Editoriais / Opiniões
É natural haver divergência entre pesquisas
eleitorais
O Globo
Disparidades decorrentes de técnicas de
amostragem distintas exigem maior transparência dos institutos
A campanha eleitoral foi tomada nos últimos
dias por intenso debate a respeito da discrepância no resultado de pesquisas de
opinião promovidas por diferentes institutos de reputação reconhecida no
mercado. Chamou a atenção, entre pesquisas com metodologias semelhantes, uma
diferença muito além daquilo que se convencionou chamar de “margem de erro”,
aquela que os institutos afirmam abarcar a realidade com uma confiança acima de
95%.
O exemplo mais eloquente está na divergência entre as pesquisas realizadas na última semana por Ipec, Datafolha e Quaest — três institutos que fazem entrevistas cara a cara, metodologia tradicionalmente considerada mais confiável pelos estatísticos. Na corrida presidencial, a distância entre os candidatos Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro foi de 15 pontos percentuais no Datafolha, 12 no Ipec e oito no Quaest. Na disputa pelo governo mineiro, a diferença entre o líder Romeu Zema e o desafiante Alexandre Kalil é de 28 no Datafolha, 18 no Quaest e 16 no Ipec. No Rio, o governador Cláudio Castro livra 15 pontos sobre Marcelo Freixo no Ipec, dez no Quaest e apenas quatro no Datafolha (na prática, um empate). São números desconcertantes para quem quer conhecer os fatos.
Os resultados despertaram incredulidade,
mas não deveria haver motivo para espanto nem celeuma. O maior problema não
está na divergência em si, mas na incompreensão do público a respeito do que as
pesquisas podem dizer — e na transparência deficiente dos institutos sobre suas
premissas. Pesquisas estão sujeitas a falhas em vários momentos de sua
confecção, em particular nas técnicas usadas para selecionar a amostra
representativa do eleitorado e nos cálculos usados para balancear os resultados
depois que as entrevistas são feitas, para que sejam mais fiéis ao sentimento
da população.
A discrepância entre as pesquisas
presidenciais pode ser facilmente explicada pelo percentual de eleitores de
baixa renda que os institutos entrevistaram em suas amostras: 57% no Ipec, 50%
no Datafolha e 38% no Quaest. Apenas este último trata os dados para que
correspondam às informações disponíveis sobre renda, embora os demais façam
outros ajustes. Pelas últimas sondagens do IBGE, os brasileiros de baixa renda
são estimados em 44% da população, mas, como o último Censo foi feito há 12
anos, ninguém sabe com precisão. Isso dá aos institutos certa latitude para
tratar suas amostras de acordo com o que consideram mais fidedigno diante do
cenário atual. É esse tipo de escolha que pode abrir espaço a diferenças nos
resultados que ultrapassem a “margem de erro”.
Seria fundamental, por isso, que os
institutos fossem mais transparentes sobre suas metodologias. Nem sempre é o
caso, já que apenas quem se debruça sobre os relatórios detalhados — publicados
em geral no dia seguinte — e tem conhecimentos básicos de estatística consegue
entender tais opções. O cidadão comum recebe as pesquisas como se fossem a
descrição da verdade. É um erro, já que elas apenas traduzem um momento da
corrida, dentro de um certo nível de confiança, que jamais pode ser absoluta.
Não parece haver como fugir a essa percepção equivocada, mas é possível
mitigá-la com maior transparência e deixando claro, sempre, que a estatística é
uma ciência capaz de nos permitir lidar de modo mais racional e informado com
riscos e incertezas — mas não de acabar com eles.
Agronegócio terá de enfrentar pressão
externa por preservação ambiental
O Globo
Parlamento Europeu aprovou proposta para
ampliar lista de sanções contra desmatamento
O Parlamento Europeu aprovou na última
semana uma proposta para ampliar a
lista de produtos que deverão ser proibidos de entrar no
mercado comum caso estejam ligados ao desmatamento ou à degradação florestal.
Da proposta original já constavam carne bovina, café, soja e madeira. Agora
entraram carne de frango, carne suína e milho, entre outros. O próximo passo é
uma negociação entre o Parlamento e os 27 países do bloco para chegar à versão
final de uma lei para coibir o desmatamento. Na certa os exportadores afetados
contestarão a medida em organismos como a Organização Mundial do Comércio. Mas
é inevitável que aumente a pressão contra o desmatamento.
A decisão do Parlamento Europeu despertou
revolta entre representantes do agronegócio brasileiro, que veem na medida uma
afronta à soberania nacional. Outros defendem nossa legislação sobre o tema, em
especial a lei de proteção da vegetação nativa, popularmente conhecida como
Código Florestal, aprovada em 2012.
No papel, o problema parece bem
encaminhado. Na prática, a história é outra. O Código criou dois instrumentos
fundamentais para conter o desmatamento: um cadastro ambiental rural e um
programa de regularização. A etapa de análise e validação dos cadastros
continua lenta. Há muitos dados suspeitos, é difícil encontrar os proprietários
e falta pessoal. Por isso não é surpresa que, na maioria dos estados, o
programa de regularização esteja longe de se tornar realidade. Já passaram dez
anos. Quantos mais serão necessários?
A redução drástica da devastação na Amazônia é
urgente. Um dos maiores patrimônios do país e do planeta está virando fumaça,
queimando por tabela a imagem externa do Brasil. As medidas de prevenção e
repressão ignoradas pelo governo Jair Bolsonaro deverão voltar a surtir efeito
se e quando retornarem. Mesmo assim, não bastarão para reduzir a pressão
externa sobre o agronegócio.
Quase toda a produção agrícola brasileira
não tem nenhuma relação com o desmatamento na Amazônia. A demanda por
informações a respeito da produção de grãos será crescente, mesmo quando os
focos de incêndio na floresta tropical forem debelados. Os produtores rurais
continuarão responsáveis por prestar contas. Parece claro que o acesso a
mercados internacionais estará condicionado à rastreabilidade dos produtos e à
garantia de que são ambientalmente responsáveis. Encarar tal desafio não é uma
ameaça ao Brasil, mas uma oportunidade.
É urgente conciliar a proteção ambiental e
o crescimento da produção agrícola e de carnes. O agronegócio é responsável por
quase metade das exportações do país, por 30% do PIB e por 20% dos
empregos. O Brasil dispõe de recursos humanos e plenas condições materiais de
expandir esse dínamo da economia e, ao mesmo tempo, proteger os recursos naturais.
Mas precisa agir logo. Se a pressão interna pela preservação não for
suficiente, logo o país será alvo de barreiras a seus produtos.
O tucano ensaia voo
Folha de S. Paulo
Avanço de Rodrigo no Datafolha torna mais
acirrada disputa pelo Bandeirantes
O dado mais significativo da nova pesquisa
Datafolha sobre a disputa pelo governo de São Paulo é a
ascensão do governador Rodrigo Garcia (PSDB), que passou de 15% a 19% das
preferências.
Embora esteja no limite da margem de erro,
de dois pontos percentuais para cima ou para baixo, a variação não deixa de ser
significativa. Na pesquisa anterior, Rodrigo mantinha-se em terceiro lugar,
atrás de Tarcísio de Freitas (Republicanos), com quem agora está tecnicamente
empatado.
O candidato apoiado por Jair Bolsonaro (PL)
tem 22% das intenções de voto, enquanto Fernando Haddad (PT) lidera com 36%.
É incerto se o crescimento de Rodrigo
prosseguirá e o levará ao segundo turno. Alguns fatores, contudo, merecem ser
ponderados.
Antes de tudo, trata-se do incumbente, com
acesso à estrutura e aos contatos propiciados pela máquina governamental, em
especial no interior. Seu rival mais próximo é um nome sem tradição política no
estado, que conta com o apoio do presidente para se projetar. Rodrigo, além
disso, vem se tornando mais conhecido, valendo-se da propaganda eleitoral.
Com o avanço, o tucano está restabelecendo
um já tradicional desenho político-ideológico de São Paulo, no qual o PSDB
disputa a primazia em confronto com o PT e com uma terceira força, situada mais
à direita e com traços populistas, que já foi representada em outros tempos
pelo malufismo.
É fato que o chamado tucanato paulista e
seu partido têm experimentado ultimamente um período de declínio, o que poderia
favorecer o encerramento de um ciclo de governos que já atinge 28 anos. Mas não
há, por ora, dados que permitam previsões mais consistentes sobre o desfecho da
disputa.
Não mais de 62% dos entrevistados pelo
Datafolha afirmam que já decidiram seu voto, enquanto outros 38% declaram que
ainda podem mudar de ideia.
As projeções para o segundo turno continuam
a apontar vitória de Haddad, mas a contenda é bem mais apertada quando o
oponente é Rodrigo (47% a 41%) do que no confronto com o candidato republicano
(54% a 36%).
Numa segunda rodada entre Haddad e Tarcísio
os votos do tucano se dividem em 45% para o petista e 41% para o bolsonarista.
Já na hipótese de Haddad contra Rodrigo, 64% dos eleitores de Tarcísio preferem
o governador, e apenas 14%, o postulante do PT.
Em grande parte das disputas estaduais,
parcela significativa do eleitorado, à diferença do que se observa no plano
federal, ainda irá definir suas escolhas nas próximas duas semanas. E o quadro
paulista é mais complexo por contar com três candidatos competitivos.
Longa Covid
Folha de S. Paulo
OMS vê pandemia perto do fim, mas danos à
saúde pública são amplos e duradouros
Dois anos e meio depois de ter declarado o
início da pandemia de Covid-19, a Organização Mundial da Saúde anuncia que a
maior crise sanitária dos últimos cem anos parece
finalmente chegar ao fim.
O diagnóstico alvissareiro veio do
diretor-geral da entidade, Tedros Adhanom, após o registro do menor número de
mortes semanais pela doença desde março de 2020.
De 5 a 11 de setembro foram confirmadas, em
todo o mundo, pouco mais de 11 mil vítimas. O Brasil, felizmente, vem
acompanhando a tendência. A média móvel de 69 óbitos representa redução de 45%
em relação ao dado de 14 dias atrás.
O quadro, segundo Adhanom, permite afirmar
que o mundo "nunca esteve em melhor posição para acabar com a
pandemia".
De acordo com a OMS, para alcançar tal
objetivo é imprescindível que os países sigam aumentando a sua taxa de
vacinação e mantenham uma ampla política de testes, bem como programas que
permitam rastrear novas variantes potencialmente agressivas.
Embora tenha falhado de forma vexatória na
maior parte desses requisitos, o Brasil ao menos ostenta boas taxas de
imunização. Atualmente, cerca de 85% da população elegível já completou o
esquema vacinal. Mas há que se avançar na administração da dose de reforço,
ainda abaixo dos 60%.
Se o número de mortes e casos constitui a
face mais visível da pandemia, hoje está claro que a extensão de seus impactos
na saúde pública é muito mais amplo.
No primeiro ano da crise, as taxas de
suicídio no Brasil, conquanto tenham se mantido estáveis no geral,
cresceram entre mulheres (7%) e idosos (9%) na comparação com a média dos
últimos dez anos, mostra estudo recém-publicado.
Os pesquisadores aventam como hipótese
explicativa o fato de que, com os filhos em casa, o primeiro grupo tornou-se
mais sobrecarregado, além de enfrentar um aumento das taxas de violência
doméstica, ao passo que o segundo sofreu os efeitos de um isolamento social
mais rígido.
Também preocupam as sequelas deixadas pela
doença —a chamada Covid longa. Amplo estudo conduzido no país mostrou que 65%
dos infectados desenvolveram ao menos uma condição crônica.
Tudo isso deve exercer ainda mais pressão
sobre um já sobrecarregado SUS —e exigir das autoridades ações para lidar com
consequências que irão perdurar para além da crise, por muito tempo.
O dever do Supremo de rever seus erros
O Estado de S. Paulo
A autoridade do Supremo é reforçada quando, em respeito à legalidade, eventuais equívocos são corrigidos. É chegada a hora de revisitar os inquéritos sobre os atos antidemocráticos
Nos conturbados tempos atuais, o Supremo
Tribunal Federal (STF) vem desempenhando um papel de grande relevância na
defesa da Constituição, da separação dos Poderes e do regime democrático. Em
momentos de especial aflição para a população – por exemplo, no início da
pandemia, quando o Palácio do Planalto tentou usurpar competências dos Estados
e municípios em relação à saúde pública –, a Corte assegurou o respeito ao
princípio federativo. Também teve função decisiva na proteção do próprio
Judiciário, ao garantir o andamento das investigações envolvendo ataques e
ameaças contra o livre funcionamento da Justiça, em especial do STF.
Seria utópico, no entanto, achar que essa
valiosa atuação do Supremo foi imaculada, sem nada a retificar. Não existe
perfeição no exercício do poder, seja qual for a esfera, mesmo em tempos
normais – e, menos ainda, em circunstâncias excepcionais. Os últimos anos foram
rigorosamente fora do normal, com o presidente da República atacando o sistema
eleitoral, promovendo manifestações golpistas contra o STF e o Congresso e
anunciando que não cumpriria ordens judiciais.
Tudo isso conduz à seguinte constatação: o
País precisa do Supremo. E precisa de um Supremo com autoridade, que atue
exemplarmente. Essa exemplaridade não decorre de uma perfeição virtuosa – que,
insistimos, não existe em nenhuma esfera –, mas de uma atuação que corrige, sem
medo, eventuais erros e desvios. O Judiciário tem diversas instâncias de
controle, também dentro de um tribunal, precisamente para que o erro seja
localizado e retificado. Ou seja, a própria estrutura da Justiça, com seus
mecanismos de controle, está montada para que não haja compromisso com o erro.
Desde o mês passado, o Supremo vem sendo
muito questionado pela atuação do ministro Alexandre de Moraes no caso dos oito
empresários bolsonaristas que, em conversas privadas, defenderam um golpe de
Estado em caso de vitória do petista Lula da Silva na eleição presidencial de
outubro. Na quarta-feira, o ministro rejeitou o pedido para transferir para a
primeira instância a investigação, alegando que seria “prematuro” declinar as
apurações à Justiça Federal em Brasília porque a Polícia Federal (PF) ainda está
analisando o material obtido a partir da apreensão dos celulares dos
empresários. Ontem, Alexandre de Moraes liberou as contas bancárias dos
investigados, cujo bloqueio havia sido determinado no momento da deflagração da
operação.
O caso está sob sigilo judicial – apenas
algumas decisões tiveram o acesso liberado –, o que impede de fazer juízos
definitivos, seja sobre a competência, seja em relação à legalidade das medidas
ordenadas pelo ministro Alexandre de Moraes. De toda forma, diante dos
elementos dos autos que já vieram a público, é pacífico dizer que as medidas –
algumas delas não foram sequer solicitadas pela PF – se mostram
desproporcionais, indo além do que determina a lei.
O reconhecimento de eventual exagero por
parte do STF não é nenhum escândalo. Por exemplo, a revogação do bloqueio das
contas dos oito empresários não trouxe nenhum demérito para a Corte. Ocorre o
contrário. A autoridade do Supremo é reforçada quando, em respeito à
legalidade, os equívocos são corrigidos. Não se preserva o necessário prestígio
do Supremo à custa de esconder seus erros ou insistir neles.
Assim como todos os outros juízes e
tribunais, o Supremo tem de respeitar o devido processo legal. Inquéritos têm
prazo e objeto definido. A regra é a publicidade dos atos investigativos e
judiciais. As normas de competência valem para todas as instâncias. As
respectivas atribuições funcionais da polícia, do Ministério Público e do
Judiciário têm de ser respeitadas.
É hora de o Supremo, em mais uma firme
demonstração de defesa da Constituição e do regime democrático, revisitar – com
serenidade, mas sem temor – os inquéritos relacionados aos ataques contra as
instituições democráticas, dando a cada um o devido encaminhamento. Além de
renovar a autoridade do STF, esse controle de legalidade será importante
sinalização para todo o sistema de Justiça – muitas vezes, conivente com abusos
mais sérios – e para a população. A lei é para todos.
A preocupante expansão das milícias
O Estado de S. Paulo
Em 16 anos, milicianos ampliaram seu território em mais de 130% no Rio. Crescimento acelerado, capilarização do crime e defasagem das instituições de repressão são grande desafio
Há quatro décadas grupos armados expandem
seu domínio territorial na região metropolitana do Rio de Janeiro. Segundo
o Mapa dos
Grupos Armados, do Grupo de Estudos Novos Ilegalismos da
Universidade Federal Fluminense e do Instituto Fogo Cruzado, nos últimos 16
anos o crime organizado ampliou seus territórios em 131%, saltando de 8,7% da
área urbana habitada para 20%. O fato novo é que as milícias estão se tornando
a principal ameaça à segurança no Rio.
Nesse período, enquanto as áreas sob
domínio do Comando Vermelho (CV) cresceram 59% e seu controle sobre a população
cresceu 42%, o domínio territorial das milícias aumentou 387% e o populacional,
185%. Sua participação sobre as áreas controladas pelo crime subiu de 24% para
50%, enquanto a do CV caiu de 59% para 40%. No domínio sobre a população, se a
participação do CV caiu de 54% para 46%, a das milícias subiu de 22% para 39%.
A pesquisa destaca dois marcos na expansão
das milícias. O primeiro no início dos anos 2000, quando havia ambiguidade
sobre o papel das milícias no debate público e nas arenas políticas. Esse
crescimento foi freado a partir de 2008, quando a CPI das Milícias desbaratou
parte da arquitetura do crime. Desde 2017, contudo, a expansão explodiu, em
parte pelas disputas entre o CV e o PCC pelas rotas internacionais da droga, em
parte pela crise socioeconômica de 2015, e em parte pela gestão de segurança
estadual, que, desde o governo de Wilson Witzel, se caracterizou pelo incentivo
ao uso desmedido de força letal e pela autonomização das polícias em relação a
diretrizes, metas e protocolos estabelecidos por políticas de Estado.
A expansão das milícias não só é
quantitativamente maior que a do narcotráfico, mas é qualitativamente mais
complexa. “O tráfico de drogas é a criminalidade desorganizada; ele atua na
interface com o Estado de maneira muito mais precária”, explicou um
pesquisador. “Já os milicianos têm uma relação de tolerância e participação
direta de agentes públicos. É um mercado de atuação muito mais diversificado e
articulado do que o do tráfico, que é, basicamente, um varejo de droga. Os
milicianos controlam a água, a internet, o transporte; ou seja, toda a
infraestrutura urbana da cidade é produzida com a mediação desses grupos.”
Trafegando na zona cinzenta entre a
legalidade e ilegalidade, as milícias contam com uma dupla vantagem, política e
econômica. O que as diferencia é precisamente a participação de agentes
públicos, como policiais da ativa e da reserva, juízes ou parlamentares. Assim,
elas não só são mais eficientes que o narcotráfico em criar um “Estado
paralelo” em seus territórios, como se infiltram no Estado, pervertendo-o a seu
favor. Isso facilita, por exemplo, a obstrução de investigações, assim como o
emprego das forças policiais para retaliar adversários do narcotráfico – os
dados mostram que as ações policiais são bem menores em áreas controladas pelas
milícias do que nas controladas pelas facções. Além disso, as milícias são
favorecidas por agentes públicos em seu mercado legal e ilegal, sobretudo
imobiliário.
A sua expansão impõe novos desafios.
Primeiro, uma atualização da legislação, já que o complexo de crimes das
milícias ultrapassa os delitos tipificados no Código Penal. Além disso, não há
uma dimensão oficial do fenômeno nem políticas integradas de prevenção e
enfrentamento. Operações policiais, além de frequentemente ineficazes e
catastróficas para a população, vêm sendo instrumentalizadas pelas milícias a
favor de sua expansão. Mais importante seria sufocar a fonte do vigor das
milícias, o clientelismo de atores estatais, com mais regulamentação,
transparência e prestação de contas sobre o que se passa nos mercados urbanos.
Em suma, a expansão das milícias é
triplamente alarmante: pela sua velocidade e diversificação; pela sua
capilarização na economia e na política; e pela defasagem das instituições
responsáveis por investigá-la e reprimi-la. A menos que esse mal seja extirpado
pela raiz, no futuro o Rio de Janeiro será lembrado como apenas o foco de uma
metástase nacional.
O inferno aqui e agora
O Estado de S. Paulo
Investigação da ONU evidencia genocídio cultural perpetrado pelo totalitarismo chinês contra as minorias uigures
Perseguições em massa a minorias étnicas e
religiosas, campos de concentração, trabalhos compulsórios, lavagem cerebral,
tortura, estupros, esterilização forçada. O leitor pode respirar aliviado, como
quem desperta de um pesadelo, pensando que esses horrores foram sepultados nos
tempos do Holodomor, em lugares como Auschwitz. Mas neste exato momento isso
está acontecendo, não num rincão atrasado e obscuro, mas em uma superpotência,
a China, na província de Xinjiang, onde a cultura de 11 milhões de uigures muçulmanos
está sendo erradicada.
Mesquitas e cemitérios foram demolidos.
Manifestações religiosas, como usar barba ou véu, criminalizadas. Os uigures
são vigiados por câmeras de reconhecimento facial e softwares em telefones, e
obrigados a dar mostras de DNA e escanear a íris para um banco de dados
biométricos. Pesquisadores estimam em 2 milhões os detidos em campos de
concentração, por violar políticas de “planejamento familiar” e praticar o
islamismo. Nos “Centros de Treinamento Vocacional”, chamados “escolas” ou
“hospitais”, os detentos são recuperados de sua “doença” ou “ideologia
extremista”, sendo forçados, por exemplo, a raspar a barba, comer porco ou
beber álcool como formas de renúncia ao islã.
O Partido Comunista chama isso de
“desradicalização” e “contraterrorismo”. A ironia horrenda é que é difícil
imaginar uma política mais bem talhada para gestar o extremismo.
Após três anos de investigação, um
relatório, há muito procrastinado pelo lobby chinês, foi publicado pela
comissária de Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet, nas horas finais de
seu mandato. Evidenciando “detenções arbitrárias em larga escala” ao menos
desde 2017, o texto pede que o governo chinês investigue “alegações de tortura,
violência sexual, maus-tratos, procedimentos médicos forçados, assim como
trabalhos compulsórios e relatos de morte sob custódia”. É uma maneira
eufemística de pedir que ele pare de perpetrar essas atrocidades. A ONU
assevera, na linguagem ultracautelosa caracteristicamente reservada à China,
que elas “podem” constituir “crimes internacionais” e “crimes contra a
humanidade”.
Mesmo sob camadas de retórica evasiva, as
evidências compiladas no relatório são um marco. “Ele pavimenta o caminho para
uma ação consequente e tangível dos Estados-membros, corpos da ONU e a
comunidade de negócios”, disse Dolkun Isa, presidente do Congresso Mundial
Uigur, um grupo ativista. “A responsabilização começa agora.”
O Ocidente não pode evitar um engajamento realista com a China. A satisfação de seus anseios materiais depende de negócios com a China; a paz mundial, da convivência com seu regime; e desafios como a crise climática ou a saúde global, da cooperação com ele. A China é importante demais para ser ignorada. Mas assim o são seus crimes e ameaças. As atrocidades em Xinjiang exigem repúdio e sanções inequívocas aos envolvidos. Se prevaricar, nossa geração, que acreditava ter deixado os horrores de Auschwitz e Holodomor no passado, pode estar pavimentando o caminho para um futuro igualmente tenebroso.
Um comentário:
Concordo plenamente, a China exerce com seu partido comunista em poder totalitário, atacando as minorias de forma covarde e radical O Lula recentemente elogiou o partido comunista chinês e disse que este serviria de modelo, porque é um partido forte , que uma vez determina um medida ninguém contradiz , o Lula mais uma vez mostrando seu lado ditador, como o é toda Esquerda Socialista
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