quinta-feira, 30 de maio de 2024

Fernando Exman - A economia gaúcha ontem, hoje e amanhã

Valor Econômico

Desolada, uma mulher contou à comitiva presidencial que visitava os flagelados no Rio Grande do Sul os dramas que enfrentava com o filho. Era dia 15 de maio. O abrigo onde estavam instalados em São Leopoldo abrigava 1.500 pessoas atingidas pela catástrofe climática que devastou o Estado.

“Ele fica pedindo os brinquedos, não está entendendo porque eu não estou dando os brinquedos dele”, lamentou, devastada, acrescentando que o garoto também não parava de perguntar se realmente procedia o que um amiguinho dizia. “É verdade que a escola foi levada pela água?”, repetia ele à mãe, que não sabia o que responder.

Àquela altura, não havia mesmo como prever quando voltariam para casa. Nem o retorno às aulas.

Como mostrou o Valor em seu site nessa terça-feira (28), cerca de duas semanas depois São Leopoldo ainda tem muitas ruas alagadas e casas abandonadas. Montanhas de lixo se acumulam nas ruas, entre destroços e móveis inutilizados. Sua população, assim como milhares de habitantes de outras cidades gaúchas, precisará de ainda mais força nessa nova fase.

Integrante da comitiva que foi ao Sul, o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias, retornou a Brasília com relatos como aquele na bagagem. Para ele, realizada a ajuda emergencial, os esforços agora precisam se voltar para a saúde mental da população e a economia do Estado.

Uma de suas recentes medidas foi procurar o Conselho Federal de Psicologia e a entidade que reúne os psiquiatras do Brasil, com o objetivo de realizar um trabalho conjunto. Na avaliação de integrantes do governo Lula, a experiência da pandemia demonstra que deve-se estar muito atento ao período posterior ao trigésimo dia de grandes calamidades. É justamente o momento que começará a ser enfrentado a partir de agora no Rio Grande do Sul.

Quanto à economia, espera-se uma queda abrupta do Produto Interno Bruto (PIB) gaúcho em um primeiro momento. O ministro defende que a administração federal e a gestão estadual adotem uma estratégia conjunta para reconstruir o Estado. Uma ideia envolve a injeção de grandes investimentos nas áreas devastadas em projetos estratégicos, de forma a promover o emprego da população local.

Segundo o ministro, isso já está sendo tratado entre a equipe econômica e o governo local. Diferentemente do que ocorreu na pandemia, quando o Estado auxiliou o cidadão para que ele não saísse de casa, neste caso seria uma forma de dar novo dinamismo à economia via trabalho e renda.

Cinco dias depois da visita a São Leopoldo, Lula afirmou algo nesse contexto. Segundo o presidente, em vez de ficar lamentando, era necessário “ir para cima” e assegurar que o Rio Grande do Sul será recuperado e não faltarão recursos para ajudar o Estado. E destacou: essa é uma possibilidade fazer a economia brasileira crescer mais ainda.

Será um desafio considerável. O Estado responde por cerca de 6% do PIB do país, mas já não vivia os seus melhores momentos antes da tragédia.

Após crescer 7,3% em 2021 sobre uma base deprimida do ano anterior, a economia gaúcha desacelerou em 2022 e avançou 1,1%. Destaque positivo para os setores da construção e serviços.

A agricultura impactara negativamente a atividade local naquele ano, enquanto a produção industrial também havia arrefecido. O nível de utilização da capacidade instalada teve média de 81,6% no ano, ligeiramente abaixo da observada no ano anterior. O último dado disponível da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), de fevereiro de 2024, apurou 80,1% de utilização da capacidade instalada.

Em 2023, de acordo com o governo estadual, o PIB gaúcho cresceu 1,7%. Ou seja, abaixo da taxa nacional, de 2,9%. Por atividade econômica, a agropecuária havia se recuperado e os serviços iam relativamente bem, mas a indústria registrou retração de 4,0%. O setor deve receber atenção especial das próximas medidas do governo federal.

Em “Formação Econômica do Brasil”, Celso Furtado detalha o desenvolvimento da economia gaúcha desde o impulso inicial da região devido à criação de gado até a chegada do trabalhador europeu, que movimentou a atividade local. Citando especificamente São Leopoldo, aliás, Furtado escreveu na obra algumas linhas que podem servir de alerta ao descrever o esforço do governo imperial de subsidiar o desenvolvimento local com obras que, em suas palavras, se prolongavam algumas vezes de forma absurda. “E quase sempre, quando, após os vultuosos gastos, se deixava a colônia entregue a suas próprias forças, ela tendia a definhar, involuindo em simples economia de subsistência”, pontuou Celso Furtado, primeiro ministro do Planejamento do Brasil.

O poder público reagiu rápido e, corretamente, vai direcionar volumosos recursos para viabilizar a reconstrução do Estado. Mas é fundamental que isso ocorra de maneira a adaptar a região para a nova realidade climática e, também, dar novo impulso à economia local de forma estruturada. Erros cometidos por lá no passado não podem ser repetidos desta vez.

 

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