Valor Econômico
Governo é atingido no momento em que buscava recompor forças
Mal o ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
havia terminado sua entrevista à Record TV na noite de terça-feira, o
presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), publicou nas suas redes a
pauta da Casa na manhã seguinte.
Como a Casa está em recesso branco, em função
das festas juninas, não se esperavam votações importantes, mas o deputado
mostrou que voltara a Brasília com seus rojões ainda acesos e apontados na
direção do Palácio do Planalto. Pautou e aprovou por placar acachapante (383 x
98) e em sessão híbrida porque ninguém é de ferro, a derrubada do aumento do
IOF.
O rojão arrisca cair em cima do Minha Casa Minha Vida. A alternativa proposta para compensar a receita perdida é a dos leilões dos excedentes de óleo e gás dos contratos de partilha, prevista na MP do Fundo Social do pré-sal aprovada ontem na Câmara.
Às 10h da quarta, a notícia ainda não havia
chegado ao gabinete do ministro da Fazenda. Antes da entrevista, Haddad tinha
tido uma reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, da qual também
participou o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo.
Na entrevista, o ministro não passou recibo
das críticas feitas pelo presidente do BC à política fiscal do governo. Em
haddadês, ignorar petardos é a maneira como o ministro sinaliza não se colocar
no mesmo plano daquele que indicou para o cargo.
Na entrevista, porém, ele foi além. Atribuiu
a escalada dos juros aos rumos traçados pelo antecessor, Roberto Campos, disse
que não se podia dar “cavalo de pau” na política monetária e saudou o novo
crédito à construção civil que está sendo elaborada pela diretoria do Banco
Central e oferece ao governo a chance de recuperar apoio do setor.
Defendido pelo presidente Luiz Inácio Lula da
Silva tanto na entrevista a Mano Brown quanto em discurso na quarta-feira,
Haddad também se viu bancado para baixar a fervura da inquietude com a política
fiscal. Disse que o aumento de gastos está congelado enquanto não houver meios
para financiá-lo.
O compromisso foi retribuído. Na tarde de
quarta, o presidente da Febraban, Isaac Sidney, alertou contra a possibilidade
de as bets, um dos setores chamados a contribuir com mais imposto, serem usadas
para lavagem de dinheiro. E bateu na mesma tecla do ministro sobre a terra sem
lei em que as bets se expandiram ao longo dos governos Michel Temer e Jair
Bolsonaro.
O governo estava nesse momento de
recomposição de forças quando foi surpreendido pela pauta na Câmara. A relação
do ministro com Motta havia ficado estremecida desde aquele domingo em que,
horas depois de se comprometer com o pacote fiscal de Haddad, o presidente da
Câmara deu para trás.
No governo, além de instrumento do presidente
do PP, senador Ciro Nogueira (PI), em sua estratégia de sangrar Lula até 2026,
Motta é visto como um presidente da Câmara que, cada vez mais, bebe na fonte de
um de seus mentores, o ex-deputado Eduardo Cunha.
Para enfrentar este paredão, o governo
resolveu investir ainda mais na interlocução com o antecessor de Motta, o
deputado Arthur Lira (PP-AL), hoje relator do projetos do IR, tanto aquele que
reajusta a tabela quanto aquele que isenta quem ganha até R$ 5 mil. Aposta-se
que as afinidades fiscais entre a Fazenda e o ex-presidente da Câmara bastarão
para cindir o bloco Ciro-Motta-Lira no tema.
Não é apenas na Câmara que o governo tenta
encontrar um arranjo alternativo. Depois da derrubada de vetos da semana
passada, que aumentará em 3,5% a conta de energia e foi conduzida pelo senador
Davi Alcolumbre (União-AP), o governo elabora medida provisória para derrubar
jabutis que voltaram a ser pendurados nas jabuticabeiras tupiniquins.
O problema é que, no Senado, o jogo está
ainda mais desarrumado. A derrubada dos vetos teve a anuência do líder do
governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), que conduziu seu
partido e boa parte da base governista na mesma direção. Ainda na tarde desta
quarta, Alcolumbre avisou que se a Câmara aprovasse o fim do aumento do IOF, o
Senado o colocaria em pauta e o fez, confirmando a decisão.
O desarranjo se repetiu na votação do PL que
aumentou 18 cadeiras na Câmara, já aprovado nesta Casa. Tanto Randolfe quanto o
líder no Senado, Jaques Wagner (PT-BA) votaram a favor, junto com Ciro
Nogueira. Com lideranças governistas como estas, o voto contrário deu ares de
estadistas aos senadores Flávio Bolsonaro (PL-RJ), Cleitinho (Republicanos-MG)
e Magno Malta (Podemos-ES). Os estadistas perderam por um voto.
Depois dos estragos desta quarta, a próxima
escala dos rojões de Motta e Alcolumbre será nas audiências promovidas pelo
ministro do STF, Flávio Dino, nesta sexta, para a discussão das emendas. A
biografia dos convidados, entre os quais não se incluem os presidentes das
Casas, sugere que a discussão jogará holofotes sobre a irracionalidade da
hipertrofia legislativa no país.
A fragilidade do rearranjo em curso obrigou o presidente a escolher as brigas em que vai entrar. Lula quer “passar longe” da guerra Irã-Israel. No mesmo dia, o presidente do Congresso promulgou lei que cria o dia da celebração da amizade Brasil-Israel valendo-se da prerrogativa aberta pela ausência de manifestação presidencial. Dias atrás, o governador do maior Estado do país compareceu a marcha evangélica enrolado na bandeira de Israel. Nas contas da ONU, apenas entre palestinos que buscavam comida em centros humanitários, o Exército de Israel fez 410 mortos.
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