segunda-feira, 23 de junho de 2025

Mano, Lula entendeu; só não sabe como reagir - Bruno Carazza

Valor Econômico

Presidente reconhece que a sociedade tem novos anseios, mas seu governo ainda não descobriu como atendê-los

Um homem na estrada olha ao redor. Tudo o que ele quer é viver em paz, ganhar dinheiro - ficar rico, enfim.

Mas a realidade que o cerca é deprimente: mora num cômodo mal-acabado e sujo, com um cheiro horrível de esgoto no quintal. No calor falta água, quando chove inunda tudo. O IBGE até passou por lá, fez uma série de perguntas, mas as políticas públicas nunca apareceram.

Ele pensa noite e dia em como fazer para sair daquela situação. Seu maior desejo é que o filho tenha uma vida segura, longe daquele ambiente de violência e criminalidade: tráfico de drogas, estupros, assassinatos e abusos policiais. Esse futuro, todavia, não virá pela educação - na comunidade onde mora, crianças e jovens quase nada aprendem.

O enredo acima é de um rap dos Racionais MC’s. Ele foi citado na entrevista que o presidente Lula concedeu a Mano Brown e Semayat Oliveira, no último episódio do podcast Mano a Mano.

A certa altura da conversa, Lula mencionou um comício em Belo Horizonte, embora não tenha indicado o ano (2002? 2006?). O público presente na Praça Sete estava nervoso. O então candidato pediu a Mano Brown que subisse no palanque e o defendesse perante a multidão indócil. “Eu fiz o discurso mais rápido da minha vida, porque o clima não estava bom.” E passou o microfone a Mano, que cantou “Homem na Estrada”, o rap que fala da falta de esperança.

Lula se referiu a essa história para exemplificar como os Racionais foram importantes para criar uma ponte entre o PT e a juventude periférica durante sua trajetória política.

Brown, porém, não queria falar de passado. Por ser assumidamente lulista, o rapper está preocupado é com o presente. E por isso ele interrompeu o presidente de bate-pronto: “Lula, vou te falar: voltou a ser do jeito que estava. Molecada está precisando de fé, estão desacreditados - inclusive de nós. Porque o Lula hoje é o governo. E quando eles veem o Brown falando bem do governo [os jovens respondem]: ‘Ah, tá bom pra vocês, pra nós não está’”.

Esse foi um dos motes que nortearam o papo no podcast. Da sua parte, Lula recorria ao passado, com os grandes feitos de políticas sociais de seus dois primeiros mandatos, e aos bons números atuais da economia (desemprego baixo, renda em alta) como garantia de que tempos melhores virão se receber um quarto mandato em 2026.

Mas os entrevistadores, imersos numa realidade bem distante dos gabinetes de Brasília, queriam saber de outras temáticas. Para o presidente que várias vezes se referia ao movimento sindical, Semayat comentou que as pessoas hoje se referem à CLT com chacota, porque desejam flexibilidade. E Mano também lembrou de como pequenos negócios estão proliferando nas periferias, evidência de que as pessoas querem ser empreendedoras, mais livres e menos dependentes da assistência governamental.

Lula reconhece que as demandas dos brasileiros hoje são muito diferentes do tempo em que comandava greves no ABC ou de quando lançou o Bolsa Família. Contudo, as respostas que seu governo deu até o momento para esses novos pleitos são pífias: o Acredita, destinado a dar crédito para os microempreendedores, não engrenou; sua proposta para regular o trabalho por aplicativos foi rechaçada pelos próprios motoristas e entregadores; já a discussão sobre o fim da escala 6x1 ainda engatinha no seu ministério.

A meu ver, há dois graves erros de diagnóstico que podem custar a Lula a reeleição em 2026.

O primeiro é acreditar que a queda de popularidade presidencial se deve tão somente a um problema de comunicação. Há seis meses Lula trouxe um marqueteiro para o Palácio do Planalto e tem se tornado mais ativo nas redes sociais - e o resultado até agora é nulo.

A segunda falha de avaliação é acreditar que a disputa do ano que vem se dará contra a “extrema direita”, como não se cansam de repetir o presidente, Gleisi, Haddad e cia. Com Jair Bolsonaro inelegível e provavelmente condenado, a direita e boa parte do Centrão tendem a se aglutinar numa candidatura com discurso muito mais moderado do que a do ex-presidente ou de algum de seus filhos.

O cientista político Felipe Nunes, fundador do instituto de pesquisas Quaest, esteve no programa Roda Viva na semana passada e trouxe dois dados reveladores.

De um lado, o julgamento da tentativa de golpe de 8 de janeiro só mobiliza lulistas e bolsonaristas convictos - para a grande faixa do eleitor médio, esse assunto não desperta interesse. De outro, 70% dos brasileiros não têm mais medo de perder seus benefícios sociais caso Lula seja derrotado nas eleições.

Ambos são alertas para Lula e suas pretensões de concorrer a um novo mandato. Ao contrário de 2022, o tópico da defesa da democracia não parece ser mais decisivo para atrair eleitores das classes média e alta. Para piorar, os eleitores mais pobres não mais se sentem dependentes de Lula para manter os benefícios sociais, enquanto seu governo não atende às suas novas demandas por flexibilidade e apoio para empreender.

O homem na estrada olha ao redor, e Lula não é mais sua única opção. E agora, mano?

*Bruno Carazza é professor associado da Fundação Dom Cabral e autor de “O País dos Privilégios (volume 1) e “Dinheiro, Eleições e Poder”

 

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