quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Bolsas para ensino médio e Enem são meros paliativos

O Globo

Medidas ajudam, mas, para atrair os jovens às escolas, seria melhor aprovar a reforma que continua parada

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou nesta semana a lei criando o programa Pé-de-Meia, que concede bolsas para alunos de baixa renda permanecerem no ensino médio. A evasão nesse segmento tem desafiado gestores. Ao mesmo tempo, o governo pretende pagar um bônus a estudantes do terceiro ano que prestarem o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), cujo esvaziamento também tem preocupado o MEC.

Pelo projeto, alunos da rede pública de famílias inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) receberão uma ajuda mensal e uma poupança anual para permanecer no ensino médio. O dinheiro acumulado nos três anos poderá ser usado após a conclusão do curso. De acordo com o MEC, os valores a pagar dependerão de negociação com os estados. Para usufruir o benefício, os alunos precisarão ter frequência mínima de 80% nas aulas.

É positivo criar incentivos para a permanência na sala de aula e a participação no Enem. Atualmente, a taxa de evasão nos três anos do ensino médio é, respectivamente, de 8,8%, 8,3% e 4,6% (cerca de 500 mil largam a escola todo ano). A adesão ao Enem, embora tenha subido, ainda é baixa. Em 2023, apenas 50,8% dos 2 milhões de alunos que concluíam o ensino médio prestaram o exame.

A falta de interesse pelo Enem — porta de entrada para as universidades — é mistério até para o governo. O ministro da Educação, Camilo Santana, reconheceu desconhecer os motivos e anunciou uma pesquisa, em parceria com estados e municípios, para entender por que os jovens não buscam o Enem. Já não era sem tempo.

Ainda que haja mérito nas iniciativas para ampliar o alcance da educação, não será recorrendo a bolsas assistenciais que o governo resolverá os problemas do ensino médio. A situação financeira dos alunos não é a única dificuldade. Não se podem menosprezar as deficiências na formação de professores, a precariedade de escolas, a falta de apelo dos cursos, os currículos defasados, a desconexão flagrante da realidade dos jovens, da demanda das empresas e de um mercado de trabalho competitivo.

A prioridade do governo deveria ser aprovar as alterações na reforma do ensino médio, concebida há sete anos para torná-lo necessário e atraente para todos. Dando voz a grupos que se opõem a qualquer mudança, o MEC suspendeu a implantação da reforma em abril passado para dar um “freio de arrumação”. Enviou novo projeto ao Congresso corrigindo problemas da proposta original, especialmente em relação à carga horária das disciplinas básicas. Os parlamentares fizeram modificações, o governo não gostou e, no fim de 2023, a votação foi adiada para este ano. A solução está posta. O governo já perdeu um ano em hesitações e discussões pouco produtivas. Lamentavelmente, está tudo na estaca zero.

Enquanto isso, o país gasta dinheiro — o programa Pé-de Meia deverá custar R$ 6 bilhões neste ano e R$ 20 bilhões até 2026 — para atrair os alunos a cursos que já não atendem à demanda dos tempos atuais. Os jovens deveriam buscar o ensino médio para aumentar sua chance de conseguir um bom emprego e uma boa renda. Não para fazer jus a mais uma bolsa criada pelo PT.

Sucesso no combate à dengue depende não apenas da vacina

O Globo

Nova aliada é avanço fundamental, mas não elimina a necessidade de práticas conhecidas contra o mosquito

São preocupantes as perspectivas para a dengue neste ano. Depois dos recordes sucessivos de 2022 e 2023, o Ministério da Saúde e o InfoDengue, da Fiocruz, estimam para 2024 uma média de 3 milhões e um máximo de 5 milhões de infectados. No ano passado, o país registrou 1,7 milhão de casos e 1.094 mortes. As altas temperaturas combinadas a chuvas intensas contribuem para a proliferação do mosquito transmissor da doença, dificultando ainda mais o já difícil combate aos focos de Aedes aegypti.

Neste ano, as autoridades de saúde contarão com uma nova aliada no controle da doença. A vacina Qdenga, da farmacêutica japonesa Takeda, deverá começar a ser aplicada no país em fevereiro. Ela foi aprovada pela Anvisa em março do ano passado, mas, devido à hesitação do governo, à baixa capacidade de fabricação e aos trâmites burocráticos do Ministério da Saúde, só foi liberada para uso no SUS em dezembro.

Desde julho, a vacina está disponível em clínicas particulares por preços entre R$ 800 e R$ 1 mil. Protege contra os quatro tipos de dengue. Recomendada para a faixa de 4 a 60 anos, é aplicada em duas doses. Segundo o fabricante, nos testes clínicos demonstrou eficácia de 80,2% para evitar infecções e de 90,4% para casos graves.

A capacidade de entrega da Takeda é, porém, limitada. Por isso não haverá vacinação maciça, como aconteceu com a Covid-19. O primeiro lote, de 460 mil doses, deverá chegar no mês que vem. Até novembro, o Ministério da Saúde deverá receber 5 milhões, além de um carregamento de 1 milhão doado pelo laboratório (seriam necessários pelo menos 10 milhões).

Diante da escassez de doses e do aumento esperado nos casos, é acertada a estratégia do ministério ao traçar prioridades. Seguindo recomendação da câmara técnica de imunização, deverão ser vacinadas crianças e adolescentes entre 6 e 16 anos nas regiões com maior incidência da doença. A OMS também orienta a aplicação nessa faixa etária. A decisão final sobre público-alvo e municípios prioritários deverá ser tomada até o fim do mês, com a participação de secretários estaduais e municipais de Saúde.

Por mais que o Ministério da Saúde priorize grupos vulneráveis nas áreas de maior incidência, a vacinação não será suficiente para conter a doença, ao menos num primeiro momento. Será fundamental, portanto, combater os focos do mosquito transmissor eliminando recipientes que acumulam água parada em quintais, terrenos baldios e vias públicas. Isso exige esforço conjunto dos três níveis de governo e da própria população, uma vez que 90% dos criadouros estão nas residências. O aumento dos casos tem mostrado que todos têm falhado nessa tarefa. A vacina é só parte da solução, ninguém deve esmorecer em todas as demais medidas já conhecidas de combate à dengue.

Capacidade de adaptação à IA define futuro do emprego

Valor Econômico

Mulheres, trabalhadores com mais educação e os mais jovens no Brasil são os mais expostos às inovações, mas também os mais bem colocados para encontrar emprego à sombra delas

A revolução da Inteligência Artificial se distingue das anteriores, como a da automação acelerada provocada desenvolvimento da informática. Ao contrário delas, que eliminavam tarefas repetitivas, ou etapas que se tornaram obsoletas em um processo produtivo, atingindo duramente escalões intermediários e os de baixa escolaridade, a IA põe em xeque também carreiras e profissões intensivas em conhecimento. Algoritmos podem realizar tarefas antes a cargo de técnicos e especialistas de alta qualificação. O avanço da IA afetará 40% da mão de obra global e 41% da do Brasil, segundo estudo do Fundo Monetário Internacional, mas este não é o dado mais importante. A capacidade de migrar para setores complementares aos altamente expostos à IA determinará a nova configuração do trabalho nos países. “A facilidade em obter habilidades relacionadas a IA determinará o impacto final dessa tecnologia”.

O FMI criou um índice que revela o estado de preparação dos países para a nova tecnologia, incluindo 32 economias avançadas, 56 emergentes e 37 em desenvolvimento. O Brasil não está mal em uma comparação de 30 países em diferentes estágios de desenvolvimento - está na exata média, na 15ª posição em 30 países. O índice considera quatro dimensões: infraestrutura digital, inovação-integração, capital humano, e regulação e ética. É conhecido que o país tem séria defasagem na disseminação massiva de habilidades digitais e possui baixa flexibilidade no mercado de trabalho. Outro handicap sério envolve inovação e integração: baixo investimento em pesquisa e desenvolvimento, alta tarifa média e muitas barreiras não tarifárias.

Os economistas do FMI argumentam com uma “escala” de exposição que desmente a suposição de que a IA vai destruir em massa os empregos menos qualificados e os da média administração. Os países mais expostos à nova tecnologia são as economias avançadas. Mas há diferentes maneiras de estar exposto. Os países ricos têm a maior parte das ocupações com alta exposição, pois são intensivas em conhecimento, mas também, e por causa disso, sua mão de obra tem mais facilidade de se adaptar às atividades complementares à IA. Na média das economias avançadas, o percentual dos trabalhadores altamente exposta é de 27%, ante a média de 16% nos países emergentes.

Mas há também a categoria de alta exposição com baixa complementaridade, o que significa destruição de ocupações e empregos. A proporção dos empregos nessa condição é de 33% nos países ricos e mais baixa, de 24%, nos emergentes. Isto não faria muito sentido não fosse a terceira categoria, a da baixa exposição à tecnologia, que no Brasil, por exemplo, é de 60% e abrange todo o setor informal da economia, vasta parcela dos serviços e de ocupações de baixa qualificação. O Brasil tem então 20% do total de seus empregados sujeitos à alta exposição às mudanças, mas com capacidade de encontrar ocupação a elas ligadas, e 20% com baixa complementaridade, onde mora o perigo da extinção de ocupações.

Isto significa que na primeira onda da revolução da IA o país será menos afetado, simplesmente pelo seu atraso econômico. Mas outro efeito da IA o constrangerá: a distância entre ele e os países ricos aumentará, abrindo um fosso que pode condenar o Brasil a patinar no pântano da baixa produtividade por muito tempo, se não para sempre. “O impacto líquido no emprego dependerá da capacidade do país em inovar, adotar e se adaptar à IA”, registra o estudo.

Mulheres, trabalhadores com mais educação e os mais jovens no Brasil - e no mundo - são os mais expostos às inovações, mas também os mais bem colocados para encontrar emprego à sombra delas. Na ponta oposta estão os trabalhadores mais velhos e os menos qualificados. Além disso, quanto menor a renda do trabalhador exposto à tecnologia, menor a chance de permanecer ocupado. Já os situados entre os 20% mais bem remunerados têm mais chances de sucesso.

O estudo mostra que a adoção da IA aumenta as rendas do capital e aprofunda a desigualdade de riqueza. Mas há nuances. “Simulações sugerem que altas desigualdades iniciais de renda e de riqueza podem exacerbar a disparidade de riqueza, porque os ganhos associados à IA se acumulam no topo da renda”, aponta. Em economias com baixa exposição à tecnologia, o impacto direto é menos intenso. Os economistas se concentraram nos efeitos sobre ocupação, e deixaram em segundo plano os benefícios da tecnologia, relacionados brevemente. Ela pode aliviar a falta de pessoas especializadas nas áreas de saúde e educação, propiciando melhores serviços públicos, além de aumentar a produtividade e competitividade em vários setores da economia, entre muitas outras.

Preocupações de especialistas brasileiros têm pontos de contato com as do FMI. Estudo da Academia Brasileira de Ciências (“Recomendações para o avanço da inteligência artificial no Brasil”) é enfático ao pregar a urgência de investimentos adequados e políticas públicas “duradouras e apropriadas”. Sem isso, “o quadro global de IA pode empurrar o Brasil para um declínio tecnológico sem precedentes”, adverte. É uma ameaça real para uma economia fechada e não integrada às cadeias globais de produção.

Quão desigual?

Folha de S. Paulo

Seja qual for a métrica, Estado precisa conter inflação e rever tributos e gasto

Se não pode restar dúvida de que a desigualdade social no Brasil é elevadíssima e vergonhosa, as dimensões dessa concentração de renda e sua evolução têm sido objeto de um proveitoso debate acadêmico e político nos últimos anos.

Até meados da década passada, acreditava-se que a disparidade entre ricos e pobres seguia em trajetória de queda quase contínua desde o início do século, o que era um dos indicadores mais alardeados pelas administrações petistas.

Os dados empregados na época se baseavam nas pesquisas amostrais periódicas do IBGE, em particular as destinadas a apurar os níveis de emprego e renda —um padrão seguido globalmente.

A partir do trabalho do economista francês Thomas Piketty, porém, firmou-se o entendimento de que esse tipo de estatística tende a subestimar os rendimentos no topo da pirâmide social.

Por motivos variados, entre eles o mero desconhecimento, entrevistados declaram incorretamente os ganhos que são oriundos não do trabalho, mas do patrimônio, como juros, dividendos e aluguéis.

Para sanar a deficiência, tornou-se comum o uso de informações prestadas nas declarações do Imposto de Renda das pessoas físicas. Com tal recurso, diferentes estudos apontaram que a desigualdade brasileira ficara estável, em nível mais alto do que se imaginava, ou mesmo subira até 2015.

A conclusão não é consensual, entretanto. Em 2021, um trabalho divulgado pelo Insper inovou ao considerar rendas não monetárias dos mais pobres, como acesso a educação e saúde públicas, e concluiu que a disparidade social diminuíra, sim, até 2015, embora com alta em 2016 e 2017.

Conforme a Folha noticiou, pesquisa do economista Sérgio Gobetti recém-publicada pela FGV indica alta da concentração entre 2017 e 2022 —quando a renda declarada pelo 0,01% mais rico do país quase dobrou, enquanto a dos brasileiros que não pertencem aos 5% do topo avançou 33%.

Já a pesquisa amostral do IBGE apurou queda da desigualdade do rendimento domiciliar per capita no período (de 0,539 para 0,518 pelo índice de Gini, que varia de 0 a 1), com ajuda do emprego e das transferências de renda do governo.

O aprimoramento das estatísticas é crucial para aferir a eficácia das políticas sociais. Qualquer que seja a métrica, de todo modo, são evidentes os imperativos de buscar uma tributação mais progressiva, melhorar o ensino básico, manter a inflação sob controle e rever gastos públicos que beneficiam os estratos mais abonados.

O bullying e a lei

Folha de S. Paulo

Norma tem méritos e excessos; avanços dependem de transformação cultural

Diz-se, proverbialmente, que, se a única ferramenta de que se dispõe é um martelo, todos os problemas se parecerão com um prego. Esse viés cognitivo faz com que superestimemos os poderes das ferramentas que nos são familiares.

Legisladores são particularmente suscetíveis a esse viés. São poucos os problemas sociais que os parlamentares não tentam resolver a golpes de leis, não raro penais.

Eles não estão inteiramente errados. Problemas sociais são fenômenos complexos com múltiplas causas e, em muitos casos, devem ser abordados pela via penal. O risco é que, aprovada a norma, as autoridades considerem a missão cumprida e abandonem o problema, que só passa tangencialmente por essa área do direito.

O novo diploma sobre o bullying é um exemplo. Intimidações contra crianças e adolescentes sempre foram uma adversidade no ambiente escolar. Tornaram-se piores com a internet, já que na modalidade presencial ficavam limitadas a algumas horas por dia. Na virtual, afetam a vítima diuturnamente.

Não é de todo mau tipificar a prática como delito. Tal medida fornece a diretores, professores, pais e alunos mais um argumento contra o bullying e um recurso efetivo para agir em casos mais graves.

Foi sensato que, na modalidade presencial, os legisladores tenham sido módicos na sanção prevista, que ficou limitada a multa —embora não tenham deixado claro quem a pagaria, já que menores não podem ser incriminados.

A moderação é necessária. Os autores das intimidações no mais das vezes são outras crianças, que também podem ser vítimas.

Contudo o que distingue o bullying de interações sociais traumáticas, mas não criminosas, é principalmente a repetição sistemática, característica muito difícil de fixar em regra. Quantas vezes por semana é necessário agredir um jovem para caracterizar o delito?

Ademais, a moderação foi abandonada no cyberbullying. A pena prevista deixou de ser apenas multa para converter-se em dois a quatro anos de prisão. A discrepância é excessiva, mesmo considerando que as repercussões da prática virtual tendem a ser piores.

Deve-se registrar que os parlamentares tiveram o cuidado de propor a criação de uma política nacional de prevenção e combate ao bullying. Porém tirá-la do papel exige mais do que uma lei. Passa por uma transformação cultural.

A boa notícia é que há indícios de que ela esteja em curso. O problema é que jamais dará conta de todos os casos e ocorre lentamente. Para muitas crianças, já será tarde.

A obsessão de Lula pela Vale

O Estado de S. Paulo

Ao agir para emplacar o companheiro Mantega na direção da empresa, o presidente retoma sua campanha para transformá-la em agente de seus delirantes projetos desenvolvimentistas

O presidente Lula da Silva quer porque quer retomar o poder de influência sobre a Vale. Consta que o petista está fazendo o que pode para emplacar o companheiro Guido Mantega na empresa – como presidente ou como integrante do Conselho de Administração. Em qualquer hipótese, a simples possibilidade de que isso aconteça, mesmo que Mantega não tenha condições de mudar os rumos da Vale como deseja Lula, ajudou a derrubar as ações da companhia na Bolsa – investidor nenhum gosta de interferências políticas nas empresas em que põe dinheiro.

A intenção de fincar uma bandeira na mineradora, a segunda maior do mundo, traduz a obsessão de Lula e do PT em transformar as grandes empresas nacionais em agentes a serviço dos delirantes projetos desenvolvimentistas do lulopetismo. O caso da Vale é exemplar dessa sanha.

Lula vem desde pelo menos 2006 questionando os rumos da empresa depois de sua privatização, em 1997, sob a alegação de que privilegia a busca do lucro e coloca em segundo lugar o imperativo de investir no País e gerar empregos. Em 2009, em seu segundo mandato, Lula traçou o plano de substituir o então presidente da Vale, Roger Agnelli, porque este havia demitido 1.300 funcionários em razão da crise mundial de 2008 e, principalmente, porque havia se recusado a tocar adiante o projeto lulopetista de investir na área de siderurgia e de transformar a Vale em generoso cliente da inexistente indústria naval que Lula sonhava desenvolver. Agnelli não resistiu à pressão e caiu em 2011 – depois de manobras, ora vejam, do então ministro da Fazenda, Guido Mantega, que costurou apoio dos principais acionistas da Vale para afastar o executivo, tornando-se, ele mesmo, uma espécie de interventor informal da então presidente Dilma Rousseff na companhia.

Logo, chega a ser ofensiva a versão segundo a qual Lula estaria se empenhando em cavar um lugar para Mantega na Vale apenas para demonstrar gratidão ao ex-ministro por seus serviços prestados e arranjar-lhe um bom salário. Todos sabem que Mantega foi escolhido para essa missão porque é um tarefeiro do lulopetismo, como ficou claro, por exemplo, quando presidiu o Conselho de Administração da Petrobras, entre 2010 e 2015. Naquela época, Mantega deu aval aos projetos megalomaníacos que ajudaram a arruinar a empresa e atuou em favor da política suicida de preços dos combustíveis para socorrer a companheira Dilma, às voltas com uma inflação que corroía sua popularidade.

Portanto, ainda que Mantega seja um nome indelevelmente ligado ao que de pior o lulopetismo produziu, sobretudo na trágica passagem de Dilma Rousseff pela Presidência, quando ajudou a mascarar o desastre das contas públicas que culminaria em recessão e impeachment, ele não passa de um peão no projeto estatólatra de Lula.

Esse projeto inclui não só a Vale, mas também a Eletrobras, cuja privatização é tratada por Lula como “sacanagem”, “bandidagem” e “crime de lesa-pátria” – o presidente mandou entrar na Justiça para reaver o poder de decisão sobre a empresa, o que na prática representaria sua reestatização, um escandaloso retrocesso. E, claro, não se pode esquecer da Petrobras, cuja reconstrução após a razia lulopetista levou anos, mas que de uns tempos para cá voltou a navegar ao sabor dos interesses do governo, em franco desrespeito aos seus investidores privados.

Seria tolo esperar outra coisa de Lula, um presidente comprovadamente incapaz de imaginar o Brasil com uma economia que se desenvolva e se sustente por suas próprias forças, em razão de investimentos privados, num ambiente de livre competição, sem qualquer interferência estatal. Nos sonhos de Lula está um setor produtivo que deixe de buscar o lucro e seja voluntarioso agente de seus fantásticos projetos de desenvolvimento liderados pelo Estado – todos já devidamente desmoralizados ao longo da trevosa era em que o lulopetismo exerceu o poder.

Talião não é bom conselheiro

O Estado de S. Paulo

Articulação entre os governadores de São Paulo, Minas e Goiás para acabar com as saídas temporárias de presos é desumana, imprudente e oportunista. A sociedade só tem a perder

É desumana, imprudente e oportunista a articulação entre os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas, de Minas, Romeu Zema, e de Goiás, Ronaldo Caiado, para aprovar no Senado um projeto de lei que põe fim às saídas temporárias de presos, conhecidas como “saidinhas”, benefício concedido aos apenados de bom comportamento que cumprem o regime semiaberto.

É desumana porque está inspirada por uma concepção medieval de pena, segundo a qual, quanto mais supliciado for um criminoso – ou mero suspeito –, mais o clamor por “justiça” será aplacado. Nesse sentido, note-se que são poucos os que ainda se espantam com a renitência do “estado de coisas inconstitucional” em que se encontra o sistema prisional do País, sem que uma só autoridade tenha tido coragem para enfrentar esse problema, ponto de partida para políticas públicas sérias na área de segurança.

Os governadores vocalizam uma compreensão obtusa de que criminosos, ao serem capturados, deixam de ser titulares de direitos – inclusive, e sobretudo, direitos humanos. Mais bem dito: para essa turma, movida por uma mentalidade de aniquilação, criminosos são animais; e quanto pior forem tratados, melhor para a sociedade. Essa não é uma ideia de segurança pública que anima apenas autoridades brasileiras. Em El Salvador, Nayib Bukele é uma celebridade por encarnar, até de forma caricata, a ideia segundo a qual “bandido bom é bandido morto”.

Casos de sucesso em políticas de segurança pública no mundo civilizado são aqueles que não negam a existência de direitos aos que violam as leis; ao contrário, são os que lembram a todo instante que, num Estado Democrático de Direito, não há lugar para a barbárie nem tampouco há confusão entre justiça e justiçamento. As câmeras corporais nas fardas das polícias são exemplo vívido desse tipo de abordagem da segurança pública, profissional e republicana.

A articulação pelo fim das “saidinhas” entre Tarcísio, Zema e Caiado também é imprudente porque não considera as evidências científicas. É sabido que uma ínfima minoria de presos não retorna ao cárcere terminado o período de liberação judicial – cerca de 4,5% dos beneficiados. Em São Paulo, 34.547 presos saíram às ruas para as festas de fim de ano. Desses, apenas 1.566 não retornaram no dia aprazado, e só 81 deles – 0,002% dos beneficiados – foram flagrados pela polícia paulista cometendo crimes.

Diante desses números, é vergonhosa a declaração do secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, segundo a qual as “saidinhas” representam “um dos principais entraves para a segurança pública” no Estado. Ou se está diante de desonestidade ou se trata de rematada incompetência do sr. Derrite, por erro de diagnóstico tão crasso, para ocupar um cargo muito acima de suas capacidades.

Por fim, trata-se de uma articulação oportunista tendo em vista os cenários políticos delineados não só para 2024, como também para 2026, ano de eleições gerais. Tarcísio, Zema e Caiado apelam à emoção primal dos eleitores, fartos de décadas da incompetência do Estado para lhes prover segurança. Presumem que os cidadãos querem vingança, não justiça. E, ao invés de iluminar o caminho, o obscurecem ainda mais com seu populismo rasteiro.

O fim das saídas temporárias não torna a sociedade mais segura e ainda pode aumentar o risco de violência a que estão expostos os cidadãos. Os beneficiados pela medida, lembremos, já saem dos presídios para trabalhar ou estudar hoje, retornando à prisão apenas para o pernoite. Ademais, cumprem suas penas em estabelecimentos despreparados para o regime semiaberto, convivendo com presos de altíssima periculosidade.

Um caminho técnico para evitar que presos em liberdade temporária fujam ou cometam crimes durante as saídas, sem prejuízo de outras propostas, seria aprimorar os critérios para a liberação, negando o benefício, por exemplo, a membros de organizações criminosas.

Tudo mais é aceno irresponsável para os sedentos de sangue, em particular nas redes sociais, essa espécie de Coliseu do século 21.l

Taiwan joga os dados

O Estado de S. Paulo

Espaço para acomodação com a China fica ainda mais reduzido após eleição na ilha

As eleições presidenciais em Taiwan, no último dia 13, consagraram a permanência no poder do Partido Democrático Progressista (PDP), favorável à independência formal da ilha da China continental. A vitória nas urnas da candidatura de Lai Ching-te foi obviamente uma derrota de Pequim. Como se esperava, tal fracasso foi respondido com ameaças adicionais do regime de Xi Jinping de anexação à força dessa “província rebelde” – na verdade, território autônomo desde 1949 e democracia liberal há quatro décadas. Como o espaço para acomodação entre Taiwan e China se reduziu consideravelmente, é real a possibilidade de que os chineses partam para uma ação militar. Disso depende a preservação de uma frágil paz não só no Oriente, mas entre China e Estados Unidos – de quem Taiwan depende para se defender.

O médico e político Lai recebeu das urnas 40% dos votos válidos, sobretudo de gerações que autenticamente se reconhecem como taiwanesas – não como chinesas – e que rejeitam a subordinação do país ao Partido Comunista Chinês. Não faz parte dos planos dessa parcela da população ver Taiwan sob o risco de se converter em uma nova Hong Kong. Reincorporada à China sob o compromisso de preservação de sua autonomia, Hong Kong teve a promessa rasgada em seguida por Pequim. A votação do último sábado em favor da independência, sublinhe-se, deu-se sob a coação das forças navais chinesas, que executaram manobras no estreito que separa a China continental de sua alegada província.

Igualmente é preciso destacar que os dois principais partidos de oposição, ambos permeáveis às propostas e às ameaças do regime de Xi, angariaram 60% dos votos, no total, capturando a maioria no Congresso de Taiwan. Expôs, portanto, limites reais à agenda independentista no futuro governo de Lai. Sobretudo, indica que dificilmente partirá de Taiwan qualquer atitude que possa ser lida por Pequim como pretexto para uma invasão. O problema é que a China, assim como demonstrou a Rússia ao invadir a Ucrânia em 2022, não precisa de motivação incontestável para desencadear uma guerra que, há décadas, preferiu pragmaticamente evitar.

O governo americano, por sua vez, move-se entre dissuasão e advertência para evitar que Xi Jinping cumpra sua promessa de, “em breve”, anexar Taiwan à China. Há sete décadas, os EUA cuidam da proteção militar da ilha, mas, por outro lado, não expressam apoio à independência de Taiwan. Qualquer gesto de Washington, no entanto, é lido por Pequim como interferência naquilo que considera ser “assunto interno”.

A incerteza sobre como Xi Jinping e o presidente americano, Joe Biden, evitarão que o mundo seja exposto a uma guerra com efeitos incalculáveis é motivo de preocupação permanente. Outras incertezas, como o resultado da eleição presidencial americana, em novembro, tornam efêmera qualquer previsão sobre esse risco em futuro próximo. O certo é que, enquanto não interessar à China nem aos EUA mover a primeira peça desse xadrez, uma frágil paz será o máximo que o mundo poderá desfrutar.

O duro combate à desinformação

Correio Braziliense

Os especialistas chamam a atenção para o fato de as fake news estarem dominando os debates sem que os governos sejam capazes de conter esse movimento com a rapidez necessária

Dias antes de dar início ao encontro anual deste ano, na segunda-feira, em Davos, na Suíça, o Fórum Econômico Mundial divulgou seu tradicional relatório de riscos para o planeta. Pela primeira vez, mais de 1,4 mil especialistas apontaram a disseminação de desinformação como a principal ameaça global, que tem força o suficiente para provocar agitações sociais, desestabilizar governos e minar a democracia. Na visão desses analistas, o quadro tende a se agravar numa velocidade assustadora, diante do uso da inteligência artificial nesse processo. A tecnologia é capaz de manipular imagens, voz, distorcer dados e dar veracidade a mentiras.

Os especialistas chamam a atenção para o fato de as fake news estarem dominando os debates sem que os governos sejam capazes de conter esse movimento com a rapidez necessária. O temor é de que, num mundo já polarizado, com guerras ganhando proporções preocupantes, a desinformação tome conta de processos eleitorais fundamentais para ditar os rumos do planeta. Neste ano, serão mais de 70. Haverá disputas para o Parlamento Europeu, e os Estados Unidos definirão o próximo presidente da República. Os cidadãos de potências emergentes, como a Índia e a Indonésia, também irão às urnas. A lista de pleitos é engrossada por México, Peru, Reino Unido, Panamá e República Dominicana. No Brasil, o ano será de eleições municipais.

Está mais do que na hora, portanto, de o Congresso brasileiro definir limites para a internet, com uma consistente regulação das redes sociais. O projeto de lei das fake news foi mais do que debatido no último ano e está pronto para votação em plenário. Se não levarem adiante a proposta que tem como relator o deputado Orlando Silva, a Câmara e o Senado terão de assumir a responsabilidade de que foram lenientes com aqueles que usam a mentira como arma para atacar pessoas e instituições. Que ninguém duvide da disposição dos que desprezam a democracia em usar todas as ferramentas disponíveis para inundar as campanhas eleitorais de inverdades, pregando o ódio e a intolerância.

Regulação não pode ser comparada à censura. Os adeptos da desinformação tentam disseminar a visão de que, ao se impor limites à internet, está se ferindo o direito constitucional da liberdade de expressão. União Europeia, Canadá e Austrália têm avançado no sentido de controlar as redes sociais, sem que isso represente ameaça ao direito de as pessoas se manifestarem livremente. O que se quer é que as big techs tenham regras semelhantes às impostas aos meios de comunicação tradicionais, que podem ser punidos em caso de abusos. No mundo virtual, é o vale-tudo. Tanto que se transformou em terreno fértil para o crime organizado, o terrorismo e o tráfico de seres humanos.

O Brasil não pode ficar para trás nesse debate. As fake news 4.0, agravadas pela inteligência artificial, precisam ser combatidas com todo o rigor. No retorno do Congresso aos trabalhos, em fevereiro próximo, o projeto que trata sobre o tema terá de ser prioridade não apenas por causa das eleições municipais, mas, sobretudo, para salvar vidas. São cada vez mais frequentes relatos de pais que perderam os filhos para a desinformação. Crianças e adolescentes têm sido levados a tirar a própria vida, seja por não conseguirem lidar com notícias falsas a respeito deles, seja por indução do submundo que opera na deep web. A monstruosidade no mundo virtual das mentiras não tem limites.

O Legislativo, inclusive, deve agir para não levar o Judiciário a definir as regras para a internet. É visível que o Supremo Tribunal Federal (STF) está comprometido com o combate à desinformação, mas cabe a deputados e senadores chegarem a um consenso em torno das regras que prevalecerão em lei. Os líderes de todos os partidos devem ser chamados para o debate, como manda o regime democrático. Divergências são naturais. Por isso, há a opção do voto em plenário na Casa do povo. Já passou da hora de se tratar a Lei das Fake News com o respeito que ela merece, sem nenhum tipo de ideologia. A sociedade, que elegeu seus representantes no parlamento, não pode pecar pela omissão, sob o risco de ser a maior vítima da onda de mentiras.

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