É tarefa urgente do Congresso limitar os supersalários
O Globo
Em vez de diminuir, avanço da elite do
funcionalismo sobre dinheiro público tem crescido, constata novo estudo
A parcela de juízes e procuradores que
receberam vencimentos superiores ao teto constitucional em pelo menos um mês do
ano aumentou de 83% em 2018 para 92% neste ano, de acordo com o Anuário de
Gestão de Pessoas no Serviço Público 2024. Os dados do levantamento mostram que
o avanço da elite do funcionalismo sobre o dinheiro público, em vez de
diminuir, tem crescido. Por isso exige resposta imediata do Congresso. É
preciso fazer valer o limite constitucional de R$ 44.008,52, salário dos
ministros do Supremo. Supersalários já seriam injustos se sobrasse dinheiro no
Orçamento. Com o Brasil enfrentando grave crise fiscal, são um disparate.
Os beneficiados por regalias que inflam sua remuneração são uma minoria: 0,06% do funcionalismo, em especial juízes, procuradores e militares. Mas custam caro. Magistrados da ativa e aposentados receberam R$ 32,8 bilhões de reais acima do teto de 2019 a 2023, entre indenizações e direitos eventuais. Olhar para fora do país dá a dimensão da incongruência. Os gastos anuais com tribunais de Justiça representam 1,6% do PIB brasileiro, ante média de 0,5% para os países emergentes e de 0,3% para as economias avançadas. Como o custo principal da atividade jurídica está no pessoal, não é difícil descobrir a causa do desperdício.
A Constituição prevê que fiquem fora do teto
os gastos classificados como “verbas indenizatórias”. Mas não define nem
delimita essa categoria. É algo que já deveria ter sido feito por lei, mas até
hoje não foi. Com o vácuo, abriu-se a brecha para todo tipo de decisão com o
intuito implícito de burlar o espírito da Carta. Proliferam auxílios variados:
paletó, moradia, alimentação, até pré-escola. Quando contestados, costumam ser
chancelados pela própria Justiça, em claro exemplo de corporativismo da magistratura
interessada em manter as próprias benesses.
Em 2016, foi criada no Senado a Comissão
Especial do Extrateto, com o objetivo de trazer contribuições para resolver o
problema. Apresentado em 2021, o Projeto de Lei 2.721, o PL dos Supersalários,
se tornou uma resposta insatisfatória. Foi desidratado na Câmara a ponto de
incluir 32 exceções que permitiriam a manutenção da maioria dos absurdos usados
para inflar a remuneração: conversão em dinheiro de férias não gozadas de
juízes e procuradores, adicionais noturnos de funcionários do Congresso, verbas
de representação de diplomatas, isenções e compensações de militares.
O texto permanece à deriva no Congresso. Os
parlamentares deveriam dar a devida atenção ao tema. O ideal seria uma Proposta
de Emenda à Constituição que colocasse tanto verbas indenizatórias como
remuneratórias sob o teto. Se não houver consenso, o texto do PL deveria ser
modificado para acabar com as exceções, limitar drasticamente o total das
verbas indenizatórias e instaurar controles que evitem burla.
A remuneração do funcionalismo brasileiro é
repleta de distorções: salários distintos para atividades similares, falta de
conexão entre o salário e a função, descolamento do desempenho e uma barafunda
de carreiras que ninguém é capaz de entender. Tudo isso colabora para tornar a
gestão de recursos humanos confusa e a produtividade baixa. De todas as
distorções, a mais imoral são os supersalários. Em tempos de debate sobre
medidas contra o desperdício nos gastos, é urgente impor o teto aos salários do
setor público. O Congresso não pode se esquivar.
Conservação e recuperação dos manguezais têm
papel crucial no clima
O Globo
Brasil tem planos e recursos para restaurar
ecossistemas degradados. É preciso pô-los em marcha
Com quase 7,5 mil quilômetros de costa, o
Brasil é o segundo país com mais manguezais no mundo, atrás apenas da
Indonésia. Mas esses ecossistemas, formados por áreas alagáveis cobertas de
árvores, com raízes expostas que sobrevivem ao vaivém da maré, têm se degradado
nas últimas décadas, e não há restauração a contento. Um dos principais motivos
para cuidar dos mangues é o papel essencial que eles podem desempenhar na
absorção de gás carbônico da atmosfera, crítica para deter as mudanças
climáticas. Um manguezal restaurado pode reabsorver até três quartos do carbono
lançado no ar quando destruído, concluiu novo estudo do Serviço Florestal dos
Estados Unidos.
No Brasil, mais de 80% dos manguezais estão
em unidades de conservação. Mesmo aqueles em propriedades privadas são
considerados áreas de preservação permanente. Mas isso não tem impedido que
sofram com poluição, urbanização, expansão de portos e empreendimentos
imobiliários. Desde junho, o país conta com o Programa Nacional para a
Conservação e Uso Sustentável dos Manguezais (ProManguezal). A criação do
programa e a demanda por recursos para preservação e recuperação vêm em boa
hora. Mas é preciso colocá-las em prática.
É verdade que a ocupação de mangues pela
urbanização estancou nas últimas décadas. A Baía de Guanabara é um exemplo
positivo: perdeu metade dos manguezais que tinha, mas a criação de zonas de
proteção nos anos 1980 conteve a destruição. Desde então, houve pequena
recuperação. Nem todo manguezal pode, porém, ser recuperado. Entre áreas
possíveis de restaurar estão, diz o oceanógrafo Mario Luiz Soares, chefe do
Núcleo de Estudos da Uerj, as transformadas em tanques para criar camarão ou
produzir sal.
Ainda há muito poucas áreas de mangue em
restauração no Brasil, diz Richard Mackenzie, cientista do Serviço Florestal
dos Estados Unidos responsável pelo estudo que avaliou 600 iniciativas no mundo
todo para recuperá-los. “O replantio de 6.665 km² de manguezais altamente
recuperáveis tem o potencial de armazenar cerca de 46 milhões de toneladas de
carbono sozinho em 20 anos”, diz ele. É o equivalente às emissões de
combustíveis fósseis de quase todos os veículos motorizados do Reino Unido
durante um ano. Além de capturar o carbono, diz Mackenzie, os manguezais servem
para amortecer as ondas nas ressacas, responsáveis por erosões que ameaçam
comunidades no litoral.
Antes mesmo do lançamento do ProManguezal, o
BNDES liberou no ano passado R$ 47 milhões para oito projetos de restauração,
abrangendo 1.750 hectares de mangues e restingas em diversos pontos da costa. O
Programa de Gestão Integrada de Manguezais da Fundação Florestal de São Paulo
conduz o inventário de carbono de manguezais no litoral paulista, para fazer um
diagnóstico de suas fragilidades e melhorar sua conservação. São conhecidas as
áreas a preservar e restaurar, e há dinheiro à disposição. A questão agora se
resume a pôr os projetos em marcha. Não há tempo a perder.
Remendos serão insuficientes para dar solidez
ao regime fiscal
Valor Econômico
Governo criou despesas que são impossíveis de
cobrir com aumento de arrecadação
O governo está seguro de que atingirá o piso
da meta fiscal de R$ 28,8 bilhões, ao bloquear na sexta-feira mais R$ 6 bilhões
do orçamento, elevando a contenção de gastos a R$ 19,3 bilhões. Mas, ainda que
consiga, ele criou mecanismos para elevação de despesas que são impossíveis de
ser pagas ao longo do tempo com aumentos de arrecadação. Segundo a Instituição
Fiscal Independente (IFI) do Senado, a conta subirá em dez anos a algo entre R$
2,3 trilhões e R$ 3 trilhões. O pacote fiscal, que vem sendo postergado semana
após semana, traz a promessa de um ajuste estrutural para tornar o regime
fiscal sustentável. O presidente Lula realizou uma assembleia quase permanente
de ministros para discutir os ajustes e o adiamento sucessivo das medidas
indica que elas não terão grau de urgência e profundidade que a situação fiscal
requer.
O novo regime fiscal reindexou à evolução da
receita os pisos dos gastos com saúde e educação, o que, se persistir, terá um
impacto médio de R$ 459 bilhões em dez anos nas contas públicas. É sabido que o
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pretende mudar essa vinculação e
indexá-la à regra de aumento das despesas, com variação real de 0,6% a 2,5% ao
ano. A mudança não significaria corte de gastos, mas redução em sua velocidade
de crescimento, pois a receita primária da União cresceu 7,6% acima da inflação
e vem batendo recordes. O ministro da Casa Civil, Rui Costa, um crítico
conhecido da medida, disse que não haverá cortes nesses gastos, o que pode
indicar que os pisos continuarão como estão, como defende.
O maior crescimento dos gastos está vindo
também da indexação do salário mínimo à inflação mais o avanço do PIB de dois
anos antes. Estimativas da IFI mostram que isso acarretará aumento médio de R$
1,2 trilhão nas despesas. Durante meses, a posição do presidente Lula e do PT
foi a de que esse sistema de reajuste é inegociável. A equipe econômica
pretende pelo menos limitar essa evolução, também pela regra do teto de
despesas, com um máximo de 2,5% acima da inflação. Se nada mudar, o salário
mínimo terá crescimento real já contratado de 3% em 2025 e 2026, de forma que a
redução do ritmo de reajuste não seria muito drástica, tornando palatável uma
decisão política difícil para o presidente. Esta questão, como a dos pisos de
saúde e educação, só será respondida quando o pacote de ajuste vier à tona.
Mas há elevação de gastos que se tornaram
difíceis de reverter. A PEC de Transição elevou o déficit primário de 0,6% para
2,4% do PIB no primeiro ano do governo Lula e nada foi indicado como
contrapartida a essa majoração de gastos, como deveria ter sido feito.
Uma parte dos recursos da PEC foram para
elevar o pagamento mensal do Bolsa Família para R$ 600 quando, com o fim da
pandemia, ele deveria retornar aos R$ 400. Hoje, com outros itens acrescidos, o
pagamento médio está em torno de R$ 670. O ajuste para R$ 600 trouxe alta real
de gastos de R$ 598 bilhões em uma década.
Outra grande despesa contratada é decorrência
dos compromissos que o governo assumiu para poder aprovar a reforma tributária,
com provisões ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional e ao Fundo de
Compensação de Benefícios Fiscais - ressarcindo benefícios concedidos
irresponsavelmente pelos Estados durante a guerra fiscal. Os enormes benefícios
da reforma trarão ganhos maiores, mas o fato é que o impacto entre 2029 e 2034
do aporte aos fundos será de R$ 339,6 bilhões, sem que se saiba de onde virão os
recursos para isso.
Com malabarismos, o primeiro ano de vigência
do regime fiscal deve terminar com o piso da meta cumprido - um rebaixamento
planejado de expectativas, para não ter de passar por um arrocho de despesas em
pleno ano eleitoral de 2026. O comportamento das receitas tem sido excepcional,
com recorde de arrecadação em todos os meses do ano - houve alta real em
outubro de 9,77% em relação ao mesmo mês de 2023. De janeiro a outubro, as
receitas atingiram R$ 2,182 trilhão, 9,69% reais.
O empoçamento dos gastos - despesas
autorizadas e não realizadas - seguirá a média recente, em torno de R$ 21
bilhões por ano. Recursos para a reconstrução do Rio Grande do Sul após
enchentes e combate a incêndios, de R$ 44 bilhões ficarão fora do teto e não
pesarão no resultado. O IFI chama a atenção para a suspensão do pagamento das
emendas determinado pelo Supremo Tribunal Federal, que pode ajudar o governo a
fechar as contas neste ano, mas piorar a do próximo. Dos R$ 45,3 bilhões
previstos foram pagos até outubro R$ 28,4 bilhões, restando ainda R$ 16,9
bilhões. Se o STF julgar que o projeto que o Congresso aprovou não cumpre as
regras do acordo feito, elas não serão repassadas este ano. Como R$ 13,2
bilhões são emendas impositivas (individuais e de bancada), possívelmente serão
incluídas nos restos a pagar e quitadas em 2025.
Ao expurgar tanto receitas como despesas que
não se repetirão, o IFI chegou a um déficit recorrente de R$ 99,2 bilhões entre
janeiro e outubro, mais próximo da realidade das contas públicas. É possível
revertê-lo se o ajuste, pelo menos, se concentrar nos itens que estão
desequilibrando o regime fiscal. É o mínimo que se espera.
Fiasco da COP29 coloca pressão sobre o Brasil
Folha de S. Paulo
Acordo de US$ 300 bi anuais, muito aquém do
US$ 1,3 tri almejado, força país a reabrir negociação na COP30 de Belém, em
2025
O fim dos trabalhos na Conferência das Nações
Unidas sobre Mudança
Climática de Baku, a COP29,
demonstra que alcançar um acordo final não exime seus participantes de serem
cobrados por um malogro considerável.
Do encontro no Azerbaijão esperava-se
primordialmente a definição de um valor coerente para o financiamento climático
dos países em desenvolvimento pelas nações mais ricas. É preocupante, pois, o
fato de ter havido consenso sobre cifra tão diminuta.
O montante
anual de US$ 300 bilhões, a ser desembolsado até 2035, foi cravado
no texto na madrugada deste domingo (24), em Baku, passado mais de um dia do
fim da conferência. Distante do US$ 1,3 trilhão ao ano almejado, seria um
valor risível não fossem os recorrentes desastres advindos da
mudança climática.
Antecipado por inúmeras cassandras, o acordo
pífio refletiu a tensão primária de cada negociação desde a longínqua Rio-92,
quando a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas foi
adotada —ou seja, a conta a ser paga pela transição energética e as medidas de
adaptação e de mitigação dos efeitos do
aquecimento global.
O compromisso das democracias
industrializadas —que se desenvolveram à custa de fabulosas emissões de gases
do efeito estufa ao longo de dois séculos— de cobrir as despesas de países mais
pobres e vulneráveis acabou diluído. O meio ambiente e
a corrida contra o tempo passaram ao largo no Azerbaijão.
A condução azeri, que mergulhou os
negociadores em questões secundárias, em muito pesou no resultado. Por se
tratar de um petroestado autoritário, não foi exatamente uma surpresa, mas a
COP29 desnudou outros entraves que certamente desafiarão o Brasil como líder
da COP30 de
Belém, em novembro de 2025.
A onipresença de Donald Trump,
que estará de volta à Casa Branca em janeiro, foi perceptível. Os europeus,
ressabiados com a possível nova saída de Washington do Acordo de
Paris, recuaram na cifra a ser aportada pelas economias mais ricas,
enquanto os americanos desapareciam das discussões.
A desatualizada classificação dos países por
seu grau de desenvolvimento econômico imprimiu
inconsistência ao xadrez de Baku. A China,
maior emissora de gases e segunda potência econômica global, saiu-se ilesa de
integrar o grupo doador obrigatório de recursos —com o vexatório apoio do
chamado Sul Global.
Tais entraves estarão vivos na COP30, quando
espera-se fechar um compromisso mais ambicioso dos quase 200 países sobre a
redução das emissões; um objetivo absolutamente crucial para o futuro
sustentável do planeta.
Ao aceitar um trato ruim em Baku, por
considerá-lo melhor que um desacordo indefinido no tempo, o Brasil ruminará o
desafio adicional de reabrir as discussões sobre financiamento climático. Mas,
na COP30, um desenlace precário terá peso ainda maior.
Mais déficit público e menos comércio ameaçam
o mundo
Folha de S. Paulo
Diretora-geral do FMI aponta à Folha riscos
para a economia global, que tendem a ser agravados com Trump nos EUA
Em entrevista à Folha, a diretora-geral
do Fundo Monetário Internacional, Kristalina
Georgieva, aponta alguns dos principais riscos da economia mundial.
Como resultado da pandemia,
que levou a maiores gastos públicos e da redução do ritmo de crescimento,
aumentaram os pesos das dívidas governamentais, que oneram e aprisionam
sobretudo países de renda mais baixa.
O FMI estima
que o endividamento público global deve ultrapassar US$ 100 trilhões neste ano
e continuar crescendo até 2030, quando deve atingir 100% do Produto Interno
Bruto planetário.
O quadro fica agravado ainda por outro legado
problemático deixado pela crise sanitária —a maior competição por recursos
naturais e a busca por maior internalização de cadeias produtivas com políticas
defensivas focadas na segurança nacional.
A eleição de Donald Trump para
a Presidência dos Estados
Unidos, embora não citada pela diretora, deve levar ao aumento do
protecionismo e possível fragmentação do comércio,
que já desacelera há alguns anos.
Ficou para trás a época em que exportações e
importações cresciam além do PIB. Isso é um
problema porque a ferramenta das trocas é especialmente importante para o
desenvolvimento dos países de menor renda.
Nos últimos anos a economia mundial mostrou
força, mas o Fundo espera que a taxa de crescimento passe dos 3,8% anuais
observados até a pandemia para 3% nos próximos cinco anos.
Menor dinamismo, por causa do insuficiente
avanço da produtividade e fatores demográficos, torna mais difícil lidar com o
peso do endividamento e pode comprometer políticas públicas de proteção aos
mais pobres.
A resposta, segundo a diretora do FMI, é
acelerar reformas internas para controlar dívidas e ampliar investimentos, além
de maior cooperação internacional. O FMI e os bancos de desenvolvimento
multilaterais, caso do Banco Mundial,
devem disponibilizar mais recursos com prioridade para investimentos, segurança
das cadeias de suprimentos e proteção a eventos climáticos.
Para tanto, a sugestão é a ampliação do uso
de mecanismos de financiamento, com mobilização dos direitos especiais de saque
(SDR, na sigla em inglês), uma espécie de alocação de reservas proporcional ao
capital detido pelos países membros do FMI.
Para o Brasil, há relativo otimismo com o
crescimento, projetado em 2,5% ao ano a médio prazo. Mas o FMI considera que
a dívida
pública é elevada e o país já cobra muitos impostos.
O juiz que marca e cobra o pênalti
O Estado de S. Paulo
Moraes não pode seguir atuando como vítima,
delegado, promotor e juiz e deveria declarar-se impedido de relatar o inquérito
que apura o plano golpista para manter Bolsonaro no poder
Para o bem do Brasil, o ministro Alexandre de
Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), deveria declarar-se impedido de
relatar o inquérito que apura a elaboração de um plano golpista após as
eleições de 2022. Poderia ir além e tornar-se apenas o primeiro de outros
movimentos igualmente benéficos para o bom funcionamento do STF e a
legitimidade de suas decisões, como declarar-se impedido também de julgar o
caso quando este chegar ao plenário da Corte. No inquérito, a Polícia Federal
(PF) indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro, o general da reserva Braga Netto,
ex-ministro da Defesa e candidato a vice-presidente, e outras 35 pessoas.
Embora seja improvável que Moraes ignore tal
clamor, seria um gesto de grandeza, com abdicação republicana de sua
reconhecida afeição pelo protagonismo político, policial e judicial. Ao
fazê-lo, o ministro evitaria deixar brechas desnecessárias que venham, no
futuro, permitir a anulação de processos, como ocorreu na malfadada Operação
Lava Jato, ou mesmo que se volte a falar na delirante ideia de anistia que
sistematicamente ronda o Congresso.
O Inquérito 4.874 adquiriu contornos ainda
mais graves depois que a Operação Contragolpe, da PF, revelou um audacioso
plano para matar o presidente Lula da Silva, o vice-presidente Geraldo Alckmin
e o próprio ministro Moraes. As tramas destrinchadas pela PF, caso sejam
comprovadas, indicam que pode ter havido uma tentativa de golpe de Estado
urdida por civis e militares inconformados com a democracia. A extensão do
furor delitivo, o número de envolvidos, o grau de participação de Bolsonaro e
que tipo de punição merece tamanha afronta à democracia e à vontade popular
serão objeto de análise dos ministros do STF, sob a liderança do relator. Não
há o que questionar até aí. O duvidoso é o quanto a relatoria de Moraes pode
tisnar o que precisa ser inquestionável.
Já tem longa vida o incômodo com a mixórdia
de poderes adquiridos por Moraes, hoje um onipotente e onisciente condutor de
inquéritos sigilosos e onipresentes. Tudo começou em 2019, com o inquérito
das fake news, aberto de ofício pelo ministro Dias Toffoli, então
presidente do STF. No ano seguinte, por sorteio, chegou ao gabinete de Moraes o
inquérito dos atos antidemocráticos, que se desdobrou, em 2021, para a
investigação sobre milícias digitais. Em 2022, as investigações passaram a
abarcar também atos como o bloqueio de rodovias e os pedidos de intervenção
militar em acampamentos golpistas. No ano passado, Moraes e sua equipe ganharam
nova responsabilidade: as investigações e ações penais dos atos do 8 de
Janeiro.
Desde então, inquéritos que deveriam prever
prazo para acabar, ser transparentes e ter objeto determinado foram prorrogados
livremente, assim como também se avançou em cautelares distorcidas, combate à
ganância das Big Techs, investigação da falsificação do cartão de vacinas de
Bolsonaro e outros tentáculos. Sob a chancela dos seus pares, Moraes se
autoatribuiu o papel de livrar a democracia do extremismo e do discurso de
ódio, motivando-se a censuras, bloqueios de contas, multas exorbitantes e
prisões preventivas cuja legalidade não pôde ser verificada, porque correm sob
sigilo. Em muitos casos, nem um “Auto de Fé”, o ritual de penitência dos tempos
sombrios da Inquisição, pôde ser ofertado a hereges alvos de suas penalidades.
Naturalizou-se ainda sua multiplicidade de papéis, entre as funções de
delegado, promotor e juiz – além de vítima. É essa condição que se deseja
evitar com um eventual impedimento de Moraes como relator do inquérito. Não
deveria ser o único gesto, mas será um bom começo.
Que não reste dúvida sobre o entendimento
deste jornal: o Brasil, ao que parece, quase foi alvo de uma intentona
golpista, cujo extremo pode ter sido a montagem de um plano destinado a matar
autoridades, Bolsonaro foi, no mínimo, o estimulador-geral do espírito golpista
daquele tempo, e seus artífices e executores precisam ser julgados por seus
crimes. Nada disso, porém, reduz o dano dos excessos produzidos pelo ministro
Moraes nem oblitera a sua condição de alvo, vítima ou objeto da mesma causa que
estará relatando, acusando e julgando. Não há virtuose de tal ordem na defesa
recente da democracia que justifique tantos poderes.
A prudente aproximação com a China
O Estado de S. Paulo
Brasil evita envolvimento mais profundo com
os chineses para manter abertas as portas com o Ocidente. Mas Lula não resiste
e louva uma China ‘pacífica’ que só existe na sua cabeça
A rivalidade entre EUA e China desperta
apreensões em todo o mundo, de Bruxelas a Nova Délhi, de Riad a Camberra. Em
Brasília não é diferente, mas o Brasil está comparativamente bem posicionado. O
País tem uma longa tradição diplomática de não alinhamento, um grande mercado
interno, um parque industrial razoavelmente diversificado, uma imensa e intensa
produção agropecuária, recursos naturais críticos, uma matriz energética limpa
e grande potencial para a transição energética.
Além de expandir exportações de commodities
para ambos os lados, o Brasil pode seguir importando manufaturados e pactuando
projetos de infraestrutura com a China sem ferir suas relações com o bloco
ocidental, e pode continuar recebendo capital, importando tecnologias
inovadoras e afirmando valores comuns ao Ocidente sem atritos com o regime de
Pequim. Em termos de políticas de Estado, os quadros diplomáticos do Itamaraty
têm feito a sua parte para manter equidistância e aproveitar oportunidades. Já
o desempenho da diplomacia presidencial, seja a do incumbente Lula da Silva,
seja a do seu antecessor, Jair Bolsonaro, é mais ambivalente.
Na América do Sul, o cenário é de expansão da
China e estagnação dos EUA. As cúpulas da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico e
do G-20 foram sintomáticas. No Peru, enquanto o presidente americano, Joe
Biden, doava um punhado de helicópteros para combater o narcotráfico, o
presidente chinês, Xi Jinping, inaugurava um megaporto. No Brasil, enquanto
Biden prometeu em Manaus irrisórios US$ 50 milhões para a Amazônia, Xi, com
pompa e circunstância em Brasília, assinou um pacote de 37 acordos nas áreas de
agricultura, indústria, investimentos e infraestrutura.
Se conduzidos com apuro técnico e estrita
observância aos interesses nacionais, acordos como esses podem trazer grandes
benefícios ao Brasil, a começar pela possibilidade, ainda remota, mas
promissora, de abrir eixos de infraestrutura ligando a exportação e importação
nacional ao Pacífico. Isso não implica um jogo de soma zero. EUA e Europa ainda
são de longe os maiores responsáveis por Investimentos Estrangeiros Diretos no
Brasil, ante os quais o montante da China não faz nem sombra.
O retorno de Donald Trump à Casa Branca deve
conferir a Pequim oportunidades ainda maiores na região. Se suas promessas
protecionistas forem cumpridas, terão impactos em todo o mundo. Mas, a rigor,
as relações institucionais com o Brasil não precisam ser particularmente
afetadas, nem áreas de cooperação no comércio, investimentos ou tecnologia.
Já o presidente Lula, se cumpriu o riscado
diplomático ao parabenizar prontamente Trump pela vitória, cometeu a
indelicadeza, dias antes, de manifestar apoio a Kamala Harris e insinuou que o
retorno de Trump seria “o fascismo e o nazismo voltando a funcionar com outra
cara”. Nas vésperas do G-20, a primeira-dama Janja da Silva disparou seus
infames vitupérios contra Elon Musk, que estará no futuro governo Trump. Guerra
cultural numa hora dessas?
Em relação à China, Lula foi pragmático ao
não aderir à Nova Rota da Seda. O fatiamento dos projetos pode garantir os
bônus em infraestrutura sem o ônus geopolítico. Lula poderia ter parado por aí.
Mas sua incontinência ideológica falou mais alto. “Em um mundo assolado por
conflitos e tensões geopolíticas”, disse, “China e Brasil colocam a paz, a
diplomacia e o diálogo em primeiro lugar.” Não bastasse a opressão doméstica de
seu regime totalitário, Pequim tem uma diplomacia truculenta, é esteio de ditaduras
disruptivas, como Rússia, Irã ou Venezuela, confronta vizinhos como a Índia,
faz manobras belicosas no Mar do Sul e tem o projeto declarado de invadir
Taiwan. Equiparar o protagonismo dos dois países na conformação da nova ordem
global – além de irreal, dada a assimetria entre uma superpotência global e uma
potência média regional – é um desserviço à tradição diplomática nacional, e
alinhá-los, ainda que retoricamente, é uma provocação desnecessária aos
parceiros ocidentais.
A articulação do equilíbrio entre China e EUA
é complexa, mas o princípio é simples: mais pragmatismo, menos ideologia.
Um Brasil que não lê
O Estado de S. Paulo
Pela primeira vez, brasileiros que não
costumam ler livros são maioria, segundo pesquisa
Brasileiros que não costumam ler um livro
tornaram-se maioria no Brasil, informa a pesquisa Retratos da Leitura no
Brasil, que traz dados inquietantes sobre o perfil dos leitores no País. A
pesquisa ouviu 5.504 pessoas em 208 municípios, entre abril e julho deste ano,
e constatou que 53% das pessoas entrevistadas afirmam não ter lido um livro,
mesmo incompleto, nos três meses anteriores à pergunta – prazo que, segundo os
pesquisadores, permitiria classificá-las de leitoras. É a primeira vez, em seis
edições da pesquisa, que o número de não leitores superou o de leitores. Nos
últimos cinco anos, o Brasil perdeu 6,7 milhões de leitores, queda registrada
em todas as classes sociais, faixas etárias e níveis de escolaridade.
Não é novidade o baixo índice de leitura no
Brasil, em geral aplacado de maneira circunstancial pelo habitual sucesso de
eventos como a Bienal do Livro de São Paulo – a deste ano reuniu 722 mil
pessoas no Distrito Anhembi, teve quatro dos dez dias com ingressos esgotados e
um balanço geral de vendas acima das expectativas. Mas o retrato da pesquisa
demonstra que a histórica pouca valorização do livro e da leitura, seja no
ambiente escolar ou no familiar, chega a níveis perturbadores, agravados pelos
hábitos relacionados à internet, às redes sociais e às restrições econômicas e
sociais. Quase metade dos entrevistados declarou que não leu mais por falta de
tempo – a atenção ao livro é uma dramática disputa contra a internet, o
WhatsApp ou Telegram, as redes sociais e a televisão.
E um contexto igualmente grave: uma escola
pública que, em muitos casos, tem dificuldade de criar ambiente propício à
leitura. Basta ver a redução do número de pessoas que apontam a sala de aula
como lugar de leitura. Em 2007, 25% citavam o espaço escolar, índice que caiu
para 19% neste ano, efeito direto de uma realidade em que mais da metade das
escolas de ensino básico no Brasil não tem uma biblioteca. Não existe mágica: a
escola é decididamente o principal espaço para desenvolver o gosto pela leitura,
como mostram algumas correlações diretas entre qualidade da rede de ensino e o
ranking de leitores. Incluem-se aí Estados como Santa Catarina, Paraná, Goiás,
Espírito Santo e Ceará, citados por recentes pesquisas pelos avanços no
aprendizado. Mas convém cautela na análise mesmo nas regiões com indicadores
positivos, como os leitores do Sul, pois os altos índices sulistas concentram
pessoas mais velhas que, em sua maioria, são leitoras da Bíblia e outros livros
religiosos.
O fato é que o Brasil ainda deve mais atenção
aos projetos de formação de leitores, de bibliotecas comunitárias e, claro, de
reforço da infraestrutura nas escolas públicas. Muitos desses projetos padecem
de descontinuidade, carência de recursos e atratividade para jovens leitores.
Mas é possível, sim, construir projetos e ferramentas que mostrem ao País que
livros podem ser ótimos brinquedos para crianças e imprescindíveis ferramentas
para o crescimento profissional e humano de jovens e adultos. Não custa lembrar,
como escreveu o poeta Mário Quintana, que os verdadeiros analfabetos são
aqueles que aprenderam a ler e não leem.
COP30 e a liderança do Brasil
Correio Braziliense
Em novembro de 2025, a COP30 concentrará, em
Belém, no Pará, as discussões sobre as questões envolvendo os desafios que as
mudanças climáticas colocam para os governos
Detentor da maior biodiversidade do planeta,
o Brasil sediará, pela primeira vez, uma edição da Conferência do Clima das
Nações Unidas. Em novembro de 2025, a COP30 concentrará, em Belém, no Pará, as
discussões sobre as questões envolvendo os desafios que as mudanças climáticas
colocam para os governos, além de outros temas, como a transição energética.
Depois da frustração com a COP29, encerrada sábado no Azerbaijão, a
responsabilidade das autoridades brasileiras na condução do próximo encontro
ganha mais peso.
Em Baku, as conversas não conseguiram atingir
o esperado consenso sobre o financiamento para as necessárias medidas de
prevenção e de socorro diante de eventos extremos. A meta anual na casa do
trilhão de dólares, valor pedido pelos países em desenvolvimento aos mais ricos
para possibilitar as ações globais, ficou muito distante. O acordo, firmado em
US$ 300 bilhões por ano, foi considerado irrisório por especialistas. Com isso,
a presidência do Brasil precisará apresentar uma atuação diplomática bastante eficiente
para tentar reajustar o fracasso do documento assinado no fim de semana.
Ciente da importância da futura plenária, a
ministra Marina Silva recebeu o bastão e destacou: "É com grande senso de
responsabilidade e cientes do enorme desafio coletivo que nos está sendo
entregue, que o Brasil recebe do Azerbaijão a presidência designada da
Conferência das Partes. Sabemos como chegamos até aqui e sabemos dos desafios
que estão postos aqui para cada um de nós".
A busca por solução das urgentes demandas,
que tendem a aumentar em consequência do resultado ruim da COP29, exige um
esforço imediato — e constante — de negociações para que os trabalhos em Belém
entreguem o que se espera. Como anfitrião, o Brasil precisa dar a largada nesse
processo e desde já assumir o protagonismo nos debates. O presidente Luiz
Inácio Lula da Silva tem a ambição de que a edição no Norte do país seja um
marco para o meio ambiente global, mas, para tanto, deve começar a alinhar a
colaboração entre as lideranças.
A jornada de 2025, além da missão de ampliar
significativamente os recursos destinados para subsidiar o enfrentamento das
mudanças climáticas, terá ainda de tratar do mercado internacional de carbono,
da elevação das temperaturas e outros assuntos que seguem com lacunas. A
pressão para encontrar um equilíbrio no regramento e nas fontes de
financiamento para mitigar os efeitos dos desastres é enorme, porém não se pode
deixar de lado a formação de alianças fortes para barrar o avanço da destruição
do planeta.
O Brasil tem de encarar desde já a tarefa de
mobilizar governos, setores privados e sociedade civil se quiser assegurar o
sucesso da COP30. A solidariedade que faltou nas mesas de Baku precisa agora
sobrar nos gabinetes, e alinhavar esses pontos cabe aos donos da casa do
encontro de 2025.
Um comentário:
Li todos os editoriais,não concordo com o Estadão,eu que Moraes pode e deve julgar os casos em questão,e quanto ao índice de leitura do brasileiro,com certeza as pessoas mentiram e muito,eu não conheço ninguém que tenha o hábito da leitura,nem de artigo,muito menos de livros.
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