Na terça-feira passada, a Polícia Federal realizou diligências complementares para inspecionar empresas que teriam prestado serviços na campanha presidencial de 2014 para a chapa de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (PMDB). O objetivo da operação era verificar se as empresas que aparecem na contabilidade eleitoral têm de fato capacidade para realizar os serviços que lhes foram atribuídos.
Ainda que eventualmente possa gerar efeitos políticos significativos, a medida não tem propriamente nada de extraordinário. Trata-se de um aprofundamento das investigações a partir de indícios de fraude. A novidade está na decisão do ministro Herman Benjamin, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que autorizou as diligências.
O ministro Benjamin não concedeu tudo o que foi pedido pela Força-Tarefa do TSE. A decisão limitou as investigações ao âmbito estritamente eleitoral. “Acolhendo a fundamentação do ente ministerial (Ministério Público Eleitoral), indefiro a realização de diligências que ultrapassem o escopo estritamente eleitoral, uma vez que eventuais ilícitos financeiros, tributários e de lavagem de capital devem ser apurados na via própria, sobretudo quanto às repercussões penais”, dizia o despacho do relator do processo no TSE.
Não é frequente ver esse tipo de limitação do escopo investigativo. A praxe tem sido o contrário, com a autorização de investigações genéricas, sem objeto definido. Por isso, a importância da decisão do ministro Benjamin, fazendo valer alguns importantes princípios do Estado Democrático de Direito, que frequente e perigosamente são negligenciados.
As investigações devem necessariamente ter objeto definido, já que sua autorização depende da existência prévia de indícios concretos. Caso contrário, o Estado poderia perseguir arbitrariamente qualquer cidadão, sem que houvesse fato a justificar tal conduta. A exigência de investigação com objeto determinado é, portanto, uma garantia individual.
No entanto, em nome do combate à corrupção, tal garantia vem sendo frequentemente violada. Aproveita-se, por exemplo, a descoberta de determinado indício – ou às vezes nem isso – para investigar indistintamente a vida de uma pessoa. Vale lembrar que, em tempos de delações premiadas, não é difícil encontrar “indícios”. Usa-se, por exemplo, a simples menção num depoimento de determinado nome – que às vezes nem está vinculado à prática de um crime – para transformar o cidadão em suspeito e, a partir daí, investigar toda a sua vida.
Ainda que esse modo de atuar possa parecer eficiente para combater a impunidade – já que ampliaria o leque das investigações, impedindo que eventuais crimes passem despercebidos –, na verdade ele é, além de abusivo, altamente ineficaz. Basta lembrar que os recursos investigativos do Estado são escassos e que boa parcela dos crimes fica à deriva de qualquer investigação. Ora, nesse quadro de escassez de recursos, não pode ser bom método alocar os poucos recursos disponíveis em investigações genéricas, sem indícios concretos. É preferível investir os recursos naqueles casos em que há elementos a indicar concreta e especificamente a ocorrência de crimes.
A decisão do ministro Herman Benjamin ainda aponta outra importante razão para limitar o escopo das investigações. “Ademais, a realização das diligências na extensão sugerida acarretaria, por certo, a dilação desarrazoada da tramitação processual”, lê-se no despacho. Com muita frequência tem sido desrespeitada a razoabilidade dos prazos de investigação. Além de o transcurso de tempo dificultar a descoberta dos crimes – por isso investigações arrastadas tendem a ser pouco eficazes –, o descumprimento dos prazos legais para os inquéritos é um claro abuso do poder público, incompatível com as garantias individuais.
O combate à impunidade é um imperativo legal, moral e social. Justamente por isso, deve respeitar o Estado Democrático de Direito e suas garantais fundamentais.
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