- O Estado de S.Paulo
Agora, BC deve avaliar fatores que poderão gerar desvios da inflação em relação à meta
Mais uma decisão do Banco Central de reduzir a taxa Selic, fixando-a em inéditos 4,5% ao ano, e possivelmente interrompendo o ciclo de cortes. A questão é por quanto tempo será possível manter esse patamar. A própria autoridade monetária reconhece que os níveis atuais dos juros equivalem a colocar o pé no acelerador da economia. Em algum momento será necessário normalizar a política monetária, ou seja, colocar os juros no ponto morto, para evitar o descumprimento da meta de inflação no futuro. A boa notícia é que o ponto morto (taxa de juros estrutural) é certamente muito mais baixo do que no passado, algo em torno de 7%.
Daqui para frente, o Comitê de Política Monetária (Copom) estará cada vez mais atento àquilo que os economistas chamam de balanço de riscos de inflação. Trata-se de uma avaliação dos fatores que poderão gerar desvios da inflação em relação à meta. Quando os riscos de alta crescem, o BC eleva os juros, mesmo que a inflação ainda esteja em níveis confortáveis, como os atuais. Isso porque a política monetária afeta a inflação de forma defasada. A inflação de hoje é resultado de decisões tomadas há pelo menos nove meses.
É verdade que o risco extremo de a inflação ameaçar sair do controle, como parecia ser o caso no governo Dilma, reduziu-se significativamente. A agenda de ajuste fiscal, que gera perspectiva de queda da elevada dívida pública como proporção do PIB, é a mais potente âncora da inflação. De quebra, nesse contexto, o Brasil consegue se beneficiar da inflação mundial baixa e dos benefícios das novas tecnologias digitais que reduzem custos.
Isso não quer dizer, porém, que o ciclo da inflação, decorrente do próprio ciclo econômico, tenha sido abolido. A recuperação em curso da economia exigirá atenção crescente do Copom, especialmente diante da baixa qualidade dos fatores de produção ociosos (máquinas defasadas tecnologicamente e mão de obra com baixa qualificação) e dos gargalos de infraestrutura.
A retomada da economia já tem produzido algum descasamento entre a demanda do setor privado (consumo e investimento de indivíduos e empresas) e a oferta de bens e serviços, o que pode gerar aumento da inflação. A baixa produtividade da maior parte das empresas, algo apontado por Fernando de Holanda Barbosa Filho e Paulo Corrêa, limita a capacidade de reação da produção ao aumento da demanda. Como consequência, tem havido aumento além do previsto da importação de bens e serviços.
O comportamento do dólar é fator adicional, ainda que secundário, a se monitorar. O ambiente global desafiador e a dificuldade para atrair maior volume de investimentos estrangeiros sugerem mais pressão cambial adiante. Nos últimos anos, a economia enfraquecida limitou o repasse do dólar mais alto aos preços ao consumidor, o que poderá ser alterado com a retomada da economia. O próprio BC aponta em seus estudos que o ciclo econômico afeta esse repasse.
Outro elemento a ser monitorado será a possível busca das empresas em aumentar suas margens de lucro com a recuperação da demanda. Há razões para acreditar que as empresas ainda estão operando com margens deprimidas, mesmo com a recuperação nos últimos anos. É o que sugerem os estudos de Stephen Kanitz e do Cemec-Fipe. A volta da economia poderá incentivar as empresas a “testarem” seus mercados, promovendo algum repasse de custos a preços finais, visando a elevar suas margens. O risco de perda de market share se reduz com a demanda mais aquecida.
A estrutura produtiva concentrada no Brasil, em boa medida reflexo do elevado custo Brasil que demanda ganhos de escala para diluir elevados custos, reforça o ponto acima. As grandes empresas represam repasses de custos aos preços em tempos difíceis, para manterem sua posição no mercado, e vice-versa.
Vamos torcer para que, caso os riscos de aumento da inflação se concretizarem, o ajuste seja modesto e, de preferência, depois de uma melhora mais concreta do mercado de trabalho.
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