Valor Econômico
Datafolha mostra que é a oposição radicalizada que tem protagonizado o desgaste de Lula, o que tanto obriga o “centro” a se pendurar no bolsonarismo quanto empurra o governismo para o outro pólo
Na noite de quinta passada, o diretor de um
grande banco fez um jantar para 12 pessoas reunindo, em torno do presidente de
um grande partido do Centrão, seu líder na Câmara e mais dois deputados,
gestores de grandes fundos de investimento, o dirigente de uma instituição
financeira, além do presidente no Brasil de uma gigante mundial em tecnologia e
de uma grande indústria nacional.
O dirigente, que tem três ministros no
governo, nunca encontrou o presidente da República - “Se passar pela minha
frente talvez nem me reconheça”. Não pretende marchar com ele em 2026, embora o
reconheça como favorito na disputa, mas tampouco quer seguir com o
bolsonarismo. Espera, porém, que o ex-presidente dê seu aval a um dos
candidatos do que chama de “centro”. Precisa, para isso, que ele permaneça
inelegível e não queira lançar um nome de sua família.
Menos de 24 horas depois daquele jantar, o Datafolha trazia um cenário que mostrava o tirocínio deste dirigente. A pesquisa que mostrou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no fundo do poço trouxe também a fotografia de um casamento indissolúvel entre quem quiser ocupar o centro e o bolsonarismo.
Depois de se cruzarem em dezembro, as curvas
de ótimo/bom e ruim/péssimo aceleraram como uma boca de jacaré virada para o
lado contrário e ainda mais aberta. Só a avaliação regular do governo
permaneceu mais ou menos onde sempre esteve. Ou seja, se é verdade que o
governo está perdendo para si mesmo, por permitir a aceleração da inflação e
pela desastrada administração do caso Pix, é a oposição, radicalizada, que tem
sido a protagonista desse desgaste.
A deputada Erika Hilton (Psol-SP), único
antídoto efetivo de que Lula dispõe para enfrentar o melhor porta-voz da hora
do bolsonarismo, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), indispõe o governo com
uma base em que perde de goleada, os evangélicos. Por outro lado, o “meião”,
representado pela estabilidade da avaliação regular, não vai a lugar algum sem
o bolsonarismo.
Para complicar um pouco mais as coisas, no
fim de semana a Quaest divulgou pesquisa mostrando que, se é verdade que o voto
já não traduz a gratidão do eleitor ao governante e que o vetor do
empreendedorismo predomina, o brasileiro de todas as classes sociais quer o
Estado como garantidor da educação e saúde gratuitas e de boas condições de
vida para todos. Aprova, ainda, o aumento do imposto sobre os mais ricos. Ou
seja, o discurso dos dirigentes do “centro” não cola. Para entrar em combustão
com a vontade do eleitor precisa do maçarico do radicalismo político.
O isolamento do presidente dos partidos que
compõem sua base, que já vinha sendo cantado em verso e prosa, ganhou o caráter
de libelo na carta de Antônio Carlos de Almeida Castro, advogado em casa de
quem Lula comemorou sua diplomação. Por acontecer no fosso de sua popularidade,
a pressão para que o presidente reaja a este isolamento o levará a encontrar
aliados remarcando preços. O encarecimento do apoio a um governo enfraquecido é
uma cláusula pétrea da política.
Se quiser manter a joia da coroa, o
Ministério da Saúde, o PT se arrisca a enfrentar uma “CPI da Saúde”, avisam
“aliados” - a não ser que o governo atire antes e exponha as entranhas da
rubrica “incremento temporário de custeio”. Parece uma missão impossível buscar
diálogo com aliados em ambiente conflagrado por operações que põem a limpo as
bases do parlamentarismo branco imposto ao país.
No limite, porém, o Congresso será capaz de
colocar uma pedra na bandalheira passada das emendas, mas terá que ceder a
novas bases de transparência para o futuro. Para reproduzir a unanimidade da
Corte em torno de suas decisões, este parece ser o trato costurado pelo
ministro Flávio Dino. As instâncias (CGU e PF) que cumprem a parte do Executivo
no desmonte tampouco sinalizam que o jogo possa ser zerado.
Com o governo sugerindo que a reação ao
Datafolha será o pé no acelerador das medidas de distribuição de renda, o
ajuste na atividade econômica deverá vir mesmo do Banco Central com uma Selic
que, já agora em março, ultrapassará os 14%. Este cenário prolifera as
incertezas sobre o crescimento econômico neste biênio com impactos evidentes
sobre o legado governista para 2026.
Some-se a este cenário a dificuldade de
submeter o discurso de Lula ao banho de loja pretendido pela nova Secom, vide a
peroração presidencial sobre as vantagens do ovo de ema no palanque do Amapá na
semana passada.
Na semana em que o Pix abalou geral, o
motorista de um participante do jantar que abre este texto estava em férias no
interior do Nordeste e precisou comprar um eletrodoméstico para a família. O
comerciante, apavorado, não aceitou o Pix e ele teve que viajar 15 quilômetros
para sacar o dinheiro em outro município. Não bastassem os resultados incertos
na economia, a história ilustra o estrago sobre a imagem do ministro Fernando
Haddad, sucessor natural do presidente.
Daí porque, a se confirmar o cenário de
radicalização política, como mostrado pelo Datafolha, o combate à corrupção
apareça como um antídoto competitivo. Seu porta-voz mais eficiente, o ministro
Flávio Dino, não dá sinais de que pretenda abandonar a toga. Pelo menos não
enquanto Lula for candidato.
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