Valor Econômico
Não é crível se esperar uma melhora substantiva do resultado fiscal nos próximos dois anos
Estão divididas as expectativas dos analistas
sobre a decisão a respeito da taxa Selic que o Copom adotará em sua próxima
reunião, em meados de setembro próximo. Isso ocorre porque, no momento, podem
ser considerados tanto fatores que apontam para o início de um processo de alta
de juros quanto para a manutenção da taxa em seus patamares atuais.
A última pesquisa Focus trouxe elevação das
estimativas para o IPCA em 2024 pela quinta semana consecutiva (de 4,20% para
4,22%), embora tenha havido redução das expectativas para 2025 pela segunda
semana consecutiva (de 3,97% para 3,91%). Considerando todo o horizonte de
tempo contemplado na pesquisa, não se prevê a convergência da inflação para a
meta de 3% ao ano.
Não obstante a atual taxa Selic (10,5% ao ano) possa ser considerada restritiva do ponto de vista monetário, a verdade é que não parece ser suficiente para assegurar a convergência da inflação para a meta no horizonte relevante para a política monetária. Em princípio, dadas as dificuldades de estimativa da taxa neutra de juros - variável não observável - trata-se de uma situação que exige cautela do Banco Central (BC), não se podendo descartar, a priori, um ajuste para cima da taxa Selic já na próxima reunião do Copom.
A questão principal, a meu ver, é a
persistente política fiscal expansionista que não somente tem afetado
negativamente os prêmios de risco como também atuado em sentido contrário ao
pretendido pelo Banco Central na política monetária. A taxa de desemprego
encontra-se no momento em seu menor nível dos últimos dez anos, ao mesmo tempo
que as projeções de crescimento do PIB de 2024 têm sido revistas para cima (de
2,20% para 2,23% na última pesquisa Focus), no que parece ser reflexo da
instância expansionista política fiscal nos últimos meses.
Não é crível se esperar uma melhora
substantiva do resultado fiscal nos próximos dois anos. Ao contrário, as
expectativas são de que a situação orçamentária do próximo ano possa ser até
mais desafiadora do que em 2024, a não ser que o governo encontre fontes
adicionais de arrecadação, hipótese com baixa probabilidade de ocorrência, se
considerado o comportamento até aqui do atual Congresso.
Em tal contexto, a consecução dos objetivos
da política monetária pelo BC com níveis de juros abaixo dos atuais torna-se
muito difícil, a não ser que ocorram eventos positivos de origem externa como,
por exemplo, queda do preço em dólar das commodities e/ou apreciação da moeda
brasileira.
Nesse sentido, porém, há alguns sinais
positivos no horizonte externo. O início da trajetória de derrubada de juros
pelo Federal Reserve parece cada vez mais próximo. A ata da última reunião do
FOMC deixou claro que o tema foi discutido e sinalizou que, se os próximos
dados a serem divulgados estiverem dentro do esperado, o recomendável seria
reduzir a taxa dos Fed funds já em setembro. Por outro lado, a atividade e o
emprego mantêm-se resilientes, afastando o risco de “crash landing” da economia
norte-americana. Tal cenário, se materializado, é benigno para o Brasil, pois
abriria espaço para alguma apreciação do real e redução da pressão nos preços
domésticos das commodities.
Por outro lado, há a questão da comunicação
do Banco Central e das expectativas sobre a mudança, a partir de janeiro, na
presidência da Instituição. As últimas informações parecem apontar que o
economista Gabriel Galípolo, atual diretor de política monetária do BC, será o
indicado para o cargo pelo presidente Lula e, por isso, principalmente sobre
ele é que recaem as atenções do mercado, na busca de pistas sobre os passos
seguintes a serem adotados pelo Banco Central.
A questão principal é a política fiscal
expansionista, que atua em sentido contrário ao pretendido pelo BC
Nesse sentido, Galípolo assinalou
recentemente que vê um balanço de riscos assimétricos e que toda a diretoria do
BC está disposta a fazer o que for possível para perseguir a meta de inflação.
Tal declaração, secundada por manifestações no mesmo sentido de outros
dirigentes da Instituição (inclusive do seu atual presidente Roberto Campos
Neto), foi lida como um sinal forte de que o Copom vai elevar os juros em sua
reunião de setembro e, como esperado, os preços dos ativos reagiram a essa
percepção.
Em consequência, embora o presidente do BC
tenha dito que nada teria mudado desde a divulgação da última ata do Copom, a
Instituição acabou criando uma armadilha para si própria, pois uma eventual
decisão de manutenção dos juros em setembro pode prejudicar a credibilidade do
BC e até influenciar negativamente sobre as expectativas de inflação futura,
notadamente em razão da próxima mudança na direção do BC.
Contudo, como um erro não deve justificar um
outro, uma eventual dissonância em relação à comunicação com mercado não seria
motivo suficiente para elevação dos juros, caso os indicadores macroeconômicos
e os modelos de projeção do BC recomendem a preservação do atual patamar da
Selic.
De todo modo, duas questões me parecem claras. O BC deve reagir aos dados e jamais se autoimpor uma data para agir na política monetária. E, no regime de metas, a qualidade e a dosagem na comunicação dos dirigentes do BC podem fazer uma enorme diferença quando se trata da preservação da credibilidade da instituição.
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