terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

A polarização passa bem, obrigada - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Datafolha mostra que é a oposição radicalizada que tem protagonizado o desgaste de Lula, o que tanto obriga o “centro” a se pendurar no bolsonarismo quanto empurra o governismo para o outro pólo

Na noite de quinta passada, o diretor de um grande banco fez um jantar para 12 pessoas reunindo, em torno do presidente de um grande partido do Centrão, seu líder na Câmara e mais dois deputados, gestores de grandes fundos de investimento, o dirigente de uma instituição financeira, além do presidente no Brasil de uma gigante mundial em tecnologia e de uma grande indústria nacional.

O dirigente, que tem três ministros no governo, nunca encontrou o presidente da República - “Se passar pela minha frente talvez nem me reconheça”. Não pretende marchar com ele em 2026, embora o reconheça como favorito na disputa, mas tampouco quer seguir com o bolsonarismo. Espera, porém, que o ex-presidente dê seu aval a um dos candidatos do que chama de “centro”. Precisa, para isso, que ele permaneça inelegível e não queira lançar um nome de sua família.

Menos de 24 horas depois daquele jantar, o Datafolha trazia um cenário que mostrava o tirocínio deste dirigente. A pesquisa que mostrou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no fundo do poço trouxe também a fotografia de um casamento indissolúvel entre quem quiser ocupar o centro e o bolsonarismo.

Depois de se cruzarem em dezembro, as curvas de ótimo/bom e ruim/péssimo aceleraram como uma boca de jacaré virada para o lado contrário e ainda mais aberta. Só a avaliação regular do governo permaneceu mais ou menos onde sempre esteve. Ou seja, se é verdade que o governo está perdendo para si mesmo, por permitir a aceleração da inflação e pela desastrada administração do caso Pix, é a oposição, radicalizada, que tem sido a protagonista desse desgaste.

A deputada Erika Hilton (Psol-SP), único antídoto efetivo de que Lula dispõe para enfrentar o melhor porta-voz da hora do bolsonarismo, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), indispõe o governo com uma base em que perde de goleada, os evangélicos. Por outro lado, o “meião”, representado pela estabilidade da avaliação regular, não vai a lugar algum sem o bolsonarismo.

Para complicar um pouco mais as coisas, no fim de semana a Quaest divulgou pesquisa mostrando que, se é verdade que o voto já não traduz a gratidão do eleitor ao governante e que o vetor do empreendedorismo predomina, o brasileiro de todas as classes sociais quer o Estado como garantidor da educação e saúde gratuitas e de boas condições de vida para todos. Aprova, ainda, o aumento do imposto sobre os mais ricos. Ou seja, o discurso dos dirigentes do “centro” não cola. Para entrar em combustão com a vontade do eleitor precisa do maçarico do radicalismo político.

O isolamento do presidente dos partidos que compõem sua base, que já vinha sendo cantado em verso e prosa, ganhou o caráter de libelo na carta de Antônio Carlos de Almeida Castro, advogado em casa de quem Lula comemorou sua diplomação. Por acontecer no fosso de sua popularidade, a pressão para que o presidente reaja a este isolamento o levará a encontrar aliados remarcando preços. O encarecimento do apoio a um governo enfraquecido é uma cláusula pétrea da política.

Se quiser manter a joia da coroa, o Ministério da Saúde, o PT se arrisca a enfrentar uma “CPI da Saúde”, avisam “aliados” - a não ser que o governo atire antes e exponha as entranhas da rubrica “incremento temporário de custeio”. Parece uma missão impossível buscar diálogo com aliados em ambiente conflagrado por operações que põem a limpo as bases do parlamentarismo branco imposto ao país.

No limite, porém, o Congresso será capaz de colocar uma pedra na bandalheira passada das emendas, mas terá que ceder a novas bases de transparência para o futuro. Para reproduzir a unanimidade da Corte em torno de suas decisões, este parece ser o trato costurado pelo ministro Flávio Dino. As instâncias (CGU e PF) que cumprem a parte do Executivo no desmonte tampouco sinalizam que o jogo possa ser zerado.

Com o governo sugerindo que a reação ao Datafolha será o pé no acelerador das medidas de distribuição de renda, o ajuste na atividade econômica deverá vir mesmo do Banco Central com uma Selic que, já agora em março, ultrapassará os 14%. Este cenário prolifera as incertezas sobre o crescimento econômico neste biênio com impactos evidentes sobre o legado governista para 2026.

Some-se a este cenário a dificuldade de submeter o discurso de Lula ao banho de loja pretendido pela nova Secom, vide a peroração presidencial sobre as vantagens do ovo de ema no palanque do Amapá na semana passada.

Na semana em que o Pix abalou geral, o motorista de um participante do jantar que abre este texto estava em férias no interior do Nordeste e precisou comprar um eletrodoméstico para a família. O comerciante, apavorado, não aceitou o Pix e ele teve que viajar 15 quilômetros para sacar o dinheiro em outro município. Não bastassem os resultados incertos na economia, a história ilustra o estrago sobre a imagem do ministro Fernando Haddad, sucessor natural do presidente.

Daí porque, a se confirmar o cenário de radicalização política, como mostrado pelo Datafolha, o combate à corrupção apareça como um antídoto competitivo. Seu porta-voz mais eficiente, o ministro Flávio Dino, não dá sinais de que pretenda abandonar a toga. Pelo menos não enquanto Lula for candidato.

 

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