Defesa da Constituição além da retórica
O Estado de S. Paulo.
Todos dizem defendê-la, mesmo quando as ações contrariam o texto constitucional. Qual é, então, a Constituição defendida? Deve haver uma só Constituição para todos
A Constituição de 1988 é hoje um dos poucos
consensos nacionais. Todos os grupos políticos utilizam-na em seus discursos e
argumentações. Ninguém defende abertamente a revogação das liberdades e
garantias constitucionais. Ninguém critica explicitamente a existência de um
Estado Democrático de Direito. Ninguém postula deliberadamente o fim dos
direitos políticos.
Trata-se de fenômeno realmente
surpreendente. A Constituição de 1988 tornou-se uma espécie de ativo retórico
para todas as cores ideológicas, mesmo nos discursos autoritários e
manifestamente contrários à própria Constituição. Manifestantes que rejeitam o
resultado das eleições alegam que, em última análise, estariam defendendo a
Constituição e as liberdades individuais. Aqueles que pedem o fechamento do
Supremo Tribunal Federal (STF) justificam a drástica medida dizendo que a Corte
estaria descumprindo reiteradamente a Constituição. Grupos que pleiteiam a
intervenção das Forças Armadas no exercício do poder civil afirmam encontrar
essa possibilidade no texto constitucional.
Essa união em torno da Constituição é um aspecto positivo da sociedade brasileira atual. Por menor que seja, é um terreno comum sobre o qual se pode dialogar e construir soluções para a coletividade. De toda forma, é evidente que não basta a defesa retórica da Constituição, sem um mínimo de concordância a respeito do seu conteúdo. Afinal, qual é a Constituição que está sendo defendida? De que adianta dizer que se respeita a Constituição para depois rejeitar, por exemplo, o direito constitucional de a maioria escolher o presidente da República?
A Constituição não é uma ideia vaga. É um
texto específico, que só pode ser alterado pelo Congresso por meio de um
procedimento específico e com quórum qualificado. Não há discussão sobre a
redação do texto constitucional. Ele é o conteúdo aprovado pela Assembleia
Constituinte, com as alterações feitas pelo Legislativo. Por mais mudanças que
tenham sido feitas – 125 Emendas Constitucionais (ECs) foram aprovadas, além de
6 Emendas Constitucionais de Revisão –, não há nenhuma dúvida sobre o texto
vigente. Todos podem ler e consultar a Constituição vigente no País.
O problema, dirão todos com razão, é o modo
como cada um entende o texto constitucional. Não há como escapar disso. A
Constituição, assim como as outras leis de menor hierarquia, é um texto – uma
sucessão de palavras – e todo texto exige necessariamente interpretação. No
caso da Constituição de 1988, há termos não unívocos, expressões abertas,
conceitos com múltiplas camadas, passagens que podem colidir com outras. Tudo
isso reforça a possibilidade de diversas leituras, de diferentes
interpretações, de variadas aplicações, mesmo que se respeite integralmente a
literalidade do texto.
Há muitas possibilidades de interpretação,
mas para todos deve valer a mesma Constituição. Daí decorre a necessidade de
haver um intérprete final da Constituição, alguém com atribuição de dar a
última palavra sobre a aplicação concreta do texto constitucional. De outra
forma, por mais perfeita que fosse a redação constitucional, haveria uma grande
confusão normativa, com infindáveis disputas a respeito de qual leitura da
Constituição deve prevalecer.
Além disso, esse intérprete deve dispor das
condições para aplicar a Constituição de forma livre. Precisamente para que não
seja um Estado absolutista, com poderes absolutos, Executivo e Legislativo não
podem dar a palavra final sobre a interpretação do texto constitucional. É
preciso ter uma real separação dos Poderes. Ou seja, se a Constituição é
fundamental para o País, deve haver uma Corte constitucional funcionando
livremente: sem amarras e sem pressões.
Essa autonomia do STF não é autorização
para ministros inventarem uma Constituição de acordo com suas vontades. É antes
a condição para que, fiel ao texto constitucional, a decisão do Supremo seja
acolhida por todos.
A conclusão não é difícil. A defesa da
Constituição merece ser menos retórica e mais operativa. Por parte de todos.
Destroçando marcos institucionais
O Estado de S. Paulo.
Regras estáveis são imprescindíveis para
atrair investimentos, gerar empregos e estimular o crescimento. Normas
alteradas em minutos reforçam o comportamento errático da economia
Nas últimas semanas, com a conivência do
quase ex-governo e do governo que acaba de ser eleito, o Legislativo tem aprovado
mudanças extemporâneas em leis que se tornaram relevantes marcos institucionais
na história do País.
A Câmara, por exemplo, aprovou uma Proposta
de Emenda à Constituição (PEC) para permitir aos Estados que descumpram um dos
pilares da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O pretexto para a aprovação da
manobra – viabilizar o pagamento do piso nacional da enfermagem – caiu como
luva para uma demanda defendida há muito tempo.
Segundo os Estados, o cumprimento dessa
nova obrigação levaria à violação do dispositivo da LRF que limita os gastos
com pessoal a 60% da Receita Corrente Líquida (RCL). Quem ultrapassa essa marca
pode ter de arcar com a suspensão dos repasses de fundos constitucionais. Com a
flexibilização, os Estados poderão excluir a totalidade de gastos com a
enfermagem desse cálculo, abrindo espaço no orçamento para reajustes salariais
de outras categorias de servidores – eis o verdadeiro motivo da mudança. Não se
trata de uma alteração trivial e, por isso mesmo, deveria ter sido discutida
com mais tempo, a partir de dados concretos e considerando a situação de cada
Estado e município, bem como o quadro funcional e as necessidades de cada ente
federativo.
Não por acaso, a mudança ocorreu na mesma
semana em que os deputados modificaram, de uma só vez, a Lei das Estatais e a
Lei das Agências Reguladoras.
A exemplo da LRF, os deputados não mexeram
em meros detalhes, mas nas regras para nomeação de diretores e conselheiros,
fundamentos que contribuíram para fortalecer a governança das empresas e a regulação
dos serviços públicos. A escolha do ex-senador Aloizio Mercadante (PT-SP) para
a presidência do BNDES foi o pretexto para uma alteração que o mundo político
já almejava publicamente desde o início deste ano.
Demandas para ampliar o limite prudencial de
gastos com pessoal da LRF não são nenhuma novidade. Governadores e prefeitos
até têm certa razão quando argumentam que a rigidez da lei só se aplica a
Estados e municípios, enquanto a União já não cumpre os dispositivos referentes
ao resultado primário há 10 anos. Propostas para alterar a Lei das Estatais e a
Lei das Agências Reguladoras só não são tão antigas quanto porque as
legislações são mais recentes. O fato de que essas mudanças foram aprovadas
neste momento, por ampla maioria e em fim de legislatura, evidencia as
consequências da falta de liderança do Executivo perante um Congresso cada vez
mais fortalecido. Era responsabilidade do governo ter trabalhado para barrá-las
– e, ao contrário, não se viu nenhum esforço nesse sentido.
Circunstâncias que se tornaram praxe no
governo Bolsonaro se acentuaram depois que ele perdeu a disputa eleitoral. No
limbo presidencial em que o País se encontra – enquanto Jair Bolsonaro não
governa nem deixa o cargo e Luiz Inácio Lula da Silva ainda não o assumiu nem
desce do palanque –, retrocessos institucionais deixaram de ser um risco
potencial para se converter em realidade, alguns deles dependendo apenas do
aval dos senadores para entrar em vigor.
A Lei de Responsabilidade Fiscal, a Lei das
Estatais e a Lei das Agências Reguladoras foram debatidas por anos antes de
serem aprovadas, assim como as legislações que criaram um arcabouço para
setores como saneamento, energia e gás, entre outras. Não foi letargia
legislativa, mas o tempo necessário para acomodar os diversos interesses da
sociedade na construção do consenso possível, o oposto do que o Legislativo tem
feito nos últimos dias deste ano.
Não é por acaso que são chamadas de marcos.
Cada uma delas delimitou uma divisão temporal muito clara na direção da
modernização do Estado, entre o que vigorava antes e o que passou a valer
depois. Foram aprovadas por uma razão: regras estáveis e perenes são
imprescindíveis para atrair investimentos, gerar empregos e estimular o
crescimento. Normas modificadas em minutos, ao contrário, reforçam a dinâmica
perversa que tem marcado o comportamento errático da economia.
O perigo do ‘revogaço’
O Estado de S. Paulo.
Lula deve mesmo rever medidas de Bolsonaro,
mas não pode fazê-lo por mera divergência ideológica
Desde a campanha eleitoral, o PT vem
prometendo, com algum alarde, revogar decretos do governo Bolsonaro. O termo
“revogaço” entrou na moda, mas, se virar costume, será um perigo para a
democracia.
Ao concluir seus trabalhos, em 13 de
dezembro, o gabinete de transição elaborou um documento com 23 páginas de
sugestões de atos de Bolsonaro e de seu governo que devem ser anulados, segundo
o coordenador técnico do grupo, Aloizio Mercadante. Análise feita pelo projeto
Política por Inteiro e pelo Instituto Talanoa chegou a listar 401 atos da atual
administração que deveriam ser revogados apenas na área ambiental. Até um
partido de esquerda alemão se juntou ao PSOL para propor uma lista de 200 atos
infralegais do atual governo que poderiam ser revogados com uma canetada logo
após a posse, em 1.º de janeiro.
Diante da fúria destruidora do governo de
Jair Bolsonaro em áreas tão diversas como meio ambiente, direitos humanos,
segurança pública, educação, saúde e cultura, algumas ações precisam mesmo ser
revistas. É prudente, no entanto, evitar dar a essa necessária revisão ares de
um “revogaço”.
Há pelo menos três razões para evitar
revogações em massa: insegurança jurídica, descontinuidade administrativa e de
políticas públicas e atiçamento da polarização política.
A primeira delas é óbvia. Decisões de
governo afetam não somente o setor público, como também a iniciativa privada, a
sociedade e até mesmo a vida de cada cidadão. Como planejar o presente e o
futuro, realizar negócios e tomar decisões de investimento se as regras estão
constantemente mudando, ao sabor do último resultado das urnas?
Políticas públicas levam um tempo para
amadurecer e dar frutos. Ao tomar posse, uma nova administração deve ter o
cuidado de avaliar, com toda calma e racionalidade, quais decisões do governo
anterior devem continuar, o que precisa ser aprofundado ou, se for o caso de
mudar, o que deve ser colocado no lugar. É essencial evitar o risco de
descontinuidade por mero capricho ideológico.
Por fim, há o perigo de perpetuar a
polarização política, que tem feito tanto mal à democracia brasileira. A
política dá voltas e, dentro de quatro anos, haverá eleições e é possível que
haja nova alternância de poder, o que faz parte da democracia. Não é bem-vindo,
no entanto, que, por razões eleitoreiras ou apenas ideológicas, um novo governo
busque desfazer o legado do anterior, demarcando ainda mais a divisão do
eleitorado em campos irreconciliáveis.
O novo governo tem todo o direito de rever
medidas equivocadas de Bolsonaro, sobretudo aquelas que foram tomadas sem a
devida consulta à sociedade e às instituições, mas precisa fazer isso com
cautela e parcimônia, caso a caso, explicando os motivos, analisando os
impactos e, quando for o caso, apresentando alternativas.
Acima de tudo, deve evitar baixar um pacote de revogações de forma açodada e midiática, para agradar à sua claque, mas que poderia ser visto pela outra metade dos eleitores como mera retaliação. O momento não é para radicalismos, mas de construir consensos e governar para todos os brasileiros.
O Globo
Acampados em quantidades cada vez maiores,
sem-teto são desafio que exige recursos e perseverança
As prefeituras das grandes cidades
brasileiras estão unidas no fracasso. Até agora, nenhuma metrópole conseguiu
acabar com o flagelo da moradia de rua. Nos últimos anos mais gente passou a
viver debaixo de marquises ou viadutos, acampada em praças e noutros espaços
públicos. A população em situação de rua “deixou de ser invisível”, nas
palavras de Silvia Schor, coordenadora de habitação de interesse social da
Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).
Ninguém sabe com exatidão quantos são,
porque nunca foi feito levantamento nacional minucioso. O que existe são
estimativas baseadas em indicadores nem sempre precisos. Um estudo do Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) calcula que 281 mil brasileiros vivam na
rua, 38% acima de 2019. O Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a
População em Situação de Rua fala em 213 mil.
No Rio, 7.272 moravam nas ruas em 2020. O resultado de um novo censo, feito em novembro, deverá ser anunciado em breve. Quem trabalha atendendo esses cidadãos não acredita que tenha havido melhora. São Paulo tinha 8.700 moradores de rua em 2000. No ano passado, eram quase 32 mil. Cidades de diferentes regiões — de Joinville (SC) a Fortaleza (CE), passando por Brasília — têm realizado censos para medir o tamanho do desafio.
Prefeitos e secretários municipais gostam
de lembrar que esse é um problema de difícil solução. É verdade. Muitos dos
desamparados foram vítimas de todo tipo de abuso. Têm histórico de vício em
álcool ou outras drogas, convivem com problemas de saúde mental ou limitações
que impedem o progresso no mercado de trabalho. Migrantes chegam de diferentes
cidades, e a pandemia lançou milhares nas ruas, por vezes famílias inteiras.
Tudo isso precisa ser levado em conta. Os representantes do poder municipal
esquecem, porém, que esses mesmos problemas existem noutros países, mas há
cidades, como Washington ou Houston, que avançaram nas soluções.
Com os cofres de várias prefeituras
brasileiras cheios, não vale argumentar que no exterior é mais fácil porque há
mais recursos. Na Prefeitura de São Paulo há um debate até para zerar a tarifa
do ônibus. O problema aqui é outro: ajudar a população a sair da rua não é
prioridade. As despesas da Secretaria Municipal de Assistência Social do Rio
foram de R$ 391 milhões em 2021, valor mais baixo desde 2009.
A principal lição da experiência
internacional é a necessidade de oferecer habitação, especialmente para os que
estão há pouco tempo na rua, com atenção contínua individual, para evitar que
os problemas responsáveis por lançá-los ao relento se repitam. O mantra desses
programas é housing first (moradia primeiro). No Brasil, uma das primeiras
experiências começou em Curitiba há três anos, por iniciativa da sociedade
civil. São Paulo lançará em breve um programa do tipo para atender 1.400
pessoas em vilas erguidas com módulos semelhantes a contêineres. O Rio promete
sua versão do housing first para o ano que vem.
Nem todos esses programas oferecem moradia
permanente, têm alcance adequado, contam com avaliação independente ou verbas
suficientes. Para que uma boa ideia não seja desperdiçada, será preciso mais
dinheiro, perseverança e a lembrança de que a população em situação de rua é
heterogênea — por isso, exige diferentes tipos de intervenção.
Não há motivo para CBF deixar de considerar estrangeiro na seleção
O Globo
Há bons treinadores brasileiros, mas
objetivo deve ser capacidade de tornar equipe mais competitiva
Além de adiar por ao menos quatro anos o
sonho do hexa, a dolorida derrota nos pênaltis para a Croácia nas quartas de
final da Copa do Catar encerrou um ciclo para a seleção brasileira. Em meio às
dúvidas sobre o futuro do elenco e da comissão técnica, há uma certeza: Tite,
que antes mesmo de pisar os gramados do Catar já havia garantido que não
continuaria à frente do time, está fora. Procura-se um técnico para os
pentacampeões mundiais.
A seleção chegou ao Catar incensada por um
favoritismo amparado em números sólidos. Após ótima campanha nas eliminatórias,
alcançou o topo do ranking da Fifa. O retrospecto de Tite, que assumiu o
comando da equipe em 2016, é favorável. Com 60 vitórias, 15 empates e apenas
seis derrotas (três em jogos oficiais) ao longo de 81 partidas, obteve um
aproveitamento de 80%. Mas isso pouco importa diante das duas quedas
consecutivas para times europeus nas quartas de final da Copa: a Bélgica em
2018 na Rússia e a Croácia no Catar. São os últimos resultados que os
torcedores lembrarão.
Na busca por um novo técnico, o presidente
da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ednaldo Rodrigues, precisa ser
pragmático e deixar de lado qualquer dúvida em relação a estrangeiros. Não é o
passaporte que está em jogo, mas o currículo e a capacidade para treinar o
elenco, a competência para torná-lo competitivo diante das outras seleções que
reúnem jogadores não menos qualificados. Fica difícil para o torcedor entender
por que um celeiro de craques, que fornece atletas aos maiores clubes do mundo,
não está, pela segunda vez consecutiva, entre as quatro melhores seleções da
Copa.
É verdade que nunca antes um estrangeiro
comandou a seleção brasileira em Copas. Já houve casos pontuais, que só merecem
registro nas enciclopédias do futebol. O uruguaio Ramón Platero treinou o
Brasil no Campeonato Sul-Americano de 1925. Foram cinco partidas: duas
vitórias, dois empates e uma derrota. O português Jorge Gomes de Lima, o
Joreca, esteve à frente da seleção em apenas dois jogos em 1944, mesmo assim
dividiu a tarefa com Flávio Costa. Em 1965, o argentino Filpo Nuñes, que depois
se naturalizou brasileiro, foi escalado para ser o técnico numa partida festiva
em que a seleção brasileira era representada pelo Palmeiras de Ademir da Guia.
Claro que existem bons treinadores
brasileiros. Mas, como a CBF está dando início a um novo ciclo, não faz sentido
deixar de considerar também os estrangeiros. A própria seleção brasileira é
formada majoritariamente por atletas que atuam no exterior (dos 26 que foram ao
Catar, só três jogam no Brasil). Os clubes que disputam o Brasileirão são
treinados tanto por brasileiros quanto por estrangeiros, e isso nem é mais
motivo de discussão.
Não deve ser difícil encontrar um treinador
de nível internacional disposto a assumir uma equipe que ostenta cinco estrelas
na camisa, nunca ficou fora de uma Copa e sempre disputa os lugares mais altos
do pódio. Se a velha máxima do futebol diz que não se deve mexer em time que
está ganhando, então está na hora de mexer.
Ensaio de acordo
Folha de S. Paulo
Congresso e STF insinuam arranjo para
emendas, o que deve ser favorável a Lula
Em arranjo de última hora, votado numa
sexta-feira (16), dia em geral vazio em Brasília, o Congresso aprovou resolução
que visa dar sobrevida ao instituto de emendas definidas pelo relator-geral do
Orçament, b julgamento do Supremo Tribunal Federal.
Tais emendas compartilham defeitos de
outras modalidades de despesas criadas por parlamentares, bancadas ou comissões
do Congresso. Faltam critérios de definição de prioridades e controle de
eficiência do gasto. Nas emendas de relator, há o agravante da falta de
transparência quanto à autoria e acompanhamento da execução
Como disse a ministra Rosa Weber,
presidente do Supremo Tribunal Federal, a experiência mostra que, em vez de dar
aos congressistas a oportunidade de atender reivindicações mais urgentes da
população, emendas parlamentares vêm servindo ao "proveito
de interesses de cunho privatístico e eleitoral, muitas vezes envolvendo
esquemas de corrupção".
No caso sob juízo, trata-se de saber se as
emendas de relator estão previstas pela Carta de 1988 (literalmente, não estão)
e se atendem a princípios de transparência, publicidade e impessoalidade. Para
Rosa Weber, não. A votação do caso foi suspensa na quinta-feira (15), com
placar de 5 a 4 contra as emendas. Ainda não votaram Ricardo Lewandowski e
Gilmar Mendes.
Caso o STF derrube as emendas de relator,
pode haver embaraços ou crises na relação entre Judiciário e Legislativo, além
de transtornos na tramitação de projetos de interesse do Executivo, prestes a
mudar de comando. Há sinais, porém, de acordo implícito entre parte do Supremo
e lideranças do Congresso, do PT inclusive.
Ministros aceitariam as emendas de relator,
desde que obedeçam a certos critérios, em particular o de transparência. Lewandowski
disse que levará em consideração a resolução do Legislativo.
A nova norma exige, em tese, a nomeação dos
parlamentares que requererem as emendas, destina no mínimo 50% de seu valor
para saúde ou assistência, limita a despesa a 1,2% da receita corrente líquida
e especifica a divisão dos quinhões.
Fica definido quanto cabe às direções de
Senado e Câmara, a bancadas partidárias, ao relator-geral e ao presidente da
Comissão Mista de Orçamento. Assim, o acordo de cúpula fica mais claro.
Esse pode ser um arranjo conveniente para a
maioria do STF, para o situacionismo do Congresso e para o governo Luiz Inácio
Lula da Silva (PT), que assim se livraria dos estilhaços de uma crise causada
pelo fim das emendas.
A conveniência política pode falar mais
alto, o que neste momento parece menos danoso do que um impasse entre os três
Poderes.
Saúde online
Folha de S. Paulo
Telemedicina é benéfica, mas não exime o
Estado de implementar melhorias no SUS
A Câmara dos Deputados aprovou, na
última terça-feira (13), o projeto de lei que autoriza a telemedicina. A
prática se caracteriza pela relação a distância entre médico e paciente por
meio de tecnologias de comunicação como celulares, tablets e computadores.
Não somente consultas são permitidas mas
até procedimentos cirúrgicos remotos, com a utilização de equipamento robótico.
A medida é necessária e insere o Brasil na
longa lista de países que já fazem uso regular da modalidade, como Israel, EUA,
Reino Unido, Noruega, Colômbia e outros.
Durante a pandemia de Covid-19, ficou
patente a necessidade de efetivar a telemedicina, o que levou deputados a
aprovarem a Lei 13.989, de 2020, que autorizou a prática em caráter de
urgência.
Por se tratar de doença altamente
contagiosa, diagnósticos e triagens a distância contribuíram para desafogar
hospitais e minimizar a propagação do vírus —utilidade ainda verificada no
tratamento de outras enfermidades infecciosas.
Ademais, o processo de triagem remota é
fundamental num sistema público de saúde carente de instalações, profissionais
e verbas. Selecionar pacientes que de fato precisem do aparato material do SUS
proporciona otimização da prestação de serviços e alocação racional de recursos
escassos.
Tratando-se de um país com dimensões
continentais, a
telemedicina também pode auxiliar no atendimento de populações em áreas rurais
e ribeirinhas —regiões com falta de médicos, enfermeiros e
equipamentos de saúde.
Segundo levantamento da Fundação Getulio
Vargas, em 2019 havia no país 230 milhões de smartphones (num universo de 209
milhões de habitantes). É preciso, porém, melhorar a qualidade da rede (wi-fi,
4G, 5G) para que pacientes em zonas remotas consigam se beneficiar da medicina
a distância.
A regulamentação e a fiscalização ficarão a
cargo dos conselhos regionais e federal de medicina, que devem zelar pela
proteção de pacientes e pela ética profissional. Universidades e outros órgãos
de saúde também precisam promover capacitação de médicos para essa modalidade
de trabalho.
Por fim, a telemedicina não pode ser usada como subterfúgio para que o poder público deixe de promover melhorias no SUS. A prática é apenas mais uma alternativa no atendimento que o Estado tem o dever constitucional de prestar, com eficiência, à população.
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