quinta-feira, 24 de julho de 2008

DEU EM O GLOBO


QUAL É O NOSSO LADO?
Carlos Alberto Sardenberg


A Rodada Doha foi lançada em novembro de 2001, na capital do Catar, apenas dois meses depois do ataque terrorista que havia derrubado as torres de Nova York. A reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio estava marcada antes do atentado - mas parecia que nem ia se iniciar. Não havia clima para negociações cujo objetivo seria facilitar o comércio internacional e, pois, a globalização.

O ataque acabou influenciando na outra direção. Tornou-se amplamente aceita a tese segundo a qual quanto mais crescimento, emprego e renda houvesse nos países emergentes e pobres, menor seria o espaço para o terrorismo. E ainda: quanto mais integrados os países estivessem no comércio global, também menor seria a tentação terrorista, vista como uma espécie de desespero diante da exclusão. Acrescente-se que o mundo sofria as conseqüências da crise financeira gerada pelo estouro das bolhas da internet e das telecomunicações, outro problema que poderia ser combatido com mais negócios.

Resumindo, o clima internacional virou para o outro lado. Combater a pobreza no mundo tem de ser prioridade na agenda; o Talibã e a al-Qaeda merecem bombas, o Afeganistão precisa de ajuda; e todos precisam de mercados e, pois, de comércio externo.

Por isso a Rodada Doha ganhou o apelido de Rodada do Desenvolvimento. A conseqüência direta era a abertura do comércio agrícola mundial, pois mais de 70% das exportações dos países não-ricos eram compostas de produtos agrícolas e industrializados com uso intensivo de mão-de-obra. Ora, naquele momento, Estados Unidos, União Européia e Japão estavam gastando mais de US$200 bilhões anuais com subsídios agrícolas.

A rodada iniciou-se ambiciosa. A conclusão do acordo foi marcada para janeiro de 2005. Já estamos, portanto, com quatro anos de atraso. Os objetivos falavam de redução "substancial" dos subsídios e tarifas de importação de produtos agrícolas. Hoje, está claro que se perdeu muito do espírito inicial.

Isso foi conseqüência de uma combinação de fatores, a começar pela emergência econômica e política de países como China, Índia, Brasil e Rússia, cujos interesses nacionais parecem complementares, mas aparecem freqüentemente contraditórios. Não cabe mais aí a divisão entre pobres e ricos, Sul e Norte.

A Índia, por exemplo, está mais alinhada com a União Européia quando se opõe à redução de tarifas de importação agrícola, medida de total interesse do Brasil. Outro fator: o terrorismo quase se dissipou, não era a ameaça global que parecia ser.

Finalmente, o mundo entrou em um processo de forte crescimento econômico global (2002/2007), com expansão dos emergentes, passando a idéia de que o comércio global já estava bem arrumado assim mesmo. Com isso, a rodada sofreu sucessivos fracassos. Chega a seu momento decisivo quando a prosperidade global deu lugar a uma série de crises nacionais e regionais, situações que tendem a exacerbar o protecionismo. Ou seja, a atual rodada, se terminar com acordo, será um acordo bem limitado. Uma pena, pois o fundamento é totalmente correto: mais comércio mundial é igual a mais prosperidade.

Em Genebra, os EUA propuseram um teto anual de US$15 bilhões para os subsídios que pagam aos seus agricultores, para compensar preços baixos. Ora, neste ano, por exemplo, quase todos os preços agrícolas estiveram muito altos, de modo que o governo americano não precisou subsidiar diversos agricultores. Resultado, seus gastos estão em torno dos US$7,5 bilhões - metade do que propuseram nas negociações.

Por outro lado, a lei agrícola aprovada pelo Congresso americano estipula um teto anual de US$48 bilhões para subsídios. Esse é o valor que o governo poderia gastar em um momento de preços internacionais baixos. Ora, US$48 bilhões é três vezes o teto proposto pelo governo Bush em Genebra. Problema: a lei agrícola atual foi aprovada pelo Congresso, com a maioria democrata. O presidente Bush vetou, propondo limitar os subsídios a agricultores com renda anual de até US$200 mil.

Os deputados e senadores derrubaram o veto e mantiveram inclusive o subsídio a agricultores com renda de até US$1,2 milhão e aumentaram o apoio a plantadores de milho para etanol.

Sabem quem foi um dos mais entusiastas defensores da lei? Barack Obama. Já McCain votou contra a lei agrícola e os subsídios ao etanol de milho, assim como pediu a eliminação do imposto de importação sobre o etanol brasileiro.


CARLOS ALBERTO SARDENBERG é jornalista.

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