O governo sofreu uma meia derrota na Câmara, quando os deputados estirparam do projeto de lei de renegociação das dívidas estaduais quase todo o cardápio de contrapartidas de ajuste, elaboradas pela Fazenda e aprovadas pelo Senado, deixando só o limite de aumento de gastos pela inflação do ano anterior nos próximos dois anos. A equipe econômica considerou que a decisão não foi tão ruim e nem que lhe tolhe os movimentos já que, para que os Estados em situação crítica aderirem ao Regime de Recuperação Fiscal e ganharem três anos de carência, as medidas de correção terão de ser comumente acordadas com o governo.
O sinal dado pela Câmara, porém, foi muito ruim e vem na sequência de sucessivos malogros na tentativa de estabelecer esquemas de contenção dos gastos dos Estados, boa parte deles em situação falimentar. Há um padrão recorrente nas negociações que transcorrem desde antes de a presidente Dilma Rousseff ter seu impeachment aprovado pelo Congresso. Ainda que sua situação financeira seja crítica, os Estados procuram de toda forma evitar compromissos que são inadiáveis e medidas que já deveriam ter sido tomadas. Querem, na verdade, jogar toda a conta nas costas da União. As bancadas estaduais na Câmara estão de acordo com a estratégia e não estão dando bolas à dramaticidade do desequilíbrio nem à urgência de soluções.
Para o governo federal, a renegociação revela-se aos poucos o que de fato é, algo semelhante a um pesadelo. É certo que há peculiaridades no endividamento de cada Estado, o que, em uma negociação séria, teriam de ser levadas em consideração. O que a Câmara fez, porém, foi outra coisa. Ao eliminar as contrapartidas, deixou em aberto os termos de um acordo com a Fazenda. Os governadores ganharam assim espaço para barganhas, que não existiria se aceitassem um cardápio de ações já pronto.
Mas, apesar de particularidades, a deterioração das contas estaduais tem conhecidos fatores comuns, que exigem terapia conhecida: descontrole das despesas correntes, em especial e de forma generalizada, com a folha de pagamentos, e um sistema de previdência com rombos bilionários crescentes. Não há fórmulas criativas para se lidar com esse velho problema que não passe por várias das medidas colocadas no cardápio da Fazenda, como a de reduzir as despesas com cargos comissionados, proibir novos incentivos tributários, enquadrar gastos com terceirizados nas despesas com pessoal e elevar a contribuição previdenciária de servidores.
No caso de Estados à beira da falência, e compreensivelmente, o menu de contenção foi corretamente ampliado para a suspensão de aumentos salariais, proibição de novos concursos públicos e responsabilização criminal de quem descumprir o plano.
A barganha caso a caso tende a ser desvantajosa para um ajuste consequente. Seu sucesso ou fracasso pode depender da força do partido do governador que procura correção moderada e dos votos que carreia no Congresso, ou dos laços pessoais ou partidários que eventualmente possuam com o presidente da República e com os líderes da Câmara e do Senado. Além disso, não há por que esperar que uma maratona de negociações com cada Estados possa trazer melhor resultado que medidas conjuntas discutidas em conjunto e que possam, se necessário, ser adaptadas. O fato é que a Câmara deu sinal de que não quer que os Executivos estaduais sofram desgaste político pelos remédios amargos para consertar a ruína financeira que criaram.
A rápida deterioração da situação fiscal dos Estados foi ampliada pela forte queda da arrecadação, mas decorreu de fatores menos fortuitos, como o desequilíbrio persistente dos regimes previdenciários e do desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal. A burla das regras foi encoberta ao longo do tempo pelo aumento constante da arrecadação e contou, com o beneplácito dos órgãos criados justamente para exercer vigilância sobre as contas, os Tribunais de Contas estaduais. Nos Estados em pior situação, como o Rio de Janeiro, os tribunais chancelaram prestações de contas que não parariam em pé se o exame fosse sério. Os governadores indicam membros desses tribunais e exercem influência sobre decisões.
As dívidas estaduais ameaçam o ajuste fiscal e precisam ser confrontadas já. A Câmara deu apoio à fuga da responsabilidade dos Estados e caberá mais uma vez à Fazenda a dura tarefa de obter a disciplina dos governadores, em um governo que precisa, e preza, um forte apoio político.
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