Valor Econômico
Há um sério risco de que a qualidade da
política econômica deteriore em função das prioridades eleitorais
A vitória democrata nas eleições para o
Senado americano, no início de janeiro, e o início da vacinação contra a Covid
se somaram para criar um clima de otimismo no início de 2021. Este, por sua
vez, deu origem a apostas na forte recuperação da atividade econômica, que de
fato ocorreu, com altas significativas do PIB global no primeiro semestre.
Junto veio uma forte pressão inflacionária, com altas significativas de preços
de commodities e bens industriais, onde os gargalos de oferta e os baixos
estoques contrastaram com a pujança da demanda.
A expectativa, que se mostrou correta, era
de que os bancos centrais nos países ricos, em especial nos EUA e na Área do
Euro, não reagiriam a essas pressões, mantendo a política monetária
expansionista de 2020 praticamente inalterada. Isso abria espaço para uma forte
recuperação das economias emergentes, ainda que defasada em relação aos países
ricos, pelo avanço mais lento da vacinação.
Esse cenário tornava os ativos desses países atraentes para os investidores, especialmente naqueles que, como o Brasil, são grandes produtores de commodities. De fato, no segundo trimestre o risco país dos emergentes caiu, enquanto suas moedas e ações se valorizaram.
No Brasil, em especial, o segundo trimestre
foi bastante favorável, beneficiado não só pelo maior apetite dos investidores
pelo risco, mas também pela gradual normalização da política monetária e
resultados fiscais surpreendentemente bons, puxados, entre outros, por uma
forte alta das receitas públicas e por juros reais negativos na dívida pública.
Assim, nesse período o real se valorizou (12%), o Ibovespa subiu (8%) e o risco
país caiu (44 pontos base).
A expectativa era mais do mesmo no segundo
semestre. Afinal de contas, a vacinação acelerou e se esperava que a vida
gradativamente voltasse (quase) ao normal, puxando a demanda por serviços e,
com estes, o emprego. Isso abriria espaço para uma nova rodada de expansão
cíclica, puxada pelo consumo e o investimento domésticos. A tendência, assim,
seria uma renovada valorização dos ativos brasileiros.
Confesso que ainda não abandonei de todo
esse cenário, mas reconheço que o mesmo não parece ocorrer com o consenso de
mercado. Pelo contrário, este parece tomado por uma forte onda de mau humor. O
que aconteceu?
O humor começou a virar primeiro lá fora,
por conta do surgimento da variante Delta, bem mais contagiante, que agora se
espalha pelo resto do mundo. Na Ásia, em especial na China, ela tem levado a
nova onda de restrições à mobilidade e a uma reprise, em menor escala, do que
ocorreu no início de 2020. O cenário também piorou em outros países. É o que
revela, por exemplo, o índice de confiança do consumidor americano
(Universidade de Michigan), que caiu em julho (-5%) e despencou (-13,5%) em
agosto, para um nível inferior ao pior momento de 2020.
Também começou a entrar no radar a
perspectiva de que o Fed, o BC americano, comece a reduzir suas compras de
títulos, ora de US$ 120 bilhões ao mês, na virada do ano. Um anúncio nessa
direção pode ocorrer já em setembro. Na última vez que isso ocorreu, em 2013,
os ativos de emergentes sofreram bastante.
Tudo isso aumentou a aversão ao risco,
fazendo o dólar se valorizar e o rendimento dos títulos públicos americanos
cair com força, na contramão do que se apostava no início do ano. Com isso os
emergentes ficaram menos atraentes, fazendo com que nas últimas seis semanas as
moedas e as ações se desvalorizassem e o risco país voltasse a subir.
Essa onda, naturalmente, afetou o Brasil.
Nós também tivemos, porém, a nossa parcela de culpa. A redução do espaço para
maiores gastos públicos em 2022, por conta da inflação mais alta neste segundo
semestre e do salto na despesa com precatórios, levou a propostas “criativas”
que enfraquecem o Teto de Gastos. A intempestiva proposta de reforma do imposto
de renda, que, a meu ver, se tenta aprovar de forma algo açodada, também
aumenta a incerteza e desestimula o investimento. Junto com movimentos difíceis
de explicar na área política, se antecipou o debate eleitoral e a escalada no
risco político.
Dado esse quadro, o que esperar para o
resto do ano? Eu sigo apostando que o avanço da vacinação vai prevalecer. É o
que se depreende da experiência do Reino Unido. No Brasil essa tende a ser
particularmente benéfica, em função das altas taxas de vacinação que devemos
atingir no quarto trimestre, bem mais elevadas do que, por exemplo, nos EUA.
Também vejo os países emergentes - o Brasil, em especial - mais preparados que
em 2013 para o início do “tapering”, ainda que reconhecendo que esse vai gerar
alguma volatilidade.
Por outro lado, corremos um sério risco de
que a qualidade da política econômica deteriore em função das prioridades
eleitorais. Isso elevaria ainda mais a incerteza, em um ambiente em que tanto a
política fiscal como a monetária se tornarão mais contracionistas. O resultado
seria uma recuperação da atividade mais modesta do que a normalização pela
vacinação tenderia a produzir. Um tiro no pé? Sim, mas nem por isso improvável.
*Armando Castelar Pinheiro é professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador-associado do FGV Ibre
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