quarta-feira, 2 de abril de 2025

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Erros no Pé-de-Meia expõem descontrole de programas sociais

O Globo

Em pelo menos três cidades havia mais alunos recebendo o benefício do que matriculados nas escolas

O governo Luiz Inácio Lula da Silva tem sido pródigo em criar programas sociais, seguindo a receita que funcionou em seus mandatos anteriores para conquistar popularidade. A despeito da relevância de várias iniciativas, é óbvio que, por mais bem-intencionadas que sejam, não prescindem de controle rigoroso. Os programas precisam ter foco, para que recursos públicos não sejam destinados a quem não precisa ou desviados. Não é o que se tem visto. Vira e mexe, surgem indícios de descontrole.

O exemplo mais recente é o Pé-de-Meia, lançado no ano passado para incentivar, por meio de poupança, a permanência de alunos do ensino médio em sala de aula — a evasão é um dos maiores problemas do segmento. Um levantamento realizado a partir de dados do programa mostrou que, em pelo menos três cidades de três estados (Bahia, Pará e Minas Gerais), o número de beneficiários era maior que o de matriculados na rede pública. Em 15 municípios de cinco unidades da Federação, o programa atende mais de 90% dos estudantes do ensino médio, percentual que chama a atenção. Em alguns casos, há indícios de que os contemplados têm renda acima da permitida.

O estranhamento não se restringe às discrepâncias entre beneficiários e matriculados. As informações são desencontradas. Em Porto de Moz (PA), 1.687 estão no Pé-de-Meia, segundo dados do Ministério da Educação (MEC). De acordo com diretores dos dois colégios estaduais do município, há 1.382 matriculados. Para o MEC, há 3.105 alunos de ensino médio na cidade, mais que o dobro. Não adianta o governo federal alegar que a responsabilidade pelas informações é das secretarias estaduais. Elas precisam ser fiscalizadas por quem é dono do programa.

Situações de descontrole têm sido frequentes noutros programas. Em 2023, o Tribunal de Contas da União (TCU) estimou irregularidades de R$ 34 bilhões no Bolsa Família. No fim do ano passado, o próprio Ministério do Desenvolvimento Social percebeu que, em dois terços dos municípios brasileiros, o número de famílias com um único beneficiário era superior ao razoável, sugerindo fraudes ou erros no cadastro. Prometeu um pente-fino.

Em fevereiro deste ano, o TCU detectou irregularidades no pagamento do Benefício de Prestação Continuada (BPC) pelo INSS. Segundo a Corte, elas causaram prejuízo de R$ 5 bilhões em um ano. O principal problema era a incompatibilidade com as regras do programa — 6,3% tinham renda acima do limite. Foram encontrados também casos de acúmulo com outros benefícios (é proibido), inconsistência de dados cadastrais e até pagamento a quem já tinha morrido.

O governo precisa ter maior controle sobre os programas sociais. Primeiro, porque não há dinheiro sobrando. Ao contrário, o Planalto vive buscando meios de aumentar a arrecadação para tapar buracos no orçamento, diante de gastos descontrolados. Segundo, porque valores pagos indevidamente poderiam ser usados para atender quem realmente precisa. Com cruzamento de informações dos diferentes bancos de dados dos organismos federais, não faz sentido pagar benefícios indevidos, ainda que isso envolva diferentes esferas de governo. É preciso haver auditorias permanentes e detalhadas nos cadastros para evitar erros e fraudes. Os eventuais benefícios trazidos pelos programas não justificam o descontrole e o desperdício de dinheiro público.

Crise de banco demanda solução de mercado, sem dinheiro público

O Globo

Venda do Banco Master ao estatal BRB é resultado do fracasso de gestão agressiva — e não há risco sistêmico

Ainda não estão claros os termos da compra do Banco Master, em dificuldades financeiras, pelo estatal Banco de Brasília (BRB) e pelo BTG. Mas a presença na transação de um banco controlado pelo poder público — o governo do Distrito Federal, comandado por Ibaneis Rocha (MDB) — despertou preocupações. Há temor de influência política no negócio. O Banco Central, que dará a palavra final sobre a transação, deve zelar para afastar qualquer dúvida.

O desempenho do Master, de Daniel Vorcaro, já era acompanhado com atenção pelo mercado financeiro. O banco precisava cada vez de mais recursos, para isso oferecia alta rentabilidade a quem adquirisse seus Certificados de Depósitos Bancários (CDBs). Enquanto o BRB remunera seus investidores pagando 89% da taxa do Certificado de Depósito Interbancário (CDI), o Master chegou a pagar 140%. Também tentou sem sucesso fazer captações em dólar no mercado externo.

O Master adotou um modelo de negócios agressivo, e isso se reflete em sua carteira de ativos. Passou a ser grande comprador de precatórios — créditos a receber de União, estados e municípios — no mercado secundário, quase sempre com grande deságio. Em junho do ano passado, essa carteira era de R$ 7 bilhões. O banco também passou a comprar negócios em dificuldades, como Metalfrio, Restoque, Biomm ou Oncoclínicas. O plano era sanear as empresas e revendê-las com lucro. Estima-se que o Master tenha cerca de R$ 30 bilhões em ativos de baixa liquidez. No final de 2023, o BC apertou as normas sobre a exposição de bancos a precatórios, deixando de lhes dar o mesmo tratamento dos títulos públicos, e fez o mesmo para CDBs. Tais medidas foram relacionadas à situação do Master.

No desenho da transação em discussão, chama a atenção que Vorcaro mantenha poder de decisão, pois o BRB pagaria R$ 2 bilhões para controlar 58% do capital total do banco, mas apenas 49% das ações com direito a voto. Em nota, o BRB garantiu que terá direito de “voto afirmativo” em alguns assuntos, e as ações do banco estatal subiram depois da notícia da compra. O BTG, por seu turno, parece interessado na carteira de crédito consignado (ativo mais seguro) e, de acordo com as notícias divulgadas, recusou-se a comprar o banco sem assumir o controle total.

O sistema financeiro tem como principal lastro a confiança entre seus participantes. As soluções de mercado para dificuldades que ocorram são sempre as melhores, por geralmente estarem blindadas contra pressões políticas e não dependerem do dinheiro público. O papel do Estado deve se resumir a atuar nos casos em que haja risco para todo o sistema financeiro — situação em que todos os agentes de mercado perderiam. Não parece ser o caso do Master, cuja crise deriva de sua própria gestão de risco. Sobretudo por envolver um dos poucos bancos estaduais ainda existentes no Brasil, a transação precisará ser acompanhada de perto pelo BC para que satisfaça a esses requisitos.

Trump ergue maiores barreiras protecionistas em um século

Valor Econômico

Presidente americano procura destruir na prática as estruturas de livre comércio que impulsionaram até agora a globalização

O presidente Donald Trump deve erguer hoje ao redor dos Estados Unidos a maior barreira tarifária contra as importações mundiais desde 1930, em mais um ato de enormes consequências globais. O “Dia de Libertação”, proclamado por Trump para batizar a implantação de “reciprocidade tarifária” - cobrando em mercadorias importadas pelos EUA um imposto igual ou maior do que outros países cobram dos produtos dos EUA -, procura destruir na prática as estruturas de livre comércio que impulsionaram até agora a globalização. Ao mesmo tempo, o presidente americano, que suspendeu taxas de 25% a importações de Canadá e México que constassem do acordo de livre comércio (USMCA), estabeleceu o prazo até o dia 2 de abril para uma definição.

O novo protecionismo radical americano é precedido de forte revisão dos preços dos ativos globais, que derrubou o dólar e fez as bolsas americanas terem sua pior performance trimestral em quase três anos. As expectativas sobre a economia americana têm piorado a cada vez em que Trump pronuncia sua palavra predileta (tarifas), em uma reviravolta drástica em relação às perspectivas de antes de sua posse, de crescimento firme, queda da inflação e corte de juros. Agora, o Goldman Sachs, por exemplo, avaliou que a chance de uma recessão cresceu de 20% para 35%, enquanto as projeções sobre o desempenho do primeiro trimestre das atividades encolhem dia a dia.

O método caótico de Trump, no qual a imprevisibilidade é tida como uma virtude do negociador mais forte, que tem a iniciativa, arruína da mesma maneira uma das bases do funcionamento dos mercados financeiros e das empresas - a capacidade de vislumbrar com alguma clareza o futuro. “As pessoas estão mais preocupadas com a economia do que em qualquer período de memória recente”, disse Larry Fink, CEO da BlackRock, a maior gestora de ativos do mundo, após sondagem com seus clientes.

Um dos efeitos visíveis da guerra comercial que os EUA deslancharam contra o mundo foi acelerar a correção das bolsas americanas. Em um trimestre, a S&P 500 perdeu 4,6% e a Nasdaq, 10,4%, colocando em rota declinante o valor dos papéis das “Magnificent Seven”, as 7 big techs que têm peso de 28,6% do índice Nasdaq e 23% da S&P 500. Elas perderam quase US$ 1 trilhão em valor de mercado em março.

As consequências para a economia das quedas das bolsas foi a diminuição da confiança dos consumidores e das empresas. A confiança do terço mais rico dos EUA caiu tão fortemente quanto a das demais faixas de renda. Números do Federal Reserve indicavam que os 10% das famílias mais ricas do país perderam US$ 2,7 trilhões desde a semana em que Trump foi eleito, no início de novembro. Os demais 90% do espectro de renda tiveram perdas de US$ 656 bilhões (Robert Armstrong, FT, ontem). O consumo em fevereiro foi mais fraco do que se esperava, enquanto voltava a crescer a taxa de poupança dos lares americanos.

O ambiente criado por Trump é desfavorável aos investimentos ao tornar o futuro absolutamente opaco. O índice gerente de compras para a indústria começou a refletir isso. A produção industrial passou ao terreno de contração, e o índice das encomendas e de contratações de mão de obra, que já estavam no recuo, acentuaram essa tendência. Em uma antecipação de compras para evitar tarifas, os estoques cresceram a seu maior nível desde 2022. A inflação por sua vez subiu. Em fevereiro, os gastos pessoais de consumo (PCE), medida preferida do Federal Reserve, evoluíram 0,4% em relação a janeiro, maior alta em um ano.

Um dia após a “libertação”, entra em vigor o imposto de importação de 25% sobre veículos do mundo inteiro, em uma ação cuja sequência lógica deverá ser a imposição de barreiras às autopeças. Aço e alumínio já têm tarifas da mesma magnitude, e a incógnita sobre a “reciprocidade” a ser anunciada hoje é quais serão as tarifas aplicadas aos países que mais vendem para os EUA - e que podem também não ser os únicos alvos. A revanche tarifária por produto e por país seria incrivelmente complicada. É mais provável que se aplique um imposto uniforme para todas as mercadorias, por países. As opiniões das consultorias e bancos sobre o tamanho delas varia de 10% a 25%.

A ofensiva comercial americana está apenas no começo. O segundo lance da disputa mal começou: China e União Europeia anunciaram retaliações, até agora discretas diante dos atos discriminatórios e sem justificativas de Trump. A UE ameaçou ontem que taxará serviços e big techs americanas, além de alguns direitos de propriedade intelectual. “Temos muitas cartas nas mãos”, disse Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, “como o tamanho do nosso mercado”.

O Brasil, nas páginas que lhe dedica o relatório do representante comercial dos EUA (USTR), tem vários flancos que serviriam para qualquer pretexto do governo americano (Valor, ontem). Ontem, o Senado aprovou projeto que permite ao Brasil retaliar, mas o país, no entanto, tem mantido a sobriedade, a vontade de negociar e a sábia disposição de evitar retaliações que, no final, o prejudicariam mais do que aos EUA.

Processo da Americanas deve dar sinal ao mercado

Folha de S. Paulo

Ex-executivos são denunciados por fraude que abalou a Bolsa; punição aos responsáveis precisa ter efeito de dissuasão

Mais de dois anos depois do escândalo, o Ministério Público Federal denunciou, na segunda-feira (31), 13 ex-executivos e ex-funcionários da Americanas por manipulação de mercado, falsidade ideológica, uso de informação privilegiada e organização criminosa.

Eles são acusados de fraudes que falsificaram resultados da companhia em cerca de R$ 25 bilhões, entre outros crimes e irregularidades que teriam ocorrido entre 2016 e 2022. Em 11 de janeiro de 2023, o então e breve CEO da empresa, Sergio Rial, anunciou o gigantesco esbulho.

A Americanas, empresa quase centenária, estava até então no mais alto nível de governança da Bolsa de Valores e tinha como acionistas de referência nomes como Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira.

Até hoje, debate-se como pode ter ocorrido tamanho descalabro na empresa. A pergunta é importante, pois estão em jogo não apenas as devidas condenações e o necessário pagamento de reparações, mas também a credibilidade do mercado acionário, das demonstrações financeiras e do sistema que deveria sujeitar executivos à vigilância estrita.

Espera-se que, ao final de investigações e processos, inclusive na Comissão de Valores Imobiliários, sejam tomadas providências. Uma CPI da Câmara dos Deputados encerrada em setembro de 2023 não resultou em reformas.

O choque com o anúncio das chamadas "inconsistências contábeis" gerou brutal desvalorização da companhia. Ações cotadas a R$ 12 foram a quase zero, com perdas enormes para acionistas, relativamente mais graves para minoritários; os papéis valem hoje pouco menos de R$ 6.

Os funcionários foram seriamente prejudicados. Segundo comunicados de resultados, a Americanas tinha mais de 40 mil colaboradores em 2022. Em fins de 2024, a cifra caiu a mais de 30 mil.

O escândalo agravou um trimestre difícil para o Ibovespa, que teve o pior desempenho desde 2020, na pandemia. Captações de recursos no mercado de capitais baixaram de modo relevante, devido também a turbulências macroeconômicas e a dúvidas sobre balanços de outras empresas.

Os resultados de 2021 e 2022 da Americanas foram revistos. Os números corrigidos mostraram um prejuízo de quase R$ 20 bilhões. A companhia entrou em recuperação judicial em 2023 e, no ano seguinte, os acionistas de referência e os credores promoveram um aumento de capital de cerca de R$ 24 bilhões.

Como se dá em qualquer crime, não é razoável esperar que fraudes contábeis não se repitam. No entanto investigação rigorosa, julgamento criterioso e punição dos responsáveis precisam ter o efeito de dissuasão.

Espera-se, ademais, que os reguladores reflitam sobre como essa mentira bilionária e calamitosa tenha sido possível, de modo a, pelo menos, conter danos futuros. Empregos, custos financeiros e o funcionamento eficiente do mercado dependem disso.

Condenação de Le Pen tensiona a política francesa

Folha de S. Paulo

Pré-candidata da ultradireita no pleito de 2027 fica inelegível; efeitos são incertos, mas acirra-se o embate ideológico

O cenário político francês passa por mais uma turbulência. Marine Le Pen, deputada e pré-candidata à presidência do país nas eleições de 2027, foi condenada por desvio de verbas do Parlamento Europeu, onde foi eurodeputada entre 2004 e 2017, para o seu partido, a Reunião Nacional (RN).

A pena inclui quatro anos de prisão (dos quais dois estão suspensos e dois serão cumpridos em prisão domiciliar), multa de € 100 mil (R$ 624 mil) e proibição de concorrer a cargos públicos por cinco anos. Mais oito eurodeputados da RN também foram condenados no caso. No total, estima-se um desfalque de cerca de € 2,9 milhões (R$ 18 milhões).

Ainda cabe recurso da defesa, e, se lograr vitória, ela poderá participar do pleito, para o qual é favorita nas pesquisas. Mesmo assim, é um baque para a RN, sigla de ultradireita que detém o maior número de assentos na Assembleia Nacional —123 de 577.

A legenda vinha avançando de maneira rápida também no panorama continental. Em junho de 2024, o grupo político do qual faz parte no Parlamento Europeu, o Identidade e Democracia (ID), passou de 49 cadeiras para para 84 nas eleições da entidade —em julho, o ID mudou de nome para Patriotas pela Europa (PfE). Já a coligação Renew, que conta com o partido de Emmanuel Macron, o Renascimento, perdeu 21 assentos e ficou com 77.

Com o ascensão da ultradireita, o presidente francês dissolveu a Assembleia Nacional e convocou novo pleito. Nele, a coalização de Macron obteve 168 assentos, sendo 102 para o seu partido; RN e aliados, 143, com 123 só da legenda de Le Pen. Na frente da disputa, com 182, está a Nova Frente Popular (NFP), que une extremistas e moderados de

Ainda é incerto, de todo modo, o impacto da condenação de Le Pen para a RN. Jordan Bardella, líder da sigla, é o mais cotado para substituí-la, se necessário.

Jovem e ativo nas redes sociais, tende a agradar às novas gerações, mas críticos apontam inexperiência e parco conhecimento sobre administração pública.

Le Pen e sua sigla afirmam que se trata de perseguição política, versão repetida por Donald Trump e Elon Musk; os governos russo, turco e italiano também manifestaram apoio a ela.
Países autoritários tendem a usar o Poder Judiciário para abafar oposicionistas. Esse não é, contudo, o caso da França, uma democracia liberal consolidada.

Num contexto europeu e global já tenso, os franceses correm o risco de ver acirrados embates ideológicos que não raro aviltam o debate político.

O desafio do BC no caso Master

O Estado de S. Paulo

A avaliação da compra de parte do Banco Master pelo BRB, banco estatal de Brasília, exigirá transparência absoluta das autoridades, pois há muitas questões nebulosas nesse caso

O Banco de Brasília (BRB) anunciou na sexta-feira passada a compra de uma fatia do Banco Master. Controlado pelo governo do Distrito Federal, o BRB informou que adquirirá 49% das ações ordinárias (com direito a voto) e 100% das preferenciais (sem direito a voto) do Master, em um negócio estimado em cerca de R$ 2 bilhões.

A bola agora está com o Banco Central (BC) e com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que precisam aprovar o negócio.

O Estadão informou que os chamados “cabeças brancas” do BC, servidores experientes da autarquia que já analisaram casos complexos do sistema financeiro, farão a análise da transação.

A participação de funcionários experientes na avaliação sobre se o BRB realmente é capaz de comprar parte do Master é bem-vinda, mas, para além da senioridade do corpo técnico do BC, o que a dita análise realmente demanda é extrema transparência. Qualquer que seja a decisão da autarquia, ela precisará ser milimetricamente clara.

O motivo é que há questões bastante nebulosas envolvidas no negócio, a começar pelo fato de que o Master é uma instituição que cresceu aceleradamente por meio da oferta de Certificados de Depósito Bancário (CDBs) com rendimentos muito atrativos, ao mesmo tempo que fazia apostas ousadas em ativos de risco como precatórios.

Obviamente, quanto maior o rendimento prometido, maior o risco envolvido. Porém, no afã de atrair clientes, plataformas de investimento propagandearam a segurança do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), contribuindo para que investimentos arriscados, como os CDBs turbinados do Master, se tornassem mais aceitáveis.

Criado nos anos 1990, o FGC é uma entidade privada que, de fato, contribui para a estabilidade do sistema financeiro. Ele garante que, em caso de quebra de uma instituição financeira, pessoas físicas ou jurídicas que tenham investido em produtos como os CDBs sejam ressarcidas até o teto de R$ 250 mil.

Mas a venda maciça dos certificados do Master acabou gerando uma assimetria no próprio FGC. Sozinho, um banco de menor porte como o Master consumiria, numa estimativa conservadora, nada menos que 42% do patrimônio líquido do fundo, um evidente desequilíbrio. Donde se conclui que qualquer que venha a ser o desfecho do caso Master, a era do CDB turbinado “garantido” pelo FGC encontrou um muro.

Não é de interesse de ninguém, sobretudo do pequeno investidor, que produtos financeiros de maior risco sejam oferecidos de forma ilusória. A desfaçatez em torno do FGC é tamanha que houve quem propusesse, no Congresso, que a garantia oferecida pelo fundo subisse de R$ 250 mil para R$ 1 milhão, o que só oneraria as instituições financeiras sérias, que na verdade são a maioria, e premiaria apenas os investidores com mais recursos.

Já do lado do BRB, são muitas as dúvidas sobre se a aquisição de parte do Master realmente faz sentido. O banco de Brasília nega categoricamente que, por ser banco público, tenha sofrido pressão para fazer negócio com o Master. O presidente do BRB, Paulo Henrique Costa, afirmou que a compra do Master casa com a estratégia de crescimento do BRB, que vem buscando converter-se de um banco regional em um nacional.

Inicialmente, a reação de parte do mercado ao negócio entre BRB e Master foi de suspeição. Não que o mercado não deseje um desfecho para o caso Banco Master, mas o fato de que a “solução” se dará por meio de um banco público gera questionamentos, o que não é de estranhar, já que o BRB diz ter como missão “ser um banco público, sólido, rentável, moderno e eficiente, protagonista do desenvolvimento econômico, social e humano”.

Ainda segundo o presidente do BRB, o Master que será adquirido pelo banco brasiliense não é o Master que causa apreensão no mercado – consta, a esse propósito, que a própria Faria Lima esperava que uma instituição privada de grande porte adquirisse o banco por valor simbólico.

Com tantas arestas para onde quer que se olhe, é preciso aguardar a decisão do BC. E que essa decisão possa permitir que o sistema financeiro, o FGC e, sobretudo, o pequeno investidor saiam protegidos deste imbróglio.

‘Verdadeira desordem’ nos penduricalhos

O Estado de S. Paulo

O decano do STF, ministro Gilmar Mendes, critica profusão de benesses no Judiciário e defende a discussão e o estabelecimento de regras para conter o mau uso do dinheiro público

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes afirmou que o Poder Judiciário vive “um quadro de verdadeira desordem” com a profusão dos penduricalhos. Num evento da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o decano do STF disse que “a toda hora os jornais estampam” novas gratificações em suas páginas.

Parece que essa multiplicação de privilégios noticiada pelos veículos de imprensa, inclusive por este jornal, tem surpreendido as autoridades públicas. Trata-se de práticas abusivas, tais qual a “dezembrada”, que, como mostrou o Estadão, ocorre quando Tribunais de Justiça turbinam contracheques no fim de cada ano e um salário pode chegar a R$ 700 mil.

Esses pagamentos que afrontam a ideia de República têm origem em decisões de órgãos superiores, como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que criam benefícios por meio de resoluções e driblam o Poder Legislativo. Não raro, essas benesses, chamadas de verbas indenizatórias, escapam da incidência do Imposto de Renda.

É esse movimento reiterado que faz com que, na prática, juízes de todo o País recebam bem acima do teto do funcionalismo público, hoje de R$ 46,4 mil – o vencimento mensal de Gilmar Mendes e seus demais colegas de STF. São os chamados “supersalários”. E um dos argumentos para legitimar essa investida sobre o dinheiro público é a autonomia financeira.

Como bem disse o decano do STF, esse princípio tem passado por “uma leitura um tanto extravagante”, haja vista que a autonomia financeira foi prevista “para evitar a dependência do Judiciário em relação ao Executivo”. Ou seja, serve para garantir a independência orçamentária de um Poder em relação ao outro, e não para justificar privilégios.

Gilmar Mendes disse, com razão, que lhe “parece fundamental que haja uma discussão a propósito dessa temática” dos penduricalhos, de tal modo que “se estabeleçam regras e normas” para o pagamento de gratificações aos magistrados. De acordo com o ministro, muitas gratificações foram criadas ou ressuscitadas nos últimos anos, o que coloca o Brasil “em uma fase extremamente preocupante, em que não sabemos bem qual é o critério que deve prevalecer” para os pagamentos.

Esse sentimento de incômodo do decano é compartilhado por outros ministros do STF. Recentemente, o ministro Flávio Dino escreveu em uma decisão sobre o pagamento de um penduricalho que há um “inaceitável vale-tudo” na criação de benefícios. Depois, numa sessão, o ministro criticou a “criatividade administrativa” em temas remuneratórios, vista como algo que “constrange o Poder Judiciário”. Na mesma ocasião, Cármen Lúcia se alinhou ao colega e afirmou que esses pagamentos representam “um avanço contra o direito do cidadão”.

O fim de tanta arbitrariedade no uso do dinheiro do contribuinte depende da aprovação de uma legislação clara, robusta e rigorosa sobre o que são gratificações e indenizações, quem tem direito a recebê-las e em quais circunstâncias devem ser pagas. Hoje, como se vê nos holerites dos magistrados, esses pagamentos são regra, e não exceção.

E regular essa matéria é uma obrigação do Congresso, que parece ter esquecido em algum escaninho um projeto de lei que propõe limitar os penduricalhos. Essa proposta, contudo, contém tantas exceções que, se for aprovada da forma como está, apenas legalizará os benefícios já existentes, sem moralizá-los. Esse debate deve ser retomado urgentemente, e o seu texto, corrigido, o que exigirá muita depuração dos parlamentares.

Mas, enquanto o Congresso não assume a sua responsabilidade, as recentes manifestações de ministros do STF sobre os penduricalhos ao menos servem para mostrar que nem todos no Poder Judiciário estão confortáveis com a farra dos privilégios. Que essa tomada de consciência seja o início de um debate adulto sobre o assunto, cuja repercussão ajuda a minar a imagem do Judiciário perante os brasileiros.

Negligência com a saúde feminina

O Estado de S. Paulo

Baixos índices de realização de mamografia e papanicolau exigem ações do poder público

Os índices de realização dos exames de mamografia e papanicolau nas capitais brasileiras seguem abaixo dos registrados antes da pandemia de covid-19. São dois exames preventivos que podem ajudar a evitar o câncer de mama e o câncer do colo do útero, que, juntos, matam 25 mil mulheres por ano no País.

Segundo dados do Observatório da Saúde Pública, da Umane, entidade que fomenta projetos em saúde, o número de mulheres com 18 anos ou mais que já fizeram mamografias nas capitais caiu de 66,7%, em 2017, para 59,8%, em 2023; e em 2020, durante a pandemia, o índice foi a 61,5%. No mesmo período, o papanicolau diminuiu de 87% para 78,9%; em 2020, foi de 82,5%.

Esses números revelam que mesmo durante a pandemia os índices estavam em patamares mais altos do que os registrados mais recentemente. Com o arrefecimento da covid e a diminuição de demanda emergencial sobre os equipamentos de saúde pública, não faz sentido esses indicadores apresentarem desempenhos tão pífios.

A mamografia e o papanicolau aumentam o diagnóstico precoce, o que eleva a chance de cura, além de possibilitar a indicação do tratamento mais adequado, menos invasivo e mais barato. Tudo isso é um ganho para a paciente e para o Sistema Único de Saúde (SUS).

Mas, como disse ao Estadão a presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), Angélica Nogueira, o País ainda demanda políticas públicas que aumentem o acesso a esses dois procedimentos, que já estão disponíveis na rede pública. É de perguntar o que falta para fazer com que as mulheres busquem esses exames.

Falta muita coisa, a começar pela articulação dos municípios, dos Estados e do governo federal para a adoção de medidas efetivas, como campanhas de prevenção. Isso se justifica porque, segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), 45,1% das mulheres que nunca fizeram o papanicolau acham o exame desnecessário, e 14,8% nunca foram orientadas a fazê-lo.

As autoridades públicas devem assumir a responsabilidade de transmitir informações às mulheres, com campanhas na televisão e no rádio, na internet, nas redes sociais e nos jornais. Segundo Angélica Nogueira, da SBOC, até mesmo a inteligência artificial poderia ser usada para chegar a mais gente.

Ademais, cabe ao poder público a busca ativa das pacientes, assim como já é feito no caso das campanhas de vacinação das crianças. Há milhares de agentes de saúde no País que diariamente batem de porta em porta nos lares brasileiros e que poderiam estar engajados nesse trabalho preventivo. Além disso, o estabelecimento de metas municipais poderia estimular essa busca e, em caso de cumprimento, a cidade receberia mais recursos.

Todos os esforços para reverter esse quadro devem ser empreendidos pelas autoridades públicas brasileiras. É inaceitável um estado de negligência em que as mulheres, por desinformação, entre outros fatores, fiquem alijadas da realização da mamografia e do papanicolau, dois procedimentos tão cruciais para lhes garantir qualidade de vida.

As redes sociais e a educação dos filhos

Correio Braziliense

Pessoas de todas as idades, mas principalmente jovens, mantêm subculturas pautadas pelo ódio, misoginia, racismo, antissemitismo e até mesmo a defesa escancarada do neonazismo, sem qualquer disfarce

Para além do seu potencial artístico e de entretenimento, o audiovisual, a partir de filmes e séries, tem como premissa o relevo de pautas urgentes para a sociedade. A importância das produções está justamente no seu diálogo com a realidade que vivenciamos, discutindo passado, presente e até o futuro. 

Campeã de audiência da Netflix neste ano, a minissérie britânica Adolescência traz à tona uma pauta de urgente discussão em nosso espaço social.  A produção evidencia o assassinato de uma adolescente pelo seu colega de escola, Jamie Miller, de apenas 13 anos. A trama não se concentra na tentativa de descobrir o autor do crime, apresentado no primeiro episódio. O enredo se desenvolve a partir do motivo que levou o adolescente a cometer o feminicídio. 

O ponto principal discutido pela minissérie gira em torno do potencial destruidor que a internet tem quando mal utilizada, sobretudo por pessoas em período de formação da ética e dos valores, como os adolescentes. Em um mundo cada vez mais conectado, famílias, escolas e demais instâncias sociais têm a obrigação de acompanhar o que os jovens consomem na palma da mão.

O problema não se resume mais à deep web, camada restrita da internet, não acessada por navegadores convencionais, onde pessoas de todas as idades,  mas principalmente jovens, mantêm subculturas pautadas por ódio, misoginia, racismo, antissemitismo e até mesmo a defesa escancarada do neonazismo.

A partir da flexibilidade dos termos de uso das redes sociais, essas subculturas ocupam cada vez mais espaços nunca antes habitados por elas. E essa expansão dos tentáculos da deep web captura os vulneráveis a esse tipo de linguagem, quase sempre muito direta e simplória, usando o humor como gatilho para atrair adolescentes conectados. 

Não é difícil citar exemplos. Desde que foi adquirido por Elon Musk, o X (antigo Twitter) se tornou campo fértil para núcleos virtuais pautados pelo ódio. A rede social hoje exibe conteúdos segregadores de todo tipo, diante da defesa da alegada "liberdade de expressão". Problema semelhante acontece na rede social chinesa TikTok. Na prática, ambas funcionam com algoritmos bem definidos, que apresentam ao consumidor conteúdos com maior potencial de engajamento. 

Assim, é muito mais eficiente, pela ótica da audiência e do lucro, apresentar um conteúdo polêmico, que leve ao like ou ao compartilhamento. Com o passar do tempo, o usuário passa a conviver em bolhas sociais, entendendo aquele espaço como extensão e representação do mundo real. Nesse contexto, o famoso meme entra como peça-chave para apresentar a crianças e adolescentes, por exemplo, pensamentos misóginos de toda forma.

A saída para o problema passa por uma linha tênue e bastante desafiadora para pais, comunidade escolar e autoridades. Todos têm a responsabilidade de intervir nesse processo, ainda que haja a essencial necessidade de assegurar privacidade a esses jovens, principalmente aqueles na fase da puberdade. O diálogo sobre os direitos humanos se faz necessário em qualquer idade. 

Independentemente do algoritmo das redes sociais  — que também devem ser responsabilizadas nesse processo, como se prevê na revisão do Marco Civil da Internet pelo STF —, crianças e adolescentes bem educados quanto à obrigação de respeitar as diferenças tendem a ser uma presa mais difícil para as subculturas citadas.

 


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