quinta-feira, 18 de março de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

A ‘linha vermelha’ – Opinião / O Estado de S. Paulo

Para muitos brasileiros, Jair Bolsonaro já cruzou a “linha vermelha” há muito tempo. Para os líderes do Centrão, contudo, ainda há uma margem de tolerância para seu desgoverno – mas essa margem se estreitou consideravelmente nos últimos dias.

“Não teremos paciência com ele”, disse o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), referindo-se ao futuro ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. “É acertar ou acertar”, continuou o deputado, aliado do presidente da Câmara, Arthur Lira, hoje um dos principais avalistas do governo Bolsonaro. E arrematou: “A situação não permite que o ministro da Saúde tenha tempo para aprender a ser ministro. As respostas terão que ser rápidas e efetivas”.

A “linha vermelha”, disse o deputado Ramos, é a vacinação contra a covid-19. Segundo o parlamentar, o Centrão não terá como continuar a apoiar o presidente se o programa de imunização não deslanchar. Para o deputado Ramos, o ministro Queiroga “começa com todo o apoio e com toda a torcida para que dê certo”, mas, “se ele errar, serão outros milhares de brasileiros mortos”.

Os líderes do Centrão ficaram agastados com a decisão de Bolsonaro de contrariá-los no processo de substituição de Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde. A troca no Ministério foi uma imposição do Centrão, diante da escalada da crise causada pela pandemia, agravada pela incompetência cavalar do intendente Pazuello.

Políticos experientes, ao anteverem desastres eleitorais, esses parlamentares e dirigentes partidários compreenderam que era preciso urgentemente dar um rumo racional e profissional ao Ministério da Saúde, o que seria impossível sob a gestão de Pazuello. Ofereceram alguns nomes a Bolsonaro, mas todos foram recusados pelo presidente. Bolsonaro preferiu o médico Marcelo Queiroga, cuja qualidade determinante para sua escolha foi o fato de ter sido indicado pelo filho mais velho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro. Queiroga é amigo do sogro de Flávio.

Ao descartar os indicados pelo Centrão, optando por um chegado da família, Bolsonaro “perdeu a chance de dividir (com o Congresso) a responsabilidade” pela gestão do Ministério da Saúde, disse o deputado Fausto Pinato (Progressistas-SP). “Se o ministro acertar, ótimo. E se errar? E se aceitar as interferências (de Bolsonaro) e o País entrar em colapso?”, questionou o parlamentar, outro integrante do Centrão.

As “interferências” a que o deputado Pinato se referiu são sobejamente conhecidas: Bolsonaro sabotou a aquisição de vacinas, obrigou o Ministério da Saúde a encampar tratamentos inócuos, fez campanha contra o uso de máscaras e estimulou aglomerações, contrariando as orientações do próprio Ministério. A esse respeito, o deputado Ramos foi enfático: “Bolsonaro nunca teve apoio do Centrão para promover aglomerações nem para negar o uso de máscara ou a gravidade da pandemia”.

Com isso, o Centrão começa a demarcar claramente o território que pode definir sua manutenção como sustentáculo político do governo – determinante até aqui para que não prosperassem nem os pedidos de CPI para apurar responsabilidades sobre o desastre sanitário e humanitário nem os inúmeros processos de impeachment já encaminhados ao Congresso.

O derretimento da popularidade de Bolsonaro explica em parte a aflição do Centrão. Pesquisa do Datafolha divulgada na terça-feira mostra que 54% dos entrevistados consideram ruim ou péssimo o modo como o presidente está lidando com a pandemia; em janeiro, eram 48%.

Na mesma pesquisa, 43% disseram considerar Bolsonaro o principal responsável pela situação atual, enquanto apenas 17% atribuem essa responsabilidade aos governadores. Ou seja, a campanha sistemática de Bolsonaro para culpar os governadores pela crise parece ter fracassado.

Por fim, mas não menos importante, subiu de 50% para 56% o porcentual de brasileiros que entendem que Bolsonaro não tem condições de liderar o País. Depois de dois anos de desastre, é incrível que ainda haja 42% que o vejam como um líder capaz. Mas esse contingente diminui a olhos vistos – e o Centrão, que não joga em time que perde, já percebeu isso. 

Marcha lenta no início do ano – Opinião / O Estado de S. Paulo

Economia manteve em janeiro o ritmo médio de outubro-dezembro, segundo a FGV

O ministro da Economia, Paulo Guedes, comemorou a criação de 260 mil empregos formais em janeiro como um sinal de forte retomada dos negócios, mas os números da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostram uma atividade em ritmo ainda lento. Segundo o Monitor do PIB-FGV, o ano começou com o Produto Interno Bruto (PIB) crescendo 0,5%. Esse ritmo é quase igual, e até um pouco inferior, à média dos três meses finais de 2020: 0,2% em outubro, 0,8% em novembro e 1% em dezembro. O ministro mencionou também, no seu comentário otimista, o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), com aumento de 1,04% sobre o nível de dezembro. Foi o dobro, observou Guedes, do crescimento estimado pelos economistas do mercado. Mas o entusiasmo, também nesse caso, pode ter sido excessivo. 

Monitor, divulgado um dia depois da fala do ministro, é mais detalhado que o índice do BC e coincide com a estimativa de 0,5%. Pelos cálculos da FGV, o PIB de janeiro foi 0,8% menor que o de um ano antes. Além disso, uma queda de 4,1% foi apontada pelos números acumulados em 12 meses. Um recuo de 4,04% havia sido apontado pelo IBC-Br, mas essa é a diferença menos significativa.

Os detalhes do Monitor compõem um cenário mais vivo da evolução dos negócios. Nesse quadro, dois dos três grandes setores cresceram em janeiro sobre a base de dezembro. A agropecuária avançou 0,6% no mês e 1,9% em 12 meses, mantendo-se como o componente mais vigoroso da economia brasileira. Os serviços cresceram 0,9% em janeiro, mas o resultado de 12 meses ainda foi um recuo de 4,5%, explicável. Serviços pessoais foram muito atingidos pelo isolamento, mesmo parcial, das famílias.

Único setor com desempenho negativo no começo do ano, a indústria recuou 0,6%, com perdas nas áreas de transformação (-0,6%) e de construção (-0,7%). A indústria extrativa, com avanço de 1,7%, limitou o recuo geral do setor. Mas os problemas desse conjunto, especialmente da indústria de transformação, começaram a acumular-se antes da recessão de 2015-2016. Uma ampla recuperação do setor envolverá muito mais que a retomada dos níveis de produção anteriores à pandemia.

Embora mostre uma atividade econômica em ritmo ainda moderado no início do ano, o Monitor proporciona poucos elementos para uma avaliação de tendências. Os dados até agora conhecidos apontam um primeiro trimestre com resultados ainda fracos. Os números da indústria automobilística mostram um quadro nada entusiasmante.

As montadoras fabricaram em fevereiro 1,3% menos que em janeiro e 3,5% menos que um ano antes. A produção no bimestre foi 0,2% maior que a de janeiro-fevereiro de 2020, mas a recuperação mal começou. Em 2020 foram produzidos 2,01 milhões de unidades, 931 mil a menos que no ano anterior. O ganho de 805 unidades observado na comparação entre os primeiros bimestres é pouco significativo.

O aperto financeiro das famílias também parece indicar um primeiro trimestre medíocre ou abaixo disso. Sem o auxílio emergencial, suspenso desde janeiro, essas famílias foram forçadas a limitar o consumo. Além disso, seu poder de compra tem sido afetado pela inflação. O auxílio será parcialmente restabelecido, mas os pagamentos só devem começar em abril.

Os últimos dados gerais do emprego, elaborados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cobrem o trimestre final de 2020. Os desocupados nesse período eram 13,9 milhões de pessoas (13,9% da força de trabalho). O quadro geral pouco deve ter mudado, mesmo com os dados positivos do trabalho formal em janeiro.

O alto desemprego certamente continua restringindo o consumo, e as condições do mercado de trabalho pouco deverão mudar sem uma intensificação do crescimento econômico. O reinício do auxílio emergencial é uma das medidas possíveis para isso. Especialmente importante, no conjunto dessas medidas, é o enfrentamento mais firme da pandemia, com vacinação mais ampla e mais veloz e um comprometimento mais claro do governo federal. Pelo menos o ministro da Economia parece ter percebido esse fato.

O avanço da USP – Opinião / O Estado de S. Paulo

A USP melhorou sua posição no ranking das universidades das economias emergentes

Maior e mais importante instituição de ensino superior do País, a Universidade de São Paulo (USP) continua se saindo bem nos rankings comparativos internacionais. O último levantamento revela que a instituição ficou na 13.ª posição entre as universidades das economias emergentes. Em relação à edição de 2020, ela subiu um ponto no ranking. 

A pesquisa foi feita pela conceituada consultoria britânica Times Higher Education, que avaliou as 606 melhores instituições de 48 países. Como nas últimas edições desse levantamento, as melhores colocações foram mais uma vez ocupadas por universidades chinesas. Das dez primeiras do ranking, sete pertencem à China, lideradas pelas Universidades de Tsinghua (1.ª colocada), Beijing (2.ª) e Zhejiang (3.ª). As três instituições restantes foram a Universidade de Moscou, na Rússia, a Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul, e a Universidade Nacional de Taiwan. Do total de universidades avaliadas, 52 são brasileiras. 

Além da USP, as mais bem colocadas foram a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que ficou em 48.º lugar, e a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), na 84.º posição. Os números também mostraram que a USP continua sendo considerada a melhor instituição de ensino superior de toda a América Latina. O levantamento da Times Higher Education avaliou universidades do México, do Chile, da Colômbia e do Peru e as que mais se destacaram foram a Pontifícia Universidade Católica do Chile, na 53.ª posição, seguida por duas outras instituições chilenas, a Universidade do Desenvolvimento e a Universidade Diego Portales, que ficaram empatadas na 90.ª posição, e pela Pontifícia Universidade Javeriana, da Colômbia, na 94.ª. Além dessa pesquisa, outra consultoria – a Quacquarelli Symonds – divulgou recentemente um estudo por área do conhecimento, mostrando que alguns cursos da USP – como Odontologia, Engenharia de Petróleo, Minas e de Estruturas, Direito, Geografia e Agricultura – estão entre os 50 melhores de todo o mundo. 

O ranking das universidades das economias emergentes é elaborado com base em 13 indicadores de desempenho utilizados pela consultoria britânica em suas avaliações mundiais, mas adaptados para refletir características e prioridades dos países em desenvolvimento. Esses indicadores envolvem cinco categorias – ambiente de ensino, inovação, internacionalização, investimento em pesquisa e a influência que os trabalhos acadêmicos exercem na comunidade acadêmica internacional, por meio de citações. 

Com base nesses indicadores, o ranking evidenciou o sucesso da política adotada pela China nas últimas décadas, com o objetivo de passar de mera fabricante de produtos baratos e com baixa tecnologia para disputar com os Estados Unidos e a Europa o mercado mundial de produtos e serviços complexos e com alta tecnologia. Um dos fatores desse sucesso foram os investimentos em capital humano, por meio de um processo de expansão de um ensino superior de alta qualidade. No fim da década de 1970, a China tinha 990 mil alunos matriculados em cursos de graduação – na primeira metade da década de 2010, eram mais de 30 milhões. No mesmo período, o país pulou de 165 mil alunos de pós-graduação para mais de 13 milhões, em 2014. Entre 1978 e 2019, a participação chinesa nas exportações mundiais passou de 1,1% para 13,5%. Quanto mais investiu no ensino superior, mais a China cresceu em inovação científica e pedidos de registro de patentes. 

A colocação nos rankings comparativos de qualidade representa um círculo virtuoso para as boas universidades. Quanto mais se destacam, mais as fontes de financiamento passam a acolher seus projetos de pesquisa, o que aumenta sua reputação acadêmica internacional e atrai pesquisadores de ponta, permitindo-lhes assim captar ainda mais recursos para sua expansão. É isso que vem ocorrendo com as universidades chinesas e com a USP. 

O poço de Bolsonaro – Opinião / Folha de S. Paulo

No pior momento da pandemia, avaliação do presidente volta a testar seu piso

A avaliação de Jair Bolsonaro desceu aos mesmos níveis de maio e junho de 2020, os piores de seu governo quase sempre mal avaliado. Nas 11 pesquisas do Datafolha desde o início de seu mandato, apenas em dezembro o presidente obteve aprovação superior à reprovação, considerada a margem de erro.

Ele faz uma administração ruim ou péssima para 44% dos entrevistados na mais nova sondagem. Bolsonaro, no entanto, resiste. Para 30% do eleitorado, a gestão é ótima ou boa. Seu apoio nunca caiu abaixo desse nível, ainda considerável —em especial num momento de ápice da pandemia, inflação em alta e turbulência econômica.

Como em meados do ano passado, a queda da popularidade coincide com um pico de mortes provocadas pela Covid-19. Hoje, 54% dos brasileiros aptos a votar consideram ruim ou péssimo o desempenho do mandatário no combate à doença, ante 50% em maio de 2020.

Uma diferença maior em relação a meados do ano passado se dá na situação econômica. A despeito da incerteza causada pelo avanço descontrolado da epidemia e pela escassez de vacinas, o nível da atividade e mesmo do emprego melhorou —embora esteja longe de patamares satisfatórios e seguros.

O volume da vociferação e das atividades antidemocráticas públicas do presidente também baixou. A sempre elevada percepção quanto a sua incompetência, porém, voltou a subir neste ano.

Bolsonaro “não tem capacidade de liderar o Brasil” para 56% do eleitorado. É “o principal culpado pela situação atual da pandemia hoje no Brasil” para 43% (ante 17% dos governadores e 9% dos prefeitos). Mais: 45% do público “nunca confia” no que ele diz. Ainda assim, não há maioria a favor de seu impeachment ou renúncia.

Trata-se do bastante para que o presidente mantenha sua sustentação parlamentar. No entanto a adesão do centrão ao governante de turno é, por natureza, volátil.

Mulheres, cidadãos com renda familiar mais alta, com ensino superior, pessoas que se declaram pretas, moradores do Nordeste e desempregados têm em geral as opiniões mais negativas. Empresários, notadamente a mais positiva.

Apesar de a Covid-19 elevar sobremaneira o risco de uma recaída recessiva, ainda não há certeza sobre o seu efeito nos negócios e nos empregos após abril. Mesmo com inépcia grosseira, além dos atos de sabotagem oficial, é possível que o país atinja um número relevante de pessoas vacinadas em maio.

Consideradas essas dimensões do humor nacional, é possível que haja certo alívio em meados do ano. Auxílio emergencial, alguma retomada econômica e vacinas podem, em teoria, devolver a Bolsonaro alguns pontos de popularidade.

Parte do país terá agido para evitar o pior, mesmo acossada pelo ocupante do Planalto —do qual sempre se podem esperar novas iniciativas contra os brasileiros e sua própria administração.

Uma década em guerra – Opinião / Folha de S. Paulo

Urge que potências redobrem pressão para sustar tragédia humanitária na Síria

Ao longo de dez anos, o conflito na Síria produziu uma das maiores catástrofes humanitárias já vistas desde a Segunda Guerra Mundial.

Conforme estimativas conservadoras, os combates deixaram quase 400 mil mortos, embora outras fontes apontem até 600 mil. Para além dos óbitos, cerca de 2 milhões de civis sofreram ferimentos graves ou deficiências permanentes.

O uso maciço de armas explosivas e os bombardeios em áreas urbanas reduziram algumas das principais cidades do país a pouco mais que escombros, além de destruir boa parte da infraestrutura nacional. Mais da metade dos 22 milhões que viviam na Síria antes da guerra tiveram de deixar suas casas, gerando um dos maiores êxodos populacionais da história recente.

Hoje, 6,6 milhões de refugiados sírios estão espalhados por 130 países, segundo a ONU, embora cerca de 90% deles tenham se estabelecido em condições precárias em nações vizinhas —Líbano, Jordânia e Turquia. Existem, ademais, 6,7 milhões de deslocados internos, a maioria em campos improvisados.

O que começou em 2011 como uma revolta popular contra o governo tirânico de Bashar al-Assad, surgida no contexto da Primavera Árabe, aos poucos degringolou para uma guerra ainda em curso envolvendo potências regionais e globais, uma facção terrorista e o uso de armas químicas contra civis.

Desafiando as previsões de que não resistiria por muito tempo, Assad logrou manter-se no poder e, escudado por Rússia e Irã, vem-se impondo militarmente. Sua sobrevivência, contudo, esconde o fracasso representado pela perda de mais de um terço do território e a ruína econômica. Estima-se que nada menos que 90% da população viva abaixo da linha da pobreza.

Não obstante o estado terminal em que se encontra o país, o regime sírio se recusa a aceitar a solução política oferecida pela ONU, que prevê a redação de uma nova Constituição por um comitê formado por membros do governo, da oposição e da sociedade civil, seguida de eleições livres e limpas.

Urge, portanto, que as potências mundiais se engajem no processo de paz e intensifiquem a pressão sobre Assad —só assim será possível cessar a carnificina e dar início à hercúlea tarefa de reconstrução.

BC acerta ao elevar a taxa básica de juros – Opinião / O Globo

A alta na taxa básica de juros, a primeira em quase seis anos, era inevitável. Não havia alternativa para o Conselho de Política Monetária (Copom), do Banco Central, diante da aceleração dos preços. O próprio BC já sinalizara o fim do período de quase sete meses, iniciado em agosto do ano passado, com a Selic em seu nível histórico mais baixo, 2%. Pode-se discutir se foi correta a dose adotada: 0,75 ponto percentual de alta, para 2,75%. De todo modo, o ciclo de queda nos juros iniciado em julho de 2016 tinha data marcada para acabar. Foi ontem.

Na ata da reunião anterior, em janeiro, o BC já admitia que a elevação no preço das commodities no exterior aumentava as expectativas de inflação mais alta, impulsionadas também pelo efeito do enfraquecimento do real no mercado interno. Tais expectativas estão disseminadas e devem mesmo ser contidas. Há várias semanas as projeções do mercado têm subido, e o BC precisava ativar a política monetária. A última estimativa colhida pelo BC no mercado foi de 4,60%, bem acima da meta anual de 3,75%.

Em fevereiro, o IPCA anualizado chegou a 5,20%, quase no limite superior da meta (5,25%), e nada indica que mudará de tendência no curto prazo. O índice mensal foi de 0,86%, o mais alto para fevereiro desde 2016. Alimentos e combustíveis puxaram a inflação. Apenas a gasolina foi responsável por 42% da alta.

Alimentos e bebidas subiram 0,27% no mês passado. Nos 12 meses desde março de 2020, quando a OMS confirmou a pandemia de Covid-19, ficaram 15% mais caros. Produtos que também são exportados refletem nos preços internos o impacto da alta no exterior e da desvalorização do real. O óleo de soja aumentou 88%; cereais, leguminosas e oleaginosas, 58%, e as carnes ficaram 30% mais caras. Por trás desses números, está também a pressão das importações da China, que não demorou a controlar a pandemia e voltou a consumir com avidez.

O BC precisava fazer o que fez. Os juros de longo prazo no mercado financeiro haviam descolado bastante da Selic. A taxa de dez anos está na faixa dos 8%, uma defasagem que torna mais difícil rolar a dívida interna. A baixa atividade econômica e o desemprego elevado não justificam qualquer imobilismo do BC.

A mistura de inflação com recessão, como aconteceu em 2015 e 2016, ainda com Dilma Rousseff no Planalto, não traz boas lembranças. A primeira decisão do BC no governo Michel Temer, sob Ilan Goldfajn, foi manter a Selic nas alturas, em 14,25%. Coube a Goldfajn fazer uma aterrissagem suave, enquanto a política fiscal era ajustada pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.

Os tempos agora são outros. O BC acaba de ganhar autonomia por lei, condição importante para enfrentar o choque inflacionário. Crescem as expectativas de alta nos preços mundo afora, diante dos vários programas de ajuda de cunho social e econômico, com a consequente ampliação de déficits públicos. Mesmo que o Fed americano tenha sinalizado que não subirá os juros por lá até 2024, o caso brasileiro é diferente. Aqui há a desvalorização cambial, impulsionada por um governo que não tem a confiança dos investidores e torna o país um pária pelo fracasso trágico e retumbante na proteção da população contra o coronavírus.

Apesar da queda na popularidade, apoio a Bolsonaro resiste à pandemia – Opinião / O Globo

A reprovação a Bolsonaro atingiu seu ápice desde o início da pandemia, segundo o Datafolha, com 44% dos entrevistados considerando seu governo “ruim” ou “péssimo”. Mais que as mortes em série, que parecem indiferentes ao brasileiro, o que tem incomodado a população são a falta de vacinas e o colapso no atendimento hospitalar, que alimentam o morticínio num círculo vicioso.

No agravamento da pandemia, o presidente fez a quarta mudança no Ministério da Saúde, substituição do desgastado Eduardo Pazuello, general que havia deixado clara sua sabujice a Bolsonaro, pelo médico cardiologista Marcelo Queiroga. O motivo político para a mudança no ministério fica evidente no próprio Datafolha: 54% afirmaram rejeitar a forma como o governo enfrenta a pandemia, maior número desde que se fala em coronavírus.

Mas Bolsonaro, em que pesem as mais de 285 mil mortes, o colapso no sistema de saúde por todo o país, o atraso na compra e distribuição de vacina, o desrespeito pelos protocolos sanitários, pela ciência e seu desprezo pelo sentimento dos familiares das vítimas, patente em frases e atitudes, em que pese tudo isso, Bolsonaro demonstra manter a confiança da base que construiu no eleitorado nos últimos anos.

Enquanto perde popularidade entre os mais escolarizados, mulheres, negros, população com renda até dois salários mínimos e no Nordeste, mantém bolsões fiéis entre homens, evangélicos, habitantes da Região Sul e entre os que ganham entre 2 e 5 salários mínimos. Integram esses grupos, policiais, militares de baixa patente e uma classe média de perfil conservador.

É o que lhe garante permanecer no mesmo patamar de avaliação positiva, em torno de 30%, abaixo do qual jamais chegou a cair para valer. Se mantiver o apoio nesse nível até 2022, será o suficiente para garantir sua presença no segundo turno. Basta lembrar, diz o cientista político Alberto Almeida, que Dilma Rousseff foi até reeleita depois que sua aprovação caíra a 36%.

Mesmo que os próximos meses tragam a Bolsonaro a pior onda de notícias ruins de seu governo, o inferno astral uma hora acaba. O avanço da vacinação e provável recuperação econômica tornam difícil que ele perca mais popularidade do que já perdeu. Um alerta a Bolsonaro é que o grupo dos que “nunca confiam nas declarações do presidente” cresceu de 41% para 45% de janeiro para cá. Bolsonaro espera que o novo auxílio emergencial o ajude de novo. Desta vez, no entanto, o valor será menor, e os alimentos estão mais caros. Pode haver frustração.

Porém o bolsonarismo habita uma bolha própria de desinformação, uma espécie de realidade paralela. É verdade que a tragédia da pandemia deixará cicatrizes na popularidade do presidente, mas a única variável a esta altura capaz de destruir sua viabilidade eleitoral seria uma catástrofe econômica comparável à sanitária, que aumentasse desemprego e miséria nos bolsões que hoje lhe dão sustentáculo. Como o mais provável é alguma recuperação, não devemos tomar os últimos indicadores como tendência definitiva.

Fed reafirma política e prevê juro perto do zero até 2023 – Opinião / Valor Econômico

Quando chegar a hora de começar a subir os juros o banco dará os avisos necessários com bastante antecedência

O Federal Reserve americano não mudará um milímetro de sua política monetária, ainda que a economia dos Estados Unidos esteja a caminho de exibir sua melhor performance em décadas e crie o receio de volta da inflação. Ontem, ao fim da reunião de seu Comitê de Mercado Aberto, os membros do Fed, ao mesmo tempo em que elevaram significativamente suas projeções de crescimento de 4,2% para 6,5%, mantiveram a grosso modo suas previsões para os juros, que continuam sem variação até o fim de 2023, entre 0,1% e 0,25%.

O temor dos investidores de que o pacote de estímulos de US$ 1,9 trilhão trará a inflação antes que o esperado, expresso na alta dos títulos de longo prazo, foi recebido com impassibilidade por Jerome Powell, presidente do banco. Ele disse que a instância altamente estimulativa da política monetária continua sendo a mais apropriada e que ela só mudará quando as duas conhecidas condições econômicas forem atendidas: o país se mover para bem perto do pleno emprego e a inflação der sinais claros de que chegou a 2%, com tolerância para que ela avance além disso por algum tempo.

Houve mudanças na percepção dos integrantes do comitê. Quatro dos 18 membros que apresentam projeções veem a taxa de juros se movendo já no ano que vem - em dezembro, era apenas um - e sete deles em 2023. Ainda assim, o ritmo do ciclo de alta seria bastante moderado. Em 2022, para quem acha que a taxa deveria subir, ela poderia ficar no máximo em 0,75%. Para 2023, em 1,25%.

Isso, no entanto, não indica que o Fed vá agir de acordo com essas expectativas. “Queremos ver progressos reais da inflação, e não só progressos das projeções, que precisam se materializar”, disse Powell. Ainda que a economia esteja respondendo bem aos estímulos e à campanha acelerada de vacinação em massa, as incertezas sobre o futuro ainda são “enormes”, segundo Powell. Ele repetiu o mantra de que o Fed não será complacente e que manterá os estímulos até quando a recuperação estiver completa.

As projeções também deixaram dúvidas sobre a orientação da política do banco. O índice de gastos pessoais de consumo pode fechar o ano em 2,4% (não mais em 1,8%), com seu núcleo avançando 2,2% em 2021. Em 2022 e 2023, ambas as medidas evoluirão 2% e 2,1%, respectivamente. Além disso, foi feito um reajuste forte na projeção da taxa de desemprego, que cairá a 4,5% (ante 5% na previsão anterior) e em 2023, poderá chegar a 3,5%, algo que pode ser considerado pleno emprego. Ainda assim, pelas projeções, não haveria, como não houve no passado recente, alta relevante na inflação.

Powell ressaltou que 2,4% de inflação cheia em 2021 não preencheria as novas condições do Fed, porque seria transitória. A recuperação em meio à pandemia é desigual e deixou para trás o setor de serviços, que depende de interação social. A demanda se deslocou para outros setores, criando gargalos na produção que tenderão a elevar provisoriamente alguns preços. Esse movimento não será duradouro, especialmente se condições mais perto da normalidade, com a vacinação em massa, se cristalizarem até o fim do ano.

A relativa impotência da política monetária antes da pandemia, quando estímulos trilionários fracassaram em fazer a inflação subir até a meta, permeia a cautela do Fed. Powell disse que a inflação ameaçou subir várias vezes e não o fez. Agora, o Fed quer ver para crer, antes de agir. O novo sistema de metas de inflação média responde a essa desconfiança, com uma mudança relevante. “Não vamos agir preventivamente”, resumiu Powell.

Quanto à situação do emprego, o Fed vê um longo caminho para a melhora. Há 9,5 milhões de trabalhadores desempregados a mais do que antes da pandemia. A participação na força de trabalho também é hoje menor do que antes do ataque do vírus. E, mesmo com pleno emprego, não há garantias de que a inflação surgirá, como não surgiu em 2019. O pleno emprego produziu alguma pressão nos salários, que não foi para os preços, possivelmente porque as empresas a absorveram, reduzindo margens. A mesma coisa poderá ocorrer agora.

Sobre a recente alta dos juros dos títulos do Tesouro, Powell repetiu que o Fed só agirá se ela ocorrer “desordenadamente”. Ele prometeu que quando chegar a hora de começar a subir os juros o banco dará os avisos necessários com bastante antecedência - e que não há sinal disso por enquanto. Os juros dos títulos do Tesouro recuaram e as bolsas renovaram recordes.

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