Valor Econômico
Ministra assegura que as portas não se fecharam para o diálogo com o Congresso
Sem dúvida, a crise é dramática. É
tonitruante um placar de 383 votos contrários ao governo, que lançaram a pá de
cal sobre um decreto de autoria do presidente da República. Um feito raro na
história do parlamento, evidenciando a postura de fragilidade do Executivo
nesses tempos de baixa popularidade. Mesmo assim, foi de serenidade o tom
adotado pela ministra da Secretaria de Relações Institucionais (SRI), Gleisi
Hoffmann, ao assegurar que as portas não se fecharam para o diálogo com o
Congresso.
“Disputar posições políticas é da democracia,
não temos medo de discutir, sem prejuízo de uma relação de respeitabilidade”,
disse a ministra à coluna, no dia seguinte à anulação do decreto que elevou as
alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). “Não temos interesse no
conflito”, reforçou.
Gleisi observou que apesar da revogação da regra que assegurava uma receita estimada em R$ 12 bilhões, relevante para o equilíbrio das contas públicas, a Câmara dos Deputados aprovou, na mesma noite, outros três projetos de interesse do governo. Para a ministra, foi uma sinalização de que os parlamentares não fecharam o canal de diálogo.
Na mesma sessão em que rejeitaram o decreto,
os deputados aprovaram a proposta que autoriza o Executivo a vender em um
leilão toda a produção de óleo e gás em campos do pré-sal, em áreas hoje não
contratadas, o que pode gerar receita de R$ 15 bilhões a R$ 20 bilhões. Esse
recurso poderia compensar a revogação do decreto, mas não há garantia de
entrada no caixa do Tesouro neste ano.
Os outros projetos aprovados tratam da
ampliação do uso de recursos do fundo social do pré-sal para construção de
moradias populares, em situações de calamidade pública, e em políticas
assistenciais a estudantes da rede pública.
Há quem enxergue na derrota dessa
quarta-feira o maior revés enfrentado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva
nesse terceiro mandato. Porém, ele não havia chegado à metade do primeiro ano,
quando se deparou com a primeira grave ameaça do Congresso. Era maio de 2023, e
a Câmara dos Deputados, sob a presidência de Arthur Lira (PP-AL), deu sinais de
que não votaria a medida provisória (MP) da reestruturação da Esplanada dos
Ministérios.
A proposta estava prestes a perder a
validade, o que obrigaria a administração lulista a voltar ao formato da gestão
de Jair Bolsonaro. Seriam extintos os recém-criados ministérios do
Planejamento, da Gestão e Inovação, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio,
dos Transportes, da Cultura, entre outras pastas.
Com o ambiente tensionado, Lula teve de
entrar em campo para negociar diretamente com as lideranças. Falou por telefone
com Lira e outros líderes de bancadas. Recebeu em seu gabinete o então
influente líder do União Brasil, Elmar Nascimento (BA), hoje segundo
vice-presidente da Casa, para mais conversas.
O saldo do movimento foi a liberação de R$
1,7 bilhão em emendas, a maior quantia autorizada em um único dia. Era 30 de
maio. No dia seguinte, os deputados aprovaram a MP por 337 votos a favor, 125
contrários e uma abstenção. No dia 1º de junho, a toque de caixa, os senadores
chancelaram a proposta - era o último dia de vigência da norma.
Naquela ocasião, assim como hoje, um dos
motivos da irritação dos parlamentares era a demora no pagamento das emendas.
Havia poucos meses, o Supremo Tribunal Federal (STF) havia declarado
inconstitucionais as “emendas de relator”, até então, uma das principais
ferramentas de negociação política no governo Bolsonaro. Sem o mecanismo, a
liberação dos recursos perdeu tração.
A revogação do decreto do IOF não se consumou
em razão do descontentamento dos parlamentares com o pagamento das emendas, mas
esse foi um dos motivos. Há insatisfação e nervosismo com o rigor com que o
ministro do STF Flávio Dino conduz as ações na Corte que colocam em xeque o
caráter impositivo das emendas.
Ao longo deste mês, Dino deu pelo menos dois
motivos para irritar os parlamentares. No dia 10, um despacho do ministro
determinou que governo, Congresso e os partidos explicassem as “emendas de
comissão paralelas”, e se estava em curso um “novo orçamento secreto” no
Ministério da Saúde. O objeto do despacho eram R$ 8,5 bilhões em emendas. Pela
metade desse valor, os parlamentares quase não votaram a lei orçamentária de
2025, que só foi aprovada em março.
O segundo motivo é a audiência pública desta
sexta-feira, que jogará luz sobre a polêmica em torno das emendas. O Congresso
acusa Dino de jogar gasolina na fogueira, e Lula de ajudá-lo. Lideranças do
Congresso pediram ao presidente que intercedesse na questão das emendas, mas
ouviram, em resposta, que não é possível frear um ministro do STF.
Ampulheta
Um político com longa estrada no Congresso
diz que a eleição de 2026 é a “da espera”, porque nada se resolve até março.
Entusiastas da candidatura presidencial do governador paulista Tarcísio de
Freitas (Republicanos) esperam que até março o ex-presidente Jair Bolsonaro
formalize apoio ao afilhado político na sucessão presidencial - prazo em que
Tarcísio teria de deixar o cargo para concorrer ao Planalto. Mas ninguém
acredita que Bolsonaro se posicione até lá.
Nenhum comentário:
Postar um comentário