Para Frida Pimentel Gomes de Souza, minha primeira leitora mais crítica.
O que estou pensando?
Confesso que uma infinidade de “ruídos” estimulados após assistir a película
“Parthenope: Os Amores de Nápoles” uma vez que sua mensagem ao contrário de
“arrepiar” seria de “depilar” nas mais íntimas considerações. Confesso que não é
um filme para ser assistido por “principiantes” do universo do cinema italiano.
Aqueles que se emocionaram com “Ainda estou Aqui” poderiam se escandalizar com
algumas mensagens, porém ainda está aqui, nesse filme italiano, o importante
diálogo dos efeitos da ausência de uma maternidade.
O filme é um balanço de uma juventude que viveu a liberdade sexual nos anos 60 num mundo católico, mas com fortes bases culturais na história das ideias. Particularmente o pensamento republicano neorromano da liberdade individual que nasce na liberdade de uma cidade. Então, temos a personagem Parthenope nascendo nas águas napolitanas como se fosse envolta num mistério que a vincula ao corpo da cultura política de Nápoles. Imaginaria a reação de Quentin Skinner em seus 84 anos assistindo a essa película. O que ele estaria a pensar?
“Parthenope: Os Amores de
Nápoles” transcende as fronteiras italianas como se fosse uma elegia a relação
entre a “fortuna” e a virtú”. A mesma relação emotiva e cultural que observamos
em Woody Allen com a cidade de Nova Iorque, observaremos em Paolo Sorrentino
nessa sua obra que depois de “A Mão de Deus” (2021) o consolida como um “novo”
Giuseppe Tornatore ao aproximar a qualidade da trilha sonora que observamos em
“Cinema Paradiso” (1988) e a exuberância de uma personagem feminina como em
“Malèna” (2000) que teve Monica Bellucci no papel título.
Um filme que teria muito
a nos ensinar no universo da cinematografia carioca que nos revelou inúmeras
possibilidades de interpretação de nossa cultura política como, por exemplo,
“Rio 40º Graus” (1955), “Copacabana me Engana” (1968), “As aventuras amorosas
de um padeiro” (1975), “Rio Babilônia” (1982), “O Rei do Rio” (1985). A
transição democrática e a democratização social num universo de falência do Rio
de Janeiro nos levaram para uma cinematografia de faroeste sem um Sérgio Leone.
Talvez, justiça seja feita, a cena da galinha correndo em “Cidade de Deus”
(2002).
Deixemos a Nápoles
carioca para retomar as considerações sobre “Parthenope…”. O filme é um
ambiente muito propício para as mulheres pensarem no seu exercício de liberdade
individual. O corpo deixa de ser um “castelo medieval” nas narrativas
neofeministas para estar presente num roteiro que sabe movimentar as cenas com
as câmeras como se fosse o bailar de “O Baile” (1983) de Ettore Scola.
Os cavalos de Nápoles
aparecem num cortejo fúnebre e recordamos da referência de Gramsci sobre os
pássaros a se alimentar dos dejetos desse quadrúpedes. A questão meridional
ganha uma ternura cinematográfica que nos permite ouvir “Gira” (1973) – uma
canção brasileira para nos lembrar de nossa importância nos marcos do debate
democrático da liberdade para o tema universal.
“O flâneur como tipo o
criou Paris. É estranho que não tenha sido Roma. Qual razão? Acaso, na própria
Roma, não encontra o sonho vias trilháveis? E não está a cidade mais do que
repleta de templos, praças cercadas, santuários nacionais, para poder penetrar
indivisa, com cada paralelepípedo, com cada tabuleta, com cada degrau, com cada
pórtico, no sonho do transeunte? Muito também se pode atribuir ao caráter
nacional dos italianos. Pois não foram forasteiros, mas eles, os próprios
parisieneses, que fizeram de Paris a Terra Prometida do flâneur, ‘a paisagem
construída puramente de vida’, como a chamou certa vez Hofmannstahl. Paisagem –
eis no que se transforma a cidade para o flâneur. Melhor ainda, para ele, a
cidade se cinde em seus polos dialéticos. Abra-se para ele como paisagem e,
como quarto, cinge-o.” (Grifos nossos. Walter Benjamin. O flâneur; Jogo
e Prostituição. In: Charles Baudelaire: um lírico no auge do
capitalismo. Obras escolhidas III. São Paulo: Ed. Brasiliense. 1994. p. 186).
Então, Sorrentino estaria
a testar uma hipótese napolitana de flâneur? Não seriam apenas “coisas da vida”
que está a expor em “Parthenope…”, pois há uma sensibilidade muito apurada
nessa obra que ganha contornos num balanço da vida acadêmica que caiu na “jaula
de ferro” de continuadas narrativas sem se abrir ao coração. Diante disso, o
encontro de Parnethope (interpretada por Celeste Dalla Porta) e o professor
Devoto Marotta (interpretado por Silvio Orlando), após 1968, nos chama atenção
ao aparecer uma pergunta sobre Louis Althusser (1918 – 1990) sobre o
estruturalismo. Eis um momento em que se abre para novas conjecturas sobre como
seria a resposta de Parnethope sobre Michel Foucault (1926 – 1984) nos dias
atuais. Afinal, os modismos acadêmicos povoam os terrenos da “anti-política”
como a cena do conflito dos estudantes e a polícia nos tempos das “Brigadas
Vermelhas”.
Por fim, para não passar
muito dos limites desse espaço, percebemos que a lembrança dos descaminhos do
americanismo no personagem John Cheever (interpretado por aquele que um dia foi
Drácula, Gary Oldman). Temos um universo de homens que não poderiam ser
acusados de “seres tóxicos”, mas formativos de uma personagem feminista com
força feminina e universal. Uma importante fonte de reflexão para nos afastar
das novas forças de Inquisição das redes sociais que empurraram o tema da
democracia para a “microfísica do Eu soberano”.
*Vagner Gomes é doutorando em Ciência Política no PPGCP-UNIRIO.
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