Judiciário em
relação ao Executivo”. Ou seja, serve para garantir a independência
orçamentária de um Poder em relação ao outro, e não para justificar
privilégios.
Gilmar Mendes disse, com razão, que lhe
“parece fundamental que haja uma discussão a propósito dessa temática” dos
penduricalhos, de tal modo que “se estabeleçam regras e normas” para o
pagamento de gratificações aos magistrados. De acordo com o ministro, muitas
gratificações foram criadas ou ressuscitadas nos últimos anos, o que coloca o
Brasil “em uma fase extremamente preocupante, em que não sabemos bem qual é o
critério que deve prevalecer” para os pagamentos.
Esse sentimento de incômodo do decano é
compartilhado por outros ministros do STF. Recentemente, o ministro Flávio Dino
escreveu em uma decisão sobre o pagamento de um penduricalho que há um
“inaceitável vale-tudo” na criação de benefícios. Depois, numa sessão, o
ministro criticou a “criatividade administrativa” em temas remuneratórios,
vista como algo que “constrange o Poder Judiciário”. Na mesma ocasião, Cármen
Lúcia se alinhou ao colega e afirmou que esses pagamentos representam “um
avanço contra o direito do cidadão”.
O fim de tanta arbitrariedade no uso do
dinheiro do contribuinte depende da aprovação de uma legislação clara, robusta
e rigorosa sobre o que são gratificações e indenizações, quem tem direito a
recebê-las e em quais circunstâncias devem ser pagas. Hoje, como se vê nos
holerites dos magistrados, esses pagamentos são regra, e não exceção.
E regular essa matéria é uma obrigação do
Congresso, que parece ter esquecido em algum escaninho um projeto de lei que
propõe limitar os penduricalhos. Essa proposta, contudo, contém tantas exceções
que, se for aprovada da forma como está, apenas legalizará os benefícios já
existentes, sem moralizá-los. Esse debate deve ser retomado urgentemente, e o
seu texto, corrigido, o que exigirá muita depuração dos parlamentares.
Mas, enquanto o Congresso não assume a sua responsabilidade, as recentes manifestações de ministros do STF sobre os penduricalhos ao menos servem para mostrar que nem todos no Poder Judiciário estão confortáveis com a farra dos privilégios. Que essa tomada de consciência seja o início de um debate adulto sobre o assunto, cuja repercussão ajuda a minar a imagem do Judiciário perante os brasileiros.
Negligência com a saúde feminina
O Estado de S. Paulo
Baixos índices de realização de mamografia
e papanicolau exigem ações do poder público
Os índices de realização dos exames de
mamografia e papanicolau nas capitais brasileiras seguem abaixo dos registrados
antes da pandemia de covid-19. São dois exames preventivos que podem ajudar a
evitar o câncer de mama e o câncer do colo do útero, que, juntos, matam 25 mil
mulheres por ano no País.
Segundo dados do Observatório da Saúde
Pública, da Umane, entidade que fomenta projetos em saúde, o número de mulheres
com 18 anos ou mais que já fizeram mamografias nas capitais caiu de 66,7%, em
2017, para 59,8%, em 2023; e em 2020, durante a pandemia, o índice foi a 61,5%.
No mesmo período, o papanicolau diminuiu de 87% para 78,9%; em 2020, foi de
82,5%.
Esses números revelam que mesmo durante a
pandemia os índices estavam em patamares mais altos do que os registrados mais
recentemente. Com o arrefecimento da covid e a diminuição de demanda
emergencial sobre os equipamentos de saúde pública, não faz sentido esses
indicadores apresentarem desempenhos tão pífios.
A mamografia e o papanicolau aumentam o
diagnóstico precoce, o que eleva a chance de cura, além de possibilitar a
indicação do tratamento mais adequado, menos invasivo e mais barato. Tudo isso
é um ganho para a paciente e para o Sistema Único de Saúde (SUS).
Mas, como disse ao Estadão a
presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), Angélica
Nogueira, o País ainda demanda políticas públicas que aumentem o acesso a esses
dois procedimentos, que já estão disponíveis na rede pública. É de perguntar o
que falta para fazer com que as mulheres busquem esses exames.
Falta muita coisa, a começar pela
articulação dos municípios, dos Estados e do governo federal para a adoção de
medidas efetivas, como campanhas de prevenção. Isso se justifica porque,
segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), 45,1% das mulheres que nunca
fizeram o papanicolau acham o exame desnecessário, e 14,8% nunca foram
orientadas a fazê-lo.
As autoridades públicas devem assumir a
responsabilidade de transmitir informações às mulheres, com campanhas na
televisão e no rádio, na internet, nas redes sociais e nos jornais. Segundo
Angélica Nogueira, da SBOC, até mesmo a inteligência artificial poderia ser
usada para chegar a mais gente.
Ademais, cabe ao poder público a busca
ativa das pacientes, assim como já é feito no caso das campanhas de vacinação
das crianças. Há milhares de agentes de saúde no País que diariamente batem de
porta em porta nos lares brasileiros e que poderiam estar engajados nesse
trabalho preventivo. Além disso, o estabelecimento de metas municipais poderia
estimular essa busca e, em caso de cumprimento, a cidade receberia mais
recursos.
Todos os esforços para reverter esse quadro devem ser empreendidos pelas autoridades públicas brasileiras. É inaceitável um estado de negligência em que as mulheres, por desinformação, entre outros fatores, fiquem alijadas da realização da mamografia e do papanicolau, dois procedimentos tão cruciais para lhes garantir qualidade de vida.
As redes sociais e a educação dos filhos
Correio Braziliense
Pessoas de todas as idades, mas
principalmente jovens, mantêm subculturas pautadas pelo ódio, misoginia,
racismo, antissemitismo e até mesmo a defesa escancarada do neonazismo, sem
qualquer disfarce
Para além do seu potencial artístico e de
entretenimento, o audiovisual, a partir de filmes e séries, tem como premissa o
relevo de pautas urgentes para a sociedade. A importância das produções está
justamente no seu diálogo com a realidade que vivenciamos, discutindo passado,
presente e até o futuro.
Campeã de audiência da Netflix neste ano,
a minissérie britânica Adolescência traz à tona uma pauta de urgente discussão
em nosso espaço social. A produção evidencia o assassinato de uma
adolescente pelo seu colega de escola, Jamie Miller, de apenas 13 anos. A trama
não se concentra na tentativa de descobrir o autor do crime, apresentado no
primeiro episódio. O enredo se desenvolve a partir do motivo que levou o
adolescente a cometer o feminicídio.
O ponto principal discutido pela
minissérie gira em torno do potencial destruidor que a internet tem quando mal
utilizada, sobretudo por pessoas em período de formação da ética e dos valores,
como os adolescentes. Em um mundo cada vez mais conectado, famílias, escolas e
demais instâncias sociais têm a obrigação de acompanhar o que os jovens
consomem na palma da mão.
O problema não se resume mais à deep web,
camada restrita da internet, não acessada por navegadores convencionais, onde
pessoas de todas as idades, mas principalmente jovens, mantêm subculturas
pautadas por ódio, misoginia, racismo, antissemitismo e até mesmo a defesa
escancarada do neonazismo.
A partir da flexibilidade dos termos de
uso das redes sociais, essas subculturas ocupam cada vez mais espaços nunca
antes habitados por elas. E essa expansão dos tentáculos da deep web captura os
vulneráveis a esse tipo de linguagem, quase sempre muito direta e simplória,
usando o humor como gatilho para atrair adolescentes conectados.
Não é difícil citar exemplos. Desde que
foi adquirido por Elon Musk, o X (antigo Twitter) se tornou campo fértil para
núcleos virtuais pautados pelo ódio. A rede social hoje exibe conteúdos
segregadores de todo tipo, diante da defesa da alegada "liberdade de
expressão". Problema semelhante acontece na rede social chinesa TikTok. Na
prática, ambas funcionam com algoritmos bem definidos, que apresentam ao
consumidor conteúdos com maior potencial de engajamento.
Assim, é muito mais eficiente, pela ótica
da audiência e do lucro, apresentar um conteúdo polêmico, que leve ao like ou
ao compartilhamento. Com o passar do tempo, o usuário passa a conviver em
bolhas sociais, entendendo aquele espaço como extensão e representação do mundo
real. Nesse contexto, o famoso meme entra como peça-chave para apresentar a
crianças e adolescentes, por exemplo, pensamentos misóginos de toda forma.
A saída para o problema passa por uma
linha tênue e bastante desafiadora para pais, comunidade escolar e autoridades.
Todos têm a responsabilidade de intervir nesse processo, ainda que haja a
essencial necessidade de assegurar privacidade a esses jovens, principalmente
aqueles na fase da puberdade. O diálogo sobre os direitos humanos se faz
necessário em qualquer idade.
Independentemente do algoritmo das redes sociais — que também devem ser responsabilizadas nesse processo, como se prevê na revisão do Marco Civil da Internet pelo STF —, crianças e adolescentes bem educados quanto à obrigação de respeitar as diferenças tendem a ser uma presa mais difícil para as subculturas citadas.
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