segunda-feira, 5 de maio de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

É preciso sabedoria ao tirar proveito do avanço da China

O Globo

Investimento chinês bate recorde, e país responde por 41% do superávit brasileiro. Risco é criar dependência

É crescente a importância global da China — e ela só tende a aumentar com o isolacionismo dos Estados Unidos sob Donald Trump. É essencial, portanto, que o Brasil tenha uma estratégia para lidar com seu maior parceiro comercial, de que se torna a cada dia mais dependente como fonte de investimentos e destino de exportações. Há, em virtude da guinada na política externa americana, clara intenção chinesa de aprofundar as relações com países latino-americanos. É uma situação que exigirá da nossa diplomacia sabedoria para aproveitar as oportunidades e evitar as armadilhas.

Em 2024, o Brasil obteve superávit comercial de US$ 30,8 bilhões com a China (US$ 94,4 bilhões em exportações e US$ 63,6 bilhões em importações). Os investimentos chineses bateram recorde pelo quarto ano consecutivo, alcançando US$ 73 bilhões, segundo dados preliminares do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC). Confirmada a estimativa, os chineses estão em quinto lugar como investidores no Brasil, atrás de americanos, holandeses, franceses e espanhóis.

Opinião do dia – Karl Marx* (saber, conhecimento)

"Uma nação é verdadeiramente rica quando se trabalha 6 horas em lugar de 12. A riqueza não é o comando sobre tempo de trabalho excedente (riqueza real), mas ‘tempo disponível’ para cada individuo e toda a sociedade para além do usado na produção imediata.

A natureza não constrói máquinas nem locomotivas, ferrovias, telégrafos elétricos, máquinas de fiar automáticas, etc. Elas são produtos da indústria humana; material natural transformado em órgãos da vontade humana sobre a natureza ou de sua atividade na natureza. Elas são órgãos do cérebro humano criados pela mão humana; força do saber objetivada. O desenvolvimento do ‘capital fixo’ indica até que ponto o saber social geral, conhecimento, deveio força produtiva imediata e, em consequência, até que ponto as próprias condições do processo vital da sociedade ficaram sob o controle do intelecto geral e foram reorganizadas em conformidade com ele. Até que ponto as forças produtivas da sociedade são produzidas, não só na forma do saber, mas como órgãos imediatos da práxis social; do processo real da vida. " 

*Karl Marx (1818-1883) – Grundrisse, p. 589. Boitempo, 1ª Edição 2011. Escrito entre 1857-1858.

Transformações no mundo do trabalho e a jornada 6x1 - Bruno Carazza

Valor Econômico

Lideranças empresariais, em vez de reclamar da escassez de mão-de-obra, deveriam se atentar para as mudanças no mercado de trabalho

Empresários e executivos, dos mais variados setores, têm repetido à exaustão: “Está difícil encontrar quem queira trabalhar no Brasil”. A frase em geral vem acompanhada de uma crítica ao volume dos benefícios sociais distribuídos pelo governo, que estaria estimulando as pessoas a procurarem emprego. O problema, porém, é muito mais complexo.

A taxa de desocupação, medida pela Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (Pnad), apresentou em março o menor patamar (7%) para um primeiro trimestre desde o início da série histórica atual, iniciada em 2012. Com o país crescendo acima de 3% ao ano desde 2021, a economia brasileira opera próximo ao pleno emprego, o que por si só já ajuda a explicar a dificuldade de contratar testemunhada pelas empresas.

Colocando em perspectiva histórica os números da Pnad, observamos que, tendo como referência o período pré-pandemia, a hipótese de que programas sociais como o Bolsa Família desincentivam o emprego parece não se sustentar. Afinal, o percentual de pessoas fora do mercado de trabalho diminuiu de 38,3% em março de 2019 para 37,8% atualmente.

Copom fala em cautela e mercado ouve corte - Alex Ribeiro

Valor Econômico

A promessa do BC é agir de acordo com a sua função de reação, ou seja, manter a coerência com a forma como agiu no passado recente

Na reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI), os membros do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central sussurraram uma mensagem de flexibilidade e cautela, mas os participantes do mercado financeiro entenderam como um grito para comprar o ciclo de baixa da taxa Selic.

O mal-entendido foi desfeito, antes do período de silêncio do Copom, pelo presidente do BC, Gabriel Galípolo, que disse que o comitê ainda está “tateando” o nível adequado de juro, “no gerúndio”. Ou seja, a política monetária segue pulsando, e o viés ainda é de alta.

Depois de amanhã, quando divulga a sua decisão, o Copom estará diante do mesmo problema: dizer que precisa seguir com mais cautela, mas sem transmitir a ideia de que o problema está resolvido.

Rio, beleza e caos – Fernando Gabeira

O Globo

Fui acordado por um intenso tiroteio. Durante alguns minutos, pensei que estava no centro de uma guerra

Na minha primeira viagem ao Haiti, hospedei-me na casa de um diplomata brasileiro. Na hora de dormir, na primeira noite, ouvi alguns tiros ao longe. Relaxei a pensei: estou em casa, isto parece o Rio. Passadas algumas décadas, não reconheço mais aquele Rio de estampidos esparsos. No fim de semana, fui acordado por um intenso tiroteio, com o matraquear de metralhadores e balas de fuzis. Durante alguns minutos, pensei que estava no centro de uma guerra, Ucrânia, talvez Gaza.

Voltei para a cama pensando: posso dormir em paz porque gastaram toda a munição. Impossível manter um tiroteio intenso todo esse tempo. Ilusão. Minutos depois, os tiros voltaram com intensidade maior. Parece que o matraquear das metralhadoras ganhou mais volume, e os fuzis se faziam ouvir com mais clareza. De novo, voltei para a cama, certo de que tinham gastado todas as balas da cidade. E não é que a guerra explodiu de novo, pela terceira vez, com a mesma intensidade?

Mussolini inspira esquerda e direita – Miguel de Almeida

O Globo

O espanto deixado por Antonio Scurati nos seus leitores é a proximidade das ideias e práticas de Benito Mussolini com o universo político contemporâneo

Ao final da estupenda trilogia de Antonio Scurati sobre Benito Mussolini, um misto de espanto e encanto fica gravado no leitor. “M — Os últimos dias da Europa” encerra a narrativa da triste epopeia quando flagra o ditador italiano, entre a vaidade e a covardia, transformado em capacho de Adolf Hitler. Armado de retórica trágica, em cada parágrafo, sob a poesia de desabamento, Scurati constrói um personagem sempre fadado ao atoleiro, mesmo se vitorioso, ou em queda no precipício, se em desespero.

Não há escapatória para o Mussolini de Scurati — a conquista também é o passaporte de seu cadafalso. O autoengano surge disfarçado de estratégia política, de esperteza ideológica. Disposto a ser um César romano, será apenas um oportunista seminal e lúgubre da História.

Trump 2.0: ídolo ou espantalho? - Oliver Stuenkel

O Estado de S. Paulo

A volta de Trump não significa uma nova onda de adesão automática ao trumpismo

Até recentemente, muitos analistas previam que a volta de Donald Trump ao poder facilitaria a ascensão de líderes semelhantes mundo afora – políticos que buscam se promover com base em discursos antissistema, “anti-globalistas” e com ataques às instituições democráticas. Não faltam precedentes: desde 2016, Trump influenciou líderes como Jair Bolsonaro no Brasil, Viktor Orbán na Hungria e Matteo Salvini na Itália. No entanto, a realidade do segundo mandato de Trump está mostrando nuances inesperadas – e até contraditórias.

Dois dos aliados históricos mais próximos dos EUA – Canadá e Austrália – responderam de forma a desafiar essa narrativa dominante. No Canadá, a postura hostil de Trump, com tarifas unilaterais e a insinuações de anexação, provocou uma reação nacionalista que enfraqueceu a oposição conservadora, vista como alinhada demais ao trumpismo. O resultado foi uma virada eleitoral histórica:

O pensamento ‘decolonial’ - Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S. Paulo

A violência torna-se um princípio da ação, sempre e quando seja justificada pela narrativa anticolonialista e, agora, ‘decolonial’

O pensamento decolonial tem aparecido nos centros universitários, a começar pelos EUA, como uma forma de renovação da esquerda, em sua luta contra os “opressores” e os “brancos”. No Brasil, seus êmulos seguem na mesma toada, expandindo-se pelas universidades, pela intelectualidade, por certos núcleos psicanalistas, inclusive, no que não deixa de ser uma perversão.

Sua âncora teórica reside na obra de Franz Fanon, cujo livro, Os Condenados da Terra, teve ampla repercussão na intelectualidade francesa, vindo a contar, inclusive, com prefácio de Jean-Paul Sartre, conferindo-lhe prestígio ainda maior.

Note-se que o movimento woke procura se apresentar, em sua faceta ocidental, como um projeto de radicalização da democracia, sendo, na verdade, um rompimento com ela ao expressar, em identidades pessoais e coletivas, a afirmação de particularidades. Da qualificação de decolonial, procura vender a mensagem de que representa os colonizados, os oprimidos, os que se opõem ao capitalismo e ao imperialismo. Pretendem ser a expressão de uma “força moral”, que seria de natureza ocidental, quando é a concretização de rompimento com o ocidente. Suas alianças são com o Hamas, o Irã, o Hezbollah e o terror islâmico em geral. Eis sua verdadeira natureza.

A morte e a morte do PSDB - Diogo Schelp

O Estado de S. Paulo

Se um partido perde a identidade e deixa de representar parte da sociedade, não há razão para preservá-lo

O vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) considera importante a continuidade de partidos com história, como é o caso do PSDB, pelo qual foi governador de São Paulo. A afirmação foi atribuída a ele pelo ex-senador tucano José Aníbal em reportagem do Estadão. É compreensível o sentimento de melancolia com o iminente desaparecimento da sigla, prestes a se fundir com o Podemos.

O PSDB, tendo Fernando Henrique Cardoso como ministro da Fazenda e depois como presidente, estabilizou a moeda, implantou o tripé macroeconômico, consolidou o SUS, universalizou o ensino fundamental, livrou-se de estatais ineficientes, criou um programa de distribuição de renda e, não menos importante, ajudou a cristalizar o sistema democrático. Mas a influência e a identidade política do PSDB se dissiparam nos últimos anos.

União Brasil e PP: o que explica federação - Lara Mesquita

Folha de S. Paulo

Aliança parece cumprir papel estratégico na centro-direita, capaz de fazer frente tanto ao PL quanto ao PSD

Na última semana, foi lançada a federação entre dois importantes partidos do centrão: União Brasil e Progressistas (PP). Essa será a quarta federação desde que o instrumento foi permitido pela legislação brasileira em 2021.

Diferentemente das outras federações, criadas sobretudo para garantir a sobrevivência de partidos que sozinhos não cumpririam a cláusula de desempenho —seja se aliando a partidos maiores (como PC do B e PV com o PT), seja somando forças com outro partido pequeno (caso de PSOL e Rede, e em certa medida do PSDB e Cidadania)— a nova federação une dois partidos que, à luz dos resultados de 2022, não parecem ameaçados. União e PP foram, respectivamente, o terceiro e o quarto partidos mais votados para a Câmara dos Deputados, com 9,34% e 7,35% dos votos válidos.

Se PP e União não correm risco de desaparecer, qual o objetivo da aliança, considerando as amarras eleitorais que ela impõe? E, afinal, quão restritivas são essas amarras no caso específico?

Corrupção e instabilidade - Marcus André Melo

Folha de S. Paulo

Carlos Lupi entrou para a história como o ministro que foi demitido duas vezes pela mesma razão: a corrupção

Carlos Lupi entrou para a história como o ministro que foi demitido duas vezes pela mesma razão: o envolvimento em escândalos de corrupção. O impacto potencial é considerável, como mostrei aqui na coluna. Seu companheiro de ministério, Juscelino Filho, já foi despachado também devido a escândalos, revivendo episódios semelhantes no governo Dilma quando sete ministros caíram pelas mesmas razões. Por que alguns ministros permanecem no cargo durante todo o mandato enquanto outros foram substituídos?

Os ministérios são parte essencial do funcionamento do presidencialismo de coalizão. Servem como instrumentos para a montagem de coalizões junto com as emendas orçamentárias e cargos federais em estatais e alta administração, como mostrei aqui. Além de escândalos, há outros fatores que importam para a sobrevivência dos ministros. Explico com evidências.

Poesia | Mas eu nem sempre quero ser feliz, de Fernando Pessoa

 

Música | Paulinho da Viola - Eu canto samba / Quando bate uma saudade