quinta-feira, 26 de junho de 2025

Os rojões desgovernados de Motta e Alcolumbre - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Governo é atingido no momento em que buscava recompor forças

Mal o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, havia terminado sua entrevista à Record TV na noite de terça-feira, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), publicou nas suas redes a pauta da Casa na manhã seguinte.

Como a Casa está em recesso branco, em função das festas juninas, não se esperavam votações importantes, mas o deputado mostrou que voltara a Brasília com seus rojões ainda acesos e apontados na direção do Palácio do Planalto. Pautou e aprovou por placar acachapante (383 x 98) e em sessão híbrida porque ninguém é de ferro, a derrubada do aumento do IOF.

O rojão arrisca cair em cima do Minha Casa Minha Vida. A alternativa proposta para compensar a receita perdida é a dos leilões dos excedentes de óleo e gás dos contratos de partilha, prevista na MP do Fundo Social do pré-sal aprovada ontem na Câmara.

Às 10h da quarta, a notícia ainda não havia chegado ao gabinete do ministro da Fazenda. Antes da entrevista, Haddad tinha tido uma reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, da qual também participou o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo.

Na entrevista, o ministro não passou recibo das críticas feitas pelo presidente do BC à política fiscal do governo. Em haddadês, ignorar petardos é a maneira como o ministro sinaliza não se colocar no mesmo plano daquele que indicou para o cargo.

Na entrevista, porém, ele foi além. Atribuiu a escalada dos juros aos rumos traçados pelo antecessor, Roberto Campos, disse que não se podia dar “cavalo de pau” na política monetária e saudou o novo crédito à construção civil que está sendo elaborada pela diretoria do Banco Central e oferece ao governo a chance de recuperar apoio do setor.

Defendido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva tanto na entrevista a Mano Brown quanto em discurso na quarta-feira, Haddad também se viu bancado para baixar a fervura da inquietude com a política fiscal. Disse que o aumento de gastos está congelado enquanto não houver meios para financiá-lo.

O compromisso foi retribuído. Na tarde de quarta, o presidente da Febraban, Isaac Sidney, alertou contra a possibilidade de as bets, um dos setores chamados a contribuir com mais imposto, serem usadas para lavagem de dinheiro. E bateu na mesma tecla do ministro sobre a terra sem lei em que as bets se expandiram ao longo dos governos Michel Temer e Jair Bolsonaro.

O governo estava nesse momento de recomposição de forças quando foi surpreendido pela pauta na Câmara. A relação do ministro com Motta havia ficado estremecida desde aquele domingo em que, horas depois de se comprometer com o pacote fiscal de Haddad, o presidente da Câmara deu para trás.

No governo, além de instrumento do presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), em sua estratégia de sangrar Lula até 2026, Motta é visto como um presidente da Câmara que, cada vez mais, bebe na fonte de um de seus mentores, o ex-deputado Eduardo Cunha.

Para enfrentar este paredão, o governo resolveu investir ainda mais na interlocução com o antecessor de Motta, o deputado Arthur Lira (PP-AL), hoje relator do projetos do IR, tanto aquele que reajusta a tabela quanto aquele que isenta quem ganha até R$ 5 mil. Aposta-se que as afinidades fiscais entre a Fazenda e o ex-presidente da Câmara bastarão para cindir o bloco Ciro-Motta-Lira no tema.

Não é apenas na Câmara que o governo tenta encontrar um arranjo alternativo. Depois da derrubada de vetos da semana passada, que aumentará em 3,5% a conta de energia e foi conduzida pelo senador Davi Alcolumbre (União-AP), o governo elabora medida provisória para derrubar jabutis que voltaram a ser pendurados nas jabuticabeiras tupiniquins.

O problema é que, no Senado, o jogo está ainda mais desarrumado. A derrubada dos vetos teve a anuência do líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), que conduziu seu partido e boa parte da base governista na mesma direção. Ainda na tarde desta quarta, Alcolumbre avisou que se a Câmara aprovasse o fim do aumento do IOF, o Senado o colocaria em pauta e o fez, confirmando a decisão.

O desarranjo se repetiu na votação do PL que aumentou 18 cadeiras na Câmara, já aprovado nesta Casa. Tanto Randolfe quanto o líder no Senado, Jaques Wagner (PT-BA) votaram a favor, junto com Ciro Nogueira. Com lideranças governistas como estas, o voto contrário deu ares de estadistas aos senadores Flávio Bolsonaro (PL-RJ), Cleitinho (Republicanos-MG) e Magno Malta (Podemos-ES). Os estadistas perderam por um voto.

Depois dos estragos desta quarta, a próxima escala dos rojões de Motta e Alcolumbre será nas audiências promovidas pelo ministro do STF, Flávio Dino, nesta sexta, para a discussão das emendas. A biografia dos convidados, entre os quais não se incluem os presidentes das Casas, sugere que a discussão jogará holofotes sobre a irracionalidade da hipertrofia legislativa no país.

A fragilidade do rearranjo em curso obrigou o presidente a escolher as brigas em que vai entrar. Lula quer “passar longe” da guerra Irã-Israel. No mesmo dia, o presidente do Congresso promulgou lei que cria o dia da celebração da amizade Brasil-Israel valendo-se da prerrogativa aberta pela ausência de manifestação presidencial. Dias atrás, o governador do maior Estado do país compareceu a marcha evangélica enrolado na bandeira de Israel. Nas contas da ONU, apenas entre palestinos que buscavam comida em centros humanitários, o Exército de Israel fez 410 mortos.

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